EXAME Junho 2020
Numa altura em que o mundo se confronta com uma das maiores crises globais, o regresso do futebol pode trazer alegrias (e amarguras) a milhões de adeptos. Mas os custos da paragem podem ser demasiados altos em alguns campeonatos, incluindo o moçambicano. Fomos ver o que representam. O dossier de commodities, aborda o impacto da queda dos preços na economia moçambicana, também reflectido no orçamento (que analisamos nesta edição). Este foi o tema de um webinar que apoiámos, promovido pela Delegação da União Europeia, em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a Eurocam, disponível em www.eumoztalks.com. No nosso especial "Inovação" abordamos o crescimento do comércio electrónico e a crescente importância da cibersegurança.
Numa altura em que o mundo se confronta com uma das maiores crises globais, o regresso do futebol pode trazer alegrias (e amarguras) a milhões de adeptos. Mas os custos da paragem podem ser demasiados altos em alguns campeonatos, incluindo o moçambicano.
Fomos ver o que representam.
O dossier de commodities, aborda o impacto da queda dos preços na economia moçambicana, também reflectido no orçamento (que analisamos nesta edição). Este foi o tema de um webinar que apoiámos, promovido pela Delegação da União Europeia, em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a Eurocam, disponível em www.eumoztalks.com.
No nosso especial "Inovação" abordamos o crescimento do comércio electrónico e a crescente importância da cibersegurança.
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COMMODITIES ● A crise devastou<br />
o preço das matérias-primas<br />
OE <strong>2020</strong> ● O cenário externo<br />
mudou com a COVID-19<br />
Nº 89 v <strong>Junho</strong> <strong>2020</strong> v 200Mt v 5 Edição Moçambique<br />
O RETORNO<br />
DO FUTEBOL<br />
O grande futebol está de regresso à TV, com estádios, por enquanto, vazios.<br />
Um símbolo da “nova normalidade” que tenta fintar a pandemia. Transferências<br />
milionárias não faltarão quando reabrir o mercado de jogadores.<br />
Os clubes, incluindo os moçambicanos, fazem contas à vida. Os da elite europeia<br />
são demasiado grandes para cair. Segue o espectáculo.<br />
INOVAÇÃO<br />
Comércio<br />
electrónico<br />
dispara
REVISTA MENSAL — ANO 7 — N O 89 — JUNHO <strong>2020</strong><br />
TIRAGEM: 10 000 EXEMPLARES — CAPA: GETTY<br />
30<br />
SÓNIA MATSINHE:<br />
Novos e nutritivos<br />
paladares do pão<br />
NEGÓCIOS<br />
30 Empreendedora A marca O Paladar D’ Terra, de Sónia Matsinhe,<br />
faz pães nutritivos à base de farinha de trigo e tubérculos<br />
34 Finanças A procura de novas tecnologias financeiras, suscitada<br />
pela pandemia, abre uma oportunidade às fintechs<br />
ECONOMIA<br />
36 Dívida Moçambique quer Credit Suisse e VTB a pagarem pela<br />
reestruturação dos títulos soberanos, derivados da EMATUM<br />
40 Orçamento A pandemia piorou o cenário internacional<br />
de referência do OE <strong>2020</strong><br />
44 Crescimento O Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipa<br />
que estabilizará ao nível do último ano<br />
COMMODITIES<br />
50 Exportações Estão a cair devido à doença das commodities, cujo<br />
preço foi infectado pelo vírus pandémico<br />
D.R.<br />
40<br />
ADRIANO<br />
MALEIANE:<br />
O ministro<br />
da Economia<br />
e Finanças gere<br />
o OE sob o impacto<br />
da COVID-19<br />
56<br />
CARLOS ZACARIAS:<br />
O presidente do INP<br />
garante que os<br />
prazos do projecto<br />
do gás se mantêm<br />
EDILSON TOMÁS<br />
56 Gás A crise não irá comprometer o arranque da primeira produção<br />
e exploração de GNL do Projecto Coral Sul, garante Carlos Zacarias,<br />
presidente do INP<br />
60 Webinar A evolução do preço das commodities foi o tema do<br />
primeiro Webinar organizado pela União Europeia em parceria<br />
com o Ministério da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />
64 Caju A quebra do preço da amêndoa nos mercados internacionais<br />
foi ditada pela concorrência desleal e agravada pela pandemia<br />
ESPECIAL<br />
68 Comércio electrónico Aumentou muito as suas vendas com<br />
a pandemia<br />
68 Cibersegurança A segurança na rede deverá estar no centro<br />
da inovação empresarial<br />
76 Digitalização Para Sérgio Gomes, do FNB, a pressão que as<br />
fintechs colocam aos bancos impulsiona soluções e canais digitais<br />
78 Banca Precisa de manter o ritmo de mudança, inovando<br />
as plataformas e introduzindo novas ferramentas que criem<br />
diferenciação, diz Sansão Monjane, do FNB<br />
D.R.<br />
SECÇÕES<br />
Editorial 6<br />
Primeiro Lugar 8<br />
Grandes Números 12<br />
Oil&Gas 46<br />
Bazarketing 48<br />
Exame Final 82<br />
4 | Exame Moçambique
CAPA<br />
14 Regresso do futebol<br />
O grande espectáculo dos campeonatos milionários<br />
está de volta à televisão, ainda que emoldurado por<br />
bancadas vazias. A factura da pandemia é pesada, mas<br />
os clubes onde jogam os ídolos são grandes de mais<br />
para cair. Por cá, o vírus também atacou em força<br />
o Moçambola<br />
GETTY
CARTADODIRECTOR<br />
IRIS DE BRITO<br />
DIRECTORA<br />
E A BOLA VOLTA<br />
A ROLAR<br />
O<br />
“desporto rei” sai do confinamento mas<br />
ainda em distanciamento social. Não<br />
podemos ficar indiferentes às bancadas<br />
vazias ou à ausência dos gritos das multidões<br />
ao rubro. Vinte e dois jogadores em campo.<br />
Os estádios vazios. É a “nova normalidade” que<br />
nos foi imposta por um inimigo silencioso,<br />
que a todos tenta intimidar, e que conseguiu<br />
o impensável: parar o futebol mundial. Como PARA MUITAS<br />
diria o jornalista e locutor desportivo português,<br />
Jorge Perestrelo (1948-2005): “O que é<br />
MULHERES<br />
PODERÃO<br />
isso, minha nossa senhora?” Mas a nossa história<br />
é uma história de superação e de adaptação<br />
ao ambiente que nos rodeia. Utilizando as 90 MINUTOS<br />
SER OS SEUS<br />
palavras de Stephen Hawking, “inteligência é a<br />
DE PAZ E SOSSEGO<br />
capacidade de se adaptar à mudança”. Assim,<br />
face às circunstâncias, os relvados voltam a ser palco dos campeonatos<br />
nacionais da primeira divisão e a bola volta a rolar dentro das quatro linhas<br />
numa tentativa de minimizar as perdas financeiras, que são milionárias nos<br />
principais campeonatos europeus, e que colocam em causa a sustentabilidade<br />
dos clubes no campeonato nacional Moçambicano — o Moçambola.<br />
Contudo, jogadores e técnicos são sensíveis à ausência dos adeptos nas<br />
bancadas e da chama do calor humano que, tantas vezes, tem o poder de<br />
unir povos e nações em torno de uma emoção que só a magia da competição<br />
desportiva ao mais alto nível consegue emanar. Essa magia foi sentida<br />
em momentos icónicos como em Maio de 1995, quando um jogo de râguebi<br />
conseguiu unir a África do Sul, inspirada pelo espírito aglutinador de Nelson<br />
Mandela; ou em 2016, quando a lusofonia se uniu para sofrer por Portugal<br />
e celebrar a sua histórica vitória no Campeonato Europeu de Futebol.<br />
E porque atravessamos um momento peculiar e particularmente desafiante<br />
da nossa história recente, aproveitemos o regresso do futebol para relembrar<br />
momentos de perseverança, de brilho e, principalmente, de superação.<br />
Infelizmente, para muitas mulheres estes poderão ser os seus 90 minutos<br />
de paz e sossego. Isto porque, de acordo com dados da Organização Mundial<br />
de Saúde (OMS), na Europa, durante o período de confinamento, o<br />
número de casos de violência contra as mulheres registou um aumento de<br />
até 60%, em comparação com o mesmo período do ano passado. Perante<br />
este cenário, a FIFA associa-se à OMS. Em Moçambique, dez anos depois<br />
da aprovação da lei contra a violência doméstica, os 90 minutos poderão<br />
ser uma oportunidade para salvar uma vida. b<br />
Edifício Rovuma, Rua da Sé, n.º 114,<br />
Escritório 109<br />
MAPUTO, MOÇAMBIQUE<br />
geral@examemocambique.co.mz<br />
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Director Executivo: Luis Faria<br />
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Arte: Pedro Bénard<br />
Colaboradores Regulares:<br />
Valdo Mlhongo,<br />
Thiago Fonseca (crónica),<br />
Edilson Tomás (fotografia),<br />
Colaboraram nesta edição:<br />
André Pipa, Luís Fonseca, Ricardo David Lopes.<br />
Direitos Internacionais:<br />
<strong>EXAME</strong> Brasil (texto e imagens),<br />
AFP, Graphic News e IStockPhoto<br />
Coordenação Geral: Marta Cordeiro (projecto),<br />
Inês Reis (arte)<br />
Multimédia e Internet: Plot.<br />
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Impressão: Minerva Print<br />
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Maputo<br />
A revista <strong>EXAME</strong> (Moçambique) é um<br />
licenciamento internacional da revista <strong>EXAME</strong><br />
(Brasil), propriedade da Editora Abril.<br />
Sociedade Moçambicana<br />
de Edições, Lda.<br />
Director-Geral<br />
Miguel Lemos<br />
Conselho de gerência<br />
Luís Penha e Costa<br />
Rui Borges<br />
António Domingues<br />
6 | Exame Moçambique
junho <strong>2020</strong> | 19
PRIMEIRO<br />
LUGAR<br />
MOÇAMBIQUE ESSENCIAL. PEQUENAS NOTÍCIAS SOBRE UM GRANDE PAÍS<br />
RECUO: No primeiro trimestre as trocas comerciais<br />
entre Moçambique e a China diminuíram 26% face a 2019<br />
D.R.<br />
COMÉRCIO<br />
MENOS TROCAS COM A CHINA<br />
Entre Janeiro e Março deste ano as trocas comerciais entre Moçambique<br />
e a China registaram uma quebra superior a 26% em comparação<br />
com o mesmo período do último ano, situando-se em<br />
476 milhões de dólares, de acordo com as estatísticas dos Serviços<br />
de Alfândega da China. Moçambique exportou para Pequim bens<br />
no valor de 157 milhões de dólares e importou mercadorias com um<br />
valor superior a 318 milhões de dólares. Se as compras de Moçambique<br />
à China aumentaram, em Março, uns expressivos 157,6% face<br />
a Fevereiro, as exportações moçambicanas para a segunda maior<br />
economia do mundo caíram mais de 27%. Em Março, as trocas entre<br />
os dois países superaram os 158 milhões de dólares.<br />
De Janeiro a Março de <strong>2020</strong>, as trocas comerciais entre a China<br />
e os Países de Língua Portuguesa foram de 31,968 mil milhões<br />
de dólares, o que representa um decréscimo homólogo de 5,13%.<br />
As importações da China dos Países de Língua Portuguesa foram<br />
de 23,227 mil milhões de dólares, um recuo, face ao mesmo período<br />
do ano anterior, de 5,15%, enquanto as exportações da China para<br />
os Países de Língua Portuguesa foram de 8,741 mil milhões de dólares,<br />
um decréscimo homólogo de 5,08%. No mês de Março as trocas<br />
comerciais foram de 10,593 mil milhões de dólares, aumentando<br />
20,36% face ao mês anterior. As importações da China dos Países<br />
de Língua Portuguesa foram de 7,503 mil milhões de dólares, um<br />
aumento de 0,71% face ao mês anterior, enquanto as exportações<br />
da China para os Países de Língua Portuguesa foram de 3,09 mil<br />
milhões, um aumento de 128,74% face ao mês anterior. Entre os<br />
países que falam português o principal parceiro comercial da China<br />
continua a ser, de longe, o Brasil, com as trocas entre os dois países<br />
a atingirem 24,7 mil milhões de dólares entre Janeiro e Março<br />
deste ano, decaindo ligeiramente face a igual período de 2019.<br />
Já Angola, o segundo maior parceiro da China no grupo de países,<br />
regista uma queda acentuada no valor do seu comércio com<br />
a potência asiática, superior a 16% no primeiro trimestre do ano.<br />
Portugal é o terceiro parceiro comercial da China entre os Países<br />
de Língua Portuguesa e Moçambique o quarto.<br />
8 | Exame Moçambique
O mundo enfrenta uma das batalhas mais críticas para a existência<br />
da Humanidade.<br />
Filipe Nyusi, Presidente da República.<br />
CONSÓRCIO<br />
PLATAFORMA DE GÁS NATURAL AVANÇA<br />
O consórcio Coral Floating Liquefied<br />
Natural Gas SA anunciou a conclusão<br />
da montagem do primeiro módulo do<br />
casco da plataforma que irá produzir<br />
gás natural no Norte do país.<br />
Num comunicado, citado pelo fórum<br />
para a cooperação económica e comercial<br />
entre a China e os Países de Língua<br />
Portuguesa, o consórcio refere que foi<br />
montado o módulo de geração de energia<br />
na plataforma Coral Sul FLNG, nos<br />
estaleiros da Samsung Heavy Industries,<br />
na Coreia do Sul. Segundo o jornal<br />
moçambicano Carta, o consórcio<br />
prevê que a produção de gás natural<br />
na área 4 da bacia do Rovuma, ao largo<br />
da província de Cabo Delgado, arranque<br />
em 2022.<br />
No comunicado, o consórcio garante<br />
que está a implementar um extenso<br />
plano para fornecer oportunidades de<br />
formação e emprego a jovens moçambicanos.<br />
O consórcio é liderado pela<br />
petrolífera italiana ENI SPA.<br />
SALA DE<br />
MERCADOS<br />
Abril<br />
67,46<br />
Abril<br />
1,94<br />
MOEDA<br />
(Meticais por USD)<br />
-2%<br />
GÁS NATURAL<br />
(USD/MMBtu)*<br />
-11%<br />
Maio<br />
68,80<br />
Maio<br />
1,73<br />
Abril<br />
13,78<br />
CRUDE<br />
(USD/barril)<br />
141%<br />
Maio<br />
33,25<br />
CARVÃO DE COQUE<br />
(USD/ton.)<br />
PORTOS<br />
COBRE E COBALTO DA RDC PASSA POR MOÇAMBIQUE<br />
A China Molybdenum Co está a enviar cobre e cobalto da República Democrática do<br />
Congo (RDC) para a China através de portos em Moçambique, avançou um porta-<br />
-voz da mineradora.<br />
De acordo com a Reuters, a China Moly, que opera a mina de Tenke Fungurume,<br />
na República Democrática do Congo, teve de mudar de planos logísticos após a<br />
África do Sul ter limitado os seus portos a bens essenciais. A empresa chinesa está<br />
a enviar cobre e cobalto através de vários pequenos portos em Moçambique, de Dar-<br />
-es-Salaam, na Tanzânia, e de Walvis Bay, na Namíbia, revelou a agência noticiosa.<br />
Segundo um comunicado enviado pela China Moly à Bolsa de Valores de Xangai, as<br />
vendas de hidróxido de cobalto, utilizado para produzir baterias para veículos eléctricos,<br />
atingiram no primeiro trimestre 5334 toneladas, mais 49,3% do que em igual<br />
período de 2019.<br />
D.R.<br />
Abril<br />
115,01<br />
Abril<br />
326,00<br />
Março<br />
1738,30<br />
MILHO<br />
(USD/Bushel)**<br />
D.R.<br />
-1%<br />
-2%<br />
OURO<br />
(USD/t oz)***<br />
+1%<br />
Maio<br />
114,01<br />
Maio<br />
318,00<br />
Abril<br />
1753,50<br />
COTAÇÕES A 22/04/<strong>2020</strong> E A 23/05/<strong>2020</strong><br />
* MMBtu = milhões de British Thermal Unit<br />
(medida da capacidade térmica)<br />
** 1 bushel de milho = 25,4 Kg<br />
*** t oz = onças troy = 31,21 g.<br />
FONTES: BM, Bloomberg, CME Group.<br />
junho <strong>2020</strong> | 9
PRIMEIRO LUGAR<br />
COVID-19<br />
AJUDA DA USAID SOBE<br />
PARA 7 MILHÕES<br />
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento<br />
Internacional (USAID) já apoiou<br />
a resposta de Moçambique à COVID-19 com<br />
mais de 7 milhões de dólares, incluindo financiamento<br />
à formação de trabalhadores de<br />
saúde, revelou Kenneth Staley, líder do grupo<br />
de trabalho da USAID para a COVID-19, à Lusa.<br />
O valor mais do que duplica os 2,8 milhões<br />
de contributo que foram anunciados no início<br />
de Abril, afirmou Kenneth Staley, acrescentando<br />
que a agência está também a monitorizar<br />
o sistema de água e saneamento, como<br />
o controlo de infecções nas infra-estruturas<br />
de saúde em Moçambique. Kenneth Staley,<br />
também coordenador da resposta global à<br />
malária, acrescentou que a USAID continua a<br />
salvaguardar a prestação de serviços de tratamento<br />
à malária em Moçambique e em todo<br />
o continente, com uma adaptação no tratamento<br />
da febre, “tentando encontrar novas<br />
formas para tratar de maneira eficaz e segura<br />
nas condições actuais”. Segundo a informação<br />
divulgada pela Administração norte-americana<br />
a 3 de Abril, Moçambique receberia<br />
2,8 milhões de dólares de um envelope financeiro<br />
inicial de 274 milhões de dólares destinado<br />
a ajuda médica e humanitária no âmbito<br />
da luta contra a pandemia de COVID-19 em<br />
África. O valor reservado a Moçambique<br />
somava-se aos 3,8 mil milhões de dólares em<br />
ajuda médica e 6 mil milhões de dólares em<br />
apoio ao desenvolvimento gastos no país nas<br />
últimas duas décadas.<br />
USAID: Reforçou o apoio a Moçambique<br />
na resposta à pandemia<br />
D.R.<br />
VACINAS:<br />
A Gavi pretende reunir 7,4 mil milhões de dólares<br />
para imunizar 300 milhões de crianças<br />
SAÚDE<br />
FILIPE NYUSI REALÇA PAPEL<br />
DA ALIANÇA DAS VACINAS<br />
O Presidente Filipe Nyusi saudou o papel da Aliança das Vacinas, Gavi, na saúde<br />
infantil e no combate à cólera no país, durante uma cimeira global de angariação<br />
de fundos. “Em parceria com a Gavi, Moçambique conseguiu melhorar significativamente<br />
a saúde infantil”, afirmou durante uma intervenção por vídeo no evento,<br />
integralmente realizado de forma remota pela Internet. O Chefe de Estado reconheceu<br />
que a cimeira se realiza “numa altura em que o mundo enfrenta uma das<br />
batalhas mais críticas para a existência da Humanidade”, mas destacou a importância<br />
da imunização no país como “o melhor investimento para a saúde”.<br />
Nyusi recordou que Moçambique tem vindo a registar surtos de cólera desde<br />
1990, sobretudo no Norte do país, e em particular no ano passado, após as inundações<br />
provocadas pelo ciclone Idai. “Para responder aos surtos de cólera, temos<br />
implementado vacinações direccionadas e campanhas nas quais a Gavi e os seus<br />
parceiros têm prestado um papel vital que ajudou o país a parar a propagação<br />
da doença”, disse. Cerca de 1600 pessoas, sobretudo crianças, beneficiaram de<br />
uma campanha de emergência de vacina oral contra a cólera, em 2019, adiantou,<br />
mostrando-se “muito grato” pelo apoio na coordenação e monitorização do progresso<br />
dos surtos e no planeamento para a resposta. A Cimeira Global da Aliança<br />
das Vacinas (Gavi) pretende angariar 7,4 mil milhões de dólares para imunizar<br />
300 milhões de crianças em cinco anos e salvar entre 7 e 8 milhões de vidas.<br />
D.R.<br />
10 | Exame Moçambique
ELECTRICIDADE<br />
REDUÇÃO DE TARIFA CUSTA 15 MILHÕES<br />
A redução da tarifa para as famílias mais desfavorecidas e pequenas e médias<br />
empresas vai custar à Electricidade de Moçambique (EDM) 15 milhões de dólares.<br />
A EDM vai cortar 50% da tarifa de energia para as famílias vulneráveis e 10%<br />
para as pequenas e médias empresas afectadas pela pandemia de COVID-19, de<br />
acordo com o anúncio feito no Parlamento pelo ministro dos Recursos Minerais<br />
e Energia, Max Tonela. O porta-voz da EDM, Luis Amado, disse posteriormente,<br />
em conferência de imprensa, em Maputo, que a redução das tarifas vai beneficiar<br />
179 mil clientes e terá um impacto de 15 milhões de dólares nas receitas da empresa.<br />
Luís Amado adiantou que a empresa vai procurar junto do governo encontrar uma<br />
forma de compensação, uma vez que pode afectar a capacidade de a empresa<br />
cumprir o seu plano de investimento na expansão da rede eléctrica. Para este ano,<br />
a eléctrica pública projecta expandir o fornecimento de energia para 300 mil consumidores.<br />
A redução da tarifa de energia para as famílias mais desfavorecidas e<br />
para as micro, pequenas e médias empresas afectadas pela pandemia de COVID-19<br />
enquadra-se num conjunto de medidas de alívio económico e fiscal que o governo<br />
tem vindo a anunciar.<br />
PANDEMIA<br />
ONU APELA A APOIO<br />
DE 68 MILHÕES A MOÇAMBIQUE<br />
TARIFA: A sua redução para<br />
famílias desfavorecidas e PME<br />
decorre dos efeitos da pandemia<br />
As Nações Unidas lançaram um apelo aos parceiros internacionais para a angariação<br />
de 68 milhões de dólares destinados a um apoio urgente a Moçambique para<br />
o combate à COVID-19, anunciou a organização. O apelo urgente em resposta à<br />
COVID-19 concentra-se nas necessidades imediatas e críticas daqueles que já estão<br />
a enfrentar condições humanitárias severas”, referiu a ONU em comunicado. O plano<br />
foi apresentado no mesmo dia em que foi lançado outro apelo para apoio a deslocados<br />
pela violência armada em Cabo Delgado no valor em 35,5 milhões de dólares,<br />
totalizando 103,6 milhões de dólares de pedidos para Moçambique. “Convido<br />
a comunidade internacional a unir-se e a apoiar de maneira atempada e generosa<br />
o povo de Moçambique, respondendo a esses dois apelos”, sublinhou Myrta Kaulard,<br />
coordenadora residente das Nações Unidas em Moçambique.<br />
D.R.<br />
IMPACTO:<br />
Os custos de adaptação às alterações<br />
climáticas são muito elevados<br />
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS<br />
ÁFRICA SUBSARIANA<br />
PRECISA DE<br />
500 MIL MILHÕES<br />
Os países da África Subsariana vão precisar<br />
de até 500 mil milhões de dólares nos próximos<br />
dez anos para se adaptarem às alterações<br />
climáticas e garantir a segurança alimentar.<br />
De acordo com um documento do Fundo<br />
Monetário Internacional (FMI), citado pela Lusa,<br />
sobre o impacto das alterações climáticas na<br />
região, o financiamento necessário equivale a<br />
cerca de 2% ou 3% da riqueza regional e seria<br />
bem mais produtivo do que a ajuda externa<br />
para combater os efeitos. No capítulo das Perspectivas<br />
Económicas Regionais dedicado às<br />
alterações climáticas, o FMI diz que as necessidades<br />
de financiamento centram-se entre os<br />
30 a 50 mil milhões de dólares, por ano, mas<br />
enfrentam dificuldades orçamentais por parte<br />
dos governos. Num artigo publicado no blogue<br />
oficial do FMI, que acompanha a divulgação<br />
do capítulo, os economistas Pritha Mitra<br />
e Seung Mo Choi notam que a pandemia “é<br />
apenas a última catástrofe” a atingir a África<br />
Subsariana, aumentando para 240 milhões<br />
o número de pessoas com fome na região.<br />
As alterações climáticas e os desastres naturais<br />
matam pelo menos mil pessoas e deixam<br />
13 milhões vulneráveis a acidentes, perda de<br />
casa, insegurança alimentar ou sem água ou<br />
saneamento básico.<br />
D.R.
