13.06.2020 Views

EXAME Junho 2020

Numa altura em que o mundo se confronta com uma das maiores crises globais, o regresso do futebol pode trazer alegrias (e amarguras) a milhões de adeptos. Mas os custos da paragem podem ser demasiados altos em alguns campeonatos, incluindo o moçambicano. Fomos ver o que representam. O dossier de commodities, aborda o impacto da queda dos preços na economia moçambicana, também reflectido no orçamento (que analisamos nesta edição). Este foi o tema de um webinar que apoiámos, promovido pela Delegação da União Europeia, em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a Eurocam, disponível em www.eumoztalks.com. No nosso especial "Inovação" abordamos o crescimento do comércio electrónico e a crescente importância da cibersegurança.

Numa altura em que o mundo se confronta com uma das maiores crises globais, o regresso do futebol pode trazer alegrias (e amarguras) a milhões de adeptos. Mas os custos da paragem podem ser demasiados altos em alguns campeonatos, incluindo o moçambicano.
Fomos ver o que representam.
O dossier de commodities, aborda o impacto da queda dos preços na economia moçambicana, também reflectido no orçamento (que analisamos nesta edição). Este foi o tema de um webinar que apoiámos, promovido pela Delegação da União Europeia, em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a Eurocam, disponível em www.eumoztalks.com.
No nosso especial "Inovação" abordamos o crescimento do comércio electrónico e a crescente importância da cibersegurança.

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

COMMODITIES ● A crise devastou<br />

o preço das matérias-primas<br />

OE <strong>2020</strong> ● O cenário externo<br />

mudou com a COVID-19<br />

Nº 89 v <strong>Junho</strong> <strong>2020</strong> v 200Mt v 5 Edição Moçambique<br />

O RETORNO<br />

DO FUTEBOL<br />

O grande futebol está de regresso à TV, com estádios, por enquanto, vazios.<br />

Um símbolo da “nova normalidade” que tenta fintar a pandemia. Transferências<br />

milionárias não faltarão quando reabrir o mercado de jogadores.<br />

Os clubes, incluindo os moçambicanos, fazem contas à vida. Os da elite europeia<br />

são demasiado grandes para cair. Segue o espectáculo.<br />

INOVAÇÃO<br />

Comércio<br />

electrónico<br />

dispara


REVISTA MENSAL — ANO 7 — N O 89 — JUNHO <strong>2020</strong><br />

TIRAGEM: 10 000 EXEMPLARES — CAPA: GETTY<br />

30<br />

SÓNIA MATSINHE:<br />

Novos e nutritivos<br />

paladares do pão<br />

NEGÓCIOS<br />

30 Empreendedora A marca O Paladar D’ Terra, de Sónia Matsinhe,<br />

faz pães nutritivos à base de farinha de trigo e tubérculos<br />

34 Finanças A procura de novas tecnologias financeiras, suscitada<br />

pela pandemia, abre uma oportunidade às fintechs<br />

ECONOMIA<br />

36 Dívida Moçambique quer Credit Suisse e VTB a pagarem pela<br />

reestruturação dos títulos soberanos, derivados da EMATUM<br />

40 Orçamento A pandemia piorou o cenário internacional<br />

de referência do OE <strong>2020</strong><br />

44 Crescimento O Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipa<br />

que estabilizará ao nível do último ano<br />

COMMODITIES<br />

50 Exportações Estão a cair devido à doença das commodities, cujo<br />

preço foi infectado pelo vírus pandémico<br />

D.R.<br />

40<br />

ADRIANO<br />

MALEIANE:<br />

O ministro<br />

da Economia<br />

e Finanças gere<br />

o OE sob o impacto<br />

da COVID-19<br />

56<br />

CARLOS ZACARIAS:<br />

O presidente do INP<br />

garante que os<br />

prazos do projecto<br />

do gás se mantêm<br />

EDILSON TOMÁS<br />

56 Gás A crise não irá comprometer o arranque da primeira produção<br />

e exploração de GNL do Projecto Coral Sul, garante Carlos Zacarias,<br />

presidente do INP<br />

60 Webinar A evolução do preço das commodities foi o tema do<br />

primeiro Webinar organizado pela União Europeia em parceria<br />

com o Ministério da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />

64 Caju A quebra do preço da amêndoa nos mercados internacionais<br />

foi ditada pela concorrência desleal e agravada pela pandemia<br />

ESPECIAL<br />

68 Comércio electrónico Aumentou muito as suas vendas com<br />

a pandemia<br />

68 Cibersegurança A segurança na rede deverá estar no centro<br />

da inovação empresarial<br />

76 Digitalização Para Sérgio Gomes, do FNB, a pressão que as<br />

fintechs colocam aos bancos impulsiona soluções e canais digitais<br />

78 Banca Precisa de manter o ritmo de mudança, inovando<br />

as plataformas e introduzindo novas ferramentas que criem<br />

diferenciação, diz Sansão Monjane, do FNB<br />

D.R.<br />

SECÇÕES<br />

Editorial 6<br />

Primeiro Lugar 8<br />

Grandes Números 12<br />

Oil&Gas 46<br />

Bazarketing 48<br />

Exame Final 82<br />

4 | Exame Moçambique


CAPA<br />

14 Regresso do futebol<br />

O grande espectáculo dos campeonatos milionários<br />

está de volta à televisão, ainda que emoldurado por<br />

bancadas vazias. A factura da pandemia é pesada, mas<br />

os clubes onde jogam os ídolos são grandes de mais<br />

para cair. Por cá, o vírus também atacou em força<br />

o Moçambola<br />

GETTY


CARTADODIRECTOR<br />

IRIS DE BRITO<br />

DIRECTORA<br />

E A BOLA VOLTA<br />

A ROLAR<br />

O<br />

“desporto rei” sai do confinamento mas<br />

ainda em distanciamento social. Não<br />

podemos ficar indiferentes às bancadas<br />

vazias ou à ausência dos gritos das multidões<br />

ao rubro. Vinte e dois jogadores em campo.<br />

Os estádios vazios. É a “nova normalidade” que<br />

nos foi imposta por um inimigo silencioso,<br />

que a todos tenta intimidar, e que conseguiu<br />

o impensável: parar o futebol mundial. Como PARA MUITAS<br />

diria o jornalista e locutor desportivo português,<br />

Jorge Perestrelo (1948-2005): “O que é<br />

MULHERES<br />

PODERÃO<br />

isso, minha nossa senhora?” Mas a nossa história<br />

é uma história de superação e de adaptação<br />

ao ambiente que nos rodeia. Utilizando as 90 MINUTOS<br />

SER OS SEUS<br />

palavras de Stephen Hawking, “inteligência é a<br />

DE PAZ E SOSSEGO<br />

capacidade de se adaptar à mudança”. Assim,<br />

face às circunstâncias, os relvados voltam a ser palco dos campeonatos<br />

nacionais da primeira divisão e a bola volta a rolar dentro das quatro linhas<br />

numa tentativa de minimizar as perdas financeiras, que são milionárias nos<br />

principais campeonatos europeus, e que colocam em causa a sustentabilidade<br />

dos clubes no campeonato nacional Moçambicano — o Moçambola.<br />

Contudo, jogadores e técnicos são sensíveis à ausência dos adeptos nas<br />

bancadas e da chama do calor humano que, tantas vezes, tem o poder de<br />

unir povos e nações em torno de uma emoção que só a magia da competição<br />

desportiva ao mais alto nível consegue emanar. Essa magia foi sentida<br />

em momentos icónicos como em Maio de 1995, quando um jogo de râguebi<br />

conseguiu unir a África do Sul, inspirada pelo espírito aglutinador de Nelson<br />

Mandela; ou em 2016, quando a lusofonia se uniu para sofrer por Portugal<br />

e celebrar a sua histórica vitória no Campeonato Europeu de Futebol.<br />

E porque atravessamos um momento peculiar e particularmente desafiante<br />

da nossa história recente, aproveitemos o regresso do futebol para relembrar<br />

momentos de perseverança, de brilho e, principalmente, de superação.<br />

Infelizmente, para muitas mulheres estes poderão ser os seus 90 minutos<br />

de paz e sossego. Isto porque, de acordo com dados da Organização Mundial<br />

de Saúde (OMS), na Europa, durante o período de confinamento, o<br />

número de casos de violência contra as mulheres registou um aumento de<br />

até 60%, em comparação com o mesmo período do ano passado. Perante<br />

este cenário, a FIFA associa-se à OMS. Em Moçambique, dez anos depois<br />

da aprovação da lei contra a violência doméstica, os 90 minutos poderão<br />

ser uma oportunidade para salvar uma vida. b<br />

Edifício Rovuma, Rua da Sé, n.º 114,<br />

Escritório 109<br />

MAPUTO, MOÇAMBIQUE<br />

geral@examemocambique.co.mz<br />

Directora: Iris de Brito<br />

Director Executivo: Luis Faria<br />

(luis.faria@luisfaria.com)<br />

Arte: Pedro Bénard<br />

Colaboradores Regulares:<br />

Valdo Mlhongo,<br />

Thiago Fonseca (crónica),<br />

Edilson Tomás (fotografia),<br />

Colaboraram nesta edição:<br />

André Pipa, Luís Fonseca, Ricardo David Lopes.<br />

Direitos Internacionais:<br />

<strong>EXAME</strong> Brasil (texto e imagens),<br />

AFP, Graphic News e IStockPhoto<br />

Coordenação Geral: Marta Cordeiro (projecto),<br />

Inês Reis (arte)<br />

Multimédia e Internet: Plot.<br />

www.examemocambique.co.mz<br />

PUBLICIDADE<br />

+258 843 107 660<br />

comercial@examemocambique.co.mz<br />

Comercial: Gerson dos Santos<br />

ASSINATURAS<br />

Moçambique: Nádia Pene, +258 845 757 478<br />

Portugal: Ana Rute Sousa, +351 213 804 010<br />

assinaturas@examemocambique.co.mz<br />

REDACÇÃO<br />

+ 258 21 322 183<br />

redaccao@examemocambique.co.mz<br />

Produção: Ana Miranda<br />

Número de registo: 09/GABINFO - DEC/2012<br />

Tiragem: 10 mil exemplares<br />

Distribuição:<br />

Moçambique: Flotsan, Bairro Patrice Lumumba,<br />

Rua “A” Casa 242, Matola<br />

Tel.: +258 84 492 2014; +258 82 301 3211.<br />

e-mail: mozadmin@africandistribution.net<br />

Portugal: VASP, MLP Quinta do Grajal, Venda Seca<br />

2739-511 Agualva Cacém Tel.: +351 214 337 000<br />

Impressão: Minerva Print<br />

Av. Mohamed Siad Barre, n.º 365<br />

Maputo<br />

A revista <strong>EXAME</strong> (Moçambique) é um<br />

licenciamento internacional da revista <strong>EXAME</strong><br />

(Brasil), propriedade da Editora Abril.<br />

Sociedade Moçambicana<br />

de Edições, Lda.<br />

Director-Geral<br />

Miguel Lemos<br />

Conselho de gerência<br />

Luís Penha e Costa<br />

Rui Borges<br />

António Domingues<br />

6 | Exame Moçambique


junho <strong>2020</strong> | 19


PRIMEIRO<br />

LUGAR<br />

MOÇAMBIQUE ESSENCIAL. PEQUENAS NOTÍCIAS SOBRE UM GRANDE PAÍS<br />

RECUO: No primeiro trimestre as trocas comerciais<br />

entre Moçambique e a China diminuíram 26% face a 2019<br />

D.R.<br />

COMÉRCIO<br />

MENOS TROCAS COM A CHINA<br />

Entre Janeiro e Março deste ano as trocas comerciais entre Moçambique<br />

e a China registaram uma quebra superior a 26% em comparação<br />

com o mesmo período do último ano, situando-se em<br />

476 milhões de dólares, de acordo com as estatísticas dos Serviços<br />

de Alfândega da China. Moçambique exportou para Pequim bens<br />

no valor de 157 milhões de dólares e importou mercadorias com um<br />

valor superior a 318 milhões de dólares. Se as compras de Moçambique<br />

à China aumentaram, em Março, uns expressivos 157,6% face<br />

a Fevereiro, as exportações moçambicanas para a segunda maior<br />

economia do mundo caíram mais de 27%. Em Março, as trocas entre<br />

os dois países superaram os 158 milhões de dólares.<br />

De Janeiro a Março de <strong>2020</strong>, as trocas comerciais entre a China<br />

e os Países de Língua Portuguesa foram de 31,968 mil milhões<br />

de dólares, o que representa um decréscimo homólogo de 5,13%.<br />

As importações da China dos Países de Língua Portuguesa foram<br />

de 23,227 mil milhões de dólares, um recuo, face ao mesmo período<br />

do ano anterior, de 5,15%, enquanto as exportações da China para<br />

os Países de Língua Portuguesa foram de 8,741 mil milhões de dólares,<br />

um decréscimo homólogo de 5,08%. No mês de Março as trocas<br />

comerciais foram de 10,593 mil milhões de dólares, aumentando<br />

20,36% face ao mês anterior. As importações da China dos Países<br />

de Língua Portuguesa foram de 7,503 mil milhões de dólares, um<br />

aumento de 0,71% face ao mês anterior, enquanto as exportações<br />

da China para os Países de Língua Portuguesa foram de 3,09 mil<br />

milhões, um aumento de 128,74% face ao mês anterior. Entre os<br />

países que falam português o principal parceiro comercial da China<br />

continua a ser, de longe, o Brasil, com as trocas entre os dois países<br />

a atingirem 24,7 mil milhões de dólares entre Janeiro e Março<br />

deste ano, decaindo ligeiramente face a igual período de 2019.<br />

Já Angola, o segundo maior parceiro da China no grupo de países,<br />

regista uma queda acentuada no valor do seu comércio com<br />

a potência asiática, superior a 16% no primeiro trimestre do ano.<br />

Portugal é o terceiro parceiro comercial da China entre os Países<br />

de Língua Portuguesa e Moçambique o quarto.<br />

8 | Exame Moçambique


O mundo enfrenta uma das batalhas mais críticas para a existência<br />

da Humanidade.<br />

Filipe Nyusi, Presidente da República.<br />

CONSÓRCIO<br />

PLATAFORMA DE GÁS NATURAL AVANÇA<br />

O consórcio Coral Floating Liquefied<br />

Natural Gas SA anunciou a conclusão<br />

da montagem do primeiro módulo do<br />

casco da plataforma que irá produzir<br />

gás natural no Norte do país.<br />

Num comunicado, citado pelo fórum<br />

para a cooperação económica e comercial<br />

entre a China e os Países de Língua<br />

Portuguesa, o consórcio refere que foi<br />

montado o módulo de geração de energia<br />

na plataforma Coral Sul FLNG, nos<br />

estaleiros da Samsung Heavy Industries,<br />

na Coreia do Sul. Segundo o jornal<br />

moçambicano Carta, o consórcio<br />

prevê que a produção de gás natural<br />

na área 4 da bacia do Rovuma, ao largo<br />

da província de Cabo Delgado, arranque<br />

em 2022.<br />

No comunicado, o consórcio garante<br />

que está a implementar um extenso<br />

plano para fornecer oportunidades de<br />

formação e emprego a jovens moçambicanos.<br />

O consórcio é liderado pela<br />

petrolífera italiana ENI SPA.<br />

SALA DE<br />

MERCADOS<br />

Abril<br />

67,46<br />

Abril<br />

1,94<br />

MOEDA<br />

(Meticais por USD)<br />

-2%<br />

GÁS NATURAL<br />

(USD/MMBtu)*<br />

-11%<br />

Maio<br />

68,80<br />

Maio<br />

1,73<br />

Abril<br />

13,78<br />

CRUDE<br />

(USD/barril)<br />

141%<br />

Maio<br />

33,25<br />

CARVÃO DE COQUE<br />

(USD/ton.)<br />

PORTOS<br />

COBRE E COBALTO DA RDC PASSA POR MOÇAMBIQUE<br />

A China Molybdenum Co está a enviar cobre e cobalto da República Democrática do<br />

Congo (RDC) para a China através de portos em Moçambique, avançou um porta-<br />

-voz da mineradora.<br />

De acordo com a Reuters, a China Moly, que opera a mina de Tenke Fungurume,<br />

na República Democrática do Congo, teve de mudar de planos logísticos após a<br />

África do Sul ter limitado os seus portos a bens essenciais. A empresa chinesa está<br />

a enviar cobre e cobalto através de vários pequenos portos em Moçambique, de Dar-<br />

-es-Salaam, na Tanzânia, e de Walvis Bay, na Namíbia, revelou a agência noticiosa.<br />