GRANDES<br />
NÚMEROS<br />
PARA SABER LER OS SINAIS DE UMA ECONOMIA EM MUDANÇA<br />
COVID-19<br />
QUEM PERDE E QUEM GANHA<br />
Mesmo numa catástrofe, há quem perca e quem ganhe. Quando se trata da espécie humana, o balanço chega sempre no final<br />
do dia. Será mais claro quando a pandemia passar. Entretanto, há economias, áreas de negócio e empresas vencedoras. Assim<br />
como perdedoras. Para já, a economia chinesa mostra-se mais resiliente e, no meio da recessão mundial, deverá encerrar o ano<br />
ainda a crescer, embora menos do que se estimava antes de a epidemia eclodir. Entre os países perdedores estão, também para já,<br />
os Estados Unidos e os que integram o bloco europeu. Para o tradicional "Ocidente" desenvolvido a factura é pesada. Foram os<br />
mais atingidos pela pandemia, com empresas a suspenderem a actividade ou a fecharem as portas e os números do desemprego<br />
a aumentarem como não há memória. Os apoios financeiros anunciados por estes países para amparar o abalo económico causado<br />
pelo surto é igualmente fabuloso.<br />
DESEMPREGO A OCIDENTE<br />
PIOR QUE A GRANDE DEPRESSÃO<br />
A taxa de desemprego nos Estados Unidos<br />
chegou a 14,7%, a maior desde os anos da<br />
Grande Depressão de 1929. Passaram a estar<br />
desempregados, desde meados de Março,<br />
36,5 milhões de pessoas<br />
DESEMPREGADOS NOS EUA<br />
(% DA FORÇA DE TRABALHO TOTAL)<br />
UE COM CONTAS POR FAZER<br />
Em Março, mês dos confinamentos na Europa, o<br />
desemprego ainda não explodiu e o Eurostat ainda<br />
não divulgou os números de Abril. Em Março, diz o<br />
instituto de estatística europeu, existiam 12,156 milhões<br />
de pessoas no desemprego na Zona Euro<br />
DESEMPREGO NA ZONA EURO<br />
(% DA FORÇA DE TRABALHO TOTAL)<br />
3,5% 3,6% 3,5% 4,4% 14,7% 7,3%<br />
7,4%<br />
DEZ<br />
JAN FEV MAR ABR FEV<br />
MAR<br />
12 | Exame Moçambique
Uma coisa que aprendemos com a crise da COVID-19 é o quão<br />
importante a Amazon se tornou para os nossos clientes.<br />
Jeff Bezos, CEO da Amazon.<br />
TRILIÕES<br />
PARA A CRISE<br />
Do lado dos sectores e das empresas é óbvio quem<br />
perdeu mais: as companhias aéreas e o turismo,<br />
incluindo nos países em que este sector tem forte<br />
influência no PIB e na restauração. Outros sectores<br />
também estão a passar um ano mau, como o segurador.<br />
Os triunfadores são óbvios: na área digital a<br />
pandemia antecipou um mercado que, sem a ameaça<br />
do vírus, poderia levar uma década a conquistar.<br />
Os exemplos mais brilhantes são empresas como<br />
a Amazon, a multiplicar transacções, a Google e a<br />
Apple, a procurarem liderar os sistemas de rastreio<br />
digital dos infectados, e a Zoom, a dar um salto gigantesco<br />
na capitalização bolsista com o seu sistema de<br />
videoconferência. Há ainda que contar com as farmacêuticas,<br />
que dispõem agora de enormes recursos<br />
financeiros para o desenvolvimento de tratamentos<br />
ou de uma vacina, reforçando ainda mais a força de<br />
uma indústria que já dava cartas.<br />
GANHADORES...<br />
25 mil milhões de dólares foi quanto acumulou<br />
o dono da Amazon, Jeff Bezos, desde o início<br />
da pandemia. A Amazon contratou mais 175 mil<br />
pessoas para os seus armazéns nos Estados Unidos<br />
para corresponder ao aumento da procura<br />
255% foi quanto aumentaram as vendas<br />
de desinfectante para as mãos em Fevereiro<br />
no Reino Unido; nos EUA aumentaram 70%<br />
42% foi quanto subiram as acções<br />
da farmacêutica norte-americana Moderna<br />
que testa uma vacina<br />
15% é o aumento do valor das acções<br />
da Netflix<br />
Já é difícil contabilizar os milhões de milhões<br />
de euros e dólares que os diferentes governos<br />
ou blocos económicos vão anunciando para<br />
combater os efeitos da crise<br />
5 000 000<br />
... E PERDEDORES<br />
APOIOS EUROPEUS E AMERICANOS<br />
(EM MILHÕES DE EUROS)<br />
500 000<br />
250 000 200 000<br />
345 000<br />
1 500 000<br />
Alemanha Itália Espanha França Comissão<br />
Europeia*<br />
* Em negociação<br />
EUA<br />
4,5 milhões de voos foram cancelados<br />
28 450 postos de trabalho foram perdidos<br />
na British Airways, Scandinavian Airlines (SAS),<br />
Icelandair, Ryanair, United Airlines e Virgin Atlantic<br />
203 mil milhões de dólares será, segundo<br />
a Lloyd's of London, o custo da pandemia para<br />
as seguradoras em <strong>2020</strong><br />
100 milhões de empregos serão perdidos<br />
no sector do turismo devido à COVID-19<br />
junho <strong>2020</strong> | 13
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
O ESPECTÁCULO<br />
VAI CONTINUAR<br />
As grandes ligas europeias, que centram a atenção do futebol mundial, regressam com<br />
a reabertura da sociedade nos diferentes países. Os campeonatos milionários também<br />
acumularam prejuízos milionários com a suspensão dos jogos, mas são demasiado grandes<br />
para cair. O futebol europeu reabre na televisão, mas com estádios sem adeptos<br />
ANDRÉ PIPA<br />
14 | Exame Moçambique
DE VOLTA:<br />
O futebol milionário<br />
regressa e fica até<br />
Agosto, para já em<br />
estádios sem<br />
adeptos<br />
AS GRANDES LIGAS EUROPEIAS<br />
SÃO DEMASIADO IMPORTANTES<br />
PARA SEREM CANCELADAS<br />
De entre as cinco ligas mais poderosas<br />
da Europa — as chamadas big five —,<br />
a Premier inglesa é um caso à parte.<br />
É a mais valiosa (gera um volume de<br />
negócios superior a 10 mil milhões de<br />
euros por época), a que atrai mais espectadores e a<br />
que chega a um maior número de países. A Premier<br />
tornou-se progressivamente um fenómeno televisivo<br />
global, como a americana NBA (basquetebol),<br />
e recolhe uma fatia importantíssima de receitas no<br />
exterior — 4,6 mil milhões de euros para o período<br />
de 2019-2022 —, sendo extremamente popular<br />
no imenso mercado asiático, onde clubes como<br />
Manchester United, Liverpool e Chelsea têm largos<br />
milhões de seguidores. Como se não bastasse<br />
a indiscutida (e invejada) hegemonia económica,<br />
a Premier conseguiu na época passada arrebatar à<br />
sua grande rival, a liga espanhola, a primazia desportiva<br />
nas competições continentais: pela primeira<br />
vez na história todas as finais europeias foram exclusivamente<br />
disputadas por clubes do mesmo país, a<br />
Inglaterra no caso — Liverpool-Tottenham na Liga<br />
dos Campeões; Chelsea-Arsenal na Liga Europa;<br />
Liverpool-Chelsea na Supertaça Europeia. Foi a<br />
afirmação de poderio que faltava a uma liga mais<br />
pujante e mediática que nunca.<br />
Naturalmente, os efeitos da pandemia sentem-<br />
-se na mesma proporção: em Inglaterra as perdas<br />
possíveis medem-se em 2,7 mil milhões caso a Premier<br />
não seja reatada, e 1,8 mil milhões mesmo que<br />
seja finalizada — o recomeço está marcado para<br />
17 de <strong>Junho</strong>. Números astronómicos que ajudam<br />
a explicar a decisão da UEFA de adiar o Europeu<br />
para que as ligas principais pudessem completar<br />
as jornadas em falta. É verdade que a COVID-19<br />
conseguiu imobilizar por completo a Premier, força<br />
centrifugadora capaz de atrair a nata dos futebolistas<br />
e treinadores mundiais; mas, ao contrário da<br />
liga francesa, holandesa e belga, que foram canceladas<br />
relativamente cedo pelos governos dos respectivos<br />
países sem escândalo de maior, a Premier,<br />
como certos bancos, é too big to fail.<br />
LA LIGA REABRE<br />
Demasiado importante para ser cancelada é também<br />
o que se pode dizer da espanhola La Liga, avaliada<br />
em 6,6 mil milhões de euros, onde se encontram<br />
GETTY<br />
junho <strong>2020</strong> | 15
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
os dois clubes que têm dominado o futebol europeu<br />
no século xxi, o Real Madrid e o Barcelona,<br />
e o outsider Atlético de Madrid, que entrou definitivamente<br />
na reduzida elite dos que compram e<br />
vendem acima dos 100 milhões. Para se ter uma<br />
ideia do poder do futebol espanhol, estes três clubes<br />
juntos gastaram nesta época um total de 801<br />
milhões de euros em reforços (Real: 303; Barcelona:<br />
255; Atlético: 243), um investimento capaz<br />
EM INGLATERRA AS PERDAS<br />
POSSÍVEIS SÃO DE 1,8 MIL MILHÕES<br />
CASO SE CONCLUA A PREMIER<br />
— O RECOMEÇO ESTÁ MARCADO<br />
PARA 17 DE JUNHO<br />
de obrigar qualquer regulador a pensar muito bem<br />
antes de se decidir pelo cancelamento do campeonato.<br />
Em desvantagem no campeonato (dois<br />
pontos atrás do arqui-rival Barcelona) e nos oitavos-de-final<br />
da Champions (perdeu em casa com o<br />
Manchester City por 1-2), o Real Madrid mostrou<br />
como a velha nobreza se comporta num momento<br />
ARHUS: O clube dinamarquês<br />
disponibiliza bilhetes virtuais<br />
COMO MANTER OS ADEPTOS “IN”?<br />
Os adeptos são sempre o que sustenta e dá vida e cor ao futebol,<br />
o maior aglutinador de massas de todos os desportos. A pandemia obrigou<br />
o futebol a pedir aos adeptos que se abstenham de ir aos estádios<br />
por motivos de saúde pública. O final desta temporada está a jogar-<br />
-se assim e vamos ver como será na próxima. Ver o gigantesco estádio<br />
do Borussia Dortmund (Westfalenstadion) completamente vazio<br />
no regresso da Bundesliga foi penoso para quem percebe a importância<br />
dos adeptos, das claques e dos ambientes por eles criados no<br />
desenrolar dos jogos. O único calor humano provinha de um sector<br />
do estádio onde as cadeiras estavam decoradas com fotografias dos<br />
sócios detentores dos lugares — uma ideia certamente replicada das<br />
fotografias de fiéis alinhadas nos bancos de certas igrejas espanholas<br />
e italianas, como se estivessem a “escutar” a prelecção do pároco de<br />
serviço. O mesmo acontece com a visão do imenso estádio da Luz despojado<br />
de gente em vez dos 50 mil adeptos habituais; ou o absurdo<br />
silêncio das bancadas de Anfield Road instantes antes do início do<br />
jogo, quando habitualmente os adeptos entoam a plenos pulmões a<br />
mais bela e sentida de todas as canções do futebol — o famoso “You’ll<br />
Never Walk Alone”. Mas há quem esteja a fazer tudo para não perder o<br />
contacto e a fidelidade dos adeptos. Da Dinamarca vieram duas ideias<br />
admiráveis destinadas a “trazer” os adeptos de volta ao futebol dentro<br />
das limitações actuais.<br />
O Aarhus fechou uma parceria com a plataforma de videoconferências<br />
Zoom e com o canal Discovery Network e disponibiliza bilhetes virtuais<br />
para os adeptos, em casa, poderem “seguir” os jogos no estádio, surgindo<br />
num dos 23 ecrãs gigantes com “lotação” de 575 pessoas (sendo<br />
um destinado aos adeptos adversários) que o clube instalou<br />
nas bancadas — ou bancasas?… — do Ceres Park &<br />
Arena, que tem capacidade para 20 mil lugares. Desta<br />
forma os jogadores podem ver as caras dos adeptos a<br />
apoiarem as equipas e a festejarem cada golo. Um bom<br />
exemplo de criatividade e golpe de asa a que podemos<br />
juntar a ideia doutro clube dinamarquês, o Midtjylland,<br />
que montou um drive-in para 10 mil adeptos assistirem<br />
aos jogos dentro das respectivas viaturas virados para<br />
os ecrãs gigantes dispostos na parte exterior da MCH<br />
Arena. Um expediente que começa a ser seguido um<br />
pouco por todo o lado e não só no futebol.<br />
Resta saber, quando se passar ao passo seguinte —<br />
permitir espectadores nos estádios em número limitado<br />
(um terço ou um quarto da lotação?) — como vai<br />
ser feita a escolha dos que podem preencher as novas<br />
cotas de assistência. E como se vão evitar ajuntamentos<br />
nos transportes para o estádio e nos acessos às bancadas?<br />
Questões que estão a ser atentamente estudadas<br />
com vista à próxima época.<br />
GETTY
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
de crise. O clube atravessou a pandemia<br />
com a serenidade e contenção que faltou<br />
ao rival catalão, mergulhado numa<br />
crise institucional que, provavelmente,<br />
levará à saída da actual direcção, envolvida<br />
numa série de trapalhadas difíceis<br />
de justificar.<br />
A urgência de recomeçar também se<br />
percebe na série A italiana, que não pára<br />
de crescer e ganhar adeptos à boleia do<br />
icónico Cristiano Ronaldo, de longe a<br />
maior referência do star system futebolístico<br />
mundial. Um dos países mais castigados<br />
pela pandemia — e também um<br />
dos que vai receber mais dinheiro da UE,<br />
cerca de 77 mil milhões de euros —, a<br />
Itália anseia pela normalidade do calcio<br />
os fins-de-semana. Aí o futebol é uma<br />
paixão transversal a todas as regiões e<br />
estratos sociais. Os clubes italianos investiram<br />
quase mil milhões em contratações<br />
nesta época, com a Juventus à cabeça<br />
(190 milhões), seguida pelo Inter (160 milhões),<br />
Roma (98 milhões) e Nápoles (90 milhões). E querem<br />
recuperar o investimento — neste aspecto,<br />
os clubes não são diferentes das outras empresas.<br />
A Alemanha lidou bem com a pandemia e, sem<br />
surpresa, a Bundesliga foi a primeira das grandes<br />
ligas a regressar. Não temos qualquer dúvida de<br />
que o exemplo de eficiência, pragmatismo e sensatez<br />
dado pelo futebol alemão a milhões de telespectadores<br />
europeus animou ingleses, espanhóis e<br />
italianos a concluírem os respectivos campeonatos.<br />
ONDA DE CHOQUE<br />
Em França, o anúncio do governo, no final de<br />
Abril, do cancelamento de todas as competições<br />
desportivas até Setembro causou uma onda de<br />
choque e esteve longe de recolher unanimidade<br />
mesmo numa altura (pico da pandemia) em que<br />
o sistema de saúde francês estava a dar sinais de<br />
colapso. O título foi atribuído ao Paris SG, que<br />
liderava o campeonato com uma vantagem expressiva<br />
de 12 pontos (e um jogo a menos) sobre o<br />
Olympique Marselha de André Villas Boas, que<br />
terminou no segundo lugar com entrada directa<br />
na próxima Champions. As perguntas do género<br />
“não nos teremos precipitado?” começaram a surgir<br />
na imprensa desportiva assim que os franceses<br />
perceberam que, ao contrário deles, outras<br />
ligas europeias não foram sujeitas a uma decisão<br />
tão drástica. Mesmo disponibilizando verbas<br />
significativas para ajudar os clubes a suportarem<br />
PARIS SG:<br />
Liderava o campeonato<br />
francês com uma<br />
vantagem expressiva<br />
e ficou com o título<br />
a paragem recorde (seis meses sem competição nem<br />
receitas), a federação e a liga francesas continuam<br />
a ser objecto de críticas e sê-lo-ão ainda mais se<br />
o Paris SG (apurado para os quartos-de-final da<br />
Champions) e o Olympique Lyon (em vantagem<br />
sobre a Juventus após a primeira mão dos oitavos-<br />
-de-final) acusarem em Agosto a lacuna de tantos<br />
meses sem competição.<br />
ATÉ AGOSTO<br />
As competições europeias prendem milhões à<br />
frente da televisão e são para concluir no mês de<br />
Agosto. A final da Liga Europa está marcada para<br />
o dia 18, em Gdansk, e a final da Champions para<br />
o dia 29, no estádio olímpico Atatürk, em Istambul,<br />
entre a Europa e a Ásia. Será o final possível<br />
de uma época atribulada, a que ficará para sempre<br />
associada à COVID-19.<br />
Acreditamos que nenhum especialista conseguirá<br />
alguma vez apurar o impacto total da pandemia<br />
no futebol. É uma avaliação impossível. Não<br />
foi apenas a interrupção prolongada das ligas de<br />
referência. A paralisação da Liga dos Campeões<br />
e da Liga Europa e o adiamento da fase final do<br />
Europeu trouxeram prejuízos colossais, difíceis de<br />
contabilizar por envolverem uma cadeia de serviços<br />
muito ampla e diversificada, como as viagens<br />
dos adeptos de uns países para os outros, as receitas<br />
da hotelaria e da restauração e os contratos de<br />
sponsorização e direitos televisivos que envolvem<br />
verbas superiores às das ligas mais poderosas. b<br />
18 | Exame Moçambique
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
COMO SOBREVIVEM<br />
OS NOSSOS CLUBES<br />
Com o Estado de Emergência em vigor, o campeonato nacional de futebol, Moçambola,<br />
não arrancou. Os clubes viram os seus patrocínios reduzidos para mais de metade devido<br />
aos impactos da COVID-19, colocando-os numa situação de crise financeira preocupante<br />
VALDO MLHONGO<br />
É<br />
um facto que em Moçambique o futebol<br />
está longe de ser uma actividade rentável,<br />
tal como ocorre na Europa e em alguns<br />
países africanos. Aliás, grande parte dos<br />
clubes do futebol da maior competição em<br />
Moçambique, vulgo Moçambola, depende quase a<br />
100% dos patrocínios concedidos pelas empresas<br />
para sobreviver. Ora, com a crise causada pela pandemia<br />
de COVID-19 e o seu impacto nas empresas,<br />
muitos desses clubes viram as suas receitas reduzidas,<br />
situação que os coloca numa situação crítica<br />
do ponto de vista financeiro. Jeremias da Costa,<br />
presidente do Clube de Desporto da Costa do Sol,<br />
um dos grandes do Moçambola e com o maior<br />
número de títulos conquistados ao longo da respectiva<br />
existência, fala da receita perdida devido<br />
ao impacto da COVID-19: “Muitos parceiros nossos<br />
que davam alguma contribuição retraíram-se<br />
devido às dificuldades das suas empresas”, refere o<br />
presidente do Clube de Desporto da Costa do Sol,<br />
sem avançar números. Jeremias da Costa adiantou<br />
à <strong>EXAME</strong> que, neste momento, o clube não consegue<br />
gerar receitas próprias. “Dependemos da boa<br />
vontade dos nossos parceiros”, assume o presidente<br />
do clube, que tem como maior parceiro a empresa<br />
pública Electricidade de Moçambique.<br />
Um outro “gigante” do Moçambola que passa<br />
pelas mesmas dificuldades é o clube Ferroviário<br />
de Maputo. A crise causada pela pandemia de<br />
COVID-19 forçou a uma redução de mais de metade<br />
do orçamento do clube em termos de patrocínios.<br />
“Vimos aquilo que é o nosso patrocínio, a partir do<br />
20 | Exame Moçambique
mês de Abril, reduzir-se a metade”, refere Teodomiro<br />
Ângelo, presidente do Ferroviário de Maputo.<br />
“E, consequentemente, tivemos de reduzir o salário<br />
dos nossos atletas e técnicos para metade. Podemos<br />
pagar apenas 7% do orçamentado neste momento.<br />
Quanto ao resto, vivemos dos patrocínios, que também<br />
foram afectados pela crise”, acrescenta. O cenário<br />
agrava-se ainda mais quando se trata de clubes<br />
sem patrocinadores. É o caso do clube Desportivo<br />
de Maputo, um dos históricos do país, que sobrevive<br />
com o pouco que ganha com o arrendamento<br />
das suas infra-estruturas. E, agora, com “o campeonato<br />
parado devido à pandemia não temos obtido<br />
nenhuma receita para o clube, e sentimos bastante<br />
isso”, diz Issofu Mahomed, vogal responsável pela<br />
infra-estrutura do Desportivo de Maputo. Mohamed<br />
acrescenta que o clube gastava mensalmente<br />
em salários cerca de 2 milhões de meticais, ou seja,<br />
anualmente são destinados à equipa sénior 24 milhões<br />
de meticais. Mas com a crise instalada a tesouraria<br />
SÉRGIO MANJATE<br />
GRANDE<br />
PARTE DOS<br />
CLUBES DO<br />
MOÇAMBOLA<br />
DEPENDE<br />
QUASE A<br />
100% DE<br />
PATROCÍNIOS<br />
MOÇAMBOLA:<br />
Os clubes<br />
debatem-se<br />
com o recuo<br />
dos patrocínios<br />
não chega para pagar a tempo os salários dos jogadores.<br />
“Com alguma coisa que ainda existia nos<br />
cofres pagámos 50% dos salários no mês passado.<br />
Este mês (<strong>Junho</strong>), estamos à espera de uma entrada<br />
para pagarmos os outros 50%”, refere, acrescentando<br />
que “os jogadores já estão informados sobre a situação<br />
actual do clube e entenderam”.<br />
Mesmo assim, apesar do cenário actual, o clube<br />
da Costa do Sol, que também é campeão nacional<br />
em título, é talvez dos poucos que ainda continua<br />
a pagar os salários a 100% aos seus atletas. “Felizmente<br />
ainda temos alguns parceiros que se mantêm<br />
embora numa perspectiva diferente, mas vão<br />
dando alguma contribuição que nos permite honrar<br />
os nossos compromissos”, explica.<br />
REALIDADE DIFÍCIL<br />
Em condições normais seriam necessários cerca de<br />
2 milhões de dólares para realizar o campeonato<br />
nacional de futebol, disse à <strong>EXAME</strong> Ananias Cuane,<br />
presidente da Liga Moçambicana de Futebol. “Neste<br />
momento o orçamento que foi aprovado para os<br />
14 clubes, tendo em conta a realidade do nosso campeonato,<br />
é de cerca de 90 milhões de meticais, dos<br />
quais já estão garantidos 62 milhões de meticais”,<br />
esclareceu o presidente da Liga Moçambicana de<br />
Futebol. “A nossa gestão foi sempre muito criteriosa<br />
para podermos, mesmo com défice orçamental, iniciar<br />
o campeonato e conseguirmos chegar ao fim”,<br />
acrescentou. Cuane diz que a crise económica que<br />
o país atravessou nos últimos anos e o problema da<br />
COVID-19 contribuíram para a redução do número<br />
de empresas que patrocinam o campeonato nacional.<br />
Actualmente apenas seis empresas estão a patrocinar<br />
a Liga. Faizal Sidat, presidente da Federação<br />
Moçambicana de Futebol, diz que com a crise causada<br />
pela pandemia muita coisa mudou. “Isto tudo<br />
veio complicar o nosso calendário competitivo e as<br />
nossas finanças. Contávamos com alguma receita<br />
proveniente dos nossos parceiros e outra vinda da<br />
bilheteira, mas neste momento só temos despesas,<br />
não temos receitas. E alguns parceiros também<br />
se retraíram”, adianta o presidente da Federação<br />
Moçambicana de Futebol, sem apontar números.<br />
A situação real dos clubes de futebol sénior é preocupante.<br />
Sem patrocínios os clubes não conseguem<br />
produzir receitas capazes de cobrir os custos das<br />
suas actividades. É quase certo que sem apoio das<br />
empresas nenhum clube sobreviveria. “Esta crise<br />
trouxe grandes problemas aos clubes do Moçambola”,<br />
diz Sidat.<br />
Uma situação difícil a actual, mas que os clubes<br />
estão decididos a suplantar.b<br />
junho <strong>2020</strong> | 21
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
NO FIO DA NAVALHA<br />
Em Portugal, a paragem da Primeira Liga originou um prejuízo na ordem dos<br />
150 milhões euros a um futebol cada vez menos competitivo e que poderá aproveitar<br />
a crise para se reinventar<br />
ANDRÉ PIPA<br />
O FUTEBOL<br />
PORTUGUÊS<br />
TEM DE MUDAR<br />
DE VIDA PARA<br />
SER<br />
COMPETITIVO<br />
NO CONTEXTO<br />
EUROPEU<br />
Apandemia pode ter mudado a face do<br />
futebol profissional português para<br />
sempre? Apetece dizer: era desejável<br />
que sim, dado que ninguém de bom<br />
senso e com os pés assentes na terra<br />
pode defender a manutenção do modelo actual do<br />
futebol português, cada vez mais desligado da realidade<br />
do país, cada vez menos competitivo, cada vez<br />
mais periférico no contexto europeu. O presidente<br />
da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando<br />
Gomes, foi o primeiro a aproveitar a paragem forçada<br />
da competição e os danos imediatos causados<br />
à maioria dos clubes para lançar um vigoroso alerta<br />
em forma de carta aberta publicada em vários jornais<br />
portugueses. Esse texto pode ficar na história como a<br />
primeira pedra de um novo edifício que tantos desejam<br />
(ou dizem desejar) mas que ninguém parece ter<br />
vontade de construir. Disse Fernando Gomes, basicamente:<br />
meus senhores, o futebol português assim<br />
como está não é um produto viável, precisa de mudar<br />
de vida e de hábitos para ter alguma hipótese de continuar<br />
a ser competitivo no contexto europeu... e vendável<br />
no mercado exterior. Gomes sabia que a maior<br />
parte dos clubes já se encontrava no fio da navalha e<br />
entendeu ser esta uma oportunidade única de sensibilizar<br />
todos os agentes para a mudança que tem de<br />
ser feita. As ideias e pistas que sugeriu nesse documento<br />
apontavam expressa ou subliminarmente para<br />
a reformulação dos quadros competitivos (“temos<br />
de construir provas rentáveis, relevantes e viáveis;<br />
plantéis mais curtos; maior aposta nas equipas B e<br />
de sub-23”), redução do número de jogadores profissionais<br />
(“o futebol português, com a dimensão que o<br />
país tem, não tem condições para garantir cerca de<br />
dois mil empregos de qualidade”) e a alteração do<br />
modelo de negócio (mais igualdade na distribuição<br />
22 | Exame Moçambique
de receitas, aposta clara na venda dos direitos televisivos<br />
para outros países, grandes não podem depender<br />
tanto dos dinheiros da UEFA).<br />
Um discurso racional e sensato em tempos de<br />
angústia e incerteza que, sem surpresa, foi recebido<br />
com um coro geral de aprovação. Na verdade,<br />
Gomes apontou caminhos viáveis para a regeneração<br />
que realmente urge fazer no quadro competitivo (e<br />
comportamental...) do futebol português. A questão<br />
é que anda “toda” a gente a reconhecer isto há tantos,<br />
tantos anos..., mas mudanças... zero. Sempre adiadas<br />
por este ou aquele motivo. Basta ver o que aconteceu<br />
assim que se aproximou o reinício do campeonato.<br />
Os debates em vários fóruns sobre assuntos prementes<br />
levantados pelo presidente da FPF, como a redução<br />
de equipas na Primeira Liga (12 é um número<br />
frequentemente citado) e a distribuição mais equitativa<br />
dos direitos televisivos, deram progressivamente<br />
lugar às quezílias clubísticas, rivalidades doentias<br />
e discussões estéreis que infelizmente alimentam<br />
o futebol doméstico há bem mais de três décadas.<br />
Como se nem um acontecimento com a gravidade<br />
da pandemia fosse capaz de alterar a essência<br />
do futebol de clubes em Portugal (a selecção é outra<br />
conversa...) em que a esperteza, a capacidade de tecer<br />
alianças (ainda que de ocasião), o<br />
tráfico de influências, as trocas de<br />
favores e o jogo de cintura continuam<br />
a ter um papel preponderante<br />
na competição. Demasiado<br />
preponderante.<br />
A Primeira Liga voltou ao activo<br />
por uma razão muito simples:<br />
garantir a sobrevivência do futebol<br />
profissional de elite, embora<br />
neste lote se contem vários clubes<br />
“eternamente” endividados que<br />
não conseguem atrair, em média,<br />
mais do que 2 a 3 mil espectadores<br />
nos jogos caseiros. A Segunda<br />
Liga foi cancelada por uma questão<br />
igualmente muito simples:<br />
não gera receitas suficientes para<br />
justificar os gastos da “operação<br />
retoma”. Uma cenoura de milhão<br />
e meio disponibilizada pela Federação<br />
portuguesa e pela Liga de<br />
Clubes serviu para amenizar perdas<br />
e queixumes aos clubes do<br />
escalão secundário e demover os<br />
mais contestatários.<br />
O campeonato nos “novos”<br />
moldes difere muito do habitual.<br />
A PRIMEIRA<br />
LIGA VOLTOU<br />
AO ACTIVO<br />
PARA<br />
GARANTIR A<br />
SOBREVIVÊNCIA<br />
DO FUTEBOL<br />
PROFISSIONAL<br />
DE ELITE<br />
RICARDO QUARESMA: Tornou-se um dos símbolos<br />
da qualidade dos jogadores portugueses<br />
Parece mais uma experiência laboratorial do que<br />
uma competição de massas. Há estádios sem público<br />
e sem o calor dos adeptos, e a verdade desportiva<br />
fica em causa a partir do momento em que há equipas<br />
que não fazem um único jogo em casa. Mas não<br />
vale a pena torcer o nariz e apontar falhas e incongruências,<br />
que são algumas. Foi o modelo possível<br />
dentro das exigências da Direcção-Geral da Saúde<br />
portuguesa e atendendo à urgência de os clubes voltarem<br />
a competir para não perderem mais receitas<br />
— televisivas à cabeça. A alternativa seria bem pior:<br />
não se retomando a competição, é voz corrente que<br />
a maior parte dos clubes da Primeira Liga provavelmente<br />
entraria em falência antes do início da próxima<br />
época. Lembre-se: se em meados de Abril, ao<br />
fim de um mês de paragem, já todos se encontravam<br />
em situação periclitante (com excepção do Benfica<br />
ainda e muito por força do fabuloso encaixe com a<br />
venda de João Félix), imagine-se o que lhes aconteceria<br />
se o futebol só regressasse em meados de Agosto<br />
ou Setembro, como em França, na Holanda e na Bélgica.<br />
Nem é preciso fazer um desenho. Havia e continua<br />
a haver um certo risco na retoma, isso é inegável,<br />
mas os clubes portugueses não tinham outra saída.<br />
É a sua própria sobrevivência que está em causa e nem
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
vale a pena lembrar que os três maiores clubes portugueses<br />
— os únicos de verdadeira dimensão europeia<br />
— acumulam défices (mais de mil milhões os<br />
três juntos) que certamente não seriam vistos com<br />
tanta benevolência noutros sectores de actividade.<br />
BENFICA DESAFOGADO<br />
Entre os maiores clubes portugueses, o efeito da pandemia<br />
não se fez sentir da mesma forma. O Benfica<br />
foi o que resistiu melhor à crise por ser aquele que<br />
se encontra em situação financeira mais desafogada.<br />
A 7 de Março passado o Benfica apresentou um resultado<br />
líquido de 104,2 milhões de euros, no melhor<br />
desempenho da história da SAD. É verdade que o passivo<br />