Segundo um comunicado enviado pela China Moly à Bolsa de Valores de Xangai, as<br />

vendas de hidróxido de cobalto, utilizado para produzir baterias para veículos eléctricos,<br />

atingiram no primeiro trimestre 5334 toneladas, mais 49,3% do que em igual<br />

período de 2019.<br />

D.R.<br />

Abril<br />

115,01<br />

Abril<br />

326,00<br />

Março<br />

1738,30<br />

MILHO<br />

(USD/Bushel)**<br />

D.R.<br />

-1%<br />

-2%<br />

OURO<br />

(USD/t oz)***<br />

+1%<br />

Maio<br />

114,01<br />

Maio<br />

318,00<br />

Abril<br />

1753,50<br />

COTAÇÕES A 22/04/<strong>2020</strong> E A 23/05/<strong>2020</strong><br />

* MMBtu = milhões de British Thermal Unit<br />

(medida da capacidade térmica)<br />

** 1 bushel de milho = 25,4 Kg<br />

*** t oz = onças troy = 31,21 g.<br />

FONTES: BM, Bloomberg, CME Group.<br />

junho <strong>2020</strong> | 9


PRIMEIRO LUGAR<br />

COVID-19<br />

AJUDA DA USAID SOBE<br />

PARA 7 MILHÕES<br />

A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento<br />

Internacional (USAID) já apoiou<br />

a resposta de Moçambique à COVID-19 com<br />

mais de 7 milhões de dólares, incluindo financiamento<br />

à formação de trabalhadores de<br />

saúde, revelou Kenneth Staley, líder do grupo<br />

de trabalho da USAID para a COVID-19, à Lusa.<br />

O valor mais do que duplica os 2,8 milhões<br />

de contributo que foram anunciados no início<br />

de Abril, afirmou Kenneth Staley, acrescentando<br />

que a agência está também a monitorizar<br />

o sistema de água e saneamento, como<br />

o controlo de infecções nas infra-estruturas<br />

de saúde em Moçambique. Kenneth Staley,<br />

também coordenador da resposta global à<br />

malária, acrescentou que a USAID continua a<br />

salvaguardar a prestação de serviços de tratamento<br />

à malária em Moçambique e em todo<br />

o continente, com uma adaptação no tratamento<br />

da febre, “tentando encontrar novas<br />

formas para tratar de maneira eficaz e segura<br />

nas condições actuais”. Segundo a informação<br />

divulgada pela Administração norte-americana<br />

a 3 de Abril, Moçambique receberia<br />

2,8 milhões de dólares de um envelope financeiro<br />

inicial de 274 milhões de dólares destinado<br />

a ajuda médica e humanitária no âmbito<br />

da luta contra a pandemia de COVID-19 em<br />

África. O valor reservado a Moçambique<br />

somava-se aos 3,8 mil milhões de dólares em<br />

ajuda médica e 6 mil milhões de dólares em<br />

apoio ao desenvolvimento gastos no país nas<br />

últimas duas décadas.<br />

USAID: Reforçou o apoio a Moçambique<br />

na resposta à pandemia<br />

D.R.<br />

VACINAS:<br />

A Gavi pretende reunir 7,4 mil milhões de dólares<br />

para imunizar 300 milhões de crianças<br />

SAÚDE<br />

FILIPE NYUSI REALÇA PAPEL<br />

DA ALIANÇA DAS VACINAS<br />

O Presidente Filipe Nyusi saudou o papel da Aliança das Vacinas, Gavi, na saúde<br />

infantil e no combate à cólera no país, durante uma cimeira global de angariação<br />

de fundos. “Em parceria com a Gavi, Moçambique conseguiu melhorar significativamente<br />

a saúde infantil”, afirmou durante uma intervenção por vídeo no evento,<br />

integralmente realizado de forma remota pela Internet. O Chefe de Estado reconheceu<br />

que a cimeira se realiza “numa altura em que o mundo enfrenta uma das<br />

batalhas mais críticas para a existência da Humanidade”, mas destacou a importância<br />

da imunização no país como “o melhor investimento para a saúde”.<br />

Nyusi recordou que Moçambique tem vindo a registar surtos de cólera desde<br />

1990, sobretudo no Norte do país, e em particular no ano passado, após as inundações<br />

provocadas pelo ciclone Idai. “Para responder aos surtos de cólera, temos<br />

implementado vacinações direccionadas e campanhas nas quais a Gavi e os seus<br />

parceiros têm prestado um papel vital que ajudou o país a parar a propagação<br />

da doença”, disse. Cerca de 1600 pessoas, sobretudo crianças, beneficiaram de<br />

uma campanha de emergência de vacina oral contra a cólera, em 2019, adiantou,<br />

mostrando-se “muito grato” pelo apoio na coordenação e monitorização do progresso<br />

dos surtos e no planeamento para a resposta. A Cimeira Global da Aliança<br />

das Vacinas (Gavi) pretende angariar 7,4 mil milhões de dólares para imunizar<br />

300 milhões de crianças em cinco anos e salvar entre 7 e 8 milhões de vidas.<br />

D.R.<br />

10 | Exame Moçambique


ELECTRICIDADE<br />

REDUÇÃO DE TARIFA CUSTA 15 MILHÕES<br />

A redução da tarifa para as famílias mais desfavorecidas e pequenas e médias<br />

empresas vai custar à Electricidade de Moçambique (EDM) 15 milhões de dólares.<br />

A EDM vai cortar 50% da tarifa de energia para as famílias vulneráveis e 10%<br />

para as pequenas e médias empresas afectadas pela pandemia de COVID-19, de<br />

acordo com o anúncio feito no Parlamento pelo ministro dos Recursos Minerais<br />

e Energia, Max Tonela. O porta-voz da EDM, Luis Amado, disse posteriormente,<br />

em conferência de imprensa, em Maputo, que a redução das tarifas vai beneficiar<br />

179 mil clientes e terá um impacto de 15 milhões de dólares nas receitas da empresa.<br />

Luís Amado adiantou que a empresa vai procurar junto do governo encontrar uma<br />

forma de compensação, uma vez que pode afectar a capacidade de a empresa<br />

cumprir o seu plano de investimento na expansão da rede eléctrica. Para este ano,<br />

a eléctrica pública projecta expandir o fornecimento de energia para 300 mil consumidores.<br />

A redução da tarifa de energia para as famílias mais desfavorecidas e<br />

para as micro, pequenas e médias empresas afectadas pela pandemia de COVID-19<br />

enquadra-se num conjunto de medidas de alívio económico e fiscal que o governo<br />

tem vindo a anunciar.<br />

PANDEMIA<br />

ONU APELA A APOIO<br />

DE 68 MILHÕES A MOÇAMBIQUE<br />

TARIFA: A sua redução para<br />

famílias desfavorecidas e PME<br />

decorre dos efeitos da pandemia<br />

As Nações Unidas lançaram um apelo aos parceiros internacionais para a angariação<br />

de 68 milhões de dólares destinados a um apoio urgente a Moçambique para<br />

o combate à COVID-19, anunciou a organização. O apelo urgente em resposta à<br />

COVID-19 concentra-se nas necessidades imediatas e críticas daqueles que já estão<br />

a enfrentar condições humanitárias severas”, referiu a ONU em comunicado. O plano<br />

foi apresentado no mesmo dia em que foi lançado outro apelo para apoio a deslocados<br />

pela violência armada em Cabo Delgado no valor em 35,5 milhões de dólares,<br />

totalizando 103,6 milhões de dólares de pedidos para Moçambique. “Convido<br />

a comunidade internacional a unir-se e a apoiar de maneira atempada e generosa<br />

o povo de Moçambique, respondendo a esses dois apelos”, sublinhou Myrta Kaulard,<br />

coordenadora residente das Nações Unidas em Moçambique.<br />

D.R.<br />

IMPACTO:<br />

Os custos de adaptação às alterações<br />

climáticas são muito elevados<br />

ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS<br />

ÁFRICA SUBSARIANA<br />

PRECISA DE<br />

500 MIL MILHÕES<br />

Os países da África Subsariana vão precisar<br />

de até 500 mil milhões de dólares nos próximos<br />

dez anos para se adaptarem às alterações<br />

climáticas e garantir a segurança alimentar.<br />

De acordo com um documento do Fundo<br />

Monetário Internacional (FMI), citado pela Lusa,<br />

sobre o impacto das alterações climáticas na<br />

região, o financiamento necessário equivale a<br />

cerca de 2% ou 3% da riqueza regional e seria<br />

bem mais produtivo do que a ajuda externa<br />

para combater os efeitos. No capítulo das Perspectivas<br />

Económicas Regionais dedicado às<br />

alterações climáticas, o FMI diz que as necessidades<br />

de financiamento centram-se entre os<br />

30 a 50 mil milhões de dólares, por ano, mas<br />

enfrentam dificuldades orçamentais por parte<br />

dos governos. Num artigo publicado no blogue<br />

oficial do FMI, que acompanha a divulgação<br />

do capítulo, os economistas Pritha Mitra<br />

e Seung Mo Choi notam que a pandemia “é<br />

apenas a última catástrofe” a atingir a África<br />

Subsariana, aumentando para 240 milhões<br />

o número de pessoas com fome na região.<br />

As alterações climáticas e os desastres naturais<br />

matam pelo menos mil pessoas e deixam<br />

13 milhões vulneráveis a acidentes, perda de<br />

casa, insegurança alimentar ou sem água ou<br />

saneamento básico.<br />

D.R.