aumentou quase 21 milhões de euros (cifrando-<br />
-se agora em 383,3 milhões), mas a divida líquida<br />
baixou para os 45,9 milhões de euros, o valor mais<br />
baixo dos últimos anos. A venda, há quase um ano,<br />
de João Félix por números estratosféricos (encaixe de<br />
108,2 milhões, descontadas as comissões, um negócio<br />
sensacional intermediado pelo agente Jorge Mendes)<br />
permitiu à direcção de Luís Filipe Vieira liquidar<br />
em plena pandemia um empréstimo obrigacionista<br />
de 50 milhões de euros, ficar com outros 50 milhões<br />
em caixa e manter intactos os salários da equipa de<br />
futebol, ou seja, sem os cortes (entre 30 e 40%) que<br />
os rivais Sporting e FC Porto impuseram nos respectivos<br />
plantéis.<br />
É claro que o Benfica respira muito melhor que os<br />
grandes rivais, mas o futuro próximo não se apresenta<br />
assim tão animador para os adeptos tendo em<br />
conta os sinais que têm sido sugeridos no discurso<br />
oficial e que apontam para um travão às contratações<br />
(lembre-se que o Benfica nesta temporada gastou<br />
57 milhões euros em três jogadores — tendo recuperado<br />
20 milhões com a venda de Raúl de Tomás) e,<br />
de um modo geral, uma tendência de contenção de<br />
despesas em todas as áreas. Que levará ao mais que<br />
previsível adiamento do “projecto europeu” — aquilo<br />
que tem sido o falhanço mais evidente no consulado<br />
de Luís Filipe Vieira. Isso mesmo reconheceram há<br />
cerca de um mês duas figuras importantes do “benfiquismo”,<br />
o campeão europeu António Simões, que<br />
disse o seguinte: “Este Benfica é indiscutivelmente<br />
curto, não tem qualidade para competir com os verdadeiros<br />
candidatos na Liga dos Campeões, não tem<br />
qualquer hipótese. É preciso trazer jogadores para<br />
jogar e não para serem comprados por dez e vendidos<br />
por vinte. Assim a promessa (de um Benfica<br />
europeu) não poderá ser realizada.” Já Rui Costa,<br />
em declarações à BTV por ocasião do 58.º aniversário<br />
do célebre 5-3 ao Real Madrid em Amesterdão,<br />
reconheceu que “o Benfica tem de recuperar rapi-<br />
O SPORTING<br />
DE FIGO E<br />
RONALDO<br />
APOSTA NUMA<br />
SÉRIE DE<br />
JOVENS<br />
TALENTOSOS,<br />
MAS AINDA<br />
SEM PROVAS<br />
DADAS<br />
NEYMAR:<br />
Messi quer vê-lo de<br />
novo em Barcelona<br />
TRANSFERÊNCIAS:<br />
A maior fonte de<br />
receitas do futebol<br />
português<br />
ERLING HAALAND:<br />
O goleador norueguês<br />
do Dortmund é a<br />
revelação da<br />
temporada e pode<br />
protagonizar uma<br />
transferência<br />
24 | Exame Moçambique
MERCADO EM BANHO-MARIA<br />
De que forma a pandemia pode afectar o mercado<br />
de transferências?<br />
Há um estudo interessante da consultora holandesa<br />
KPMG Sports que conclui que “os clubes<br />
mais penalizados pela crise pandémica serão,<br />
sem dúvida, aqueles cujos orçamentos estão<br />
mais dependentes da venda de jogadores”,<br />
uma vez que se espera uma forte retracção<br />
do mercado de transferências. É precisamente<br />
o caso português, um país tradicionalmente<br />
formador-exportador. O relatório da KPMG<br />
acrescenta que “o menor volume de entradas<br />
e saídas de jogadores sucederá por dois<br />
motivos essenciais: todos os clubes perderam<br />
receitas de bilheteira, comerciais e televisivas,<br />
além de que, com as economias dos<br />
países em crise, os adeptos emocionalmente<br />
abalados pela pandemia não irão ver com bons<br />
olhos que se paguem fortunas por jogadores”.<br />
Em Portugal, muito mais que as receitas televisivas,<br />
de bilheteira e de merchandising, as<br />
transferências são e sempre foram aquilo que<br />
verdadeiramente alimenta a incipiente indústria<br />
de futebol portuguesa — incipiente por o<br />
mercado não ter dimensão nem o produto ter<br />
qualidade suficiente para a exposição internacional.<br />
É através das vendas de jogadores que<br />
os clubes mais pequenos conseguem encaixes<br />
financeiros para pagarem despesas, elaborarem<br />
orçamentos mais ambiciosos e investirem<br />
em infra-estruturas e meios que lhe permitam<br />
crescer. Este é um ciclo eterno que permite<br />
o desenvolvimento do futebol. É através<br />
das transferências que os clubes com mais<br />
posses conseguem os melhores jogadores do<br />
mercado, continuando a ser mais competitivos<br />
que os outros. O dinheiro das transferências<br />
alimenta boa parte da máquina montada<br />
em torno do futebol, sobretudo quando os<br />
negócios são milionários. Veja-se como o<br />
Benfica não sentiu como os outros os efeitos<br />
económicos da pandemia por ter encaixado<br />
108 milhões de euros com a venda de um jogador<br />
— João Félix. Os consultores da KPMG<br />
antecipam ainda que muitas equipas, sobretudo<br />
as de menores recursos, “irão apostar<br />
mais nos jogadores da formação”. Outra das<br />
tendências previstas é a da “contratação de<br />
futebolistas em final de contrato”, o chamado<br />
custo zero, bem como a “troca de jogadores<br />
entre clubes”. Neste momento, “despachados”<br />
os promissores João Félix e Francisco<br />
Trincão (vendido pelo Braga ao Barcelona por<br />
30 milhões) e o consagrado Bruno Fernandes<br />
(o melhor jogador em Portugal nos últimos<br />
dois anos), não se vê ninguém com capacidade/estatuto<br />
suficiente para poder protagonizar<br />
uma transferência de largos milhões<br />
— sem esquecer que os jovens portugueses<br />
continuam no topo das preferências dos grandes<br />
clubes europeus. Se o mercado português<br />
se pode queixar dos efeitos pandemia na sua<br />
principal fonte de receitas, a venda de jogadores,<br />
em termos internacionais não faltam<br />
nomes prontos a entrar no mercado de fabulosas<br />
transacções. Há um conjunto de jogadores<br />
que, em condições normais, poderiam ser transferidos<br />
este Verão por somas astronómicas: o<br />
avançado argentino Lautaro Martinez (Inter);<br />
o jovem goleador norueguês Erling Haaland<br />
(Dortmund), sem dúvida alguma a maior revelação<br />
da temporada; a vedeta brasileira Neymar<br />
(Paris SG), que Messi deseja de novo em<br />
Barcelona; o médio francês Paul Pogba (Manchester<br />
United), alegadamente pretendido pela<br />
Juventus, Real Madrid e Paris SG, mas sempre<br />
envolto em polémicas mais ou menos estéreis;<br />
o magnífico avançado francês Kylian Mpapée<br />
(Paris SG), provavelmente o mais capacitado<br />
para suceder à dupla Ronaldo-Messi no trono<br />
do futebol mundial; o egípcio Mohamed Salah<br />
(Liverpool), um dos talentos mais “desequilibradores”<br />
da actualidade; e o senegalês Sadio<br />
Mane (Liverpool), a seta africana que conquistou<br />
a bancada mais efusiva do Mundo (o Kop<br />
de Anfield Road). Eles têm surgido dia após<br />
dia nos maiores diários desportivos europeus<br />
e vão continuar a alimentar folhetins, mas é<br />
bem possível que no final do Verão… a maioria<br />
não tenha mudado de camisola.<br />
junho <strong>2020</strong> | 25
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
damente a condição de grande clube de top europeu<br />
após três campanhas consecutivas falhadas na<br />
Liga dos Campeões”.<br />
Rui Costa tem razão. O Benfica sempre foi grande<br />
na Europa até à perda progressiva de competitividade<br />
ocorrida a partir de meados dos anos 90 e que Jorge<br />
Jesus maquilhou com duas finais seguidas na Liga<br />
Europa (2013, 2014) após uma presença nos quartos-de-final<br />
da Champions (2012). Mas a promessa<br />
de recuperação foi sol de pouca dura: a verdade é<br />
que o Benfica mais poderoso dos últimos anos não<br />
consegue, por norma, passar da fase de grupos da<br />
Champions. Ao fim de tantos anos na presidência,<br />
Luís Filipe Vieira parece ainda não ter percebido que<br />
enquanto estiver confinado a uma dimensão unicamente<br />
doméstica o Benfica não conseguirá ser visto<br />
pelos agentes dominantes do jogo como um produto<br />
apetecível, à imagem do peso-pesado que efectivamente<br />
foi há mais de cinquenta anos.<br />
Clube habitualmente vendedor, ou não fosse a vertente<br />
negocial o cunho mais marcante da gestão de<br />
Vieira nos últimos anos (grandes vendas e significativas<br />
mais-valias... em detrimento da ambição desportiva,<br />
acusam os rivais na corrida à presidência), o<br />
Benfica sabe que o mercado nos próximos tempos não<br />
será tão generoso e poderá demorar algum tempo a<br />
chegar aos valores que eram praticados antes da pandemia<br />
— se voltar a chegar. Como também sabe que<br />
os seus futebolistas mais cotados (Rúben Dias, Pizzi,<br />
Grimaldo, Rafa Silva, Gabriel...) perderam valor no<br />
rescaldo de mais uma campanha fracassada na Liga<br />
dos Campeões, a competição-montra onde se forjam<br />
os grandes negócios. A qualidade indiscutível (e<br />
os vinte golos) do avançado brasileiro Carlos Vinicius<br />
podem, no entanto, assegurar mais um grande<br />
negócio ao Benfica no defeso. É que os goleadores<br />
têm sempre mercado.<br />
O Benfica, como o FC Porto, só tem um objectivo<br />
verdadeiramente importante até ao dia 26 de Julho:<br />
ganhar o campeonato para garantir a entrada directa<br />
na próxima Champions e os 40 milhões correspondentes.<br />
A qualificação directa é importante porque a<br />
perda evidente de competitividade dos clubes nacionais<br />
na Europa tornou as pré-eliminatórias de acesso<br />
à Champions ainda mais arriscadas, como se viu na<br />
presente temporada com a surpreendente eliminação<br />
do FC Porto às mãos de um clube sem qualquer<br />
expressão europeia, o Krasnodar (Rússia). Se o Benfica<br />
for campeão, será o sexto título nos últimos sete<br />
anos, acentuando a primazia doméstica sobre o rival<br />
portista. É claro que se ganhar um campeonato que<br />
a certa altura parecia ganho e depois estava a caminho<br />
de ser perdido (na altura da interrupção), o presidente<br />
Luís Filipe Vieira avança para as eleições de<br />
Outubro numa posição mais confortável.<br />
FC PORTO ENDIVIDADO<br />
A eliminação com o Krasnodar e perda consequente<br />
de 40 milhões previstos no orçamento representou<br />
um golpe duríssimo para a tesouraria do FC Porto.<br />
Obrigado a realizar cerca de cem milhões de euros até<br />
ao Outono para não voltar a cair sob a alçada disciplinar<br />
da UEFA (além de ter de liquidar um empréstimo<br />
obrigacionista incumprido em plena pandemia),<br />
o FC Porto vive um dos momentos mais delicados da<br />
longa presidência (38 anos) de Pinto da Costa, que<br />
tem pela primeira vez, em muitos anos, oposição<br />
nas próximas eleições. Lembre-se que a SAD portista<br />
apresentou um resultado líquido consolidado<br />
negativo de 51,854 milhões de euros no primeiro<br />
semestre da época corrente, justificado no relatório<br />
pela não qualificação para a Champions. O passivo<br />
ascendeu a 444,526 milhões de euros, um aumento<br />
de 36,421 milhões relativamente ao exercício anterior.<br />
Ou seja, com as contas no vermelho, apesar de ter<br />
activos interessantes, o FC Porto é, dos três grandes<br />
clubes portugueses, aquele que mais precisa de ganhar<br />
o campeonato para garantir desde logo a injecção<br />
O BENFICA RESISTE<br />
FINANCEIRAMENTE POR FORÇA<br />
DO FABULOSO ENCAIXE COM<br />
A VENDA DE JOÃO FÉLIX<br />
de 40 milhões da presença na Champions. Mas não<br />
chega. Pelo segundo ano consecutivo o FCP sabe que<br />
tem de vender vários jogadores, o que, naturalmente,<br />
não deixará de ter reflexos na capacidade competitiva<br />
da equipa. Lembre-se que no Verão passado Sérgio<br />
Conceição viu sair quase meia equipa titular (Eder<br />
Militão, Felipe, Brahimi, Herrera, Oliver...), em dois<br />
casos sem retorno financeiro, coisa impensável no<br />
FCP de outros tempos.<br />
Na altura da interrupção, o FC Porto liderava o<br />
campeonato depois de ultrapassar sensacionalmente<br />
o Benfica. Mas, desde então, as notícias (e especulações)<br />
mais relevantes sobre o universo portista versam<br />
sobre a crise financeira e a necessidade de o clube<br />
vender para equilibrar as contas. Pelo que sem tem<br />
lido, o treinador Sérgio Conceição vai perder vários<br />
avançados no defeso — Tiquinho Soares, Moussa<br />
Marega e Zé Luis estarão de saída — e ainda os centrais<br />
Diogo Leite (Valência ou Sevilha?), Alex Telles<br />
(apalavrado com o PSG) e o extremo mexicano<br />
26 | Exame Moçambique
RECEITA:<br />
A ida de João<br />
Félix para o<br />
Atlético de Madrid<br />
deu ao Benfica<br />
fôlego financeiro<br />
para resistir à<br />
paragem<br />
Jesus Corona, “que meia Europa quer” e cujo preço a<br />
SAD portista já fixou em 30 milhões. Em face disto,<br />
os adeptos questionam que equipa terá Sérgio Conceição<br />
na próxima época, lembrando que o FCP tem<br />
vindo progressivamente a perder qualidade e competitividade<br />
a nível internacional. Os factos mostram<br />
que o FCP com Sérgio até tem sido mais competitivo<br />
que o próprio Benfica, já que luta até ao fim em todas<br />
as frentes — no campeonato e nas taças.<br />
Não é fácil prever quem ganhará o campeonato,<br />
mas sabe-se que o FC Porto chegou à liderança depois<br />
de anular a expressiva desvantagem (7 pontos) para o<br />
Benfica... e que tem vantagem no confronto directo<br />
com os encarnados (duas vitórias e um total de 5-2).<br />
Se for o FCP campeão, a leitura que se fará parece-<br />
-nos óbvia: ganhar um segundo campeonato em três<br />
anos numa conjuntura económica altamente desfavorável<br />
(sobretudo quando comparada com a do<br />
Benfica) será sempre uma proeza assinalável; e talvez<br />
represente para o hipertitulado presidente do<br />
clube, Pinto da Costa, uma das vitórias mais saborosas<br />
sobre o homólogo benfiquista — que, por sua<br />
vez, terá muitas dificuldades em explicar aos adeptos<br />
a perda de um segundo campeonato em três anos<br />
para um FCP endividado e empobrecido.<br />
SPORTING, FÉ NO TREINADOR<br />
A situação financeira do Sporting é preocupante,<br />
embora o seu presidente, Frederico Varandas, não se<br />
canse de sublinhar que “era bem pior” quando chegou<br />
à presidência do clube. Com um resultado negativo<br />
de 11,4 milhões (uma redução de 7,7 milhões relativamente<br />
ao exercício anterior) e o passivo a aumentar<br />
de 378 para 421 milhões (venda de Bruno Fernandes<br />
ainda não contabilizada), Varandas não tem tido a<br />
vida fácil. Contestado por uma franja significativa de<br />
adeptos e fragilizado por várias demissões na própria<br />
equipa directiva, jogou a própria sobrevivência<br />
na contratação do prometedor treinador Rúben<br />
Amorim, que passou pelo Braga com o brilho de um<br />
cometa. Amorim custou 10 milhões (a que já acrescem<br />
cerca 4 milhões por o clube ter falhado os primeiros<br />
pagamentos) e é nele que Varandas assenta o<br />
plano estratégico para os próximos dois anos. O plano<br />
prevê a qualificação para a Champions e o regresso<br />
em força à formação como pedra-de-toque do novo<br />
edifício futebolístico leonino. Tudo isto sem esquecer<br />
que o presidente que ora defende convictamente<br />
a capacidade de Rúben Amorim é o mesmo que, no<br />
espaço de um ano, deu guia de marcha a quatro treinadores:<br />
José Peseiro, Marcel Keizer, Leonel Pontes<br />
e Jorge Silas. Mas mesmo com essa incongruência, o<br />
futebol profissional do Sporting parece estar a trilhar<br />
caminhos mais lógicos e realistas depois de Bruno<br />
de Carvalho ter feito — e desperdiçado — o maior<br />
investimento de sempre na história do clube sem<br />
resultados assinaláveis no futebol. No ano corrente,<br />
que ficará para a história como o da pandemia, três<br />
presidentes chegaram à conclusão de que o treinador<br />
Rúben Amorim tem mesmo algo de especial: António<br />
Salvador. Luís Filipe Vieira. E Frederico Varandas,<br />
que se chegou à frente com uma verba jamais<br />
vista no futebol português.<br />
É possível que Rúben Amorim pertença a essa<br />
categoria de treinadores verdadeiramente especiais,<br />
habilitados a criar empatia e um sentimento<br />
de confiança generalizada entre os que o rodeiam<br />
junho <strong>2020</strong> | 27
CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />
ARGUMENTOS PARA O EUROPEU<br />
Foi lógica e sensata a decisão da UEFA de adiar o Europeu<br />
de <strong>2020</strong>, dito “das cidades” (será disputado em 12 cidades de<br />
12 países: Bilbau, Dublin, Londres, Glasgow, Munique, Amesterdão,<br />
Copenhaga, Roma, Budapeste, Bucareste, Moscovo e<br />
Baku) para o Verão de 2021. O orçamento da FPF para esta<br />
época previa receitas “de participação das selecções em<br />
competições de 13,9 milhões de euros”, uma verba significativa<br />
cuja maior fatia provinha da participação no Europeu<br />
(9,25 milhões só de prémio de presença). Mas trata-se apenas<br />
do adiamento de uma receita garantida. Por outro lado,<br />
a pandemia permitiu a Portugal tornar-se o primeiro país<br />
campeão da Europa durante cinco anos e não os quatro da<br />
ordem. No aspecto desportivo, haverá vantagens e algumas<br />
desvantagens. Todos os jogadores terão mais um ano nas pernas<br />
o que, no caso do mais decisivo de todos (CR7, que terá<br />
36 anos), pode não ser bom, sem esquecer os acréscimos dos<br />
veteranos centrais Pepe (38) e José Fonte (37) e do médio<br />
João Moutinho (34). Por outro lado, o adiamento permite a<br />
outro jogador de top, o médio Bruno Fernandes, chegar ao<br />
próximo Europeu (cuja final está marcada para Londres) com<br />
um estatuto de superestrela que seria difícil ter este Verão,<br />
apesar da rapidez com que se impôs no Manchester United.<br />
Outro jogador de grande potencial a quem o adiamento<br />
pode beneficiar é João Félix (20 anos),<br />
cujo rendimento na época de estreia do Atlético<br />
de Madrid tem sido muito aquém do que se<br />
esperava. Um ano mais de experiência numa liga<br />
tão dura e competitiva como a espanhola poderá<br />
ajudá-lo a encontrar o seu espaço na selecção.<br />
HÁ UM CONJUNTO DE JOGADORES<br />
QUE, EM CONDIÇÕES NORMAIS,<br />
PODERIAM SER TRANSFERIDOS<br />
ESTE VERÃO POR SOMAS<br />
ASTRONÓMICAS<br />
e trabalham com ele. São esses os sinais que chegam<br />
de Alvalade, depois da curta, mas impressionante,<br />
estadia de Rúben em Braga, marcada pela conquista<br />
da Taça da Liga e por uma sequência extraordinária<br />
de cinco vitórias consecutivas sobre os três grandes.<br />
Aquilo que importa neste momento aos sportinguistas,<br />
mais do que a posição final no campeonato<br />
(atrás ou à frente do Braga), é saber como vai Rúben<br />
Amorim fazer o onze da próxima época, sabendo-<br />
-se que está disposto a apostar numa série de jovens<br />
talentosos mas ainda sem provas dadas no futebol<br />
de primeira linha. Citem-se Eduardo Quaresma,<br />
Gonçalo Inácio, Matheus Nunes, Joelson Fernandes,<br />
Tiago Tomás e o mais rodado Gonzalo Plata, entre<br />
os que têm sido mais falados. Eles representam o<br />
regresso lógico do clube à formação, um sector onde<br />
o Sporting produziu talentos de uma excepcionalidade<br />
nunca igualada na história do futebol português<br />
(Cristiano Ronaldo, Luís Figo e Paulo Futre, por<br />
exemplo). Varandas conta com Rúben para o início<br />
de uma nova vaga, mas os adeptos também sabem<br />
que o Sporting continua vendedor. Sendo certo, por<br />
outro lado, que nenhuma fornada de jovens talentos<br />
consegue crescer e evoluir sem estar amparada<br />
por um núcleo duro de jogadores experientes... e de<br />
qualidade. Foi o que aconteceu aos teenagers Ricardo<br />
Quaresma e Cristiano Ronaldo no Sporting de Lazlo<br />
Bolöni: estavam enquadrados por João Vieira Pinto,<br />
Mário Jardel, Paulo Bento, Pedro Barbosa e Sá Pinto,<br />
entre outros. Na noite de 28 de Abril de 2002, a bela<br />
Praça do Município em Lisboa encheu-se de adeptos<br />
sportinguistas que cantaram a plenos pulmões:<br />
“Só eu sei porque não fico em casa.” Comemoravam<br />
a última vitória dos leões no campeonato. É difícil,<br />
atentando na conjuntura actual, imaginar que o Sporting<br />
de Rúben Amorim consiga reunir meios que lhe<br />
permitam um novo título a breve prazo.b<br />
28 | Exame Moçambique
NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />
O PALADAR D’TERRA<br />
Era auxiliar da mãe no fabrico de bolos e salgados. Hoje, através da marca<br />
O Paladar D’Terra, Sónia Matsinhe faz pães nutritivos à base de farinha de trigo<br />
e tubérculos (mandioca e batata-doce) e quer ir longe<br />
VALDO MLHONGO<br />
Foi como ajudante no fabrico<br />
dos tradicionais bolos de aniversário<br />
e salgados que Sónia<br />
Matsinhe descobriu o caminho<br />
para o início de um novo<br />
negócio, nutritivo e saudável. “Tempos<br />
depois comecei a ter necessidade de querer<br />
fazer algo diferente, inovar na área gastronómica”,<br />
revela a empresária de pães<br />
nutritivos em conversa com a <strong>EXAME</strong>.<br />
O primeiro passo foi a pesquisa, precisamente<br />
em 2017. “Sim, comecei a pesquisar<br />
na Internet e observei que a tendência<br />
era mesmo para a alimentação saudável,<br />
ou seja, as pessoas começavam a adoptar<br />
um estilo de vida saudável”, refere a<br />
empreendedora de 40 anos. “Essas pesquisas<br />
levaram-me à descoberta de pães<br />
nutritivos. Daí, fui fazendo alguns cursos<br />
on-line para aprimorar o conhecimento”,<br />
explica a dona da marca O Paladar<br />
D’Terra. A pesquisa durou cerca de um<br />
ano, durante o qual concebeu um trajecto<br />
de crescimento para um novo modelo de<br />
negócio, o fabrico de pães nutritivos feitos<br />
à base de farinha de trigo e tubérculos<br />
(mandioca e batata-doce). Os primeiros<br />
clientes foram os colegas de trabalho.<br />
“Sabe, quando lhes falei do pão estranharam,<br />
mas muito rapidamente, depois de<br />
provarem, gostaram”, refere com um sorriso<br />
de satisfação. E hoje o cenário mudou.<br />
“São meus clientes”, conta, orgulhosa.<br />
No início a produção era dirigida a um<br />
TRATA-SE DE UM PÃO<br />
FORTIFICADO, NUTRITIVO,<br />
ENERGÉTICO, FONTE<br />
DE VITAMINAS E DE<br />
CARBOIDRATOS, QUE<br />
PROLONGA A SENSAÇÃO<br />
DE SACIEDADE<br />
número muito reduzido de clientes, mas,<br />
com o tempo, os pedidos foram aumentando<br />
e a carteira de clientes também se<br />
alargou. Actualmente trabalha com quase<br />
quatro dezenas de clientes, entre fixos e<br />
ocasionais. “Claro que ainda não estou<br />
satisfeita... são etapas de crescimento que<br />
devem ser seguidas”, refere a empresária,<br />
que tem como desafio atacar o mercado<br />
das pastelarias e lanchonetes.<br />
Os pães têm o formato de pão de forma e<br />
apresentam-se em três tamanhos: pequeno,<br />
médio e grande. “Até agora consigo arrecadar<br />
uma média mensal de 8 mil meticais,<br />
num investimento de 3 mil meticais.<br />
Isto é apenas o começo”, adianta, confiante.<br />
O fabrico segue o processo normal<br />
de produção do pão. “É como fazer o<br />
pão normal, apenas acrescento os tubérculos.<br />
Ah, também adiciono ovo e manteiga.<br />
Esse processo (produção) leva mais<br />
ou menos seis horas. Adquiro a matéria-<br />
-prima num dos mercados mais famosos<br />
da cidade de Maputo, Fajardo. “É lá que<br />
EDILSON TOMÁS<br />
30 | Exame Moçambique
SÓNIA<br />
MATSINHE<br />
IDADE: 40 ANOS<br />
NATURALIDADE:<br />
MAPUTO<br />
NOME DO NEGÓCIO:<br />
O PALADAR D’TERRA<br />
RAMO: ALIMENTOS<br />
SAUDÁVEIS<br />
NÚMERO DE<br />
TRABALHADORES: 2<br />
SÓNIA MATSINHE: Quer ser<br />
uma referência na produção<br />
de produtos saudáveis
NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />
NUTRITIVOS: Pães feitos<br />
à base de farinha de trigo<br />
e tubérculos<br />
FORMATO: Os pães oferecem-se<br />
no formato do tradicional pão de forma<br />
compro a mandioca e a batata-doce. Tenho<br />
fornecedores fixos, e o resto do material,<br />
como o inhame e a cenoura, arranjo com<br />
facilidade por aqui.”<br />
O INÍCIO DE TUDO<br />
A empreendedora reconhece que o início<br />
não foi fácil. “Houve descrença por parte<br />
da minha família mas, à medida que me<br />
fui aperfeiçoando, começaram a perceber<br />
que afinal era possível fazer coisas diferentes”<br />
com um produto tão comum como o<br />
pão “e fui, à medida que o tempo passava,<br />
conquistando a confiança deles”. Será este<br />
um pão diferenciado? “Sim, é fortificado,<br />
nutritivo, energético, fonte de vitaminas,<br />
fonte de carboidratos e prolonga a sensação<br />
de saciedade”, explica.<br />
A criatividade da Sónia Matsinhe na<br />
produção de produtos saudáveis não se<br />
fica pelo pão. Matsinhe é também especialista<br />
na produção de geleias feita à base<br />
de casca de fruta (manga, papaia, maracujá),<br />
bem como na produção de biscoitos<br />
feitos com cascas de banana e semente<br />
de papaia e de abacate, e ainda na produção<br />
de cálcio feito à base de casca de ovo.<br />
“Na verdade, reinvento receitas de acordo<br />
com as inspirações que vou tendo”, refere.<br />
“Não gosto de desperdício.” Os preços<br />
variam entre os 3 mil e os 5 mil meticais.<br />
EDILSON TOMÁS<br />
A empreendedora salienta que os seus<br />
produtos são feitos a pensar em pessoas<br />
com algum tipo de restrição alimentar.<br />
“Refiro-me a diabéticos e praticantes de<br />
exercício físico, entre outros”, esclarece.<br />
“Estou em processo de formalização do<br />
negócio e de mudança do nome”, revela.<br />
Actualmente usa o nome Pão Com Tubérculo<br />
como a marca do seu negócio, mas<br />
“vou já mudar para O Paladar D’Terra,<br />
é mais abrangente e dá ênfase aos produtos<br />
naturais”.<br />
E planos para o futuro? “Esses não faltam”,<br />
diz, sorrindo. “Quero ser uma referência<br />
nacional na produção de produtos<br />
saudáveis.” Até lá, o caminho a ser percorrido<br />
é longo. E há que, antes do mais,<br />
investir no marketing da marca a ser lançada.<br />
Uma realidade da qual a empreendedora<br />
está ciente. “Hoje, as plataformas<br />
digitais são um instrumento muito importante<br />
para qualquer negócio. É por isso que<br />
tenho estado a trabalhar na sua utilização<br />
para me dar a conhecer”, conclui. b<br />
32 | Exame Moçambique
maio <strong>2020</strong> | 33
NEGÓCIOS FINANÇAS<br />
FINTECHS:<br />
Irão ter uma<br />
comunidade<br />
com serviços<br />
partilhados<br />
no país<br />
OPORTUNIDADE<br />
DE OURO PARA<br />
AS FINTECHS<br />
MOÇAMBICANAS?<br />
Com o novo coronavírus aumenta a procura por novas<br />
tecnologias financeiras, abrindo oportunidades a empresas<br />
inovadoras. Mas como é que a tesouraria de uma startup<br />
que ainda mal tem mercado enfrenta um mundo<br />
em abrandamento e confinado? João Gaspar, presidente<br />
da Fintech.mz, fala dos dois lados da moeda<br />
O<br />
sector das fintechs em<br />
Moçambique não escapa<br />
às dificuldades provocadas<br />
pelo impacto da COVID-19,<br />
mas o momento que se vive<br />
é também “uma oportunidade de ouro” para<br />
estreitar a relação entre as startups financeiras<br />
digitais e a área da banca e seguros,<br />
defende João Gaspar, presidente da Fintech.<br />
mz, associação moçambicana do sector.<br />
É que o contexto de restrições e distanciamento<br />
social está a aumentar a procura e<br />
implementação de soluções tecnológicas<br />
à distância para pagamentos, transacções e<br />
troca de documentos, ou seja, tudo aquilo<br />
em que as empresas tecnológicas financeiras<br />
trabalham, todos os dias.<br />
Face ao novo contexto, a Fintech.mz lançou<br />
no início de Maio um inquérito às fintechs<br />
de modo a que cada qual possa indicar<br />
como pode contribuir para manter o mundo<br />
— em concreto, Moçambique — a funcionar,<br />
mesmo com as restrições impostas pela<br />
COVID-19. As respostas estão a ser processadas<br />
e, em breve, “vão ser disponibilizadas<br />
na Internet” num directório para consulta<br />
aberta. Os pagamentos em lojas sem contacto<br />
físico, canais de venda on-line ou<br />
34 | Exame Moçambique
transição de processos burocráticos para<br />
formato digital — evitando passear papéis<br />
por várias repartições — são exemplos que<br />
saltam logo à cabeça, exemplifica.<br />
Este directório pretende dar um empurrão<br />
para aproveitar a tal “oportunidade de<br />
ouro”, a par de contactos junto dos reguladores,<br />
“sensibilizando-os para a necessidade<br />
de abertura de novos serviços e legislação<br />
adequada” para dar suporte legal a serviços<br />
financeiros inovadores, por exemplo,<br />
para provedores de pagamentos em meticais,<br />
na Internet, entre outros.<br />
“Continuo a dizer que Moçambique é um<br />
mercado com bastantes oportunidades”, que<br />
já existiam antes da COVID-19, refere João<br />
Gaspar, tendo em conta que só um terço da<br />
população tem uma conta bancária e que<br />
são ainda menos os moçambicanos que<br />
subscrevem seguros. Mas além das oportunidades,<br />
os desafios de base também se<br />
mantêm e algumas dificuldades estão a ser<br />
amplificadas pela pandemia de COVID-19.<br />
“O maior impacto tem a ver com empresas<br />
que são startups e estão a ter alguns<br />