GRANDES<br />

NÚMEROS<br />

PARA SABER LER OS SINAIS DE UMA ECONOMIA EM MUDANÇA<br />

COVID-19<br />

QUEM PERDE E QUEM GANHA<br />

Mesmo numa catástrofe, há quem perca e quem ganhe. Quando se trata da espécie humana, o balanço chega sempre no final<br />

do dia. Será mais claro quando a pandemia passar. Entretanto, há economias, áreas de negócio e empresas vencedoras. Assim<br />

como perdedoras. Para já, a economia chinesa mostra-se mais resiliente e, no meio da recessão mundial, deverá encerrar o ano<br />

ainda a crescer, embora menos do que se estimava antes de a epidemia eclodir. Entre os países perdedores estão, também para já,<br />

os Estados Unidos e os que integram o bloco europeu. Para o tradicional "Ocidente" desenvolvido a factura é pesada. Foram os<br />

mais atingidos pela pandemia, com empresas a suspenderem a actividade ou a fecharem as portas e os números do desemprego<br />

a aumentarem como não há memória. Os apoios financeiros anunciados por estes países para amparar o abalo económico causado<br />

pelo surto é igualmente fabuloso.<br />

DESEMPREGO A OCIDENTE<br />

PIOR QUE A GRANDE DEPRESSÃO<br />

A taxa de desemprego nos Estados Unidos<br />

chegou a 14,7%, a maior desde os anos da<br />

Grande Depressão de 1929. Passaram a estar<br />

desempregados, desde meados de Março,<br />

36,5 milhões de pessoas<br />

DESEMPREGADOS NOS EUA<br />

(% DA FORÇA DE TRABALHO TOTAL)<br />

UE COM CONTAS POR FAZER<br />

Em Março, mês dos confinamentos na Europa, o<br />

desemprego ainda não explodiu e o Eurostat ainda<br />

não divulgou os números de Abril. Em Março, diz o<br />

instituto de estatística europeu, existiam 12,156 milhões<br />

de pessoas no desemprego na Zona Euro<br />

DESEMPREGO NA ZONA EURO<br />

(% DA FORÇA DE TRABALHO TOTAL)<br />

3,5% 3,6% 3,5% 4,4% 14,7% 7,3%<br />

7,4%<br />

DEZ<br />

JAN FEV MAR ABR FEV<br />

MAR<br />

12 | Exame Moçambique


Uma coisa que aprendemos com a crise da COVID-19 é o quão<br />

importante a Amazon se tornou para os nossos clientes.<br />

Jeff Bezos, CEO da Amazon.<br />

TRILIÕES<br />

PARA A CRISE<br />

Do lado dos sectores e das empresas é óbvio quem<br />

perdeu mais: as companhias aéreas e o turismo,<br />

incluindo nos países em que este sector tem forte<br />

influência no PIB e na restauração. Outros sectores<br />

também estão a passar um ano mau, como o segurador.<br />

Os triunfadores são óbvios: na área digital a<br />

pandemia antecipou um mercado que, sem a ameaça<br />

do vírus, poderia levar uma década a conquistar.<br />

Os exemplos mais brilhantes são empresas como<br />

a Amazon, a multiplicar transacções, a Google e a<br />

Apple, a procurarem liderar os sistemas de rastreio<br />

digital dos infectados, e a Zoom, a dar um salto gigantesco<br />

na capitalização bolsista com o seu sistema de<br />

videoconferência. Há ainda que contar com as farmacêuticas,<br />

que dispõem agora de enormes recursos<br />

financeiros para o desenvolvimento de tratamentos<br />

ou de uma vacina, reforçando ainda mais a força de<br />

uma indústria que já dava cartas.<br />

GANHADORES...<br />

25 mil milhões de dólares foi quanto acumulou<br />

o dono da Amazon, Jeff Bezos, desde o início<br />

da pandemia. A Amazon contratou mais 175 mil<br />

pessoas para os seus armazéns nos Estados Unidos<br />

para corresponder ao aumento da procura<br />

255% foi quanto aumentaram as vendas<br />

de desinfectante para as mãos em Fevereiro<br />

no Reino Unido; nos EUA aumentaram 70%<br />

42% foi quanto subiram as acções<br />

da farmacêutica norte-americana Moderna<br />

que testa uma vacina<br />

15% é o aumento do valor das acções<br />

da Netflix<br />

Já é difícil contabilizar os milhões de milhões<br />

de euros e dólares que os diferentes governos<br />

ou blocos económicos vão anunciando para<br />

combater os efeitos da crise<br />

5 000 000<br />

... E PERDEDORES<br />

APOIOS EUROPEUS E AMERICANOS<br />

(EM MILHÕES DE EUROS)<br />

500 000<br />

250 000 200 000<br />

345 000<br />

1 500 000<br />

Alemanha Itália Espanha França Comissão<br />

Europeia*<br />

* Em negociação<br />

EUA<br />

4,5 milhões de voos foram cancelados<br />

28 450 postos de trabalho foram perdidos<br />

na British Airways, Scandinavian Airlines (SAS),<br />

Icelandair, Ryanair, United Airlines e Virgin Atlantic<br />

203 mil milhões de dólares será, segundo<br />

a Lloyd's of London, o custo da pandemia para<br />

as seguradoras em <strong>2020</strong><br />

100 milhões de empregos serão perdidos<br />

no sector do turismo devido à COVID-19<br />

junho <strong>2020</strong> | 13


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

O ESPECTÁCULO<br />

VAI CONTINUAR<br />

As grandes ligas europeias, que centram a atenção do futebol mundial, regressam com<br />

a reabertura da sociedade nos diferentes países. Os campeonatos milionários também<br />

acumularam prejuízos milionários com a suspensão dos jogos, mas são demasiado grandes<br />

para cair. O futebol europeu reabre na televisão, mas com estádios sem adeptos<br />

ANDRÉ PIPA<br />

14 | Exame Moçambique


DE VOLTA:<br />

O futebol milionário<br />

regressa e fica até<br />

Agosto, para já em<br />

estádios sem<br />

adeptos<br />

AS GRANDES LIGAS EUROPEIAS<br />

SÃO DEMASIADO IMPORTANTES<br />

PARA SEREM CANCELADAS<br />

De entre as cinco ligas mais poderosas<br />

da Europa — as chamadas big five —,<br />

a Premier inglesa é um caso à parte.<br />

É a mais valiosa (gera um volume de<br />

negócios superior a 10 mil milhões de<br />

euros por época), a que atrai mais espectadores e a<br />

que chega a um maior número de países. A Premier<br />

tornou-se progressivamente um fenómeno televisivo<br />

global, como a americana NBA (basquetebol),<br />

e recolhe uma fatia importantíssima de receitas no<br />

exterior — 4,6 mil milhões de euros para o período<br />

de 2019-2022 —, sendo extremamente popular<br />

no imenso mercado asiático, onde clubes como<br />

Manchester United, Liverpool e Chelsea têm largos<br />

milhões de seguidores. Como se não bastasse<br />

a indiscutida (e invejada) hegemonia económica,<br />

a Premier conseguiu na época passada arrebatar à<br />

sua grande rival, a liga espanhola, a primazia desportiva<br />

nas competições continentais: pela primeira<br />

vez na história todas as finais europeias foram exclusivamente<br />

disputadas por clubes do mesmo país, a<br />

Inglaterra no caso — Liverpool-Tottenham na Liga<br />

dos Campeões; Chelsea-Arsenal na Liga Europa;<br />

Liverpool-Chelsea na Supertaça Europeia. Foi a<br />

afirmação de poderio que faltava a uma liga mais<br />

pujante e mediática que nunca.<br />

Naturalmente, os efeitos da pandemia sentem-<br />

-se na mesma proporção: em Inglaterra as perdas<br />

possíveis medem-se em 2,7 mil milhões caso a Premier<br />

não seja reatada, e 1,8 mil milhões mesmo que<br />

seja finalizada — o recomeço está marcado para<br />

17 de <strong>Junho</strong>. Números astronómicos que ajudam<br />

a explicar a decisão da UEFA de adiar o Europeu<br />

para que as ligas principais pudessem completar<br />

as jornadas em falta. É verdade que a COVID-19<br />

conseguiu imobilizar por completo a Premier, força<br />

centrifugadora capaz de atrair a nata dos futebolistas<br />

e treinadores mundiais; mas, ao contrário da<br />

liga francesa, holandesa e belga, que foram canceladas<br />

relativamente cedo pelos governos dos respectivos<br />

países sem escândalo de maior, a Premier,<br />

como certos bancos, é too big to fail.<br />

LA LIGA REABRE<br />

Demasiado importante para ser cancelada é também<br />

o que se pode dizer da espanhola La Liga, avaliada<br />

em 6,6 mil milhões de euros, onde se encontram<br />

GETTY<br />

junho <strong>2020</strong> | 15


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

os dois clubes que têm dominado o futebol europeu<br />

no século xxi, o Real Madrid e o Barcelona,<br />

e o outsider Atlético de Madrid, que entrou definitivamente<br />

na reduzida elite dos que compram e<br />

vendem acima dos 100 milhões. Para se ter uma<br />

ideia do poder do futebol espanhol, estes três clubes<br />

juntos gastaram nesta época um total de 801<br />

milhões de euros em reforços (Real: 303; Barcelona:<br />

255; Atlético: 243), um investimento capaz<br />

EM INGLATERRA AS PERDAS<br />

POSSÍVEIS SÃO DE 1,8 MIL MILHÕES<br />

CASO SE CONCLUA A PREMIER<br />

— O RECOMEÇO ESTÁ MARCADO<br />

PARA 17 DE JUNHO<br />

de obrigar qualquer regulador a pensar muito bem<br />

antes de se decidir pelo cancelamento do campeonato.<br />

Em desvantagem no campeonato (dois<br />

pontos atrás do arqui-rival Barcelona) e nos oitavos-de-final<br />

da Champions (perdeu em casa com o<br />

Manchester City por 1-2), o Real Madrid mostrou<br />

como a velha nobreza se comporta num momento<br />

ARHUS: O clube dinamarquês<br />

disponibiliza bilhetes virtuais<br />

COMO MANTER OS ADEPTOS “IN”?<br />

Os adeptos são sempre o que sustenta e dá vida e cor ao futebol,<br />

o maior aglutinador de massas de todos os desportos. A pandemia obrigou<br />

o futebol a pedir aos adeptos que se abstenham de ir aos estádios<br />

por motivos de saúde pública. O final desta temporada está a jogar-<br />

-se assim e vamos ver como será na próxima. Ver o gigantesco estádio<br />

do Borussia Dortmund (Westfalenstadion) completamente vazio<br />

no regresso da Bundesliga foi penoso para quem percebe a importância<br />

dos adeptos, das claques e dos ambientes por eles criados no<br />

desenrolar dos jogos. O único calor humano provinha de um sector<br />

do estádio onde as cadeiras estavam decoradas com fotografias dos<br />

sócios detentores dos lugares — uma ideia certamente replicada das<br />

fotografias de fiéis alinhadas nos bancos de certas igrejas espanholas<br />

e italianas, como se estivessem a “escutar” a prelecção do pároco de<br />

serviço. O mesmo acontece com a visão do imenso estádio da Luz despojado<br />

de gente em vez dos 50 mil adeptos habituais; ou o absurdo<br />

silêncio das bancadas de Anfield Road instantes antes do início do<br />

jogo, quando habitualmente os adeptos entoam a plenos pulmões a<br />

mais bela e sentida de todas as canções do futebol — o famoso “You’ll<br />

Never Walk Alone”. Mas há quem esteja a fazer tudo para não perder o<br />

contacto e a fidelidade dos adeptos. Da Dinamarca vieram duas ideias<br />

admiráveis destinadas a “trazer” os adeptos de volta ao futebol dentro<br />

das limitações actuais.<br />

O Aarhus fechou uma parceria com a plataforma de videoconferências<br />

Zoom e com o canal Discovery Network e disponibiliza bilhetes virtuais<br />

para os adeptos, em casa, poderem “seguir” os jogos no estádio, surgindo<br />

num dos 23 ecrãs gigantes com “lotação” de 575 pessoas (sendo<br />

um destinado aos adeptos adversários) que o clube instalou<br />

nas bancadas — ou bancasas?… — do Ceres Park &<br />

Arena, que tem capacidade para 20 mil lugares. Desta<br />

forma os jogadores podem ver as caras dos adeptos a<br />

apoiarem as equipas e a festejarem cada golo. Um bom<br />

exemplo de criatividade e golpe de asa a que podemos<br />

juntar a ideia doutro clube dinamarquês, o Midtjylland,<br />

que montou um drive-in para 10 mil adeptos assistirem<br />

aos jogos dentro das respectivas viaturas virados para<br />

os ecrãs gigantes dispostos na parte exterior da MCH<br />

Arena. Um expediente que começa a ser seguido um<br />

pouco por todo o lado e não só no futebol.<br />

Resta saber, quando se passar ao passo seguinte —<br />

permitir espectadores nos estádios em número limitado<br />

(um terço ou um quarto da lotação?) — como vai<br />

ser feita a escolha dos que podem preencher as novas<br />

cotas de assistência. E como se vão evitar ajuntamentos<br />

nos transportes para o estádio e nos acessos às bancadas?<br />

Questões que estão a ser atentamente estudadas<br />

com vista à próxima época.<br />

GETTY


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

de crise. O clube atravessou a pandemia<br />

com a serenidade e contenção que faltou<br />

ao rival catalão, mergulhado numa<br />

crise institucional que, provavelmente,<br />

levará à saída da actual direcção, envolvida<br />

numa série de trapalhadas difíceis<br />

de justificar.<br />

A urgência de recomeçar também se<br />

percebe na série A italiana, que não pára<br />

de crescer e ganhar adeptos à boleia do<br />

icónico Cristiano Ronaldo, de longe a<br />

maior referência do star system futebolístico<br />

mundial. Um dos países mais castigados<br />

pela pandemia — e também um<br />

dos que vai receber mais dinheiro da UE,<br />

cerca de 77 mil milhões de euros —, a<br />

Itália anseia pela normalidade do calcio<br />

os fins-de-semana. Aí o futebol é uma<br />

paixão transversal a todas as regiões e<br />

estratos sociais. Os clubes italianos investiram<br />

quase mil milhões em contratações<br />

nesta época, com a Juventus à cabeça<br />

(190 milhões), seguida pelo Inter (160 milhões),<br />

Roma (98 milhões) e Nápoles (90 milhões). E querem<br />

recuperar o investimento — neste aspecto,<br />

os clubes não são diferentes das outras empresas.<br />

A Alemanha lidou bem com a pandemia e, sem<br />

surpresa, a Bundesliga foi a primeira das grandes<br />

ligas a regressar. Não temos qualquer dúvida de<br />

que o exemplo de eficiência, pragmatismo e sensatez<br />

dado pelo futebol alemão a milhões de telespectadores<br />

europeus animou ingleses, espanhóis e<br />

italianos a concluírem os respectivos campeonatos.<br />

ONDA DE CHOQUE<br />

Em França, o anúncio do governo, no final de<br />

Abril, do cancelamento de todas as competições<br />

desportivas até Setembro causou uma onda de<br />

choque e esteve longe de recolher unanimidade<br />

mesmo numa altura (pico da pandemia) em que<br />

o sistema de saúde francês estava a dar sinais de<br />

colapso. O título foi atribuído ao Paris SG, que<br />

liderava o campeonato com uma vantagem expressiva<br />

de 12 pontos (e um jogo a menos) sobre o<br />

Olympique Marselha de André Villas Boas, que<br />

terminou no segundo lugar com entrada directa<br />

na próxima Champions. As perguntas do género<br />

“não nos teremos precipitado?” começaram a surgir<br />

na imprensa desportiva assim que os franceses<br />

perceberam que, ao contrário deles, outras<br />

ligas europeias não foram sujeitas a uma decisão<br />

tão drástica. Mesmo disponibilizando verbas<br />

significativas para ajudar os clubes a suportarem<br />

PARIS SG:<br />

Liderava o campeonato<br />

francês com uma<br />

vantagem expressiva<br />

e ficou com o título<br />

a paragem recorde (seis meses sem competição nem<br />

receitas), a federação e a liga francesas continuam<br />

a ser objecto de críticas e sê-lo-ão ainda mais se<br />

o Paris SG (apurado para os quartos-de-final da<br />

Champions) e o Olympique Lyon (em vantagem<br />

sobre a Juventus após a primeira mão dos oitavos-<br />

-de-final) acusarem em Agosto a lacuna de tantos<br />

meses sem competição.<br />

ATÉ AGOSTO<br />

As competições europeias prendem milhões à<br />

frente da televisão e são para concluir no mês de<br />

Agosto. A final da Liga Europa está marcada para<br />

o dia 18, em Gdansk, e a final da Champions para<br />

o dia 29, no estádio olímpico Atatürk, em Istambul,<br />

entre a Europa e a Ásia. Será o final possível<br />

de uma época atribulada, a que ficará para sempre<br />

associada à COVID-19.<br />

Acreditamos que nenhum especialista conseguirá<br />

alguma vez apurar o impacto total da pandemia<br />

no futebol. É uma avaliação impossível. Não<br />

foi apenas a interrupção prolongada das ligas de<br />

referência. A paralisação da Liga dos Campeões<br />

e da Liga Europa e o adiamento da fase final do<br />

Europeu trouxeram prejuízos colossais, difíceis de<br />

contabilizar por envolverem uma cadeia de serviços<br />

muito ampla e diversificada, como as viagens<br />

dos adeptos de uns países para os outros, as receitas<br />

da hotelaria e da restauração e os contratos de<br />

sponsorização e direitos televisivos que envolvem<br />

verbas superiores às das ligas mais poderosas. b<br />

18 | Exame Moçambique


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

COMO SOBREVIVEM<br />

OS NOSSOS CLUBES<br />

Com o Estado de Emergência em vigor, o campeonato nacional de futebol, Moçambola,<br />

não arrancou. Os clubes viram os seus patrocínios reduzidos para mais de metade devido<br />

aos impactos da COVID-19, colocando-os numa situação de crise financeira preocupante<br />