problemas de tesouraria.” Em causa estão<br />
empresas com pouco ou nenhum volume<br />
de negócios — algumas ainda estão a desenvolver<br />
produtos — e que estão impedidas<br />
de aceder ao mercado para terem receitas<br />
devido às restrições globais. E se algumas<br />
podem pensar em recorrer a mecanismos<br />
que vão sendo anunciados pelas autoridades<br />
e pela banca, a maioria pode ainda não ter<br />
estrutura para tal, alerta João Gaspar. “Há<br />
empresas que já tinham uma actividade<br />
económica que sustentava os seus custos,<br />
empresas com mais alguns anos de existência,<br />
equilibradas e que podem ter aqui uma<br />
quebra”, mas eventualmente com “capacidade<br />
para usar os mecanismos disponíveis”.<br />
“Agora, as empresas mais pequenas, que são<br />
a grande maioria, com projectos inovadores<br />
nestas áreas, têm um problema maior<br />
porque não têm histórico financeiro. Para<br />
obter crédito é mais complicado, além dos<br />
custos” que um empréstimo pode implicar.<br />
Assim, a Fintech.mz aposta em “sensibilizar<br />
alguns financiadores, doadores, organizações<br />
não-governamentais (ONG) que<br />
já estavam a trabalhar com estes projectos”<br />
para tentar encontrar um conceito mais<br />
próximo de “subsídios para apoio durantes<br />
estes meses” de restrições. “Pode ser<br />
a maneira de ajudar estas empresas mais<br />
pequenas e que estão a iniciar a actividade.”<br />
PLANOS PARA APOIAR<br />
AS FINTECHS<br />
A associação de fintechs de Moçambique<br />
está a planear acções para lá do período de<br />
restrições causadas pela COVID-19. Uma<br />
delas passa por criar uma casa para startups<br />
do sector e onde sejam disponibilizados serviços<br />
partilhados, com destaque para serviços<br />
jurídicos. A ideia segue um modelo que<br />
João Gaspar visitou em Março, em Portugal,<br />
a Fintech House, em Lisboa. Uma comunidade<br />
centrada nas fintechs, sem fins lucrativos,<br />
com o objectivo de ligar startups.<br />
Quem entra conta com o apoio de parceiros<br />
em quatro vértices: bancário, seguros,<br />
jurídico e consultoria. “É um modelo interessante”,<br />
sublinha João Gaspar. b<br />
* Serviço especial da Lusa para a <strong>EXAME</strong>.<br />
FINTECH.MZ: DAR VOZ A UM NOVO SECTOR<br />
A Fintech.mz — Associação das Fintechs<br />
de Moçambique foi lançada oficialmente<br />
em Fevereiro, em Maputo, como<br />
entidade que agrega empresas tecnológicas<br />
ligadas ao sector financeiro.<br />
JOÃO GASPAR: Moçambique é um<br />
mercado com bastantes oportunidades<br />
O país conta com 16 empresas que estão a<br />
começar a trabalhar na área, quatro numa<br />
plataforma de ensaios (denominada no<br />
meio pelo termo inglês sandbox) criada<br />
pelo Banco de Moçambique, outras em<br />
nichos de mercado ou sob regime piloto,<br />
“em busca de escala e impulso”, descreve<br />
João Gaspar. A venda de seguros<br />
através de plataformas móveis, a criação<br />
de sistemas de pagamento electrónico<br />
(gateways) que podem ser usados, por<br />
exemplo, por comércio on-line ou aplicações<br />
de transferências de dinheiro<br />
internacionais, são algumas das áreas<br />
que as fintechs moçambicanas estão a<br />
desenvolver.<br />
Num país onde só uma percentagem<br />
muito baixa da população tem conta bancária,<br />
estas empresas assumem especial<br />
importância, refere João Gaspar. “Não<br />
basta ter mais pessoas com contas bancárias,<br />
é preciso fazer com que utilizem<br />
os sistemas digitais de pagamento e aí,<br />
claramente, entramos na área da tecnologia,<br />
em conceitos novos e numa maneira<br />
nova de abordar o cliente”, descreve.<br />
APOIO DA FSD MOÇAMBIQUE<br />
A associação Financial Sector Deepening<br />
Moçambique (FSD Moçambique) é uma<br />
organização de promoção de inclusão<br />
financeira que tem impulsionado a criação<br />
de fintechs no país. A FSD apoiou a<br />
criação da associação, que “faz parte do<br />
ecossistema das fintechs com um papel<br />
muito importante para a inclusão financeira”,<br />
refere Esselina Macome, directora-executiva<br />
do FSD. Juntas, como<br />
um grupo, as fintechs “poderão fazer-se<br />
ouvir e mostrar melhor a sua relevância”,<br />
acrescentou, apontando como exemplo<br />
de sucesso deste sector o crescimento<br />
das carteiras móveis — contas bancárias<br />
baseadas no número de telemóvel.<br />
junho <strong>2020</strong> | 35
ECONOMIA DÍVIDA<br />
DÍVIDAS OCULTAS:<br />
MOÇAMBIQUE CONTRA<br />
CREDIT SUISSE<br />
Depois de Nova Iorque, Londres é o novo palco das decisões sobre as dívidas ocultas.<br />
Bancos dizem que foi tudo legal, mas Moçambique usa as investigações para alegar<br />
que foi vítima. Quer Credit Suisse e VTB a pagarem pela reestruturação dos títulos<br />
soberanos, derivados da EMATUM<br />
LUÍS FONSECA*<br />
36 | Exame Moçambique
CREDIT SUISSE:<br />
Para a PGR o país não é<br />
responsável pelas garantias<br />
soberanas assinadas pelo<br />
antigo Ministro das Finanças,<br />
Manuel Chang<br />
A TRANSPARÊNCIA<br />
FOI SUBSTITUÍDA<br />
POR UM “ABOMINÁVEL<br />
SECRETISMO EM<br />
TODAS AS OPERAÇÕES<br />
FINANCEIRAS DAS<br />
EMPRESAS AQUI<br />
IMPLICADAS” —<br />
ACÓRDÃO DO CONSELHO<br />
CONSTITUCIONAL<br />
Cerca de um ano depois da<br />
primeira decisão, chegou a<br />
segunda: o Conselho Constitucional<br />
(CC) de Moçambique<br />
considerou nulos todos os<br />
actos relativos aos empréstimos contraídos<br />
pelo Estado para as empresas ProIndicus e<br />
MAM relacionados com o caso das dívidas<br />
ocultas. “O Conselho Constitucional declara<br />
a nulidade dos actos relativos aos empréstimos<br />
contraídos pelas empresas ProIndicus<br />
e Mozambique Asset Management (MAM)<br />
e das garantias soberanas conferidas pelo<br />
governo, em 2013 e 2014, respectivamente,<br />
com todas as consequências legais”, lê-se no<br />
documento divulgado a 12 de Maio. A decisão<br />
é idêntica à que já havia sido tomada pelo<br />
CC em <strong>Junho</strong> de 2019 quando o órgão, após<br />
petições públicas, foi chamado a deliberar<br />
sobre o empréstimo à EMATUM. Assim,<br />
os três empréstimos assentes em garantias<br />
assinadas pelo ministro das Finanças<br />
de então, Manuel Chang, e atribuídos<br />
a cada uma das empresas envolvidas no<br />
caso, são anulados pelo CC. É o resultado<br />
de duas petições dinamizadas pelo Fórum<br />
de Monitoria da Dívida (FMO) que reuniram<br />
milhares de assinaturas e que foram<br />
entregues em 2017 (contra a EMATUM) e<br />
2019 (para fazer face à ProIndicus e MAM).<br />
Desta vez estavam em causa dois empréstimos:<br />
um de 622 milhões de dólares contraído<br />
junto do banco Credit Suisse para a<br />
ProIndicus e outro de 535 milhões de dólares<br />
contraído junto do Banco de Comércio<br />
Exterior da Rússia (VTB) a favor da MAM.<br />
À semelhança da avaliação sobre o empréstimo<br />
para a EMATUM, os juízes dizem<br />
que a transparência foi substituída por um<br />
“abominável secretismo em todas as operações<br />
financeiras das empresas aqui implicadas”.<br />
O CC refere que a “ilegalidade” em<br />
causa tem “um efeito jurídico aniquilador”<br />
sobre os actos.<br />
Os acórdãos (de Maio deste ano sobre<br />
a ProIndicus e MAM e o de 2019 sobre a<br />
EMATUM) vão no mesmo sentido, mas<br />
apanham o governo a remar em direcções<br />
diferentes, num e noutro momento. A declaração<br />
de <strong>Junho</strong> do último ano não impediu<br />
o governo de renegociar com os credores o<br />
reembolso dos “eurobonds” da EMATUM<br />
— o que valeu críticas da sociedade civil,<br />
acusando-o de estar a renegociar uma dívida<br />
considerada nula pela Justiça. Já o acórdão<br />
de Maio surge numa altura em que o próprio<br />
governo já tinha adiantado caminho,<br />
abrindo processos internacionais para anular<br />
as dívidas da ProIndicus e MAM. Porquê<br />
esta diferença de actuação?<br />
Num caso, o Executivo moçambicano<br />
sempre fez saber que, no seu entender, é preciso<br />
honrar a parcela da dívida contraída<br />
pela EMATUM, alegando que foi a única<br />
que foi convertida em títulos soberanos,<br />
“eurobonds”, transaccionados nos mercados<br />
internacionais e que estão na posse de<br />
vários investidores pelo mundo. Ou seja,<br />
esta parcela tem um peso acrescido na credibilidade<br />
necessária para futuro acesso ao<br />
mercado externo de dívida — numa altura<br />
em que o país procura quem lhe empreste<br />
1,5 mil milhões de dólares para financiar<br />
a participação de 15% da Empresa Nacional<br />
de Hidrocarbonetos (ENH) na Área 1<br />
de exploração de gás natural. Arriscar um<br />
novo default, incumprimento, como aconteceu<br />
entre 2016 e final de 2019, significa<br />
fechar portas às fontes de financiamento<br />
externo, entende o Executivo.<br />
Já sobre os empréstimos à ProIndicus e<br />
MAM, foram acordados directamente com<br />
os bancos Credit Suisse e VTB, sem troca por<br />
títulos soberanos como no caso da EMA-<br />
TUM. Nunca foram liquidados e nem vão<br />
ser, de acordo com as acções movidas por<br />
Moçambique. O Estado lusófono não só<br />
requer a sua anulação como exige aos bancos<br />
que se responsabilizem pela reestruturação<br />
da dívida da EMATUM e pelas “perdas<br />
macroeconómicas que resultam das irregularidades<br />
dos arguidos”. Aqui o Estado<br />
moçambicano apoia-se em todas as ilegalidades<br />
apontadas pelo Conselho Constitucional<br />
e reveladas nas investigações ao<br />
caso. “Moçambique foi enganado na troca<br />
das obrigações [da EMATUM] pela dívida<br />
soberana em 2016”, lê-se num memorando<br />
distribuído há cerca de um ano a portadores<br />
dos “eurobonds”, que confirma a tese oficial<br />
do governo, segundo a qual estes empréstimos<br />
à ProIndicus e MAM “não constituem<br />
uma obrigação válida, legal ou imputável a<br />
Moçambique”. Será que Moçambique vai<br />
ganhar a sua causa frente aos dois bancos?<br />
AUDIÊNCIAS ARRANCAM<br />
EM LONDRES<br />
A resposta sobre o desfecho do caso passa<br />
agora pelo Tribunal Superior da Justiça de<br />
junho <strong>2020</strong> | 37
ECONOMIA DÍVIDA<br />
Inglaterra (Hight Court of Justice), onde<br />
arrancaram a 26 de Maio as audiências<br />
das partes no processo do Estado moçambicano<br />
contra o Credit Suisse — este processo<br />
não inclui o VTB. Na sua petição<br />
(divulgada pelo CIP — Centro de Integridade<br />
Pública, ONG moçambicana),<br />
a Procuradoria-Geral da República (PGR)<br />
moçambicana faz dois pedidos: por um<br />
lado, a declaração de que o país não é responsável<br />
pelas garantias soberanas assinadas<br />
pelo antigo Ministro das Finanças,<br />
Manuel Chang, para viabilizar o empréstimo<br />
da ProIndicus; por outro, a condenação<br />
dos réus a pagarem indemnização<br />
a Moçambique pelas perdas e danos causados.<br />
Além do Credit Suisse, estão entre os<br />
réus três dos seus quadros à altura (Surjan<br />
Singh, Andrew Pearse e Detelina Subeva),<br />
o estaleiro naval Privinvest e empresas<br />
na sua órbita. O que dizem os arguidos?<br />
O estaleiro alega que o tribunal inglês<br />
não tem competência para julgar o caso,<br />
enquanto os restantes arguidos dizem que<br />
tudo foi contratado de forma legal.<br />
Entretanto, há outros processos de uns<br />
contra outros. Entre eles, o banco russo<br />
VTB colocou uma acção em tribunal, em<br />
Londres, exigindo 817,5 milhões de dólares,<br />
mais juros, ao Estado moçambicano<br />
por falhar as prestações do empréstimo da<br />
MAM (Mozambique Asset Management).<br />
O banco russo com filial em Londres argumenta<br />
que o Estado moçambicano de forma<br />
“irrevogável e incondicionalmente” garantiu<br />
que pagaria se as empresas falhassem.<br />
Mas Moçambique revelou em Maio<br />
outro passo para demonstrar o seu afastamento<br />
em relação às três empresa do<br />
escândalo. Além de acções judiciais em<br />
Londres, o Ministério Público moçambicano<br />
propôs a dissolução da ProIndicus,<br />
EMATUM e MAM, considerando que<br />
a situação de liquidez das três empresas é<br />
inferior a metade do valor do capital social.<br />
Em suma, a mensagem é esta: os credores<br />
que procurem ressarcir-se durante o processo<br />
de falência.<br />
DIFERENTES PERSPECTIVAS<br />
Há diferentes perspectivas sobre o que vai<br />
acontecer com os valores das dívidas ocultas<br />
depois destes mais recentes desenvolvimentos.<br />
O Fundo Monetário Internacional<br />
(FMI) diz que uma redução adicional da<br />
dívida está à vista, uma vez que o governo<br />
“não pretende suportar a MAM” — uma<br />
das empresas do escândalo das dívidas<br />
ocultas —, “que deve seguir para falência,<br />
enquanto a validade das garantias estatais<br />
ao empréstimo do banco VTB à MAM está<br />
a ser contestada” judicialmente. A apreciação<br />
faz parte do mais recente relatório da<br />
organização sobre Moçambique, divulgado<br />
em Abril. O fundo acredita que o país vai<br />
libertar-se progressivamente do peso desta<br />
dívida nas suas contas públicas.<br />
E AS RESPONSABILIDADES<br />
CRIMINAIS?<br />
Já a consultora Economist Intelligence Unit<br />
(EIU) considera que a decisão do Conselho<br />
Constitucional relativamente à nulidade das<br />
dívidas da MAM e ProIndicus “pode complicar<br />
o acesso de Moçambique a financiamento<br />
externo”. Em causa, a necessidade de<br />
endividamento de 1,5 mil milhões de dólares<br />
para financiar a participação de 15% da<br />
ENH. De qualquer maneira, a pandemia da<br />
COVID-19 veio aumentar as incertezas: “O<br />
recente colapso na actividade económica e na<br />
confiança dos investidores deve adiar estes<br />
esforços” de captação de financiamento. b<br />
* Serviço especial da Lusa para a <strong>EXAME</strong><br />
Em Londres as partes dirimem argumentos<br />
para que um juiz decida quem<br />
paga a conta. Do outro lado do Atlântico,<br />
os EUA continuam a querer julgar<br />
o ex-ministro das Finanças, Manuel<br />
Chang, por fraude, corrupção e lavagem<br />
de dinheiro, no que classificam<br />
uma burla internacional de 2,2 mil<br />
milhões de dólares, as “dívidas ocultas”<br />
que também prejudicaram investidores<br />
norte-americanos e que passaram<br />
por balcões daquele país. Para o efeito,<br />
os EUA continuam a pedir a extradição<br />
do antigo governante, detido na África<br />
do Sul desde final de 2018. Mas Moçambique<br />
considera que o ex-ministro será<br />
absolvido nos EUA, tal como aconteceu<br />
com o franco-libanês Jean Boustani,<br />
“peça-chave de todo o processo<br />
de endividamento e desvio<br />
dos valores em causa”, referiu<br />
Beatriz Buchili, procuradora-geral<br />
da República, no<br />
final de Maio, no Parlamento.<br />
Justificou assim a luta pela<br />
extradição para Maputo.<br />
Na informação prestada na<br />
Assembleia da República,<br />
Buchili revelou ainda que o<br />
número de arguidos no processo<br />
autónomo sobre as dívidas ocultas<br />
subiu de quatro para dez desde Abril<br />
do último ano. Entre eles está Manuel<br />
Chang. Este processo autónomo trata-<br />
-se de um outro, independente do processo<br />
principal aberto em Moçambique<br />
no âmbito das dívidas ocultas em que<br />
foram constituídos vinte arguidos — dos<br />
quais dezanove estão em prisão preventiva<br />
e um em liberdade provisória<br />
mediante pagamento de caução. Entre os<br />
arguidos do processo principal sobressaem<br />
figuras do círculo próximo do ex-<br />
-Presidente Armando Guebuza, como<br />
um dos seus filhos, Ndambi Guebuza,<br />
e a sua secretária pessoal, Inês Moaine.<br />
Os vinte aguardam a decisão da justiça<br />
acerca dos recursos que apresentaram<br />
do despacho de pronúncia.<br />
HIGHT COURT OF<br />
JUSTICE:<br />
Nele arrancaram<br />
a 26 de Maio as<br />
audiências das<br />
partes no processo<br />
do Estado<br />
moçambicano<br />
contra o Credit<br />
Suisse<br />
38 | Exame Moçambique
ECONOMIA OE <strong>2020</strong><br />
ORÇAMENTO<br />
PARA UM ANO<br />
DE INCERTEZA<br />
Em ano de pandemia, o OE fixa como objectivo um crescimento da economia idêntico<br />
ao de 2019, com a receita a descer e a despesa e o défice a subirem. Também as despesas<br />
de investimento recuam<br />
LUÍS FARIA<br />
CRESCIMENTO:<br />
Mantém-se ao<br />
nível de 2019, o<br />
que não é mau em<br />
ano de pandemia<br />
junho <strong>2020</strong> | 39
ECONOMIA OE <strong>2020</strong><br />
H<br />
á menos optimismo quanto<br />
ao crescimento da economia<br />
este ano, que as autoridades<br />
esperavam que fosse<br />
de 4%, mas, mesmo assim,<br />
no meio da pandemia COVID-19 e a<br />
suportar ainda os efeitos dos ciclones,<br />
Moçambique deverá crescer a uma taxa<br />
de 2,2%, de acordo com a previsão inscrita<br />
no Orçamento de Estado (OE) para<br />
<strong>2020</strong>, uma estimativa alinhada com a do<br />
Fundo Monetário Internacional (FMI).<br />
O texto do Relatório de Fundamentação<br />
do OE lembra que “a implementação<br />
do Orçamento de Estado para <strong>2020</strong> coincide<br />
com a implementação do Plano de<br />
Reconstrução pós-ciclones Idai e Kenneth,<br />
devendo prestar-se atenção especial<br />
às intervenções que visam normalizar a<br />
vida da população das zonas afectadas,<br />
sobretudo no que respeita à higiene, ao<br />
saneamento do meio, às infra-estruturas<br />
básicas da saúde, da educação, de habitação,<br />
do comércio, de telecomunicações<br />
e da rede viária. Adicionalmente, é elaborado<br />
num contexto macroeconómico<br />
internacional marcado por perspectivas<br />
de recessão da economia mundial face à<br />
eclosão da COVID-19, onde se espera uma<br />
taxa de crescimento de 3,3% para <strong>2020</strong>,<br />
contra os 2,9% esperados para 2019, tendo<br />
como pressupostos os estímulos da política<br />
monetária para as economias emergentes<br />
e em desenvolvimento e a recuperação<br />
do comércio”.<br />
Se a taxa de crescimento projectada no<br />
OE para a economia moçambicana este<br />
ano coincide com a última estimativa<br />
formulada pelo Fundo Monetário Internacional<br />
(FMI), o quadro que serviu de<br />
referência para o andamento da economia<br />
global ainda não tem em conta a profundidade<br />
da crise causada pela COVID-19.<br />
O texto do documento reconhece-o, ressalvando<br />
que “as previsões aqui apresentadas<br />
não levam em consideração a recente<br />
eclosão da COVID-19, o que traz incertezas<br />
quanto às perspectivas macroeconómicas,<br />
diante da importância dos países<br />
mais afectados (China, Itália, Estados<br />
Unidos da América e Alemanha, entre<br />
outros) na economia mundial” e dedica ao<br />
assunto uma longa nota sobre o “Impacto<br />
GETTY<br />
da COVID-19 na Economia Mundial”.<br />
O OE para <strong>2020</strong> aborda o contexto internacional,<br />
com base na actualização que<br />
o FMI fez das suas previsões para a economia<br />
mundial em Janeiro. Ora, a meio<br />
de Abril, o Fundo reviu drasticamente<br />
as suas projecções face à brutalidade do<br />
OS NÚMEROS<br />
DO OE<br />
Taxa de Crescimento Real<br />
2,2%<br />
Taxa de Inflação Média Anual<br />
6,6%<br />
Exportações<br />
4 409,7 milhões USD<br />
Reservas Internacionais<br />
Líquidas<br />
de 3 276 milhões USD, capazes<br />
de cobrir 5,8 meses<br />
de importações<br />
Receita do Estado<br />
235 590,6 milhões de MT,<br />
o equivalente a 23,1% do PIB<br />
Despesa do Estado<br />
345 381,8 milhões de MT,<br />
o correspondente a 33,9%<br />
do PIB<br />
Défice Orçamental<br />
109 791,2 milhões de MT,<br />
o equivalente a 10,8% do PIB<br />
Défice Orçamental após<br />
Donativos<br />
23 252,1 milhões de MT,<br />
o equivalente a 2,3% do PIB<br />
Saldo Primário<br />
14 070,9 milhões de MT,<br />
o correspondente a 1,4% do PIB<br />
impacto da pandemia na actividade económica<br />
global. No primeiro mês do ano<br />
apontava para um crescimento de 3,3%<br />
em <strong>2020</strong>. Em Abril, com o impacto da<br />
pandemia, admite uma quebra de 3%.<br />
Isto, no melhor dos cenários. Também as<br />
expectativas para o preço das principais<br />
commodities caíram radicalmente com a<br />
crise trazida pela COVID-19, com destaque<br />
para os índices do preço da energia,<br />
com o tombo do preço do petróleo e também<br />
a descida do índice do preço do gás<br />
natural. Recuou igualmente o preço do<br />
alumínio, salvando-se apenas o preço dos<br />
bens alimentares.<br />
SOB O SIGNO DA INCERTEZA<br />
As previsões em que o Orçamento assenta<br />
estão, pois, envoltas em grandes incertezas,<br />
não se sabendo quando acaba e qual<br />
o impacto final da pandemia. “Persistem<br />
incertezas quanto às perspectivas da economia<br />
mundial, dada a eclosão da COVID-<br />
-19, diante da importância dos países mais<br />
afectados (China, Itália, Estados Unidos<br />
da América e Alemanha, entre outros) na<br />
economia mundial”, reconhece o texto do<br />
relatório que fundamenta o OE.<br />
A lei do Orçamento de Estado para <strong>2020</strong>,<br />
após aprovação pela Assembleia da República<br />
foi promulgada pelo Presidente Filipe<br />
Nyusi a 22 de Abril. O OE foi aprovado com<br />
os votos favoráveis da FRELIMO e os desfavoráveis<br />
dos partidos da oposição, que<br />
consideram que o governo está a subestimar<br />
os efeitos da pandemia.<br />
Para o Executivo, a taxa de crescimento da<br />
economia estimada será suportada fundamentalmente<br />
“pelas actividades de reconstrução<br />
pós-ciclones, a retoma da actividade<br />
dos sectores económicos e a materialização<br />
de diversos projectos ligados à indústria<br />
de gás natural na bacia do Rovuma”.<br />
O relatório de fundamentação estima<br />
que a inflação média anual se situe em<br />
6,6%, que as exportações atingirão 4409,7<br />
milhões de dólares e que as reservas internacionais<br />
líquidas (RIL) se situarão em<br />
3276 milhões de dólares, um valor capaz<br />
de cobrir 5,8 meses de importações.<br />
A área de actividade que apresentará<br />
maior dinamismo de acordo com as estimativas<br />
orçamentais é a construção, com<br />
40 | Exame Moçambique
um crescimento projectado, em termos<br />
reais, de 3%. Os transportes, armazenagem<br />
e informação e comunicações, as<br />
actividades financeiras e de seguros e a<br />
administração pública, defesa e segurança<br />
social, e ainda saúde e acção social, deverão<br />
crescer 2%. Espera-se que a agricultura<br />
cresça a um ritmo de 1,8%, prevendo-se<br />
que as indústrias extractivas voltem a ter<br />
uma evolução positiva (1,5% de crescimento),<br />
após terem registado uma quebra<br />
de 1,8% no último ano, segundo a avaliação<br />
preliminar, admitindo-se, entretanto,<br />
no texto do OE, que a indústria do carvão<br />
mineral deverá ser uma das mais afectadas<br />
pela COVID-19 “devido à redução da<br />
procura e à queda dos preços no mercado<br />
internacional”.<br />
ESPERA-SE QUE<br />
AS INDÚSTRIAS<br />
EXTRACTIVAS<br />
RECUPEREM E QUE<br />
A AGRICULTURA<br />
CRESÇA 1,8%<br />
METICAL DESVALORIZA<br />
O metical depreciará este ano, utilizando<br />
o Orçamento de Estado a taxa de câmbio<br />
média face ao dólar para <strong>2020</strong> de 66,6<br />
meticais por cada unidade da moeda<br />
CRESCIMENTO DA ECONOMIA<br />
Antes da crise global as autoridades apontavam<br />
a meta do crescimento este ano mais para cima,<br />
mas estima-se que se consiga o crescimento<br />
efectivo de 2019<br />
4,7%<br />
2019 OE Lei 2019<br />
realização prel.<br />
Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />
2,2% 2,2%<br />
<strong>2020</strong> OE<br />
ADRIANO<br />
MALEIANE:<br />
O ministro das<br />
Finanças vai<br />
conduzir o OE<br />
em condições<br />
externas difíceis<br />
junho <strong>2020</strong> | 41
ECONOMIA OE <strong>2020</strong><br />
norte-americana. Em 2019 a taxa de câmbio<br />
média foi de 62,5 meticais por cada<br />
dólar. O saldo da conta corrente agravar-<br />
-se-á ligeiramente, com as exportações a<br />
decaírem para 4409,7 milhões de dólares,<br />
face aos 4718 milhões apurados em<br />
2019, e as exportações a aumentarem dos<br />
6799 milhões de dólares do último ano<br />
para 7166,4 milhões.<br />
A CONSTRUÇÃO<br />
DEVERÁ SER O SECTOR<br />
MAIS DINÂMICO<br />
O investimento directo estrangeiro<br />
aumentará, embora condicionado pela<br />
incerteza da decisão final de investimento<br />
relativa à exploração de gás natural<br />
na bacia do Rovuma, esperando-se<br />
uma injecção líquida de fundos na ordem<br />
dos 2264 milhões de dólares, mais 273<br />
milhões que em <strong>2020</strong>.<br />
RECEITA DESCE<br />
O Estado prevê contar este ano com recursos<br />
internos no valor de 278 374,7 milhões<br />
de meticais, o correspondente a 27,3%<br />
do produto interno (PIB), e com mais de<br />
67 mil milhões de meticais de recursos<br />
externos, o equivalente a 6,6% do PIB.<br />
Para as receitas do Estado, que totalizarão,<br />
segundo a estimativa orçamental,<br />
mais de 235,5 mil milhões de meticais,<br />
contribuirão sobretudo as receitas fiscais<br />
(que se contrairão ligeiramente face<br />
a 2019, prevendo-se que atinjam 193,5 mil<br />
milhões de meticais) e as receitas sobre<br />
bens e serviços, que incluem o IVA, entre<br />
outros impostos, e também se reduzirão<br />
face ao último ano, prevendo-se que passem<br />
de perto de 96 mil milhões de meticais<br />
para pouco mais de 87 mil milhões.<br />
As principais rubricas da receita estatal<br />
descem de valor, com as receitas de<br />
capital a aumentarem, em contrapartida,<br />
de perto de 8 mil milhões de meticais<br />
em 2019 para cerca de 9 mil milhões<br />
no corrente ano. O saldo transitado de<br />
mais-valias aumenta de 5274 milhões de<br />
meticais para mais de 14,2 mil milhões, e<br />
o recurso ao financiamento interno também<br />
aumenta sensivelmente, de 19,4 mil<br />
milhões de meticais no último ano para<br />
28,5 mil milhões em <strong>2020</strong>.<br />
Os recursos captados externamente<br />
diminuem, no seu conjunto, de mais de<br />
71 mil milhões de meticais para 67 mil<br />
milhões. Espera-se que os donativos atinjam<br />
466 milhões de dólares (cerca de 31<br />
mil milhões de meticais), um incremento<br />
nominal de 1,6% face à previsão para 2019.<br />
Os créditos contraídos no exterior descem<br />
de 43,7 mil milhões de meticais inscritos<br />
na lei orçamental de 2019, para quase<br />
36 mil milhões de meticais. Há ainda que<br />
contar com o financiamento de apoio<br />
directo ao OE concedido pelo FMI e<br />
pelo Banco Mundial no âmbito do apoio<br />
ao governo para fazer face à COVID-19,<br />
num valor superior a 21 mil milhões de<br />
meticais, o equivalente a 2,1% do PIB.<br />
DESPESA AUMENTA<br />
A despesa do Estado aumenta, segundo<br />
a lei orçamental, com destaque para o<br />
maior peso das despesas de funcionamento.<br />
O Estado está autorizado a gastar,<br />
este ano, mais de 345,38 mil milhões de<br />
meticais, o equivalente a 33,9% do PIB.<br />
As despesas de funcionamento reduzem-<br />
-se: no último ano foram fixadas em perto<br />
de 196,6 mil milhões de meticais no OE<br />
do último ano, prevendo-se que superem,<br />
em <strong>2020</strong>, 228 mil milhões. Já as despesas<br />
de investimento recuam para perto de<br />
71 mil milhões de meticais, quando o<br />
INFLAÇÃO:<br />
Os preços voltam<br />
a subir este ano<br />
PREÇOS VÃO SUBIR<br />
Após terem iniciado em 2016 uma trajectória<br />
descendente, este ano os preços vão voltar a subir<br />
Taxa de inflação média (em %)<br />
3,6% 19,9% 15,1% 3,9% 2,8% 6,6%<br />
2015 2016 2017 2018 2019 <strong>2020</strong>*<br />
*Projecção Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />
COMO SE REPARTE A DESPESA<br />
As despesas de funcionamento aumentam<br />
mas as despesas de investimento recuam<br />
Despesa (% do total)<br />
57,8%<br />
66,1%<br />
2019 <strong>2020</strong><br />
Funcionamento Investimento Op. Financeiras<br />
Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />
30,1%<br />
20,6%<br />
12,2% 13,3%<br />
42 | Exame Moçambique
PARA ONDE VÃO AS DESPESAS<br />
As despesas com o pessoal representam<br />
a grande fatia das despesas de funcionamento<br />
12,5%<br />
0,5%<br />
1,3%<br />
54,3%<br />
ONDE O ESTADO VAI BUSCAR O DINHEIRO<br />
As receitas fiscais continuarão a representar<br />
a grande fonte de receita em <strong>2020</strong><br />
6,4%<br />
7,3%<br />
4,2%<br />
O QUE PAGA A DÍVIDA<br />
O OE prevê que os juros internos, com um custo<br />
de 24,2 mil milhões de meticais, representem<br />
o principal serviço da dívida<br />
13,1<br />
(mil milhões de MTC)<br />
15,1%<br />
24,2<br />
37,3<br />
16,3%<br />
82,1%<br />
Despesas com pessoal Encargos da dívida<br />
Bens e serviços Transferências correntes<br />
Subsídios Outros<br />
Receitas fiscais Receitas não fiscais<br />
Receitas consignadas Receitas de capital<br />
Encargos da dívida<br />
Juros externos<br />
Juros internos<br />
Fonte: OE/<strong>2020</strong>. Fonte: OE/<strong>2020</strong>. Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />
Orçamento do último ano as fixava num<br />
valor superior 102 mil milhões de meticais.<br />
“A redução das despesas de investimento<br />
em 30,6% em termos nominais face<br />
à previsão para 2019, resulta da redução<br />
dos recursos tanto da componente interna<br />
como da componente externa do investimento”,<br />
refere o texto do OE. Os encargos<br />
da dívida (juros internos e externos)<br />
sobem de 35 mil milhões de meticais em<br />
2019 para 37,32 mil milhões em <strong>2020</strong>,<br />
representando 3,7% do PIB.<br />
No quadro dos grandes compromissos<br />
firmados pelas autoridades para a aplicação<br />
da despesa, o OE afecta 66,27 mil milhões<br />
de meticais ao sector da educação (27,1% da<br />
despesa total), 26,71 mil milhões à saúde<br />
(10,9% da despesa) e quase 25 mil milhões<br />
à agricultura e ao desenvolvimento rural<br />
(29,1% da despesa). É para as infra-estruturas<br />
(estradas, águas e obras públicas)<br />
que é dirigido o maior esforço de investimento<br />
público (mais de 23 mil milhões<br />
de meticais). Os transportes e comunicações<br />
receberão 8,1 mil milhões de meticais.<br />
O serviço da dívida, traduzido em amortização<br />
de empréstimos externos e internos,<br />
custará mais de 41,2 mil milhões de<br />
meticais, que corresponde a 4% do PIB e<br />
representa um incremento de 0,9 pontos<br />
percentuais.<br />
O METICAL IRÁ<br />
DESVALORIZAR<br />
FACE AO DÓLAR<br />
FINANCIAR O DÉFICE<br />
O défice orçamental estimado para este<br />
ano agrava-se, passando a representar<br />
10,8% do PIB, mais 1,4 pontos percentuais<br />
que o previsto na lei orçamental para<br />
2019. Para o seu financiamento concorrerão<br />
os donativos externos (que irão cobrir<br />
o défice em 3% do PIB), os créditos externos,<br />
os saldos transitados de mais-valias<br />
e o crédito interno.b<br />
junho <strong>2020</strong> | 43
ECONOMIA PROJECÇÃO<br />
KRISTALINA<br />
GEORGIEVA:<br />
A directora-geral<br />
do FMI alertou em<br />
Março para a<br />
recessão global<br />
MOÇAMBIQUE COM<br />
CRESCIMENTO ESTÁVEL<br />
O Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipa a estabilização do crescimento<br />
da economia moçambicana. Na sua primeira previsão pós-crise, estima, no mais benévolo<br />
cenário, uma quebra de 3% da economia mundial este ano<br />
LUÍS FARIA<br />
O FMI TRAÇA CENÁRIOS<br />
MAIS SOMBRIOS<br />
EM QUE A PANDEMIA<br />
VEIO PARA FICAR<br />
Na primeira revisão das suas<br />
perspectivas de Outono<br />
para a economia mundial<br />
após a eclosão da pandemia<br />
COVID-19, o Fundo<br />
Monetário Internacional aponta para que<br />
a economia nacional cresça 2,2% este ano,<br />
estabilizando em relação a 2019 e acima<br />
da média prevista para o grupo de países<br />
de baixo rendimento, no qual se inclui<br />
Moçambique, que deverá, no seu conjunto,<br />
registar um crescimento de 1,6%<br />
em <strong>2020</strong>. Para o próximo ano as expectativas<br />
são ainda melhores, prevendo o FMI<br />
que Moçambique venha a crescer 4,7%.<br />
A estimativa para a economia moçambicana<br />
é bastante positiva, tendo em conta<br />
o impacto da pandemia da COVID-19 na<br />
44 | Exame Moçambique
economia mundial. Após as últimas previsões<br />
do Fundo, feitas em Janeiro deste<br />
ano, a pandemia agravou consideravelmente<br />
a quebra da economia global, que<br />
se prevê agora deverá afundar numa quebra<br />
de 3% este ano. A recessão mais acentuada<br />
ocorrerá na Zona Euro, com um<br />
tombo do produto interno bruto (PIB)<br />
de 7,5%, com os Estados Unidos a registarem<br />
um crescimento negativo este ano<br />
de 5,9% e China e Índia a obterem, apesar<br />
do surto infeccioso que teve origem<br />
na Ásia, crescimentos ainda positivos este<br />
“A MAGNITUDE<br />
E A VELOCIDADE<br />
DO COLAPSO DA<br />
ACTIVIDADE ECONÓMICA<br />
SÃO DIFERENTES DE<br />
TUDO O QUE JÁ VIMOS”<br />
CRESCIMENTO DA ECONOMIA MOÇAMBICANA<br />
Crescimento do PIB real em %<br />
7,6% 7,3% 7% 7,4% 6,7% 3,8% 3,7% 3,4% 2,2% 2,2% 4,7%<br />
2002/<br />
2011<br />
2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 <strong>2020</strong> 2021<br />
RECESSÃO MUNDIAL<br />
PIB Mundial em %<br />
2,9%<br />
2019<br />
Fontes: FMI, WEO Apr <strong>2020</strong>.<br />
-3%<br />
<strong>2020</strong><br />
5,8%<br />
2021<br />
ano: 1,2% e 1,9%. Para o próximo ano, e<br />
tendo como base o cenário mais favorável<br />
do FMI, a China registará uma forte<br />
retoma (9,2%) e a Índia também recuperará<br />
rapidamente, com um crescimento<br />
projectado de 7,4%.<br />
O FMI, que classifica a crise actual decorrente<br />
da pandemia da doença COVID-19<br />
como a “pior desde a Grande Depressão”<br />
de 1929 e a rotula como “o Grande Bloqueio”,<br />
faz as suas projecções num cenário<br />
de “linha de base”, que pressupõe que a<br />
pandemia desapareça no segundo semestre<br />
de <strong>2020</strong> e os esforços de contenção<br />
possam ser gradualmente desenvolvidos.<br />
O Fundo alerta que para “evitar a possibilidade<br />
de piores resultados” é necessário<br />
adoptar políticas eficazes e que “as medidas<br />
necessárias para reduzir o contágio e<br />
proteger vidas são um instrumento importante<br />
na saúde humana e económica no<br />
longo prazo”. O relatório acrescenta que,<br />
face às consequências económicas agudas<br />
em sectores específicos, “os formuladores<br />
de políticas terão de implementar<br />
medidas fiscais, monetárias e financeiras<br />
substanciais, direccionadas para apoiar as<br />
famílias e as empresas afectadas internamente.<br />
O FMI defende ainda uma forte<br />
cooperação internacional multilateral,<br />
considerando-a “essencial para superar<br />
os efeitos da epidemia, inclusive para<br />
ajudar países com restrições financeiras<br />
que enfrentam dois choques simultâneos<br />
— de saúde e de financiamento —, bem<br />
como para canalizar a ajuda para países<br />
com sistemas de saúde fracos”.<br />
Na introdução ao relatório, Gita Gopinath,<br />
a economista-chefe do Fundo, assinala<br />
que “o mundo mudou radicalmente<br />
nos três meses desde a nossa última actualização<br />
do relatório ‘World Economic<br />
Outlook’, em Janeiro. Um desastre raro<br />
— uma pandemia de coronavírus — está<br />
a provocar a perda trágica de um número<br />
cada vez maior de vidas. À medida que<br />
os países impõem as quarentenas e práticas<br />
de distanciamento social necessárias<br />
para conter a pandemia, o mundo entrou<br />
num grande lockdown. A magnitude e a<br />
velocidade do colapso da actividade económica<br />
que se seguiu são diferentes de<br />
tudo o que já vimos”.<br />
O documento traça, entretanto, cenários<br />
ainda mais sombrios, em que os efeitos<br />
da pandemia se prolongam no tempo,<br />
com resultados devastadores na economia<br />
mundial e no emprego. Se tal vier a acontecer,<br />
a economia mundial poderá registar<br />
uma recessão superior a 3% este ano e 5%<br />
em 2021. O Fundo admite a hipótese de se<br />
verificar um segundo surto em 2021 (no<br />
próximo Inverno no Hemisfério Norte), o<br />
qual será pelo menos dois terços tão grave<br />
quanto o inicial. Se tal vier a acontecer, o<br />
produto global estimado para o próximo<br />
ano será 5% inferior ao previsto no cenário<br />
base. O que domina é a incerteza quanto<br />
à duração da pandemia, a eficácia ao seu<br />
combate e o surgimento de antídotos que a<br />
possam estancar, como uma vacina. Como<br />
está quase tudo em aberto, o FMI também<br />
equaciona um cenário mais favorável<br />
que o seu cenário base, cuja materialização<br />
depende do desenvolvimento de um<br />
tratamento ou vacina eficazes mais cedo<br />
do que o esperado, o que permitirá remover<br />
as medidas de distanciamento social<br />
e uma recuperação mais rápida do que o<br />
antecipado.<br />
No início de Março, o FMI pôs à disposição<br />
dos países mais atingidos pela pandemia<br />
um financiamento de emergência<br />
de 50 mil milhões de dólares. Os director<br />
e vice-director dos Assuntos Orçamentais<br />
do FMI, Vítor Gaspar e Paolo<br />
Mauro, escreveram, na altura, no blogue<br />
do Fundo, que os governos devem “dar<br />
subsídios salariais às pessoas e empresas<br />
para ajudar a conter o contágio”. A directora-geral<br />
do Fundo Monetário Internacional<br />
(FMI), Kristalina Georgieva, avisou,<br />
no final de Março, que a economia global<br />
já se encontrava em recessão. b<br />
junho <strong>2020</strong> | 45
OIL<br />
& GAS<br />
LUÍS FARIA<br />
GÁS NATURAL:<br />
O negócio é<br />
favorecido pelo seu<br />
papel na transição<br />
energética<br />
PREÇOS<br />
PANDEMIA RETRAI PROCURA<br />
D.R.<br />
Os preços do gás deverão cair mais com a<br />
actual crise pandémica “do que no anterior<br />
megaciclo”, prevê a McKinsey num estudo<br />
sobre o sector a que a <strong>EXAME</strong> teve acesso.<br />
A consultora dedica um extenso documento<br />
aos custos e oportunidades do sector<br />
do petróleo e do gás pós-COVID-19.<br />
O gás de xisto, lembra o relatório, aumentou<br />
consideravelmente a oferta de gás, pelo<br />
que a pandemia teve um efeito imediato,<br />
fazendo cair a procura entre 5% e 10%, em<br />
contraste com as expectativas optimistas<br />
que reinavam antes da crise. No entanto,<br />
o documento prevê um desenvolvimento<br />
positivo do negócio do gás natural e do<br />
LNG, o que tem a ver com o seu papel na<br />
transição energética, assegurando um lugar<br />
no futuro mix de energias. É, entretanto,<br />
necessário ter em conta, refere a consultora,<br />
que, no caso do LNG, a sua capacidade<br />
de expansão ao longo da década<br />
acrescentará pressão no que respeita à<br />
volatilidade dos preços. A prazo, além de<br />
2035, o sector do gás experimentará as<br />
mesmas pressões que o petróleo. Muitos<br />
factores favoráveis fazem do gás o combustível<br />
fóssil de crescimento mais rápido:<br />
a forte procura impulsionada pela transição<br />
energética. No entanto, o volume total das<br />
emissões de gases de efeito estufa ainda<br />
está a ser calculada para algumas cadeias<br />
de valor de LNG. A McKinsey “estima que<br />
a procura global de gás tenha um pico no<br />
final da década de 2030, pois a electrificação<br />
do aquecimento e o desenvolvimento<br />
de fontes renováveis podem diminuir a procura<br />
a longo prazo. Isto, combinado com<br />
a volatilidade a médio prazo, pode levar a<br />
uma consolidação adicional e a um sector<br />
que opera com economia incremental”.<br />
O impacto no sector é profundo em vários<br />
segmentos de operação. Por exemplo, a<br />
procura para produtos refinados diminuiu<br />
20%, colocando a refinação numa situação<br />
crítica. A McKinsey estima que a procura<br />
demore pelos menos dois anos a recuperar.<br />
As companhias do sector são afectadas<br />
pela necessidade de operar em segurança<br />
sanitária, dificuldades de armazenagem e<br />
pela descida dos preços de venda, inferiores<br />
aos custos suportados por alguns<br />
operadores.<br />
Gás natural futuros<br />
(em USD)<br />
1,821 1,949 1,72 1,646<br />
1,7<br />
21Abr 30Abr 12Mai 15Mai 21Mai<br />
Fonte: Investing.<br />
46 | Exame Moçambique
EUA<br />
SECTOR PERDE EMPREGO<br />
D.R.<br />
A Bloomberg publicou a meio de<br />
Abril uma notícia com o título: “Jobs<br />
keep disappearing in US oil and gas<br />
industry” (Os empregos desaparecem<br />
na indústria de Oil&Gas dos<br />
Estados Unidos). “De repente, o<br />
petróleo e o gás tornaram-se um<br />
hobby pelo qual apenas as empresas<br />
mais capitalizadas do sector<br />
poderão continuar a interessar-se”,<br />
afirma Dan Eberhart, director-executivo<br />
da empresa de serviços de<br />
campos petrolíferos Canary Drilling<br />
Services, que demitiu cerca de<br />
200 pessoas e implementou cortes<br />
salariais gerais. “Uma grande quantidade<br />
de empregos no sector do<br />
petróleo e do gás é fornecida por<br />
empresas de serviços de campos<br />
petrolíferos — e essas empresas<br />
são mais fracas que as companhias<br />
petrolíferas e vão começar a desaparecer<br />
rapidamente.” A BBC News<br />
publicou, por seu turno, no final de<br />
Maio, uma reportagem com o título:<br />
Produção de petróleo nos EUA<br />
(barris/milhões)<br />
Fonte: EIA.<br />
“Coronavirus: ‘Thousands’ of North<br />
Sea oil and gas jobs under threat”<br />
(Coronavírus, milhares de empregos<br />
no sector do Oil&Gas do mar<br />
do Norte em perigo). Segundo a<br />
BBC, o Reino Unido poderá perder<br />
30 mil empregos na indústria<br />
em resultado da pandemia e<br />
do baixo preço do petróleo. “Se o<br />
Reino Unido quiser manter o seu<br />
fornecimento de energia doméstica,<br />
proteger empregos e construir<br />
a infra-estrutura crítica necessária<br />
para fazer a transição para um<br />
futuro líquido zero, a nossa é uma<br />
indústria pela qual lutar”, refere a<br />
BBC. A indústria delineou um plano<br />
em três etapas, que espera minimizar<br />
o impacto a longo prazo.<br />
Exige o atendimento das necessidades<br />
imediatas do sector, seguidas<br />
da sua recuperação industrial<br />
e, em seguida, uma transição acelerada<br />
para emissões líquidas zero<br />
de gases de efeito estufa.<br />
12,9 12,9 13,1 13 12,1 11,6<br />
Dez19 Jan20 Fev20 Mar20 Abr20 Mai20<br />
CONFIRMAÇÃO: A Total mantém a previsão<br />
de efectuar as primeiras entregas de GNL em 2024<br />
LNG<br />
TOTAL REAFIRMA<br />
CALENDÁRIO DE EXPLORAÇÃO<br />
A Total reafirmou a data de exploração de gás natural em<br />
Moçambique, sete semanas após suspensão temporária de<br />
actividades devido à descoberta do primeiro caso de COVID-19<br />
no futuro complexo industrial de processamento de gás natural<br />
em Cabo Delgado. “Com base nas previsões actuais, essa<br />
suspensão temporária de actividades não terá um impacto<br />
material no cronograma do projecto e continuamos no caminho<br />
certo para efectuarmos a entrega das primeiras cargas<br />
de gás natural liquefeito (GNL) em 2024”, lê-se na newsletter<br />
da petrolífera francesa distribuída à imprensa. O primeiro<br />
caso de COVID-19 descoberto no complexo industrial de processamento<br />
de gás natural da Total em Afungi, Cabo Delgado,<br />
foi anunciado a 2 de Abril, seguindo-se várias outras<br />
infecções que tornaram o local um foco de contaminação e<br />
que colocaram a província com maior número de casos de<br />
COVID-19 em Moçambique. A petrolífera foi obrigada a isolar<br />
alguns trabalhadores e a suspender temporariamente as<br />
suas actividades, deixando em funcionamento apenas “trabalhos<br />
mínimos” na área do projecto para a exploração de<br />
gás no Norte de Moçambique.<br />
Maiores produtores mundiais de gás natural<br />
(2018/mil milhões de metros cúbicos)<br />
863<br />
Nos EUA e Reino<br />
Unido a indústria do<br />
Oil&gas vai<br />
dispensar milhares<br />
de trabalhadores<br />
EUA<br />
Rússia<br />
Irão<br />
248,5<br />
725,5<br />
181,6<br />
Qatar<br />
176<br />
China<br />
D.R.<br />
Fonte: Statista.<br />
junho <strong>2020</strong> | 47
BAZARKETING<br />
THIAGO FONSECA<br />
Sócio e director de Criação da Agência GOLO.<br />
PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda<br />
FAZER LOCALMENTE<br />
A pandemia global da COVID-19<br />
está a fazer cair uma máscara local<br />
em todo o mundo. Sobretudo<br />
em Moçambique, um país que sempre<br />
importou quase tudo sem precisar de se<br />
importar em fazer. Porque, afinal, era só<br />
mandar vir — da África do Sul, da Europa,<br />
da Ásia, da América.<br />
Mas sem voos e com as fronteiras fechadas,<br />
está a acontecer algo que merece<br />
ser revelado.<br />
No primeiro mês do estado de emergência,<br />
numa pequena vila fronteiriça, o<br />
mercado local, o dumba, ficou praticamente<br />
vazio. A fronteira tinha fechado<br />
e tudo o que era vendido ali sempre veio<br />
do outro lado da fronteira: da África do<br />
Sul.<br />
PARA NOS<br />
ADAPTARMOS TIVEMOS<br />
DE ADOPTAR NOVAS<br />
FORMAS DE VIVER<br />
Agora que vamos no terceiro mês da<br />
renovação do estado de emergência,<br />
deu-se um fenómeno muito especial: o<br />
mercado está cheio e bem abastecido.<br />
Ao falar com uma vendedora, perguntei-lhe<br />
de onde vinham aqueles legumes<br />
todos. Ela respondeu-me prontamente:<br />
“Vêm daqui mesmo.”<br />
Perguntei-lhe de aonde vinham e<br />
como. E ela disse-me que estavam a ser<br />
cultivados ali, na vila. Tinham feito machambas.<br />
Os vegetais eram mais frescos, mais<br />
bonitos de aspecto e mais saborosos.<br />
Havia também uma enorme variedade.<br />
As margens de venda também são<br />
maiores para os comerciantes.<br />
E fica claro, com este exemplo, que afinal<br />
é possível.<br />
O PRODUTO LOCAL<br />
O produto local é produto da necessidade.<br />
Temos tudo. A terra é fértil. Aquilo de<br />
que precisamos é de ideias férteis. Semear<br />
para colher. E isto não apenas na<br />
agricultura, mas em todas as áreas.<br />
O ponto, neste caso, é a capacidade<br />
que, afinal, existe. Foi preciso querer<br />
para crer.<br />
Vamos imaginar, apenas por momentos,<br />
que as fronteiras iriam continuar<br />
fechadas durante muito tempo. O que<br />
aconteceria?<br />
Teríamos de resolver tudo localmente.<br />
Os serviços em todas as áreas iriam<br />
desenvolver-se.<br />
As skills dos profissionais já estão a<br />
melhorar. Se não se pode importar roupa,<br />
costura-se. Os serviços básicos não<br />
podem parar. E a necessidade que existe<br />
faz com que se desenvolvam soluções locais<br />
para tudo.<br />
Este é o diagnóstico do vírus na economia.<br />
O novo coronavírus acelerou<br />
a produtividade local. A necessidade<br />
de adaptação a uma nova realidade.<br />
E é sabido que, se a capacidade local aumenta,<br />
a produção também aumenta.<br />
E Moçambique passa de importador a<br />
exportador.<br />
Os produtos locais surgem e, por consequência,<br />
marcas locais para esses produtos.<br />
A distribuição local também aumenta.<br />
E com isso a necessidade de vias de acesso<br />
para escoar a produção.<br />
A economia fortalece-se.<br />
Fazer crescer a capacidade local é fazer<br />
crescer Moçambique.<br />
HÁ UMA EMERGÊNCIA<br />
EM ENTENDER<br />
O ESTADO DE<br />
EMERGÊNCIA<br />
Com o encerramento das escolas,<br />
uma geração jovem com acesso à comunicação<br />
digital está a usar o on-line<br />
para aprender. E muitas pessoas estão<br />
48 | Exame Moçambique
a aprender coisas que nunca tinham feito.<br />
A consultar o YouTube e outras plataformas.<br />
Há uma mudança a acontecer, e uma<br />
aceleração enorme provocada pela pandemia.<br />
Para nos adaptarmos tivemos de adoptar<br />
novas formas de viver.<br />
A GLOBALIZAÇÃO FOI INFECTADA<br />
Recentemente, a revista The Economist<br />
saiu com este headline muito forte na<br />
capa: “Has COVID-19 killed globalisation?”<br />
E aprofunda, do ponto de vista<br />
ocidental, o modo como a economia<br />
global está a ser afectada e a maneira de<br />
fazer marketing.<br />
Já antes da pandemia a globalização<br />
estava a enfraquecer. O sistema de comércio<br />
global que dominou a economia<br />
nas últimas décadas estava a ser prejudicado<br />
com as crises económicas e a disputa<br />
a nível comercial entre a América<br />
e a China.<br />
Agora, com o impacto imediato nas<br />
vendas das grandes marcas globais, tudo<br />
muda.<br />
Há uma reflexão lógica por parte dos<br />
accionistas das multinacionais acerca<br />
de onde deverão investir nos próximos<br />
anos. Porque as coisas não voltarão a ser<br />
como eram.<br />
E antecipa-se um aumento da subsistência<br />
local e investimento nos bens<br />
NESTE MOMENTO EM<br />
QUE TODOS ANDAMOS<br />
DE MÁSCARA, CAIU<br />
A MÁSCARA DA<br />
GLOBALIZAÇÃO<br />
essenciais, sendo a saúde um dos mais<br />
importantes sectores. Um bem de necessidade<br />
básica.<br />
O capital muda de mãos.<br />
As acções que irão valorizar são as<br />
boas acções.<br />
Afinal, quem pode garantir que não<br />
irão surgir novas pandemias? A Humanidade<br />
não tem a imunidade que pensava<br />
ter.<br />
Isto mudou a globalização como a conhecíamos.<br />
E aumenta o localismo em<br />
todos os seus aspectos.<br />
A comunicação também muda. Aumenta<br />
a necessidade de obter informação<br />
e de comunicar todas estas novas<br />
formas de viver e entendê-las rapidamente.<br />
Há uma emergência em entender o<br />
estado de emergência., assim como os<br />
aspectos positivos que trouxe. Para Moçambique,<br />
é a revelação da capacidade<br />
local.<br />
Estas são lições que devemos aprender<br />
e, sobretudo, empreender. Aplicar.<br />
Fazer.<br />
Neste momento em que todos andamos<br />
de máscara, caiu a máscara da<br />
globalização. Pensar local nunca foi tão<br />
importante.b<br />
junho <strong>2020</strong> | 49
COMMODITIES DOSSIER<br />
A DOENÇA DAS<br />
COMMODITIES<br />
O novo coronavírus “infectou” as commodities<br />
prejudicando a balança comercial moçambicana, já de si<br />
deficitária. Com as exportações concentradas no carvão<br />
e no alumínio, as receitas voltaram a cair no primeiro<br />
trimestre. O segredo está na diversificação da economia,<br />
com o agro-negócio a precisar de ganhar peso<br />
RICARDO DAVID LOPES<br />
EXPORTAÇÕES:<br />
Estão em queda desde<br />
o início do ano<br />
Aideia de que no diversificar<br />
é que está o ganho aplica-se<br />
como uma luva à economia<br />
moçambicana, hoje mais do<br />
que nunca — e, sobretudo,<br />
daqui em diante. As exportações do país<br />
estão em queda desde o início do ano, em<br />
valor, depois de já terem recuado no ano<br />
passado, a sofrer agora o impacto da pandemia<br />
da COVID-19 quer por reduções<br />
na produção, quer pela baixa das cotações<br />
internacionais dos principais produtos<br />
vendidos ao exterior, algo que já<br />
se tinha feito sentir em 2019.<br />
As receitas das exportações estão concentradas<br />
nos sectores do carvão e do alumínio,<br />
com quase 70% do total, pelo que<br />
não é de espantar que, agora, paguemos<br />
a factura. A procura de ambas as matérias-primas<br />
está em baixa, assim como o<br />
preço, o que se reflecte nas contas finais:<br />
o país arrecadou, entre Janeiro e Março,<br />
de acordo com dados do banco central,<br />
pouco mais de 1,1 mil milhões de dólares<br />
com tudo o que vendeu para fora.<br />
O CARVÃO E O ALUMÍNIO<br />
REPRESENTAM QUASE<br />
70% DAS EXPORTAÇÕES<br />
GETTY<br />
A chave, defende o jurista Guilherme<br />
Daniel, partner do escritório de advogados<br />
Vieira de Almeida, está na diversificação<br />
da economia para que as receitas<br />
dependam menos de poucas matérias-<br />
-primas, como acontece actualmente —<br />
problema que pode agravar-se no futuro,<br />
quando entrarem em operação os megaprojectos<br />
de gás natural previstos.<br />
“A diversificação é uma grande vantagem,<br />
porque a economia continua a funcionar,<br />
salvo nos casos em que o impacto de<br />
uma crise seja imediato, e a saída da crise<br />
é facilitada após a COVID-19”, explica o<br />
jurista, para quem o governo deve reforçar<br />
a aposta no sector agrícola, o que aliás está<br />
previsto no Plano Quinquenal <strong>2020</strong>-2025.<br />
“Cerca de 10% do Orçamento do Estado<br />
nos próximos cinco anos será para a agricultura”,<br />
lembra Guilherme Daniel, que<br />
aponta como sectores estratégicos a avi-
cultura e produções associadas (caso do<br />
milho ou soja, por exemplo), ou a cultura<br />
de alimentos “básicos”, como a batata,<br />
a cebola ou o tomate.<br />
“É uma área para a qual o país está a olhar<br />
com muita atenção”, afirma, lembrando<br />
que o sector agrícola, mesmo em momentos<br />
de crise, nem é dos que mais sofre —<br />
e as pessoas precisam sempre de comer.<br />
Olhar para lá do carvão, do alumínio e<br />
até do gás é necessário. Dados do Banco de<br />
Moçambique indicam que, entre Janeiro<br />
e Março deste ano, as receitas provenientes<br />
das exportações destes produtos<br />
diminuíram fortemente, em particular<br />
as do carvão, a matéria-prima que mais<br />
dinheiro rende a Moçambique, que afundou<br />
mais de 40%.<br />
VALE DEIXA CAIR OBJECTIVO<br />
A Vale garante que até agora a produção<br />
se mantém, mas admite haver dificuldades<br />
à vista, pelo que deixa de assumir a<br />
meta de produção que a multinacional<br />
brasileira tinha avançado.<br />
“A mina de Moatize, na província de Tete,<br />
continua a trabalhar, estando garantida a<br />
continuidade do negócio em Moçambique”,<br />
garantiu a empresa num comunicado<br />
referente aos resultados do primeiro<br />
trimestre. No documento, a empresa refere<br />
que vai “manter a exploração de carvão<br />
activa, ainda que de forma mais limitada”.<br />
“Devido às incertezas decorrentes da<br />
pandemia do novo coronavírus, que<br />
incluem a postergação da reforma da unidade<br />
de processamento em Moçambique<br />
(sem nova data de início), a Vale retira o<br />
guidance para a produção de carvão em<br />
<strong>2020</strong> e não pode indicar novo guidance<br />
no momento”, acrescenta.<br />
Guilherme Daniel reforça que “a Vale<br />
está quase parada, quer pelo facto de<br />
muitos expatriados terem regressado ao<br />
Brasil [por causa da pandemia], quer,<br />
especialmente, porque o principal cliente<br />
é a China”, ainda longe de recuperar do<br />
impacto do novo coronavírus.<br />
Não é difícil fazer as contas ao mal que a<br />
pandemia está também a fazer a esta indústria.<br />
O preço do carvão (ver gráficos nestas<br />
páginas) já caiu cerca de 22% desde o início<br />
do ano (até 20 de Maio, data da recolha<br />
A MARCA DAS NOSSAS EXPORTAÇÕES<br />
TENDÊNCIA DE SUBIDA (em milhões de dólares)<br />
No ano passado, as exportações recuaram<br />
cerca de 9% face a 2018, mas há uma tendência<br />
de subida nos últimos cinco anos<br />
PREÇOS EM QUEDA<br />
Os preços das matérias-primas mais importantes<br />
nas exportações de Moçambique estão em queda<br />
-10%<br />
-20%<br />
-30%<br />
-40%<br />
-50%<br />
2019 2018 2017 2016 2015<br />
Total Miscelânea<br />
de produtos<br />
Energia<br />
eléctrica<br />
Outras<br />
mercadorias<br />
Indústria<br />
extractiva<br />
Indústria<br />
transformadora<br />
Produtos<br />
Agrícolas<br />
Fonte: Banco de Moçambique.<br />
Var. 1 ano<br />
Gás<br />
Natural<br />
Var. início do ano<br />
Fonte: Trading Economics.<br />
1000 2000 3000 4000 5000<br />
Carvão<br />
(usd/ton)<br />
Alumínio<br />
(usd/ton)<br />
Açúcar<br />
(usd/libra)<br />
Algodão<br />
(usd/libra)<br />
de dados para este artigo). O do alumínio,<br />
por seu turno, baixou quase 17,6%,<br />
em linha com a baixa das cotações internacionais<br />
do açúcar, do algodão ou do caju.<br />
Apostar na agricultura e toda a cadeia<br />
do agro-negócio faz, assim, ainda mais<br />
sentido, até porque, em geral, o desempenho<br />
das exportações nesta área tem sido<br />
positivo, e porque aquilo que produzirmos<br />
aqui deixaremos de ter de importar, gastando<br />
divisas sem que se crie valor no país.<br />
No ano passado, por exemplo, as receitas<br />
oriundas das exportações agrícolas, com<br />
um peso de menos de 10% nas exportações<br />
O PESO DAS EXTRACTIVAS (peso em % do total)<br />
As indústrias extractiva e transformadora<br />
valeram, no ano passado, mais de dois terços<br />
das exportações, a agricultura pesa menos de 10%<br />
2,9%<br />
RECEITAS DESLIZAM (IT colectado — milhões de dólares)<br />
Entretanto, nos primeiros três meses do ano<br />
mantém-se uma tendência de queda nas receitas,<br />
face ao homólogo, fruto da redução de produção<br />
e preços, nalguns casos<br />
1000<br />
800<br />
600<br />
400<br />
200<br />
IT 2019 IT <strong>2020</strong><br />
Produtos<br />
Agrícolas<br />
9,2%<br />
Produtos agrícolas<br />
Miscelânea de produtos<br />
Fonte: Banco de Moçambique.<br />
Indústria transformadora<br />
Indústria extractiva Outras mercadorias Energia eléctrica<br />
Fonte: Banco de Moçambique.<br />
Indústria<br />
transf.<br />
9,7%<br />
41,9%<br />
Indústria Outras<br />
extractiva mercadorias<br />
9,1%<br />
Energia<br />
eléctrica<br />
27,2%<br />
Misc. de<br />
produtos<br />
Total<br />
junho <strong>2020</strong> | 51
COMMODITIES DOSSIER<br />
CARVÃO: As oscilações<br />
de preço da matéria-<br />
-prima afectam<br />
profundamente as<br />
exportações<br />
D.R.<br />
totais, subiram cerca de 42,7% face a 2018,<br />
com vários produtos a crescerem a três ou<br />
mesmo quatro dígitos — caso do algodão.<br />
PREÇO DO CARVÃO CAIU<br />
22% DESDE JANEIRO.<br />
O DO ALUMÍNIO 17,6%<br />
MENOS DEPENDÊNCIA<br />
Tiago Dionísio, economista-chefe da<br />
Eaglestone Securities, concorda que a<br />
agricultura deve estar no mapa moçambicano,<br />
a par de projectos nas indústrias<br />
extractivas e outras, mas defende que, ao<br />
contrário de outros países, Moçambique<br />
está menos exposto às variações de uma<br />
só matéria-prima e de um só comprador.<br />
“Há uma dependência importante do carvão<br />
e do alumínio, mas bastante inferior à<br />
de outros países africanos exportadores de<br />
commodities, como Angola ou a Nigéria,<br />
onde mais de 90% das suas exportações<br />
dizem respeito ao petróleo. Por outro lado,<br />