VALDO MLHONGO<br />

É<br />

um facto que em Moçambique o futebol<br />

está longe de ser uma actividade rentável,<br />

tal como ocorre na Europa e em alguns<br />

países africanos. Aliás, grande parte dos<br />

clubes do futebol da maior competição em<br />

Moçambique, vulgo Moçambola, depende quase a<br />

100% dos patrocínios concedidos pelas empresas<br />

para sobreviver. Ora, com a crise causada pela pandemia<br />

de COVID-19 e o seu impacto nas empresas,<br />

muitos desses clubes viram as suas receitas reduzidas,<br />

situação que os coloca numa situação crítica<br />

do ponto de vista financeiro. Jeremias da Costa,<br />

presidente do Clube de Desporto da Costa do Sol,<br />

um dos grandes do Moçambola e com o maior<br />

número de títulos conquistados ao longo da respectiva<br />

existência, fala da receita perdida devido<br />

ao impacto da COVID-19: “Muitos parceiros nossos<br />

que davam alguma contribuição retraíram-se<br />

devido às dificuldades das suas empresas”, refere o<br />

presidente do Clube de Desporto da Costa do Sol,<br />

sem avançar números. Jeremias da Costa adiantou<br />

à <strong>EXAME</strong> que, neste momento, o clube não consegue<br />

gerar receitas próprias. “Dependemos da boa<br />

vontade dos nossos parceiros”, assume o presidente<br />

do clube, que tem como maior parceiro a empresa<br />

pública Electricidade de Moçambique.<br />

Um outro “gigante” do Moçambola que passa<br />

pelas mesmas dificuldades é o clube Ferroviário<br />

de Maputo. A crise causada pela pandemia de<br />

COVID-19 forçou a uma redução de mais de metade<br />

do orçamento do clube em termos de patrocínios.<br />

“Vimos aquilo que é o nosso patrocínio, a partir do<br />

20 | Exame Moçambique


mês de Abril, reduzir-se a metade”, refere Teodomiro<br />

Ângelo, presidente do Ferroviário de Maputo.<br />

“E, consequentemente, tivemos de reduzir o salário<br />

dos nossos atletas e técnicos para metade. Podemos<br />

pagar apenas 7% do orçamentado neste momento.<br />

Quanto ao resto, vivemos dos patrocínios, que também<br />

foram afectados pela crise”, acrescenta. O cenário<br />

agrava-se ainda mais quando se trata de clubes<br />

sem patrocinadores. É o caso do clube Desportivo<br />

de Maputo, um dos históricos do país, que sobrevive<br />

com o pouco que ganha com o arrendamento<br />

das suas infra-estruturas. E, agora, com “o campeonato<br />

parado devido à pandemia não temos obtido<br />

nenhuma receita para o clube, e sentimos bastante<br />

isso”, diz Issofu Mahomed, vogal responsável pela<br />

infra-estrutura do Desportivo de Maputo. Mohamed<br />

acrescenta que o clube gastava mensalmente<br />

em salários cerca de 2 milhões de meticais, ou seja,<br />

anualmente são destinados à equipa sénior 24 milhões<br />

de meticais. Mas com a crise instalada a tesouraria<br />

SÉRGIO MANJATE<br />

GRANDE<br />

PARTE DOS<br />

CLUBES DO<br />

MOÇAMBOLA<br />

DEPENDE<br />

QUASE A<br />

100% DE<br />

PATROCÍNIOS<br />

MOÇAMBOLA:<br />

Os clubes<br />

debatem-se<br />

com o recuo<br />

dos patrocínios<br />

não chega para pagar a tempo os salários dos jogadores.<br />

“Com alguma coisa que ainda existia nos<br />

cofres pagámos 50% dos salários no mês passado.<br />

Este mês (<strong>Junho</strong>), estamos à espera de uma entrada<br />

para pagarmos os outros 50%”, refere, acrescentando<br />

que “os jogadores já estão informados sobre a situação<br />

actual do clube e entenderam”.<br />

Mesmo assim, apesar do cenário actual, o clube<br />

da Costa do Sol, que também é campeão nacional<br />

em título, é talvez dos poucos que ainda continua<br />

a pagar os salários a 100% aos seus atletas. “Felizmente<br />

ainda temos alguns parceiros que se mantêm<br />

embora numa perspectiva diferente, mas vão<br />

dando alguma contribuição que nos permite honrar<br />

os nossos compromissos”, explica.<br />

REALIDADE DIFÍCIL<br />

Em condições normais seriam necessários cerca de<br />

2 milhões de dólares para realizar o campeonato<br />

nacional de futebol, disse à <strong>EXAME</strong> Ananias Cuane,<br />

presidente da Liga Moçambicana de Futebol. “Neste<br />

momento o orçamento que foi aprovado para os<br />

14 clubes, tendo em conta a realidade do nosso campeonato,<br />

é de cerca de 90 milhões de meticais, dos<br />

quais já estão garantidos 62 milhões de meticais”,<br />

esclareceu o presidente da Liga Moçambicana de<br />

Futebol. “A nossa gestão foi sempre muito criteriosa<br />

para podermos, mesmo com défice orçamental, iniciar<br />

o campeonato e conseguirmos chegar ao fim”,<br />

acrescentou. Cuane diz que a crise económica que<br />

o país atravessou nos últimos anos e o problema da<br />

COVID-19 contribuíram para a redução do número<br />

de empresas que patrocinam o campeonato nacional.<br />

Actualmente apenas seis empresas estão a patrocinar<br />

a Liga. Faizal Sidat, presidente da Federação<br />

Moçambicana de Futebol, diz que com a crise causada<br />

pela pandemia muita coisa mudou. “Isto tudo<br />

veio complicar o nosso calendário competitivo e as<br />

nossas finanças. Contávamos com alguma receita<br />

proveniente dos nossos parceiros e outra vinda da<br />

bilheteira, mas neste momento só temos despesas,<br />

não temos receitas. E alguns parceiros também<br />

se retraíram”, adianta o presidente da Federação<br />

Moçambicana de Futebol, sem apontar números.<br />

A situação real dos clubes de futebol sénior é preocupante.<br />

Sem patrocínios os clubes não conseguem<br />

produzir receitas capazes de cobrir os custos das<br />

suas actividades. É quase certo que sem apoio das<br />

empresas nenhum clube sobreviveria. “Esta crise<br />

trouxe grandes problemas aos clubes do Moçambola”,<br />

diz Sidat.<br />

Uma situação difícil a actual, mas que os clubes<br />

estão decididos a suplantar.b<br />

junho <strong>2020</strong> | 21


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

NO FIO DA NAVALHA<br />

Em Portugal, a paragem da Primeira Liga originou um prejuízo na ordem dos<br />

150 milhões euros a um futebol cada vez menos competitivo e que poderá aproveitar<br />

a crise para se reinventar<br />

ANDRÉ PIPA<br />

O FUTEBOL<br />

PORTUGUÊS<br />

TEM DE MUDAR<br />

DE VIDA PARA<br />

SER<br />

COMPETITIVO<br />

NO CONTEXTO<br />

EUROPEU<br />

Apandemia pode ter mudado a face do<br />

futebol profissional português para<br />

sempre? Apetece dizer: era desejável<br />

que sim, dado que ninguém de bom<br />

senso e com os pés assentes na terra<br />

pode defender a manutenção do modelo actual do<br />

futebol português, cada vez mais desligado da realidade<br />

do país, cada vez menos competitivo, cada vez<br />

mais periférico no contexto europeu. O presidente<br />

da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), Fernando<br />

Gomes, foi o primeiro a aproveitar a paragem forçada<br />

da competição e os danos imediatos causados<br />

à maioria dos clubes para lançar um vigoroso alerta<br />

em forma de carta aberta publicada em vários jornais<br />

portugueses. Esse texto pode ficar na história como a<br />

primeira pedra de um novo edifício que tantos desejam<br />

(ou dizem desejar) mas que ninguém parece ter<br />

vontade de construir. Disse Fernando Gomes, basicamente:<br />

meus senhores, o futebol português assim<br />

como está não é um produto viável, precisa de mudar<br />

de vida e de hábitos para ter alguma hipótese de continuar<br />

a ser competitivo no contexto europeu... e vendável<br />

no mercado exterior. Gomes sabia que a maior<br />

parte dos clubes já se encontrava no fio da navalha e<br />

entendeu ser esta uma oportunidade única de sensibilizar<br />

todos os agentes para a mudança que tem de<br />

ser feita. As ideias e pistas que sugeriu nesse documento<br />

apontavam expressa ou subliminarmente para<br />

a reformulação dos quadros competitivos (“temos<br />

de construir provas rentáveis, relevantes e viáveis;<br />

plantéis mais curtos; maior aposta nas equipas B e<br />

de sub-23”), redução do número de jogadores profissionais<br />

(“o futebol português, com a dimensão que o<br />

país tem, não tem condições para garantir cerca de<br />

dois mil empregos de qualidade”) e a alteração do<br />

modelo de negócio (mais igualdade na distribuição<br />

22 | Exame Moçambique


de receitas, aposta clara na venda dos direitos televisivos<br />

para outros países, grandes não podem depender<br />

tanto dos dinheiros da UEFA).<br />

Um discurso racional e sensato em tempos de<br />

angústia e incerteza que, sem surpresa, foi recebido<br />

com um coro geral de aprovação. Na verdade,<br />

Gomes apontou caminhos viáveis para a regeneração<br />

que realmente urge fazer no quadro competitivo (e<br />

comportamental...) do futebol português. A questão<br />

é que anda “toda” a gente a reconhecer isto há tantos,<br />

tantos anos..., mas mudanças... zero. Sempre adiadas<br />

por este ou aquele motivo. Basta ver o que aconteceu<br />

assim que se aproximou o reinício do campeonato.<br />

Os debates em vários fóruns sobre assuntos prementes<br />

levantados pelo presidente da FPF, como a redução<br />

de equipas na Primeira Liga (12 é um número<br />

frequentemente citado) e a distribuição mais equitativa<br />

dos direitos televisivos, deram progressivamente<br />

lugar às quezílias clubísticas, rivalidades doentias<br />

e discussões estéreis que infelizmente alimentam<br />

o futebol doméstico há bem mais de três décadas.<br />

Como se nem um acontecimento com a gravidade<br />

da pandemia fosse capaz de alterar a essência<br />

do futebol de clubes em Portugal (a selecção é outra<br />

conversa...) em que a esperteza, a capacidade de tecer<br />

alianças (ainda que de ocasião), o<br />

tráfico de influências, as trocas de<br />

favores e o jogo de cintura continuam<br />

a ter um papel preponderante<br />

na competição. Demasiado<br />

preponderante.<br />

A Primeira Liga voltou ao activo<br />

por uma razão muito simples:<br />

garantir a sobrevivência do futebol<br />

profissional de elite, embora<br />

neste lote se contem vários clubes<br />

“eternamente” endividados que<br />

não conseguem atrair, em média,<br />

mais do que 2 a 3 mil espectadores<br />

nos jogos caseiros. A Segunda<br />

Liga foi cancelada por uma questão<br />

igualmente muito simples:<br />

não gera receitas suficientes para<br />

justificar os gastos da “operação<br />

retoma”. Uma cenoura de milhão<br />

e meio disponibilizada pela Federação<br />

portuguesa e pela Liga de<br />

Clubes serviu para amenizar perdas<br />

e queixumes aos clubes do<br />

escalão secundário e demover os<br />

mais contestatários.<br />

O campeonato nos “novos”<br />

moldes difere muito do habitual.<br />

A PRIMEIRA<br />

LIGA VOLTOU<br />

AO ACTIVO<br />

PARA<br />

GARANTIR A<br />

SOBREVIVÊNCIA<br />

DO FUTEBOL<br />

PROFISSIONAL<br />

DE ELITE<br />

RICARDO QUARESMA: Tornou-se um dos símbolos<br />

da qualidade dos jogadores portugueses<br />

Parece mais uma experiência laboratorial do que<br />

uma competição de massas. Há estádios sem público<br />

e sem o calor dos adeptos, e a verdade desportiva<br />

fica em causa a partir do momento em que há equipas<br />

que não fazem um único jogo em casa. Mas não<br />

vale a pena torcer o nariz e apontar falhas e incongruências,<br />

que são algumas. Foi o modelo possível<br />

dentro das exigências da Direcção-Geral da Saúde<br />

portuguesa e atendendo à urgência de os clubes voltarem<br />

a competir para não perderem mais receitas<br />

— televisivas à cabeça. A alternativa seria bem pior:<br />

não se retomando a competição, é voz corrente que<br />

a maior parte dos clubes da Primeira Liga provavelmente<br />

entraria em falência antes do início da próxima<br />

época. Lembre-se: se em meados de Abril, ao<br />

fim de um mês de paragem, já todos se encontravam<br />

em situação periclitante (com excepção do Benfica<br />

ainda e muito por força do fabuloso encaixe com a<br />

venda de João Félix), imagine-se o que lhes aconteceria<br />

se o futebol só regressasse em meados de Agosto<br />

ou Setembro, como em França, na Holanda e na Bélgica.<br />

Nem é preciso fazer um desenho. Havia e continua<br />

a haver um certo risco na retoma, isso é inegável,<br />

mas os clubes portugueses não tinham outra saída.<br />

É a sua própria sobrevivência que está em causa e nem


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

vale a pena lembrar que os três maiores clubes portugueses<br />

— os únicos de verdadeira dimensão europeia<br />

— acumulam défices (mais de mil milhões os<br />

três juntos) que certamente não seriam vistos com<br />

tanta benevolência noutros sectores de actividade.<br />

BENFICA DESAFOGADO<br />

Entre os maiores clubes portugueses, o efeito da pandemia<br />

não se fez sentir da mesma forma. O Benfica<br />

foi o que resistiu melhor à crise por ser aquele que<br />

se encontra em situação financeira mais desafogada.<br />

A 7 de Março passado o Benfica apresentou um resultado<br />

líquido de 104,2 milhões de euros, no melhor<br />

desempenho da história da SAD. É verdade que o passivo<br />

aumentou quase 21 milhões de euros (cifrando-<br />

-se agora em 383,3 milhões), mas a divida líquida<br />

baixou para os 45,9 milhões de euros, o valor mais<br />

baixo dos últimos anos. A venda, há quase um ano,<br />

de João Félix por números estratosféricos (encaixe de<br />

108,2 milhões, descontadas as comissões, um negócio<br />

sensacional intermediado pelo agente Jorge Mendes)<br />

permitiu à direcção de Luís Filipe Vieira liquidar<br />

em plena pandemia um empréstimo obrigacionista<br />

de 50 milhões de euros, ficar com outros 50 milhões<br />

em caixa e manter intactos os salários da equipa de<br />

futebol, ou seja, sem os cortes (entre 30 e 40%) que<br />

os rivais Sporting e FC Porto impuseram nos respectivos<br />

plantéis.<br />

É claro que o Benfica respira muito melhor que os<br />

grandes rivais, mas o futuro próximo não se apresenta<br />

assim tão animador para os adeptos tendo em<br />

conta os sinais que têm sido sugeridos no discurso<br />

oficial e que apontam para um travão às contratações<br />

(lembre-se que o Benfica nesta temporada gastou<br />

57 milhões euros em três jogadores — tendo recuperado<br />

20 milhões com a venda de Raúl de Tomás) e,<br />

de um modo geral, uma tendência de contenção de<br />

despesas em todas as áreas. Que levará ao mais que<br />

previsível adiamento do “projecto europeu” — aquilo<br />

que tem sido o falhanço mais evidente no consulado<br />

de Luís Filipe Vieira. Isso mesmo reconheceram há<br />

cerca de um mês duas figuras importantes do “benfiquismo”,<br />

o campeão europeu António Simões, que<br />

disse o seguinte: “Este Benfica é indiscutivelmente<br />

curto, não tem qualidade para competir com os verdadeiros<br />

candidatos na Liga dos Campeões, não tem<br />

qualquer hipótese. É preciso trazer jogadores para<br />

jogar e não para serem comprados por dez e vendidos<br />

por vinte. Assim a promessa (de um Benfica<br />

europeu) não poderá ser realizada.” Já Rui Costa,<br />

em declarações à BTV por ocasião do 58.º aniversário<br />

do célebre 5-3 ao Real Madrid em Amesterdão,<br />

reconheceu que “o Benfica tem de recuperar rapi-<br />