Moçambique exporta para um número<br />
variado de países, com destaque para a<br />
África do Sul e a Índia (17% do total)”,<br />
adianta o responsável, para quem “ter<br />
uma base diversificada de clientes é também<br />
um factor importante para enfrentar<br />
melhor os efeitos da actual pandemia”.<br />
O economista lembra que “a indústria<br />
extractiva tem atraído mais de metade do<br />
investimento directo estrangeiro no país<br />
nos últimos anos” e enumera outros “sectores<br />
relevantes”, como a indústria transformadora<br />
e do transporte, armazenagem<br />
e comunicações. “Penso que estes sectores<br />
continuarão a ser talvez os que vão<br />
atrair maior interesse”, antecipa, adiantando<br />
que “os países melhor posicionados<br />
deverão ser Itália, França e EUA devido ao<br />
sector do gás”.<br />
Mas há outros países que têm demonstrado<br />
maior interesse por Moçambique nos<br />
últimos anos, como os Emirados Árabes<br />
Unidos e a Holanda, diz o responsável,<br />
para quem é agora importante “assegurar<br />
que as empresas continuam a operar<br />
o melhor possível e que os trabalhadores<br />
continuam a receber o seu ordenado”.<br />
“A introdução de algumas medidas temporárias<br />
de alívio fiscal poderia ajudar<br />
tanto as empresas, como os trabalhadores”,<br />
refere o economista-chefe da Eaglestone,<br />
que tem escritórios em Lisboa, Luanda,<br />
Moçambique e Joanesburgo, entre outros,<br />
estando em três grandes áreas de actividade<br />
— assessoria financeira, private<br />
equity e mercado de capitais. Nalguns<br />
casos, defende, teria mesmo “de haver<br />
um apoio financeiro directo aos agentes<br />
económicos, empresas e particulares”, e<br />
as medidas “teriam também de ser bastante<br />
focadas nos sectores da economia<br />
mais afectados pela pandemia e/ou também<br />
naqueles com maior peso no PIB”.<br />
“A agricultura representa cerca de 20%<br />
do PIB moçambicano, mas sectores como<br />
os transportes e comunicações, retalho,<br />
52 | Exame Moçambique
indústria transformadora e mineiro são<br />
também bastante relevantes para o país.”<br />
EMPRESAS PRECISAM DE DINHEIRO<br />
Guilherme Daniel também defende que<br />
devem existir medidas para apoiar sobretudo<br />
a liquidez das empresas, ainda que<br />
entenda que o Estado, por ter pouca capacidade<br />
financeira, não consiga abdicar<br />
O ESTADO DEVE SER<br />
CRIATIVO NAS MEDIDAS<br />
DE APOIO A EMPRESAS<br />
de receitas fiscais para ajudar a economia<br />
a retomar.<br />
“O Estado tem que ser mais criativo”<br />
neste contexto, defende o sócio da Vieira<br />
de Almeida. “Mesmo que não sacrifique<br />
receita fiscal, o governo poderá ter de, por<br />
exemplo, vir a aceitar diferir alguma receita”,<br />
afirma, acrescentando que a própria Segurança<br />
Social “também poderia reembolsar<br />
as empresas” de parte das contribuições.<br />
O problema, lembra o jurista, é que a<br />
redução da actividade está a deixar muitas<br />
empresas sem liquidez para pagar<br />
sequer os salários, optando muitas vezes<br />
por despedir pessoal em vez de tentar<br />
baixar custos fixos, reduzindo os salários<br />
com a aprovação dos trabalhadores.<br />
A lei, lamenta, não o permite.<br />
“Mesmo que haja um acordo entre<br />
empresa e trabalhador para uma redução<br />
temporária e extraordinária do valor<br />
do salário, tal é nulo perante a lei”, afirma,<br />
apelando a que o governo adopte “medidas<br />
legislativas de curto prazo, adaptadas<br />
à situação excepcional” que vivemos.<br />
“O que está em causa é salvar empregos.”<br />
CAJU A SOFRER<br />
Na área agrícola, o sector do caju é um<br />
dos que mais está a sofrer, não apenas<br />
pela queda do preço e da produção, mas<br />
por causa das condições do mercado, que<br />
favorecem os estrangeiros em detrimento<br />
dos investidores nacionais, alerta a associação<br />
AICAJU.<br />
Em entrevista à <strong>EXAME</strong> (ver pág. 56),<br />
o vice-presidente da associação denuncia<br />
D.R.<br />
a concorrência desleal que é feita por asiáticos,<br />
sem que o governo adopte medidas<br />
de protecção aos nacionais.<br />
Em meados de Maio, recorde-se, a<br />
AICAJU anunciou em comunicado que<br />
“o processamento de castanha [de caju]<br />
este ano não deverá chegar às 35 mil<br />
toneladas, o que representa uma quebra<br />
acima de 30% quando comparada com<br />
as cerca de 52 mil toneladas processadas<br />
o ano passado”.<br />
“O país tem, neste momento, menos de<br />
dez fábricas de processamento primário<br />
a operar, sendo que algumas irão parar a<br />
meio deste ano, estima-se que em Agosto,<br />
por falta da matéria-prima”, um problema<br />
que a associação diz ser fruto de “uma<br />
tendência de comercialização negativa<br />
dos últimos anos, uma vez que a indústria<br />
nacional tem vindo a processar cada<br />
vez menos castanha”. “As quebras do processamento<br />
da castanha-de-caju justificam-se<br />
pelo contexto, particularmente<br />
adverso, em que os industriais nacionais<br />
DIVERSIFICAÇÃO:<br />
O esforço a fazer na<br />
agricultura é decisivo<br />
para obter maior<br />
estabilidade<br />
estão a operar, com a crescente concorrência<br />
agressiva e protegida por parte de<br />
players internacionais, como é o caso da<br />
Índia e do Vietname, e pela não actualização<br />
das medidas de resposta domésticas a<br />
este novo paradigma”, lamenta a AICAJU.<br />
“Ao aumentar a sobretaxa da importação<br />
da amêndoa acabada de 45 para 70%, no<br />
ano passado, a Índia aumentou ainda<br />
GOVERNO APROVOU<br />
UM SUBSÍDIO AO PREÇO<br />
DO ALGODÃO-CAROÇO<br />
PARA 2019-<strong>2020</strong><br />
mais o poder de compra e a capacidade<br />
de influenciar mercados por parte dos<br />
seus industriais”, denuncia a associação,<br />
que explica que, agora, os processadores<br />
asiáticos “podem comprar, em Moçambique,<br />
matéria-prima a preços inflaciona-<br />
junho <strong>2020</strong> | 53
COMMODITIES DOSSIER<br />
dos e desleais, desvirtuando o mercado<br />
com impacto negativo na indústria nacional,<br />
na cadeia de valor de transformação<br />
e, por último, nos cofres do Estado”.<br />
No sector do algodão as notícias são mais<br />
animadoras, apesar de uma quebra de 45%<br />
nas receitas de exportação no primeiro trimestre<br />
do ano, face ao homólogo, motivada<br />
também pela baixa de cerca de 14%<br />
na cotação internacional desta commodity.<br />
O Conselho de Ministros aprovou no<br />
mês passado um subsídio ao preço do algodão-caroço<br />
para a campanha 2019-<strong>2020</strong>.<br />
Em comunicado, a Associação Algodoeira<br />
de Moçambique (AAM) refere que este<br />
subsídio, no valor de 6 meticais por cada<br />
quilo de algodão-caroço, “permitirá elevar<br />
o valor das compras [deste produto]<br />
aos produtores para cerca 1,1 mil milhões<br />
de meticais, o que representa uma enorme<br />
ferramenta de desenvolvimento rural”.<br />
“Este apoio é, sem dúvida, um marco<br />
histórico na política agrária e económica<br />
REDUÇÃO DA<br />
ACTIVIDADE ESTÁ<br />
A DEIXAR MUITAS<br />
EMPRESAS SEM LIQUIDEZ<br />
nacional e um sinal real e indiscutível da<br />
aposta séria do governo na agricultura e<br />
na população rural”, adianta o documento,<br />
que garante que este “não é um subsídio ao<br />
consumo, mas sim à produção e às famílias<br />
produtoras”. A associação liderada por<br />
Francisco Ferreira dos Santos afirma que,<br />
“no actual contexto de grande crise económica<br />
global, causada pela pandemia da<br />
COVID-19, em que o algodão tem sido um<br />
dos produtos agrícolas mais afectados, este<br />
subsídio vai, por um lado, proteger o rendimento<br />
de quase um milhão de pessoas<br />
do meio rural, e por outro representa um<br />
claro incentivo à produção e produtivi-<br />
dade, na medida em que se consegue um<br />
aumento preço do algodão-caroço face ao<br />
praticado na campanha anterior”.<br />
ALGODÃO EM ALTA<br />
Na próxima campanha de <strong>2020</strong>/21 teremos<br />
ainda mais produtores motivados e a<br />
produzir mais algodão, prevendo-se, por<br />
essa via, um aumento no valor das exportações<br />
em pelo menos 12 milhões USD,<br />
o que, refere a AAM, representa “mais de<br />
três vezes o valor do subsídio” a este sector,<br />
que “assiste mais de 200 mil famílias.<br />
Associado ao algodão, o subsector transformador<br />
“conta com dez fábricas de processamento,<br />
gerando cerca de 40 mil postos<br />
de emprego directo e indirecto na cadeia<br />
de valor”.<br />
Guilherme Daniel também vê com bons<br />
olhos este tipo de medidas, porque reflectem<br />
a aposta do governo na agricultura.<br />
“A ideia é que possam existir mais subsídios<br />
para sectores produtivos da economia.”b<br />
D.R.<br />
VALE: Com a incerteza<br />
trazida pela pandemia<br />
deixou cair o objectivo<br />
para a produção<br />
54 | Exame Moçambique
junho <strong>2020</strong> | 55
COMMODITIES DOSSIER<br />
PROJECTOS DE<br />
EXPLORAÇÃO DE GÁS<br />
RESISTEM À PANDEMIA<br />
A crise causada pela pandemia da COVID-19 levou a que algumas empresas petrolíferas<br />
revissem os seus planos de negócios, mas Carlos Zacarias, presidente do conselho<br />
de administração do Instituto Nacional de Petróleo (INP), diz que os prazos estabelecidos<br />
serão respeitados<br />
VALDO MLHONGO<br />
CARLOS ZACARIAS:<br />
O presidente do INP<br />
garante que os prazos<br />
previstos para o<br />
início da produção<br />
e carregamento<br />
do primeiro cargueiro<br />
de GNL se mantêm<br />
56 | Exame Moçambique
A<br />
crise causada pela pandemia<br />
da COVID-19 não irá<br />
comprometer o arranque<br />
da primeira produção e<br />
exploração de gás natural<br />
liquefeito do Projecto Coral Sul, marcada<br />
para o ano de 2022, garante Carlos Zacarias,<br />
presidente do conselho de administração<br />
do Instituto Nacional de Petróleo<br />
(INP), em entrevista à <strong>EXAME</strong>. Carlos<br />
Zacarias revelou que está em curso o lançamento<br />
do 6.º concurso para a concessão<br />
de áreas para a pesquisa e produção<br />
de hidrocarbonetos, decorrendo agora<br />
acções de avaliação do potencial petrolífero,<br />
bem como a definição das áreas<br />
de concurso, incluindo discussões com<br />
os potenciais investidores. Até aqui, só<br />
nos últimos quinze anos Moçambique<br />
recebeu um investimento de mais de 10<br />
mil milhões de dólares em actividades de<br />
pesquisa e desenvolvimento nas bacias de<br />
Moçambique e Rovuma.<br />
Em que medida a conjuntura actual<br />
(COVID-19) compromete os<br />
investimentos feitos na indústria<br />
petrolífera?<br />
Em Moçambique, a combinação dos efeitos<br />
da COVID-19 e da baixa repentina do<br />
preço de petróleo levou a que algumas<br />
companhias petrolíferas a operarem na<br />
bacia do Rovuma revissem os seus planos<br />
de negócio. Com efeito, houve reformulação<br />
dos programas de trabalho, no<br />
entanto estas alterações serão ajustadas<br />
às fases subsequentes dos projectos por<br />
forma a respeitarem-se os prazos estabelecidos.<br />
“NÃO OBSTANTE A<br />
DESACELERAÇÃO DAS<br />
ACTIVIDADES E TODAS<br />
AS DIFICULDADES<br />
CRIADAS PELA ACTUAL<br />
CONJUNTURA, MANTÉM-<br />
-SE O ANO DE 2024<br />
COMO O INÍCIO DA<br />
PRODUÇÃO DO GÁS<br />
NATURAL LIQUEFEITO”<br />
Em que estágio se encontram os<br />
projectos de exploração de gás<br />
natural em curso no presente<br />
momento?<br />
Na área 4 da bacia do Rovuma as operações<br />
de perfuração e conclusão dos poços<br />
do projecto Coral Sul FLNG foram interrompidas<br />
temporariamente devido ao<br />
impacto da pandemia da COVID-19 para<br />
a rotação de pessoal. No entanto, a construção<br />
da plataforma flutuante Coral Sul<br />
prossegue como previsto na Coreia do<br />
Sul, sendo que o início da primeira produção<br />
de LNG está marcado para 2022.<br />
No Projecto Golfinho/Atum (Mozambque<br />
LNG) Área 1 da bacia do Rovuma,<br />
embora a Total tenha anunciado cortes<br />
de cerca de um quinto nas despesas de<br />
investimento e redução dos custos operacionais<br />
para <strong>2020</strong> a nível global, os investimentos<br />
e projectos prioritários, incluindo<br />
o Projecto Golfinho/Atum, não sofrerão<br />
qualquer redução. Não obstante a desaceleração<br />
das actividades e todas as dificuldades<br />
criadas pela actual conjuntura,<br />
mantém-se o ano de 2024 como o início<br />
da produção do gás natural liquefeito,<br />
tal como programado inicialmente, com<br />
uma produção anual de 12,88 milhões de<br />
toneladas (mtpa). No Projecto Rovuma<br />
LNG — Área 4 da bacia do Rovuma, a<br />
Rovuma Mozambique Venture (MRV),<br />
operadora do projecto, anunciou o adiamento<br />
da Decisão Final de Investimentos<br />
do Projecto, inicialmente previsto para<br />
<strong>2020</strong>, para uma data ainda não definida.<br />
Este adiamento deve-se fundamentalmente<br />
a cortes nas despesas operacionais<br />
em 15% das respectivas empresas-mãe.<br />
Não obstante, as concessionárias continuam<br />
as suas actividades e prevê-se que<br />
a DFI seja tomada logo que a conjuntura<br />
do mercado alterar. No Projecto de Produção<br />
de Gás de Pande/Temane — Blocos<br />
de Pande e Temane, bacia de Moçambique,<br />
a produção iniciou-se em 2004,<br />
com uma capacidade contratual de 120<br />
MGJ/a (milhões de gigajoules/ano) e um<br />
investimento inicial de 1,2 mil milhões<br />
de dólares, que expandiu em 2009 para<br />
a capacidade de produção de 120 para 183<br />
MGJ/a e posteriormente para 197 MGJ/a,<br />
em 2015. Actualmente a produção é de<br />
cerca de 190 MGJ/a (incluindo para o gás<br />
usado em operações). A pandemia mundial<br />
(COVID-19), que se vem alastrando<br />
de forma rápida desde Dezembro de 2019,<br />
obrigou à necessidade de tomada de medidas<br />
de precaução de modo a proteger os<br />
profissionais. Com efeito, a Sasol interrompeu<br />
algumas actividades, mantendo<br />
a continuação das suas operações e actividades<br />
críticas em Moçambique, como<br />
operações, serviços e actividades críticas<br />
de negócio, porém observando na íntegra<br />
as medidas de mitigação da COVID-<br />
19 decretadas pelo governo, bem como<br />
medidas internas da Sasol. No Projecto de<br />
Produção de Petróleo Leve, actualmente<br />
as actividades de perfuração, reparação e<br />
abandono de poços encontram-se suspensas<br />
devido ao alastramento da COVID-<br />
-19, devendo ser retomadas o mais breve<br />
possível em função dos desenvolvimentos.<br />
Nas novas áreas adjudicadas no 5.º<br />
concurso para pesquisa e produção de<br />
petróleo em Moçambique, o programa<br />
de actividades e orçamentos continua em<br />
consonância com os contratos rubricados<br />
aquando da concessão das áreas, não<br />
havendo por enquanto previsão de alteração,<br />
pelo menos a curto e médio prazos.<br />
Nos últimos dez a quinze anos qual<br />
foi o investimento total efectuado em<br />
operações petrolíferas em<br />
Moçambique?<br />
Nos últimos dez a quinze anos foram<br />
investidos mais de 10 mil milhões de dólares<br />
em actividades de pesquisa e desenvolvimento<br />
nas bacias de Moçambique<br />
e Rovuma.<br />
Quais são os projectos em<br />
perspectiva?<br />
Temos em vista o lançamento do 6.º concurso<br />
para a concessão de áreas para pesquisa<br />
e produção de hidrocarbonetos,<br />
decorrendo com acções de avaliação do<br />
potencial petrolífero bem como a definição<br />
das áreas de concurso, incluindo dis-<br />
junho <strong>2020</strong> | 57
COMMODITIES DOSSIER<br />
cussões com os potenciais investidores. A<br />
este processo seguir-se-á a submissão das<br />
propostas de áreas a serem submetidas a<br />
concurso à aprovação superior.<br />
Moçambique mantém o calendário<br />
para o desenvolvimento da produção<br />
de gás natural liquefeito?<br />
Pese embora tenha havido uma reformulação<br />
dos programas de trabalho estabelecidos<br />
com as companhias, importa referir<br />
que estas alterações serão ajustadas às fases<br />
subsequentes dos projectos por forma a<br />
respeitar-se o calendário para o desenvolvimento<br />
e produção do gás natural liquefeito.<br />
Assim sendo, o início da produção<br />
e carregamento do primeiro cargueiro<br />
de GNL do Projecto Coral Sul continua<br />
para 2022 e do Projecto Golfinho/Atum<br />
(Mozambique LNG) para 2024.<br />
Os riscos económicos da crise<br />
poderão dificultar a decisão final de<br />
investimento na bacia do Rovuma?<br />
“NOS ÚLTIMOS DEZ A<br />
QUINZE ANOS FORAM<br />
INVESTIDOS MAIS<br />
DE 10 MIL MILHÕES<br />
DE DÓLARES EM<br />
ACTIVIDADES<br />
DE PESQUISA E<br />
DESENVOLVIMENTO<br />
NAS BACIAS DE<br />
MOÇAMBIQUE<br />
E ROVUMA”<br />
Como sabe, o FID é tomado por investidores<br />
tendo sempre em conta as condições<br />
objectivas (mercado e outros), pelo que é<br />
necessário que todas as condições objectivas<br />
estejam criadas para que os investidores<br />
decidam sobre os investimentos<br />
a constituir. Neste momento, o mercado<br />
é caracterizado, para além da COVID-<br />
19, por uma queda acentuada do preço<br />
de petróleo no mercado internacional.<br />
O preço do gás natural caiu, no<br />
entanto incomparavelmente menos<br />
que o do petróleo. Trata-se de um<br />
mercado muito mais estável?<br />
O preço de referência na indústria petrolífera<br />
é o petróleo. Todos os outros subprodutos<br />
associados à indústria têm os<br />
preços indexados ao preço do petróleo.<br />
Quaisquer variações do preço do petróleo<br />
afectam todos os outros subprodutos,<br />
incluindo o gás natural. Ademais, o<br />
efeito da queda dos preços do petróleo<br />
sobre os outros subprodutos não é imediato<br />
na medida em que existem cláusulas<br />
nos contratos de compra e venda<br />
(que são contratos de longo prazo) que,<br />
de certa forma, asseguram a flutuação<br />
dos preços. b<br />
REUTERS<br />
GÁS:<br />
O seu preço é afectado<br />
pelo valor do petróleo<br />
no mercado<br />
internacional<br />
58 | Exame Moçambique
junho <strong>2020</strong> | 59
COMMODITIES DOSSIER<br />
DESAFIOS GLOBAIS<br />
EXIGEM RESPOSTAS<br />
GLOBAIS<br />
A queda dos preços das commodities e o seu impacto ao nível das economias africanas,<br />
em especial em Moçambique, serviu como mote para o primeiro Webinar organizado pela<br />
União Europeia em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />
VALDO MLHONGO<br />
Não há dúvida de que a propagação<br />
da pandemia da<br />
COVID-19, que se vem<br />
alastrando de forma rápida<br />
desde Dezembro último,<br />
trouxe consigo um grande impacto ao<br />
nível da economia global. Para o continente<br />
africano, em particular Moçambique,<br />
cuja economia é fortemente dependente<br />
das exportações das matérias-primas, os<br />
impactos são enormes. Segundo dados<br />
revelados pelo ministro da Indústria e<br />
Comércio, Carlos Mesquita, os mercados<br />
globais consomem cerca de 88% das<br />
exportações de África, nomeadamente<br />
petróleo, minério e produtos agrícolas.<br />
Segundo Mesquita, África possui cerca de<br />
12% das reservas de petróleo do mundo,<br />
42% das reservas de ouro, cerca de 90%<br />
das reservas de metais, vastos recursos<br />
florestais e 60% das terras aráveis do pla-<br />
60 | Exame Moçambique
neta. “O desafio para a África é, e sempre<br />
foi, a capacidade limitada de agregar<br />
valor aos recursos naturais e a interligação<br />
entre diversos sectores na economia”,<br />
referiu o ministro da Indústria e Comércio<br />
durante a abertura do primeiro Webinar<br />
focado na queda dos preços das commodities<br />
e o seu impacto ao nível das economias<br />
africanas, organizado pela União<br />
Europeia em parceria com o Ministério<br />
da Indústria e Comércio e a EuroCam.<br />
Para Adriano Nuvunga, director do Centro<br />
para Democracia e Desenvolvimento<br />
(CDD), África precisa de uma boa governação<br />
para aproveitar da melhor forma<br />
as oportunidades de investimentos que<br />
surgem. Lembrou as oportunidades de<br />
investimentos que existiram, no passado<br />
recente, mas que foram mal aproveitadas.<br />
“Quando a África esteve no pico de recepção<br />
de investimento directo estrangeiro<br />
direccionado para o sector energético, deixou<br />
essa janela de oportunidade escapar”,<br />
referiu Adriano Nuvunga. Mostrou-se<br />
OS MERCADOS GLOBAIS<br />
CONSOMEM CERCA DE<br />
80% DAS EXPORTAÇÕES<br />
AFRICANAS<br />
de paradigma nas economias africanas.<br />
“O que estou a dizer é que não há neste<br />
momento um debate sobre o modo como<br />
África pode aproveitar este momento de<br />
crise para diversificar a sua economia.”<br />
Pietro Toigo, representante residente<br />
do Banco Africano de Desenvolvimento<br />
em Moçambique (BAD), mencionou uma<br />
série de projectos de apoio que o BAD<br />
tem na manga. Disse que, para já, a prioridade<br />
é assegurar a continuação de abastecimento<br />
de bens essenciais e a protecção<br />
das cadeias de fornecimento continentais.<br />
“Neste sentido estamos a trabalhar com<br />
as comunidades económicas regionais,<br />
com a coordenação das autoridades aduaneiras,<br />
esperamos anunciar um programa<br />
ao nível da SADC nos próximos dias.”<br />
No sector industrial, adiantou que a sua<br />
instituição pretende aproveitar a crise para<br />
ver como o continente africano se pode<br />
organizar em termos de uma estrutura<br />
económica diferente. Sobretudo, no que<br />
concerne a algumas das indústrias menos<br />
desenvolvidas no continente, nomeadamente<br />
a indústria farmacêutica. “Neste<br />
momento, que há uma procura coordenada,<br />
simultânea, de medicamentos, acho<br />
que teremos espaço para o desenvolvimento<br />
de uma indústria continental para<br />
satisfazer a procura”, salientou sem avançar<br />
números. Mas para que isso se materialize,<br />
referiu Toigo, “é preciso integrar a<br />
cadeia de valor ao nível continental e viabilizar<br />
ainda mais a integração regional”.<br />
DIVERSIFICAR A ECONOMIA<br />
A economia moçambicana é dependente<br />
dos sectores da mineração, produtos agrí-<br />
preocupado com aquilo que chamou de<br />
“endividamento excessivo”, e muitas das<br />
vezes “ilegal”, que afecta as possibilidades<br />
de as empresas internacionais atraírem<br />
o investimento. Para ele, a crise causada<br />
pela pandemia da COVID-19 deve servir<br />
como um incentivo para uma mudança<br />
em particular na protecção do que chamamos<br />
corredores verdes, para permitir<br />
o acesso do comércio de bens alimentares”,<br />
avançou. E não ficou por aí. “Também<br />
estamos a trabalhar numa iniciativa<br />
de coordenação da resposta da política de<br />
abertura dos mercados depois do lockdown<br />
WEBINAR:<br />
Uma parceria entre o Ministério<br />
da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />
moderado pela directora da <strong>EXAME</strong><br />
junho <strong>2020</strong> | 61
COMMODITIES DOSSIER<br />
ÁFRICA PODERÁ<br />
APROVEITAR A CRISE<br />
PARA DIVERSIFICAR<br />
A ECONOMIA<br />
rados”. O economista-chefe do Standard<br />
Bank considera ainda que num contexto<br />
em que a maior parte dos produtos que<br />
Moçambique exporta tem pouco valor<br />
acrescentado, “sempre que houver uma<br />
grande oscilação no preço desses produtos<br />
no mundo a economia está sujeita a sofrer<br />
um choque na balança de pagamentos”.<br />
Por parte do governo, Carlos Mesquita<br />
avançou que há um trabalho que está<br />
a ser feito na implementação de medidas<br />
de apoio às empresas para garantir a<br />
continuidade e o funcionamento possível<br />
das actividades produtivas e da economia<br />
como um todo. “A estratégia do<br />
governo passa por impulsionar a produção<br />
e a competitividade, potenciando a<br />
utilização dos recursos naturais, internos,<br />
de modo a dinamizar a cadeia de valor e<br />
incentivar a modernização e a diversificação<br />
da economia.”<br />
Os “desafios globais”, ditados pelos efeitos<br />
da pandemia da COVID-19, “precisam<br />
de respostas globais”, referiu Antonio<br />
Sanchez, embaixador da União Europeia,<br />
frisando a necessidade de multilateralismo,<br />
trabalho conjunto, para se vencerem<br />
os actuais desafios. “Na Europa<br />
RISCOS E OPORTUNIDADES:<br />
Os efeitos da crise pandémica foram debatidos no Webinar<br />
colas, energia e turismo, “onde a base de<br />
exportação consiste fundamentalmente<br />
em produtos não transformados”, assume<br />
Carlos Mesquita. Estima que a queda das<br />
exportações e os preços de produtos como<br />
o alumínio, o carvão mineral, o algodão<br />
e o açúcar, resultante da menor procura<br />
global das commodities, “terá consequências<br />
de longo prazo tendo em conta a<br />
fraca capacidade de os países africanos,<br />
em particular Moçambique, de enfrentarem<br />
a crise da COVID-19”. A conjuntura<br />
mundial obrigou o país a rever em<br />
baixa o crescimento económico do presente<br />
ano para 2,2%, com maior incidência<br />
no sector dos transportes, construção<br />
e turismo.<br />
Fáusio Mussá, administrador e economista-chefe<br />
do Standard Bank, assinalou<br />
que o impacto da oscilação dos preços<br />
das commodities tem a ver com o nível de<br />
dependência de cada uma das economias<br />
em relação aos recursos naturais. “No<br />
caso de Moçambique, apesar de existir<br />
uma relativa diversificação na contribuição<br />
para o produto interno bruto, o que<br />
observamos é que há uma grande dependência<br />
das commodities para a receita de<br />
exportação”, referiu, salientando que “seria<br />
mais saudável para uma economia como<br />
a de Moçambique que não só dependesse<br />
das receitas de exportação do carvão, ou<br />
de alumínio, mas que também tivesse no<br />
seu portefólio de produtos de exportação<br />
mais produtos da indústria manufactu-<br />
estamos dispostos a pôr a nossa experiência<br />
ao serviço dos países africanos”, disse.<br />
E Moçambique, referiu o embaixador, tem<br />
uma enorme vantagem nesse sentido pois<br />
é um país aberto e está inserido em diferentes<br />
espaços regionais. Mas isso, por si<br />
só, não basta. Há que haver maior diversificação<br />
económica. Apontou a revolução<br />
digital e a economia verde como dois dos<br />
grandes desafios do país, pois o potencial<br />
existe. É um facto que face à crise e<br />
à queda dos preços das commodities, as<br />
economias africanas precisam, cada vez<br />
62 | Exame Moçambique
mais, de diversificarem os investimentos<br />
em projectos com maior potencial de rentabilidade.<br />
Apesar disso, o representante<br />
residente do BAD em Moçambique acredita<br />
que, a médio prazo, a indústria do<br />
GNL tem um grande potencial para servir<br />
como “lubrificante” do crescimento<br />
económico de Moçambique dado que a<br />
crise actual se deve a uma queda da procura<br />
global, causada pela pandemia da<br />
COVID-19. Além disso, alguns factores<br />
geopolíticos provocarão o aumento da<br />
oferta. Para Toigo, o gás natural possui<br />
uma cadeia de valor muito diversificada,<br />
podendo ser um input na agricultura e na<br />
produção eléctrica doméstica, entre outras<br />
áreas. “Mesmo no contexto de diversificação,<br />
fora das commodities do sector extractivo,<br />
achamos que o gás natural liquefeito<br />
vai ter um papel âncora no desenvolvimento<br />
de Moçambique nos próximos vinte<br />
a trinta anos. Mas alerta que “vai precisar<br />
de um quadro de políticas e de um quadro<br />
regulamentar muito claro para alavancar<br />
o processo de industrialização<br />
e de diversificação económica”.<br />
Quem partilha a mesma linha do raciocínio<br />
é Simone Santi, presidente da Euro-<br />
Cam, entidade que congrega um conjunto<br />
de câmaras de comércio e associações<br />
similares europeias. Para ele, a queda do<br />
preço do gás natural no mercado internacional<br />
não significa, necessariamente, a<br />
insustentabilidade dos negócios de GNL<br />
da bacia do Rovuma. “O que conta mais é<br />
a quantidade das reservas de gás natural<br />
que Moçambique tem e o futuro da transição<br />
energética a nível global, que justificam<br />
a continuação dos megaprojectos<br />
no sector de hidrocarbonetos”, referiu.<br />
Santi lembrou ainda que a queda global<br />
no preço das commodities não decorre de<br />
fundamentos económicos, sendo antes<br />
especulativa e, portanto, os preços vão<br />
voltar a aumentar.<br />
A INDÚSTRIA DO GNL<br />
TEM POTENCIAL<br />
PARA SERVIR COMO<br />
“LUBRIFICANTE”<br />
DO CRESCIMENTO<br />
ECONÓMICO DE<br />
MOÇAMBIQUE<br />
PME EM SITUAÇÃO CRÍTICA<br />
A queda global dos preços das commodities<br />
tem também afectado as pequenas<br />
e médias empresas, que correspondem<br />
a mais de 90% do tecido empresarial<br />
moçambicano. Dados da Confederação<br />
das Associações Económicas de Moçambique<br />
(CTA) indicam que no sector do<br />
oil&gás, a nível laboral, foram repatriados<br />
vários especialistas estrangeiros e nacionais<br />
que estão envolvidos na implantação<br />
dos projectos de petróleo e gás na província<br />
de Cabo Delgado, afectando negativamente<br />
a produtividade de toda a cadeia<br />
de valor associada ao sector. Segundo a<br />
CTA, cerca de 160 PME na área mineira<br />
registaram uma redução significativa<br />
na facturação, o que corresponde a uma<br />
perda de receita estimada em cerca de<br />
12,6 milhões de dólares. Um cenário<br />
que, reduzindo a base de tributação, irá,<br />
sublinha Adriano Nuvunga, afectar ainda<br />
mais a situação deficitária do Orçamento<br />
do Estado. “Uma das principais fontes de<br />
financiamento Orçamento do Estado “é<br />
o pagamento do IRPS e as pessoas estão<br />
a ir para o desemprego”, precisou.<br />
Em termos de impactos directos, mais de<br />
500 PME associadas às indústrias extractivas,<br />
em particular no sector mineiro, estão<br />
afectadas pelos impactos da pandemia<br />
da COVID-19 até à data, pelo que cerca de<br />
85 suspenderam completamente as suas<br />
actividades devido à suspensão temporária<br />
dos contratos. Podem estar em risco<br />
26 350 postos de trabalho se a situação<br />
financeira das empresas se agravar. Pietro<br />
Toigo refere que o BAD poderá analisar<br />
a possibilidade de financiar algumas iniciativas<br />
através do Orçamento do Estado,<br />
abrangendo a protecção social e algumas<br />
medidas de apoio às PME, entre outras.<br />
“Estamos a considerar algumas intervenções<br />
directas de apoio ao sector privado<br />
através de linhas de créditos para bancos<br />
locais que posteriormente poderão<br />
ser disponibilizadas a PME”, avançou,<br />
salientando que “são linhas de créditos<br />
a longo prazo”.<br />
Quando “o novo normal” se estabelecer,<br />
Fáusio Mussá diz que o governo<br />
precisará de criar um ambiente macroeconómico<br />
estável, um ambiente em que<br />
as taxas de juros são estáveis e baixas<br />
por um período longo, para assegurar o<br />
alavancamento da competitividade das<br />
PME. “Penso que Moçambique já está a<br />
trabalhar nisso através das intervenções<br />
do governador de Banco de Moçambique.<br />
Mas também, defende Mussá, deve existir<br />
facilidade em fazer negócios em Moçambique<br />
e um ambiente de paz. “Há aqui<br />
um conjunto de desafios que as empresas<br />
pequenas e grandes enfrentam que<br />
têm de ser ultrapassados.”<br />
No seu discurso de encerramento, o<br />
embaixador da União Europeia reconheceu<br />
que numa crise todos perdem,<br />
mas também é possível aproveitar a crise<br />
para conceber algumas estratégias. Salientou<br />
que um dos pilares de um Moçambique<br />
mais forte, com mais capacidade nos<br />
próximos anos, é investir na juventude,<br />
na formação para aproveitar todas essas<br />
oportunidades que o país tem. b<br />
junho <strong>2020</strong> | 63
COMMODITIES DOSSIER<br />
CAJU: Um produto que<br />
pode voltar a ganhar a<br />
expressão que teve na<br />
economia moçambicana<br />
“O INVESTIMENTO ENCONTRA<br />
SEMPRE CAMINHO ONDE<br />
É BEM-VINDO”<br />
A Associação das Indústrias de Caju alerta para a queda do preço<br />
da amêndoa nos mercados internacionais, uma quebra ditada pela concorrência<br />
desleal e agravada pela pandemia<br />
RICARDO DAVID LOPES<br />
64 | Exame Moçambique
A<br />
fileira do caju perde terreno<br />
sobretudo devido à concorrência<br />
desleal da Índia<br />
e do Vietname e também<br />
por não haver medidas do<br />
Estado que privilegiem o empresariado<br />
nacional, alerta o vice-presidente da Associação<br />
das Indústrias de Caju (AICAJU).<br />
A baixa do preço internacional da amêndoa,<br />
em plena pandemia, vem agravar<br />
a situação.<br />
As exportações de castanha e de<br />
amêndoa de caju triplicaram em valor<br />
em 2019 face a 2018. O que esteve na<br />
origem deste desempenho?<br />
É fundamental fazer a distinção entre as<br />
exportações de castanha-de-caju, que é<br />
um produto em bruto, da amêndoa, que<br />
é processada e exportada com valor acrescentado.<br />
No contexto actual, 49% de todo<br />
o valor da cadeia, da árvore até ao consumidor<br />
final na UE ou EUA, é captado<br />
se o caju for processado no país. No que<br />
respeita à indústria foram processadas<br />
60 mil toneladas em 2018, 52 mil em 2019,<br />
e estima-se que 35 mil em <strong>2020</strong>.<br />
E a produção de matéria-prima?<br />
Tem vindo paulatinamente a aumentar,<br />
apesar de ainda estar longe das históricas<br />
250 mil toneladas de quando éramos os<br />
maiores produtores de caju do mundo. De<br />
acordo com dados do INCAJU, a campanha<br />
de comercialização em 2018/19 registou<br />
142 104 toneladas de castanha-de-caju<br />
comercializadas, que comparam com 129<br />
“O PREÇO DA AMÊNDOA<br />
CAIU MAIS DE 15% DESDE<br />
O INÍCIO DA CRISE E 25%<br />
FACE AO ANO PASSADO”<br />
643 toneladas no anterior. A indústria foi,<br />
num passado recente, responsável por mais<br />
de 50% da absorção da matéria-prima, mas as<br />
razões do decréscimo deste rácio prendem-<br />
-se com a implementação de políticas proteccionistas<br />
e encorajadoras do investimento<br />
e processamento industrial no Vietname e<br />
na Índia. Neste momento, afigura-se fundamental<br />
a actualização, da nossa parte,<br />
das políticas nacionais de defesa da indústria<br />
para continuarmos a ser competitivos.<br />
Têm surgido novos investimentos?<br />
Na indústria, houve uma grande consolidação<br />
e aumento da capacidade por parte dos players<br />
já existentes até 2016. Houve igualmente uma<br />
corrida à mecanização, entre 2010 e 2016,<br />
no sentido de nos mantermos competitivos.<br />
Em 2018, o Presidente Filipe Nyusi inaugurou<br />
a primeira fábrica de processamento que<br />
surgiu na zona Centro/Sul — Macia, Gaza<br />
— em mais de vinte anos. Trata-se de unidade<br />
totalmente mecanizada e orçamentada<br />
em mais de 7,5 milhões de dólares.<br />
No entanto, o espírito dos novos investimentos<br />
na indústria do caju moçambicana foi<br />
posto em espera devido à delapidação das<br />
condições para processar no país. Infelizmente,<br />
a produção comercial ainda não é<br />
uma realidade.<br />
Porquê?<br />
Devido a muitos constrangimentos: genética<br />
vegetal, pressupostos para a modelação<br />
financeira fidedignos e problemas<br />
de acesso a terra com escala comercial.<br />
Neste campo, acho que temos bastante a<br />
aprender com as experiências da Costa do<br />
Marfim e do Brasil. Seria interessante um<br />
acordo com o Brasil no que toca à investigação<br />
agrária, de modo a melhorarmos<br />
os nossos rendimentos ao nível do campo.<br />
É também neste âmbito que os industriais<br />
do caju pretendem implementar programas<br />
de capacitação dos produtores para o desenvolvimento<br />
de novos cajueiros. O objectivo<br />
é garantir às comunidades os recursos<br />
e infra-estrutura para apoiar a plantação<br />
do caju através de suporte técnico e financeiro.<br />
A indústria de caju nacional tem uma<br />
capacidade única de agregar valor à cadeia<br />
agrícola e fomentar a economia local. Estes<br />
fundamentos são já hoje espelhados no projecto-piloto<br />
de Malaipa, que visa integrar<br />
produtor e processador, com todos os benefícios<br />
que tal relação traz.<br />
Qual o emprego no sector?<br />
Estimam-se que existem mais de 1,4 milhões<br />
de famílias produtoras de caju no território<br />
moçambicano. Em relação à indústria,<br />
já empregou, num passado recente, cerca<br />
de 17 500 trabalhadores formais, na sua<br />
maioria, em mais de 75%, mulheres e contribuidores<br />
para a Segurança Social. Por<br />
outro lado, estima que há cerca de 25 mil<br />
chefes de família dependentes da cadeia de<br />
valor do processamento. E há mais de 250<br />
pequenas e médias empresas moçambicanas<br />
a trabalharem com os industriais.<br />
Quais os principais mercados de<br />
exportação deste produto?<br />
Os EUA e o mercado europeu continuam<br />
a ser os maiores, especialmente para amêndoas<br />
inteiras, bem como o Médio Oriente e<br />
alguns países sul asiáticos, mais para “grades”<br />
de partidas.<br />
Quais têm sido os principais<br />
junho <strong>2020</strong> | 65
COMMODITIES DOSSIER<br />
constrangimentos na produção<br />
industrial?<br />
As quebras do processamento da castanha-<br />
-de-caju justificam-se pelo contexto particularmente<br />
adverso em que os industriais<br />
nacionais estão a operar, com a crescente<br />
concorrência agressiva e protegida por parte<br />
de players internacionais, casos da Índia e<br />
do Vietname, e pela não actualização das<br />
medidas de resposta domésticas a este novo<br />
paradigma. Ao aumentar a sobretaxa da<br />
importação da amêndoa acabada de 45%<br />
para 70% no ano passado, a Índia aumentou<br />
ainda mais o poder de compra e a capacidade<br />
de influenciar mercados por parte<br />
dos seus industriais. Os processadores asiáticos<br />
podem agora comprar, em Moçambique,<br />
matéria-prima a preços inflacionados<br />
e desleais, desvirtuando o mercado com<br />
impacto negativo na indústria nacional,<br />
na cadeia de valor de transformação e, por<br />
último, nos cofres do Estado.<br />
E na exportação, há<br />
constrangimentos?<br />
Existem alguns problemas do foro logístico<br />
na exportação em bruto, mas, de uma<br />
maneira geral, não há problemas de maior.<br />
Importa referir que a exportação ilegal,<br />
sem pagamento da sobretaxa, continua a<br />
lesar o Estado moçambicano em milhões<br />
de dólares por ano, e claro que desvirtua<br />
a comercialização ao nível do campo.<br />
Estão previstos novos investimentos<br />
no sector?<br />
Neste momento todos os investimentos estão<br />
parados, por falta de um quadro regulatório<br />
e de fomento da indústria que inspire<br />
a confiança necessária para os industriais<br />
crescerem e consolidarem as suas operações,<br />
e que, por outro lado, atraia novos<br />
players. Contudo, acreditamos que, com<br />
um plano bem definido, poderíamos, em<br />
cinco anos, processar toda a castanha produzida<br />
em Moçambique. O investimento<br />
encontra sempre o seu caminho para onde<br />
é bem-vindo, mas para tal é necessário<br />
haver políticas que priorizem verdadeiramente<br />
que a castanha seja absorvida pelas<br />
fábricas moçambicanas e que, por outro<br />
lado, ofereçam um quadro de trabalho que<br />
seja propício ao crescimento da indústria.<br />
A QUEBRA (TONELADAS PROCESSADAS /mil ton)<br />
A indústria do caju, que processou 60 mil<br />
toneladas em 2018, prevê só processar 35 em <strong>2020</strong><br />
60 52 35<br />
2018 2019 <strong>2020</strong>*<br />
*previsão<br />
Quais os principais players?<br />
Existem cerca de 17 fábricas activas, apesar<br />
de este ano apenas estarem a laborar dez, no<br />
rescaldo das dificuldades que vivemos. Das<br />
17 fábricas, nove são de grande dimensão<br />
(mais de 3500 toneladas/ano), destacando-<br />
-se a Condor, a Olam, a ETG (Korosho) e a<br />
Gani Comercial (Caju Ilha), sendo as restantes<br />
de pequena e média dimensão.<br />
O ano está quase a meio, com a<br />
pandemia da COVID-19 a afectar todas<br />
as economias. Como está a evoluir o<br />
sector?<br />
As medidas de distanciamento e de higiene<br />
e segurança alimentar ditaram uma redução<br />
do nível de produção, no entanto o mais<br />
preocupante foi a queda significativa dos preços<br />
da amêndoa no mercado internacional.<br />
A indústria de processamento moçambicana<br />
é uma a que se chama single origin — toda a<br />
matéria-prima tem origem no mesmo país<br />
(Moçambique) — e é aprovisionada pelos<br />
processadores no curto espaço de tempo<br />
da campanha de comercialização — tradicionalmente<br />
de Outubro a Novembro no<br />
Norte do país, de Janeiro a Março no Sul.<br />
Isto quer dizer que os processadores assumem<br />
um risco de lock de custo de inventário<br />
de matéria-prima, obviamente em linha<br />
com o mercado do produto acabado, mas<br />
estando expostos às variações do preço da<br />
amêndoa acabada durante o resto do ano.<br />
O ano de <strong>2020</strong> fica inevitavelmente marcado<br />
pelo novo coronavírus, mas a nossa<br />
resiliência industrial faz-nos acreditar que<br />
ultrapassaremos os problemas causados<br />
desde que os fundamentais da indústria<br />
sejam repostos, em termos de políticas,<br />
em tempo útil.<br />
Os preços têm-se mantido estáveis<br />
ou há uma tendência de queda?<br />
Há uma tendência de queda, como disse.<br />
Este ano, a campanha de caju fica, inevitavelmente,<br />
marcada pela pandemia da<br />
COVID-19. Muito antes de os primeiros<br />
casos de infecção terem sido confirmados<br />
em Moçambique já o sector sentia o enorme<br />
impacto causado pela quebra dos mercados<br />
do Oriente, em particular da China.<br />
Em Janeiro, a exportação de amêndoa do<br />
Vietname para a China atingiu mínimos<br />
dos últimos cinco anos. Este facto quebrou<br />
a confiança dos mercados e levou os<br />
importadores ocidentais a reduzirem encomendas<br />
e a tentarem renegociar contratos<br />
já fechados. Estes tumultos nos mercados<br />
tiveram como resultado uma quebra significativa<br />
do preço da amêndoa, de mais<br />
de 15% desde o início da crise, e 25% face<br />
ao ano passado. Isto, para uma realidade<br />
industrial em que os volumes são enormes,<br />
mas as margens muito pequenas,<br />
é obviamente desastroso.<br />
Quais as perspectivas para este ano e<br />
os próximos, tendo em conta a<br />
necessidade de contenção de<br />
despesas públicas, que pode levar à<br />
redução de subsídios públicos?<br />
A nossa indústria, à imagem de muitas<br />
outras, obriga a que nos reinventemos<br />
constantemente. Estamos sempre<br />
à procura de eficiências, quer através da<br />
mecanização, quer através de sistemas<br />
de produção mais inteligentes que nos<br />
ajudem a poupar. A indústria do caju foi,<br />
durante os últimos vinte anos, sustentável<br />
por si própria, sem recurso a apoios<br />
estatais e grande contribuidora para os<br />
cofres do Estado, quer através das contribuições<br />
para o Instituto Nacional<br />
de Segurança Social (INSS), quer através<br />
de outras contribuições fiscais. b<br />
66 | Exame Moçambique
junho <strong>2020</strong> | 67
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
68 | Exame Moçambique
COM O APOIO DE:<br />
COMPRAR<br />
NA REDE<br />
O comércio electrónico ganhou fôlego<br />
com a pandemia. Tornou-se um recurso<br />
precioso para consumidores isolados ou<br />
socialmente distanciados. A prova de que<br />
as crises são também oportunidades?<br />
Decerto, mas com uma taxa de<br />
crescimento das transacções que não se<br />
manterá quando a procura voltar<br />
efectivamente à normalidade. Recebeu,<br />
em todo o caso, um grande impulso, que<br />
terá de consolidar com a segurança das<br />
transacções e a eficiência da logística.<br />
Terá de continuar a inovar<br />
70<br />
A HORA DO COMÉRCIO ELECTRÓNICO<br />
Com a crise as compras on-line<br />
dispararam<br />
72 CIBERSEGURANÇA<br />
No coração da inovação<br />
junho <strong>2020</strong> | 69
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
Procura e oferta foram abruptamente<br />
atingidas pela crise<br />
pandémica. É a primeira vez<br />
que tal acontece. Os Estados<br />
procuram garantir aos<br />
cidadãos parte do rendimento perdido e<br />
suster a queda da procura. As empresas<br />
adaptam a sua organização à nova realidade<br />
recorrendo massivamente às ferramentas<br />
digitais, que já tinham ao dispor<br />
mas raramente utilizavam. Mitigado, à<br />
medida do combate à pandemia, o consumo<br />
orientou-se para o comércio electrónico,<br />
o que redobra a importância da<br />
segurança das transacções on-line e da<br />
digitalização, por parte das empresas, de<br />
muitos dos seus procedimentos.<br />
O isolamento colocou, de facto, em todo<br />
o Hemisfério Norte, milhões de consumidores<br />
on-line. O distanciamento social<br />
que caracteriza agora uma fase em que<br />
muitos países ensaiam a reabertura das<br />
economias mantém a tendência para comprar<br />
na Internet. Foi aí que consumidores<br />
confinados passaram a fazer as suas<br />
compras essenciais, como a alimentação<br />
e produtos farmacêuticos, o que até<br />
já originou parcerias inovadoras entre<br />
empresas que operam nestes dois sectores.<br />
A fragmentação social ditada pela<br />
pandemia aumentou igualmente a procura<br />
por diversão on-line, assim como<br />
ENTRE OS MAIORES DESAFIOS<br />
DO COMÉRCIO ELECTRÓNICO<br />
FIGURAM A SEGURANÇA DAS<br />
OPERAÇÕES E A FIABILIDADE<br />
DA CADEIA LOGÍSTICA<br />
a compra de produtos informáticos. As vendas<br />
pela Internet aumentaram, em Abril,<br />
209% relativamente ao período homólogo<br />
de 2019, de acordo com a empresa de sistemas<br />
de pagamentos electrónicos ACI<br />
Worldwide. Entre os segmentos de retalho<br />
destaca-se o de videogames e jogos<br />
electrónicos, que registou, naquele mês,<br />
um aumento de 126% nas vendas.<br />
O comércio reformulou-se para responder<br />
à procura e há mesmo uma “economia<br />
do novo normal” , que durará enquanto<br />
durar a pandemia, o que ainda é uma incógnita.<br />
Contudo, mesmo quando tudo finalmente<br />
acabar, os consumidores manterão<br />
alguns dos hábitos adquiridos durante o<br />
surto. Para o comércio electrónico a crise<br />
representou a oportunidade de demonstrar<br />
a muitos consumidores que a este só<br />
recorriam esporadicamente que é uma<br />
alternativa ao comércio tradicional. E as<br />
empresas vão, doravante, investir ainda<br />
mais nos canais digitais.<br />
A oportunidade existe, e também os<br />
desafios. Entre os maiores figuram a segurança<br />
das operações e a fiabilidade da<br />
cadeia logística, própria ou contratada em<br />
alguns segmentos. A segurança das operações<br />
não é um tema novo, mas será cada<br />
vez mais decisivo para o sucesso do negócio<br />
on-line. Se o consumidor não sentir<br />
que os sistemas de pagamentos e as transacções<br />
estão completamente a salvo dos<br />
ataques dos hackers, cada vez em maior<br />
número e mais sofisticados, evitará fazer<br />
compras on-line. O incremento da digitalização<br />
induzido pela crise foi, de acordo<br />
com a empresa francesa de tecnologia e<br />
segurança Thales, acompanhado pelo<br />
aumento de ataques informáticos. A rápida<br />
disseminação do novo coronavírus tornou-se<br />
uma arma para os cibercriminosos<br />
que atacam os sistemas de informação de<br />
empresas, organizações e indivíduos com<br />
objectivos financeiros e de espionagem.<br />
A meio do mês de Maio a companhia aérea<br />
britânica EasyJet revelou ter sido alvo de<br />
um ciberataque “altamente sofisticado”<br />
que comprometeu os dados pessoais de<br />
cerca de 9 milhões de clientes. A transportadora,<br />
em grandes dificuldades devido<br />
à quebra gigantesca nas viagens aéreas,<br />
precisou que os piratas informáticos tiveram<br />
acesso aos endereços de e-mail e aos<br />
pormenores de viagem dos passageiros,<br />
ISOLAMENTO:<br />
Fez disparar as compras on-line
e num número mais restrito de casos,<br />
de 2208 pessoas, aos dados dos cartões<br />
de crédito. Os ataques cibernéticos multiplicaram-se<br />
em vários países, atingindo<br />
as mais diferentes empresas, algumas de<br />
grande dimensão que, embora detendo a<br />
intrusão criminosa com as suas defesas,<br />
não deixaram de ver alguns dos seus sistemas<br />
afectados. A cibersegurança ganha<br />
assim um novo papel, não só porque se<br />
intensificam e sofisticam os ataques informáticos,<br />
mas igualmente porque surgem<br />
novos tipos de criminosos, como é o caso<br />
dos hackers activistas, que não se movem<br />
pelos objectivos tradicionais e infligem<br />
novos e pesados danos às organizações.<br />
CLICK AND COLLECT<br />
Muitas empresas, algumas das quais<br />
grandes retalhistas, não estavam preparadas<br />
para um aumento tão repentino<br />
e tão drástico das compras on-line.<br />
Alguns sites chegaram a “entupir” face à<br />
avalanche das solicitações por parte dos<br />
consumidores, que foram colocados em<br />
listas de espera. Noutros casos, emergiram<br />
sérios embaraços com a logística de<br />
distribuição dos produtos adquiridos.<br />
O sistema click and collect revelou-se<br />
uma solução para o congestionamento<br />
gerado nos sistemas logísticos. Tal aconteceu,<br />
por exemplo, em Itália, o primeiro<br />
país europeu a ser devastado pela pandemia.<br />
Nos primeiros quatro meses do ano<br />
a Itália acrescentou 2 milhões de novos<br />
compradores digitais, segundo dados de<br />
um estudo Netcomm Forum Live <strong>2020</strong>.<br />
Os sistemas de entrega debateram-se com<br />
dificuldades perante a explosão das compras.<br />
Grande parte das empresas recorreu<br />
então ao click and collect para fazer<br />
chegar as encomendas aos consumidores.<br />
Através do click and collect, o consumidor<br />
escolhe o seu produto no site da loja,<br />
efectua toda a operação de forma digital<br />
(pedido, pagamento, etc.) e diz ainda<br />
onde quer levantar a encomenda. Deixa<br />
assim de pagar um valor suplementar para<br />
AS COMPRAS FEITAS POR<br />
PROCESSOS DIGITAIS NÃO<br />
PODEM ATRASAR-SE NEM<br />
SER POUCO CONFORTÁVEIS<br />
PARA O CONSUMIDOR<br />
que o produto lhe seja entregue em casa,<br />
o que pode encurtar o prazo de entrega.<br />
O local de levantamento podem ser os<br />
Correios ou uma loja, como, por exemplo,<br />
uma farmácia ou o mini-mercado<br />
mais próximo, o que se revelou particularmente<br />
oportuno durante os confinamentos<br />
ditados pelo vírus.<br />
O comércio electrónico joga decisivamente<br />
a sua credibilidade na eficácia e<br />
flexibilidade da entrega. Não pode atrasar-se<br />
nem obrigar o consumidor a ficar<br />
amarrado à eventualidade da entrega.<br />
Mesmo em tempos de pandemia não<br />
pode contrariar a sua mobilidade. Muitas<br />
empresas contratam distribuidores<br />
especializados, os quais permitem aos<br />
pequenos negócios um canal de escoamento<br />
importante. O click and collect é<br />
outra alternativa interessante e os Correios<br />
são uma boa opção. Mas outras lojas convenientes<br />
para o consumidor irão aderir<br />
a este sistema, dado que o levantamento<br />
da encomenda representa igualmente uma<br />
oportunidade de compra.<br />
Se a segurança das transacções e a eficiência<br />
na distribuição forem asseguradas,<br />
o comércio electrónico será um dos<br />
vencedores da pandemia. Os novos clientes<br />
trazidos pelas quarentenas não são<br />
sobretudo os completamente neófitos em<br />
matéria de compras on-line. Trata-se de<br />
consumidores que já tinham hábitos digitais,<br />
mas utilizavam as transacções electrónicas<br />
nas compras ligadas a software<br />
ou com carácter ocasional. A pandemia<br />
alargou bruscamente as categorias de<br />
produtos que estes consumidores, que já<br />
não eram alheios ao meio digital, passaram<br />
a comprar nas plataformas da rede.<br />
É muito possível que mantenham muitos<br />
dos hábitos adquiridos no pós-pandemia.<br />
Como também é provável que o comércio<br />
electrónico ganhe proximidade física<br />
do consumidor. A possibilidade de este<br />
poder levantar o produto onde e quando<br />
quer traduz essa proximidade. É que as<br />
vantagens de tirar partido da panóplia de<br />
meios electrónicos de que dispõe tornaram-se,<br />
com a limitação da mobilidade,<br />
evidentes para o consumidor. b<br />
OLHAR PARA A LOGÍSTICA<br />
Apesar do grande potencial do comércio electrónico é preciso que as empresas<br />
tenham uma logística bem estruturada. Para isso têm de olhar para a:<br />
CULTURA DA<br />
ORGANIZAÇÃO<br />
ORGANIZAÇÃO<br />
E GESTÃO<br />
DOS STOCKS<br />
O CLIENTE,<br />
O CENTRO<br />
DE TODO<br />
O PROCESSO<br />
DE VENDA<br />
junho <strong>2020</strong> | 71
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
CIBERSEGURANÇA<br />
NO CORAÇÃO<br />
DA INOVAÇÃO<br />
O relatório anual da consultora global EY sobre<br />
cibersegurança acentua que os riscos aumentaram<br />
e que este é o momento para colocar a segurança digital<br />
das empresas no centro da sua actividade de inovação<br />
e transformação<br />
Com que frequência a cibersegurança<br />
surge na agenda da administração?<br />
29%<br />
CIBERSEGURANÇA<br />
EM AGENDA<br />
10% 7%<br />
29%<br />
25%<br />
Anualmente<br />
Trimestralmente<br />
Ad-hoc (cadência incerta)<br />
Outras cadências<br />
Nunca<br />
Fonte: GISS <strong>2020</strong>/EY.<br />
N<br />
a edição deste ano do “Global<br />
Information Security<br />
Survey (GISS)”, da EY, a<br />
cibersegurança não apenas<br />
envolve riscos como tem de<br />
ser encarada na perspectiva da inovação<br />
e da mudança. A EY está convencida de<br />
que existe actualmente uma clara oportunidade<br />
de colocar a questão da cibersegurança<br />
no coração da actividade de<br />
inovação e transformação das empresas.<br />
Isto reclama a participação dos gestores<br />
de segurança da informação (CISO na<br />
sigla internacional), da administração, das<br />
equipas de gestão que operam a um nível<br />
superior. O objectivo é que a segurança<br />
cibernética constitua um valor-chave no<br />
processo de transformação digital e criar<br />
um clima de confiança e cooperação das<br />
equipas responsáveis pela segurança e as<br />
equipas que actuam nas organizações.<br />
As empresas que conseguirem este nível<br />
de colaboração entre os especialistas em<br />
segurança cibernética e a restante organização<br />
criam uma “oportunidade de<br />
ouro” para obter vantagens competitivas<br />
e diferenciação. Esta é a melhor resposta a<br />
um mercado que se apresenta disruptivo.<br />
Sérgio Martins, Associate Partner Cybersecurity<br />
Services da EY em Moçambique,<br />
assinala que “mais de duas décadas após<br />
a EY ter começado a reportar os esforços<br />
das organizações para proteger a sua<br />
segurança cibernética, a ameaça continua<br />
a aumentar e a transformar-se. Enfrentamos<br />
mais ataques do que nunca, e de<br />
uma gama mais ampla de produtos cada<br />
vez mais criativos de actores maléficos<br />
— em geral com motivações muito dife-<br />
72 | Exame Moçambique
entes”. A boa notícia, acrescenta Sérgio<br />
Martins, é que as empresas e os gestores<br />
mostram-se actualmente muito mais<br />
empenhados com a segurança informática<br />
das suas operações e com a garantia<br />
da privacidade.<br />
O documento da EY salienta que a criação<br />
de indicadores de desempenho e risco<br />
e a sua comunicação adequada é fundamental<br />
para que o nível de cibersegurança<br />
e o seu envolvimento no negócio possam<br />
ser acompanhados pelos órgãos de administração<br />
e gestão das empresas.<br />
Há todas as vantagens em integrar a<br />
cibersegurança no negócio como elemento<br />
competitivo e diferenciador, sublinha o<br />
estudo, pois não HACKERS: só os ataques aumentam,<br />
como a sua Uma natureza ameaça é preocupante.<br />
crescente<br />
Os activistas hackers à segurança que, na esteira de<br />
Julian Assange, da acedem digitalização aos media, confessam-se<br />
movidos das empresas por causas sociais e<br />
geram controvérsia na opinião pública.<br />
Repartem já praticamente a maior parte<br />
dos ataques efectuados com os cibercriminosos<br />
tradicionais. É também significativo<br />
que entre a autoria, voluntária ou<br />
involuntária, dos ataques, figure em terceiro<br />
lugar, no inquérito realizado pela<br />
EY, a fragilidade dos funcionários. Como<br />
diz Sérgio Martins, “temos de pensar<br />
o ciberespaço doutra forma, protegendo-<br />
-nos contra as campanhas desencadeadas<br />
por actores que pretendem atingir<br />
objectivos próprios — e isso requer um<br />
nível diferente de integração do negócio”.<br />
As soluções de cibersegurança devem<br />
marcar presença desde as primeiras fases<br />
do lançamento de novas iniciativas, concretizar-se<br />
naquilo que a EY designa uma<br />
cultura de “Security by Design”. Assim, e<br />
tendo em vista este objectivo, os directores<br />
de segurança informática devem estreitar<br />
o relacionamento com os seus colegas<br />
ao longo da organização, incluindo funções<br />
como o marketing, a investigação<br />
junho <strong>2020</strong> | 73
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
PASSOS<br />
CIBERSEGUROS<br />
1.Reconhecer<br />
que a cibersegurança<br />
é um valor essencial na<br />
transformação digital<br />
2.Estabelecer uma relação<br />
de confiança com<br />
as outras funções<br />
da organização<br />
3.Implementar<br />
as estruturas<br />
de governança adequadas<br />
Fonte: EY/GISS <strong>2020</strong>.<br />
e desenvolvimento e as vendas, assim<br />
como incrementar a colaboração com<br />
a administração e a direcção executiva.<br />
AINDA À DEFESA<br />
O estudo da EY mostra que a maioria (60%)<br />
das organizações ainda joga “à defesa” no<br />
que respeita à cibersegurança, procurando,<br />
quando há um reforço da atenção ou do<br />
orçamento dedicado ao assunto, acautelar,<br />
acima de tudo, o risco. Integrá-la<br />
no negócio logo nas primeiras etapas de<br />
novas iniciativas não constitui, pois, a<br />
principal preocupação. Embora a transformação<br />
digital surja no radar de 14%<br />
das organizações interpeladas pelo estudo,<br />
apenas 6% destas elegem as tecnologias<br />
emergentes como uma área prioritária.<br />
Um exemplo: apesar de serem correntes<br />
nos media as preocupações relacionadas<br />
com a exposição perigosa que a ligação<br />
PORQUE INVESTEM EM<br />
CIBERSEGURANÇA<br />
As iniciativas dirigidas ao risco preponderam<br />
nos novos investimentos em cibersegurança<br />
3% 3%<br />
9%<br />
9%<br />
29%<br />
Redução do risco (ameaças emergentes)<br />
Requisitos de conformidade<br />
Crise (intrusão)<br />
Novos negócios<br />
Redução de custos<br />
Outros<br />
Fonte: GISS <strong>2020</strong>/EY.<br />
CONFIANÇA NAS DEFESAS<br />
A maior parte dos administradores mostra<br />
"alguma" confiança nas medidas contra<br />
ciberataques<br />
4%<br />
20%<br />
30%<br />
Pouca confiança<br />
Alguma confiança<br />
Elevada confiança<br />
Extrema confiança<br />
Nada confiantes<br />
Fonte: GISS <strong>2020</strong>/EY.<br />
13%<br />
47%<br />
33%<br />
de diferentes dispositivos pode acarretar,<br />
somente 6% das iniciativas dirigidas<br />
à Internet das coisas contemplam novos<br />
gastos em cibersegurança. O relatório<br />
revela que estes se orientam muito mais<br />
para áreas de risco mais tradicionais,<br />
como assegurar a privacidade de dados,<br />
o objectivo no qual mais se investe, do<br />
que para tecnologias emergentes como<br />
a inteligência artificial (IA), robótica ou<br />
a adopção de blockchain. Cerca de 17%<br />
das organizações aplica 5%, ou menos,<br />
dos seus orçamentos de cibersegurança<br />
em novas iniciativas e 44% delas aplica<br />
menos de 15%. Além disso, a cibersegurança<br />
é vista como uma função que<br />
mantém a organização segura, mas não<br />
como um aliado essencial no processo<br />
de transformação. Se 29% dos inquiridos<br />
no estudo da EY associam a função<br />
à protecção da empresa, apenas 7% concordam<br />
que ela “permite a inovação com<br />
confiança”.<br />
Integrar a cibersegurança em novas iniciativas<br />
e tecnologias emergentes, introduzindo<br />
uma nova cultura na matéria, terá<br />
de ter em conta que as organizações continuam<br />
a confrontar-se com as ameaças<br />
tradicionais dirigidas às respectivas operações.<br />
“Enquanto 72% dos participantes<br />
no estudo afirmam ter detectado a intromissão<br />
mais significativa dos últimos doze<br />
meses no espaço de um mês, 28% dizem<br />
que o problema levou mais tempo a descobrir”,<br />
assinala o relatório. Os responsáveis<br />
pela cibersegurança terão obviamente<br />
como prioridade defender a organização,<br />
mas terão de adaptar-se, tornando<br />
esta função mais eficaz, e de assumir, de<br />
uma forma proactiva, a transformação<br />
da organização e a evolução do cenário<br />
de ameaças externas. O estudo considera<br />
que a cibersegurança, ao invés de ser percepcionada<br />
como um obstáculo à transformação<br />
e inovação, por estas mexerem<br />
com o nível de risco, pode trazer soluções<br />
viáveis a qualquer problema, funcionando<br />
como um parceiro em quem confiar. b<br />
74 | Exame Moçambique
NÚMEROS DO RELATÓRIO DA EY<br />
36% das organizações admitem<br />
envolver a cibersegurança nas<br />
novas iniciativas de negócios<br />
59% das organizações dizem<br />
que o relacionamento da<br />
cibersegurança nas novas áreas de<br />
negócio é, quanto muito, neutro<br />
20% das administrações<br />
mostram-se confiantes de que<br />
os riscos cibernéticos e as medidas<br />
de mitigação que lhes são dadas<br />
a conhecer protegem as suas<br />
organizações dos principais<br />
ciberataques<br />
7% das organizações consideram<br />
que a cibersegurança impulsiona<br />
a inovação<br />
60% das organizações não<br />
possuem um responsável pela<br />
cibersegurança que tenha lugar<br />
na administração ou ao nível<br />
da direcção<br />
86% das organizações revelam<br />
que novos investimentos em<br />
cibersegurança são justificados<br />
principalmente pela prevenção<br />
de crises ou adequação<br />
a conformidades<br />
59% das organizações<br />
experimentaram uma tentativa<br />
de intrusão ou uma intrusão<br />
concretizada nos últimos doze<br />
meses<br />
14% dos novos recursos afectos<br />
à cibersegurança são aplicados<br />
nos programas de transformação<br />
digital<br />
92% dos administradores estão<br />
envolvidos na direcção da<br />
cibersegurança cibernética,<br />
mas apenas 20% se mostram<br />
extremamente confiantes<br />
nas medidas de mitigação<br />
de ciberataques<br />
54% das organizações inscrevem<br />
regularmente a cibersegurança<br />
na agenda da administração<br />
25% das organizações mostram-<br />
-se capazes de quantificar do<br />
ponto de vista financeiro a eficácia<br />
dos seus gastos em cibersegurança<br />
Fonte: EY/GISS <strong>2020</strong>.<br />
junho <strong>2020</strong> | 75
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
MEIOS DIGITAIS VÃO<br />
SER OS PREFERIDOS<br />
Sérgio Gomes, Head of Retail, SME and Channels do FNB, tira ilações da crise e acentua<br />
a corrida ao digital. A pressão que as fintechs colocam à banca, considera, impulsiona<br />
soluções e canais digitais<br />
Acorrida ao digital está em<br />
curso e, para os bancos, o<br />
objectivo é corresponder ou<br />
mesmo exceder as expectativas<br />
dos clientes. Sérgio<br />
Gomes, Head of Retail, SME and Channels<br />
do FNB, nota que sectores económicos<br />
inteiros irão experimentar uma revolução.<br />
A crise global da COVID-19 poderá dar<br />
um grande impulso à digitalização da<br />
actividade económica?<br />
A crise originada pela COVID-19 tem certas<br />
particularidades que poderão acelerar<br />
o processo de digitalização da economia<br />
que já vinha adquirindo algum momentum<br />
durante a última década. Nos mais<br />
variados sectores económicos existem diferentes<br />
incentivos que estão a revelar-se fundamentais<br />
para uma corrida generalizada<br />
pela digitalização. Se, por um lado, sectores<br />
como o retalho e o comércio em geral, distribuição<br />
e serviços profissionais vinham<br />
já num acelerado processo de substituição<br />
de meios físicos por digitais, outros sectores<br />
há que ou se encontravam a meio do<br />
processo ou ainda a tentar reinventá-lo.<br />
São os sectores que se podem dar como<br />
mais penalizados. Uma crise económica<br />
ou financeira serve sempre de forte incentivo<br />
a que se operem pequenas ou grandes<br />
revoluções a nível de processos e modelos<br />
de negócio, e será muito interessante<br />
compreender como se vão reinventar as<br />
indústrias de hotelaria e turismo, restauração,<br />
transportes e entretenimento. Por um<br />
lado, poderão observar uma grande revolução<br />
e serem substituídas, numa base de<br />
progresso digital, que por exemplo poderá<br />
significar um maior consumo de take-<br />
-away ou uma maior propensão ao consumo<br />
de tecnologias que nos aproximem<br />
da realidade virtual em substituição do<br />
consumo de turismo. Por outro lado, podemos<br />
observar revoluções mais associadas<br />
ao processo, com uma progressão tecnológica<br />
que sustenta não a substituição das<br />
indústrias, mas o progresso interno, com<br />
alteração de processos e modelos de negócio.<br />
Um dos grandes exemplos da última<br />
década a este nível foi a chamada gig economy,<br />
com o aparecimento de Uber, Air-<br />
Bnb e outras plataformas que permitiram<br />
o fomento do trabalho em nome individual<br />
e de uma indústria de serviços alimentada<br />
por um modelo de negócio totalmente inovador<br />
e alavancado nas tecnologias digitais.<br />
Se associarmos o fenómeno da gig<br />
economy ao impulso de trabalho a partir<br />
de casa, um dos fenómenos muito interessantes<br />
que podem vir a ganhar dimensão<br />
tem a ver com o próprio mercado de trabalho<br />
e a forma como trabalhadores e empresas<br />
se vão relacionar, sendo cada vez mais<br />
comum a força de trabalho das empresas<br />
não estar concentrada num “escritório”<br />
mas distribuída pelo mundo e potencialmente<br />
com arranjos contratuais inovadores<br />
e muito mais associados a resultados e<br />
entregas específicas. Na essência, os agentes<br />
económicos vão sempre procurar maximizar<br />
o seu lucro, e sendo a redução de<br />
custos e o alcance de mercado derivadas<br />
fundamentais, o processo de digitalização<br />
estará no foco de todo o decisor. Observamos<br />
mais que nunca um passo fundamental<br />
para uma “4.ª revolução industrial” — a<br />
crise da COVID-19 funciona, sem dúvida,<br />
como catalisadora.<br />
As transacções digitais vão ganhar<br />
mercado àquelas ligadas a uma<br />
presença física?<br />
De Janeiro a Março de <strong>2020</strong> as aquisições<br />
em ambiente e-commerce a nível global<br />
aumentaram 1,5 biliões, um número<br />
extraordinário e muito associado ao facto<br />
de grande parte da população com acesso<br />
a estes meios estar confinada, mas também<br />
ao facto de muitos dos retalhistas<br />
já terem processos digitais e de entregas<br />
muito robustos.<br />
De acordo com a Forbes, retalhistas<br />
on-line americanos tiveram aumentos<br />
de 68% em receitas quando se compara<br />
o primeiro trimestre de <strong>2020</strong> com igual<br />
76 | Exame Moçambique
período de 2019, e 129% de aumento de<br />
pedidos. Interessante também o facto<br />
de 72% dos pedidos serem feitos através<br />
de apps móveis instaladas em smartphones<br />
e não através de computador. Isto leva-nos<br />
à crescente apetência do consumidor pelo<br />
consumo digital e por via digital, fomentando<br />
ainda mais o e-commerce. O crescimento<br />
da quota de mercado de transacções<br />
originadas por meios digitais não presenciais<br />
ganha assim uma dimensão crescente<br />
e considerável e será muito rapidamente o<br />
meio preferencial de aquisição de serviços<br />
e bens. Não só é um meio de crescimento<br />
seguro, como a sua conveniência e resiliência<br />
ficaram comprovados na recente<br />
crise da COVID-19. Rapidamente entraremos<br />
numa dinâmica de mercado em<br />
que os meios digitais de encomenda, pagamento<br />
e entrega não serão diferenciadores,<br />
mas sim a base dos negócios, sendo<br />
A CRISE DA COVID-19<br />
IMPULSIONA OS MEIOS<br />
DE PAGAMENTO DIGITAIS<br />
E REFORÇA O PAPEL<br />
DAS FINTECHS<br />
que a evolução irá alavancar-se mais na<br />
inteligência artificial e na capacidade de<br />
se anteciparem as necessidades do consumidor<br />
e atacar aquilo a que se chama o<br />
“ZMOT – Zero moment of truth”, ou seja,<br />
o momento-chave em que o cliente toma<br />
a decisão de consumo.<br />
A digitalização da banca vai acelerar?<br />
Os serviços financeiros em geral foram<br />
das primeiras indústrias a abraçar o processo<br />
de digitalização. Esta evolução para o<br />
mundo digital ocorreu a duas velocidades.<br />
As organizações dominantes do mundo<br />
financeiro tiveram uma progressão mais<br />
lenta, adaptando-se ao ritmo do seu desejo<br />
de investir e com menor orientação para o<br />
cliente. Já os bancos de menor dimensão<br />
ou as fintechs que começaram aos poucos<br />
a surgir no início do milénio (por exemplo<br />
o Paypal), tomaram a sua progressão<br />
digital como elemento diferenciador<br />
fundamental e como forma de poderem<br />
mais rapidamente penetrar o mercado e<br />
assegurar uma posição e balanço que sustentasse<br />
a sua operação. Quando a banca<br />
tradicional, e nomeadamente os bancos<br />
de maior dimensão, viram certas linhas<br />
de negócio a perderem força e a impactarem<br />
negativamente nos seus resultados, o<br />
instinto virou-se para duas opções: desafiar<br />
e tentar eliminar a fintech ou o banco<br />
challenger, ou então adquiri-los em mercado.<br />
Este tipo de estratégias era notoriamente<br />
claro, por exemplo, aquando do<br />
forte crescimento do M-Pesa da Safaricom,<br />
tendo a generalidade dos bancos do<br />
Quénia optado por tentar desafiar, criando<br />
as suas próprias e-wallets e serviços digitais.<br />
Isto resultou num dos maiores saltos<br />
no que respeita ao desenvolvimento de um<br />
mercado financeiro, beneficiando grandemente<br />
os clientes a nível de SLA (Service<br />
Level Agreement), qualidade do serviço,<br />
redução de custos e opções em mercado.<br />
Este fenómeno tem-se repetido ao longo<br />
do tempo, e embora a estratégia dominante<br />
SÉRGIO GOMES:<br />
A crise deu um<br />
grande impulso<br />
à digitalização<br />
venha sendo actualmente a da colaboração<br />
com fintechs, quer pela interoperabilidade<br />
como no caso do M-Pesa, quer pela contratação<br />
de serviços da fintech especializada<br />
em determinados segmentos ou áreas de<br />
actuação bancária, a pressão que as fintechs<br />
colocam aos bancos é um dos maiores<br />
impulsionadores do desenvolvimento<br />
das soluções digitais e dos canais digitais.<br />
A crise da COVID-19 apenas vem acentuar<br />
a necessidade do desenvolvimento de<br />
meios de pagamento digitais e reforçar o<br />
papel das fintechs. O e-commerce é sustentado<br />
por um pilar essencial de pagamentos<br />
instantâneos, sem complexidade e com<br />
baixo custo para os intervenientes, e as fintechs<br />
estão rapidamente a dominar esse<br />
espaço, encontrando-se inclusive protegidas<br />
por regulação, como é o caso recente da<br />
União Europeia com a directiva DSP2, que<br />
vem abrir possibilidades enormes a nível<br />
do acesso e integração de meios de pagamento.<br />
Vamos continuar a assistir igualmente<br />
à crescente inovação e diferenciação<br />
de produtos e serviços, com maior utilização<br />
de blockchain, novas modalidades de<br />
financiamento do retalho, desenvolvimento<br />
das carteiras virtuais e smart contracts. b
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
BANCOS DEVEM INOVAR<br />
AS PLATAFORMAS<br />
Para Sansão Monjane, Head of IT do FNB, os bancos precisam de manter o ritmo<br />
de mudança, inovando as plataformas e introduzindo novas ferramentas que criem<br />
diferenciação<br />
SANSÃO MONJANE:<br />
As empresas devem<br />
apetrechar-se<br />
das tecnologias<br />
e dos padrões<br />
de conformidade<br />
mais actualizados<br />
As marcas vão conferir renovada<br />
prioridade aos seus<br />
investimentos digitais e<br />
reconsiderar tanto o seu<br />
posicionamento como o dos<br />
seus produtos, antecipa Para Sansão Monjane,<br />
Head of IT do FNB, face às grandes<br />
alterações verificadas pelo comportamento<br />
dos consumidores durante a crise pandémica<br />
e à evidente aceleração da transformação<br />
digital.<br />
Que desafio comporta para os bancos<br />
contarem com mais clientes do<br />
comércio electrónico?<br />
Ao mesmo tempo que o mercado de comércio<br />
electrónico passa por uma transformação<br />
acelerada, os consumidores exigem<br />
serviços e experiências que sejam melhores<br />
e mais rápidos. Os bancos precisam de<br />
manter o ritmo de mudança e aumentar a<br />
oferta inovando as suas plataformas com<br />
novas ferramentas, como análises, melhores<br />
interfaces, melhores integrações para<br />
criar diferenciação, para corresponder ou<br />
mesmo exceder as expectativas dos clientes.<br />
Durante a pandemia, juntamente com<br />
o uso massivo de ferramentas digitais,<br />
assistimos a um aumento de ataques<br />
cibernéticos. Estes são uma ameaça ao<br />
comércio electrónico, aumentando o<br />
risco de fazer negócios?<br />
78 | Exame Moçambique
AS ORGANIZAÇÕES<br />
DEVEM SER VISTAS<br />
COMO UM LOCAL SEGURO<br />
PARA OS UTILIZADORES<br />
PARTILHAREM OS SEUS DADOS<br />
PESSOAIS E REALIZAREM<br />
TRANSACÇÕES<br />
A pandemia da COVID-19 está a trazer<br />
grandes mudanças no comportamento<br />
do consumidor, acelerando a transformação<br />
digital em direcção aos media sociais,<br />
e-learning e e-commerce, fazendo com que<br />
as marcas voltem a priorizar os investimentos<br />
digitais e reconsiderem quer o seu<br />
posicionamento quer o do produto. Estes<br />
canais estão a ganhar maior importância<br />
e, por outro lado, há quem procure obter<br />
vantagens com a sua exploração.<br />
Hoje, os ciberataques são uma das maiores<br />
ameaças ao mercado dos negócios digitais,<br />
não apenas pelo facto de poderem<br />
causar perda de receita, mas também por<br />
poderem prejudicar a reputação de qualquer<br />
instituição, fazendo com que não se<br />
sinta segura.<br />
Quais os ataques informáticos mais<br />
frequentes?<br />
São de três tipos os ataques cibernéticos<br />
mais comuns: a recusa de serviços (DoS),<br />
o “homem no meio” (MitM) e o phishing.<br />
Cada ataque variará de acordo com o objectivo.<br />
Por exemplo, o objectivo do DoS é<br />
colocar os sistemas de uma empresa off-<br />
-line e alguns dos ataques podem até não<br />
trazer benefícios financeiros directos ao<br />
atacante, a menos que sejam orquestrados<br />
por um concorrente comercial. Os outros<br />
tipos são mais frequentes, e o objectivo é<br />
adquirir informações úteis que permitam<br />
ao invasor roubar informações que possam<br />
trazer um benefício financeiro, assim como<br />
vendê-las a outras entidades nelas interessadas<br />
ou usá-las para realizar transacções<br />
em nome dos proprietários.<br />
TRANSFORMAÇÃO<br />
DIGITAL: A banca mantém<br />
o ritmo de mudança em<br />
direcção aos novos<br />
paradigmas<br />
A Moody´s e o israelita Team8 vão<br />
estabelecer um rating para a<br />
cibersegurança. Como é que as<br />
empresas se devem prevenir contra<br />
os ataques informáticos?<br />
As empresas devem apetrechar-se das tecnologias<br />
e dos padrões de conformidade<br />
mais actualizados de modo a garantirem<br />
que estão sempre um passo à frente da<br />
ameaça, sendo proactivas, testando os<br />
seus sistemas regularmente e compreendendo<br />
que são alvo de cibercriminosos.<br />
Ter a melhor tecnologia é apenas uma das<br />
condições para impedir que a organização<br />
seja alvo de ataques cibernéticos, as<br />
empresas também devem investir na formação<br />
de utilizadores e clientes em itens<br />
como ataques de phishing para ajudá-<br />
-los a criar uma linha de defesa contra<br />
a ameaça cibernética.<br />
Pode o nível de segurança digital de<br />
uma organização influenciar a<br />
percepção de clientes e outros<br />
stakeholders?<br />
Com o aumento diário dos utilizadores digitalizados<br />
e a existência de mais plataformas<br />
de comércio electrónico, as organizações<br />
devem ser vistas como um local seguro<br />
para os utilizadores partilharem os seus<br />
dados pessoais e realizarem transacções.<br />
Uma empresa que investe em segurança<br />
pode ganhar mais depressa a confiança<br />
do utilizador do que uma empresa que<br />
oferece mais produtos porque, quando se<br />
trata de questões financeiras, os clientes<br />
tendem a preocupar-se com a protecção da<br />
privacidade e a protecção de dados. Uma<br />
organização que investe nestes aspectos<br />
provavelmente será mais bem percepcionada<br />
pelo mercado e, consequentemente,<br />
terá uma maior participação.<br />
Emergem constantemente novos<br />
riscos informáticos. As apólices de<br />
seguro apresentam cobertura<br />
suficiente para estes riscos, é fácil<br />
mantê-las actualizadas?<br />
A área de segurança cibernética é uma<br />
roda giratória que nunca pára. A cada<br />
minuto as instituições são alvo de diferentes<br />
formas de ataque. Não envolvem<br />
apenas habilidades técnicas, mas também<br />
os outros factores que referi. As políticas<br />
devem ser claras e consistentes o suficiente<br />
para permitirem escalabilidade.<br />
Certamente não é uma tarefa fácil dada<br />
a dinâmica do mundo, mas os profissionais<br />
trabalham todos os dias para mantê-<br />
-la actualizada. b<br />
junho <strong>2020</strong> | 79
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
TÊNDENCIAS GLOBAIS<br />
A inovação na área digital irá beneficiar de milhões<br />
de dólares de apoio na Europa e nos Estados Unidos,<br />
onde se salienta na agenda para a recuperação<br />
da economia, travada a fundo pelo surto pandémico<br />
3,3 milhões de dólares<br />
é o valor destinado pela Agência Espacial do Reino Unido e pela Agência<br />
Espacial Europeia (ESA) para lançar novas iniciativas tecnológicas<br />
e novos serviços fornecidos pelas equipas da área do aeroespacial.<br />
As agências acreditam que os dados de satélite e a tecnologia de drones<br />
podem fornecer kits de teste, máscaras, batas e óculos de protecção.<br />
INCENTIVOS À INOVAÇÃO<br />
O Reino Unido lançou um programa no total de perto de 26 milhões<br />
de dólares segundo o qual cada empresa que aposte em inovação<br />
no combate à pandemia pode ver os seus custos cobertos a 100% até<br />
ao limite de 50 mil libras (mais de 63 mil dólares). O programa do<br />
governo britânico, “Innovate UK”, apela às empresas que desenvolvam<br />
“inovações que incentivem novas formas de trabalhar e garantam<br />
produtividade contínua em sectores-chave para o Reino Unido”.<br />
OPORTUNIDADES DA PANDEMIA<br />
O surto pandémico provocou a derrocada da economia mundial e<br />
aproximou o mundo on-line do mundo off-line. A inovação na área do<br />
digital vai dar um salto com as fantásticas somas que Estados Unidos<br />
e a União Europeia vão gastar na retoma da economia. Os Estados<br />
Unidos vão acrescentar aos 3 triliões de dólares gastos no combate aos<br />
efeitos do surto mais uns tantos milhões de milhões na recuperação<br />
económica. A União Europeia anunciou um programa de 750 mil milhões<br />
de euros, sendo a maior parte subsídios sem reflexo na dívida dos<br />
Estados-membros, e que inclui prioridades como a economia verde<br />
e a digitalização. Só a Alemanha afectou 500 mil milhões de euros<br />
ao seu esforço de recuperação, com uma parte do investimento a incidir<br />
nas áreas de inovação.<br />
ACREDITO SER<br />
POSSÍVEL QUE<br />
PESSOAS COMUNS<br />
OPTEM POR SER<br />
EXTRAORDINÁRIAS."<br />
Elon Musk<br />
fundador da Tesla<br />
e da SpaceX<br />
SÉRGIO MARTINS<br />
EY ASSOCIATE PARTNER CYBERSECURITY SERVICES<br />
A CIBERSEGURANÇA,<br />
ACTIVADOR-CHAVE<br />
De acordo com o “EY Global Information Security<br />
Survey” (GISS), apesar de mais de 60% dos<br />
inquiridos revelarem um crescimento generalizado<br />
de ciberataques, apenas um terço das organizações<br />
afirma que a função de cibersegurança<br />
é envolvida nas fases de planeamento de uma<br />
nova iniciativa de negócio. Não existindo uma<br />
cultura de cibersegurança desde a concepção<br />
das iniciativas (security by design), muitos riscos<br />
de segurança apenas são considerados nas<br />
fases finais das iniciativas digitais e acabam<br />
por ser implementadas soluções de cibersegurança<br />
como remendos próximos da data de lançamento.<br />
A cibersegurança, tradicionalmente,<br />
tem sido uma actividade dirigida à conformidade,<br />
executada recorrendo a abordagens de<br />
alinhamento com normas baseadas em controlos,<br />
ao invés de ser incorporada de raiz nas<br />
iniciativas suportadas por tecnologias. Este não<br />
é um modelo sustentável. Se alguma vez esperamos<br />
antecipar-nos à ameaça, teremos de nos<br />
focar na criação de uma cultura de security by<br />
design. Isto apenas pode ser concretizado se conseguirmos<br />
superar a separação que existe entre<br />
as funções de cibersegurança e a gestão e permitir<br />
que o Chief Information Security Officer<br />
(CISO) actue como consultor e facilitador em<br />
vez de ser um obstáculo estereotipado. É estabelecer<br />
relações de confiança transversalmente<br />
a todas as funções da organização, para que a<br />
cibersegurança seja instituída como um activador-chave<br />
de valor acrescentado.b<br />
80 | Exame Moçambique
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junho <strong>2020</strong> | 81
<strong>EXAME</strong> FINAL<br />
INCERTEZA<br />
Deixou de haver amanhã, a incerteza quanto<br />
à evolução da pandemia e ao relançamento<br />
das economias turva os palpites sobre o futuro<br />
imediato. As bolsas, ainda bem, estão optimistas<br />
LUÍS FARIA<br />
I<br />
ncerteza quase absoluta, é tudo com o que se pode contar nos<br />
dias que correm. Incerteza quanto à evolução da pandemia<br />
e incerteza em relação às explosões sociais que deflagram<br />
numa situação em que muitas economias foram destroçadas,<br />
acarretando a perda abrupta de rendimentos e a escalada<br />
sem precedentes do desemprego. E incerteza ainda face às tensões<br />
geopolíticas suscitadas pela crise, que colocam um ponto de<br />
interrogação sobre a distribuição do poder global que dela sairá.<br />
Depois de nascer na China e contaminar o resto da Ásia, a<br />
doença devastou Estados Unidos e Europa, abatendo-se agora<br />
pesadamente sobre a América Latina, mas deixa os países africanos<br />
em muito maus lençóis, ainda que o continente seja o mais<br />
poupado à crise sanitária, pelo menos por agora, muito devido<br />
às medidas tomadas pelos diferentes governos, as quais condicionam<br />
fortemente os orçamentos e agravam o endividamento.<br />
A crise económica atinge fortemente o comércio internacional e<br />
o preço das matérias-primas, principais produtos de exportação<br />
dos países africanos. Ninguém está a salvo da globalização. Para<br />
o bem e para o mal. E África joga, na competição geopolítica em<br />
que se tornou a pandemia, com poucos recursos de financiamento.<br />
De combate ao vírus e relançamento das economias.<br />
A ocidente, os governos e os bancos centrais não param de<br />
lançar milhões de milhões de dólares para acudir a empresas<br />
imobilizadas na sua actividade e nas suas vendas e compensar<br />
parcialmente a súbita perda de rendimentos de grande parte<br />
da população. A procura e a oferta afundaram-se em simultâneo,<br />
o que é inédito nos anais das grandes crises, com o impacto<br />
do vírus. Os custos económicos, financeiros, sociais e políticos<br />
do confinamento são brutais.<br />
Em África, as assustadoras previsões feitas pela Organização<br />
Mundial de Saúde em Fevereiro, pouco após o surgimento do<br />
primeiro caso no continente e que apontavam para a morte de<br />
83 mil a 190 mil pessoas em 47 países só no primeiro ano, felizmente<br />
não se concretizaram.<br />
Como do futuro imediato muito pouco se sabe, a situação<br />
dá para tudo, serve tanto o mais profundo pessimismo como o<br />
mais motivador optimismo. As bolsas, por exemplo, estão optimistas.<br />
Após a quebra estrondosa inicial retomaram a confiança<br />
e os índices das principais praças financeiras têm vindo a recuperar.<br />
A 8 de <strong>Junho</strong> o S&P 500 conseguia a maior valorização de 50<br />
sessões em nove décadas. As previsões para este ano para a economia<br />
mundial são terríveis, mas os investidores não só se entusiasmam<br />
com os gigantescos apoios concedidos pelos governos,<br />
como ainda têm a expectativa de que mais estímulos aí virão.<br />
E antecipa-se, entretanto, que em 2021 o crescimento mundial<br />
será já positivo e que em 2022 alcançará mesmo um ritmo elevado.<br />
Todas as entidades partem de um cenário em que a pandemia<br />
vai desaparecendo, não deixando de acrescentar outros mais<br />
sombrios não vá a incerteza que domina o mundo tomar o pior<br />
caminho, ditado pelo recrudescimento da epidemia e implicando<br />
novas medidas de confinamento.<br />
O maior obstáculo à recuperação das economias é a desconfiança<br />
gerada pela incerteza. Nos Estados Unidos e na Europa<br />
assistiu-se a uma perda severa de rendimentos, com uma parte<br />
da sociedade a engrossar a fila para conseguir alimentos. Os consumidores<br />
mostram-se desconfiados e receosos. Enquanto não se<br />
dissipar a ameaça de contágio persistirá o espectro do medo e o<br />
clima não mudará. Também é difícil, do lado da oferta, restabelecer<br />
as cadeias de valor e lidar com trabalhadores intranquilos e<br />
medidas sanitárias que trazem custos acrescidos num contexto em<br />
que a capacidade produtiva não é quase sempre completamente<br />
aproveitada. Tudo continua a depender da celeridade com que será<br />
resolvida a crise de saúde pública. A confiança só reanimará —<br />
e sem confiança não há consumo, não há economia — quando a<br />
questão sanitária for resolvida. Mas não desanimemos, até pode<br />
acontecer que o vírus, uma variável invisível e determinante que<br />
escapa a todo o controlo, perca força e desanime...<br />
Estímulos não faltam a ocidente e a economia da China, com<br />
o surto aparentemente controlado, ainda deve conseguir registar<br />
um valor positivo este ano, embora as autoridades chinesas<br />
tenham desistido de revelar qualquer estimativa. Se a pandemia,<br />
com tudo o que ela convoca no comportamento das pessoas, desaparecer,<br />
ou seja, se a incerteza se desfizer, não faltarão recursos<br />
para relançar a economia a norte. Só que a globalização não se<br />
extinguiu e será inviável contar apenas com metade do planeta<br />
para a retoma.b<br />
D.R.<br />
82 | Exame Moçambique