O SPORTING<br />

DE FIGO E<br />

RONALDO<br />

APOSTA NUMA<br />

SÉRIE DE<br />

JOVENS<br />

TALENTOSOS,<br />

MAS AINDA<br />

SEM PROVAS<br />

DADAS<br />

NEYMAR:<br />

Messi quer vê-lo de<br />

novo em Barcelona<br />

TRANSFERÊNCIAS:<br />

A maior fonte de<br />

receitas do futebol<br />

português<br />

ERLING HAALAND:<br />

O goleador norueguês<br />

do Dortmund é a<br />

revelação da<br />

temporada e pode<br />

protagonizar uma<br />

transferência<br />

24 | Exame Moçambique


MERCADO EM BANHO-MARIA<br />

De que forma a pandemia pode afectar o mercado<br />

de transferências?<br />

Há um estudo interessante da consultora holandesa<br />

KPMG Sports que conclui que “os clubes<br />

mais penalizados pela crise pandémica serão,<br />

sem dúvida, aqueles cujos orçamentos estão<br />

mais dependentes da venda de jogadores”,<br />

uma vez que se espera uma forte retracção<br />

do mercado de transferências. É precisamente<br />

o caso português, um país tradicionalmente<br />

formador-exportador. O relatório da KPMG<br />

acrescenta que “o menor volume de entradas<br />

e saídas de jogadores sucederá por dois<br />

motivos essenciais: todos os clubes perderam<br />

receitas de bilheteira, comerciais e televisivas,<br />

além de que, com as economias dos<br />

países em crise, os adeptos emocionalmente<br />

abalados pela pandemia não irão ver com bons<br />

olhos que se paguem fortunas por jogadores”.<br />

Em Portugal, muito mais que as receitas televisivas,<br />

de bilheteira e de merchandising, as<br />

transferências são e sempre foram aquilo que<br />

verdadeiramente alimenta a incipiente indústria<br />

de futebol portuguesa — incipiente por o<br />

mercado não ter dimensão nem o produto ter<br />

qualidade suficiente para a exposição internacional.<br />

É através das vendas de jogadores que<br />

os clubes mais pequenos conseguem encaixes<br />

financeiros para pagarem despesas, elaborarem<br />

orçamentos mais ambiciosos e investirem<br />

em infra-estruturas e meios que lhe permitam<br />

crescer. Este é um ciclo eterno que permite<br />

o desenvolvimento do futebol. É através<br />

das transferências que os clubes com mais<br />

posses conseguem os melhores jogadores do<br />

mercado, continuando a ser mais competitivos<br />

que os outros. O dinheiro das transferências<br />

alimenta boa parte da máquina montada<br />

em torno do futebol, sobretudo quando os<br />

negócios são milionários. Veja-se como o<br />

Benfica não sentiu como os outros os efeitos<br />

económicos da pandemia por ter encaixado<br />

108 milhões de euros com a venda de um jogador<br />

— João Félix. Os consultores da KPMG<br />

antecipam ainda que muitas equipas, sobretudo<br />

as de menores recursos, “irão apostar<br />

mais nos jogadores da formação”. Outra das<br />

tendências previstas é a da “contratação de<br />

futebolistas em final de contrato”, o chamado<br />

custo zero, bem como a “troca de jogadores<br />

entre clubes”. Neste momento, “despachados”<br />

os promissores João Félix e Francisco<br />

Trincão (vendido pelo Braga ao Barcelona por<br />

30 milhões) e o consagrado Bruno Fernandes<br />

(o melhor jogador em Portugal nos últimos<br />

dois anos), não se vê ninguém com capacidade/estatuto<br />

suficiente para poder protagonizar<br />

uma transferência de largos milhões<br />

— sem esquecer que os jovens portugueses<br />

continuam no topo das preferências dos grandes<br />

clubes europeus. Se o mercado português<br />

se pode queixar dos efeitos pandemia na sua<br />

principal fonte de receitas, a venda de jogadores,<br />

em termos internacionais não faltam<br />

nomes prontos a entrar no mercado de fabulosas<br />

transacções. Há um conjunto de jogadores<br />

que, em condições normais, poderiam ser transferidos<br />

este Verão por somas astronómicas: o<br />

avançado argentino Lautaro Martinez (Inter);<br />

o jovem goleador norueguês Erling Haaland<br />

(Dortmund), sem dúvida alguma a maior revelação<br />

da temporada; a vedeta brasileira Neymar<br />

(Paris SG), que Messi deseja de novo em<br />

Barcelona; o médio francês Paul Pogba (Manchester<br />

United), alegadamente pretendido pela<br />

Juventus, Real Madrid e Paris SG, mas sempre<br />

envolto em polémicas mais ou menos estéreis;<br />

o magnífico avançado francês Kylian Mpapée<br />

(Paris SG), provavelmente o mais capacitado<br />

para suceder à dupla Ronaldo-Messi no trono<br />

do futebol mundial; o egípcio Mohamed Salah<br />

(Liverpool), um dos talentos mais “desequilibradores”<br />

da actualidade; e o senegalês Sadio<br />

Mane (Liverpool), a seta africana que conquistou<br />

a bancada mais efusiva do Mundo (o Kop<br />

de Anfield Road). Eles têm surgido dia após<br />

dia nos maiores diários desportivos europeus<br />

e vão continuar a alimentar folhetins, mas é<br />

bem possível que no final do Verão… a maioria<br />

não tenha mudado de camisola.<br />

junho <strong>2020</strong> | 25


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

damente a condição de grande clube de top europeu<br />

após três campanhas consecutivas falhadas na<br />

Liga dos Campeões”.<br />

Rui Costa tem razão. O Benfica sempre foi grande<br />

na Europa até à perda progressiva de competitividade<br />

ocorrida a partir de meados dos anos 90 e que Jorge<br />

Jesus maquilhou com duas finais seguidas na Liga<br />

Europa (2013, 2014) após uma presença nos quartos-de-final<br />

da Champions (2012). Mas a promessa<br />

de recuperação foi sol de pouca dura: a verdade é<br />

que o Benfica mais poderoso dos últimos anos não<br />

consegue, por norma, passar da fase de grupos da<br />

Champions. Ao fim de tantos anos na presidência,<br />

Luís Filipe Vieira parece ainda não ter percebido que<br />

enquanto estiver confinado a uma dimensão unicamente<br />

doméstica o Benfica não conseguirá ser visto<br />

pelos agentes dominantes do jogo como um produto<br />

apetecível, à imagem do peso-pesado que efectivamente<br />

foi há mais de cinquenta anos.<br />

Clube habitualmente vendedor, ou não fosse a vertente<br />

negocial o cunho mais marcante da gestão de<br />

Vieira nos últimos anos (grandes vendas e significativas<br />

mais-valias... em detrimento da ambição desportiva,<br />

acusam os rivais na corrida à presidência), o<br />

Benfica sabe que o mercado nos próximos tempos não<br />

será tão generoso e poderá demorar algum tempo a<br />

chegar aos valores que eram praticados antes da pandemia<br />

— se voltar a chegar. Como também sabe que<br />

os seus futebolistas mais cotados (Rúben Dias, Pizzi,<br />

Grimaldo, Rafa Silva, Gabriel...) perderam valor no<br />

rescaldo de mais uma campanha fracassada na Liga<br />

dos Campeões, a competição-montra onde se forjam<br />

os grandes negócios. A qualidade indiscutível (e<br />

os vinte golos) do avançado brasileiro Carlos Vinicius<br />

podem, no entanto, assegurar mais um grande<br />

negócio ao Benfica no defeso. É que os goleadores<br />

têm sempre mercado.<br />

O Benfica, como o FC Porto, só tem um objectivo<br />

verdadeiramente importante até ao dia 26 de Julho:<br />

ganhar o campeonato para garantir a entrada directa<br />

na próxima Champions e os 40 milhões correspondentes.<br />

A qualificação directa é importante porque a<br />

perda evidente de competitividade dos clubes nacionais<br />

na Europa tornou as pré-eliminatórias de acesso<br />

à Champions ainda mais arriscadas, como se viu na<br />

presente temporada com a surpreendente eliminação<br />

do FC Porto às mãos de um clube sem qualquer<br />

expressão europeia, o Krasnodar (Rússia). Se o Benfica<br />

for campeão, será o sexto título nos últimos sete<br />

anos, acentuando a primazia doméstica sobre o rival<br />

portista. É claro que se ganhar um campeonato que<br />

a certa altura parecia ganho e depois estava a caminho<br />

de ser perdido (na altura da interrupção), o presidente<br />

Luís Filipe Vieira avança para as eleições de<br />

Outubro numa posição mais confortável.<br />

FC PORTO ENDIVIDADO<br />

A eliminação com o Krasnodar e perda consequente<br />

de 40 milhões previstos no orçamento representou<br />

um golpe duríssimo para a tesouraria do FC Porto.<br />

Obrigado a realizar cerca de cem milhões de euros até<br />

ao Outono para não voltar a cair sob a alçada disciplinar<br />

da UEFA (além de ter de liquidar um empréstimo<br />

obrigacionista incumprido em plena pandemia),<br />

o FC Porto vive um dos momentos mais delicados da<br />

longa presidência (38 anos) de Pinto da Costa, que<br />

tem pela primeira vez, em muitos anos, oposição<br />

nas próximas eleições. Lembre-se que a SAD portista<br />

apresentou um resultado líquido consolidado<br />

negativo de 51,854 milhões de euros no primeiro<br />

semestre da época corrente, justificado no relatório<br />

pela não qualificação para a Champions. O passivo<br />

ascendeu a 444,526 milhões de euros, um aumento<br />

de 36,421 milhões relativamente ao exercício anterior.<br />

Ou seja, com as contas no vermelho, apesar de ter<br />

activos interessantes, o FC Porto é, dos três grandes<br />

clubes portugueses, aquele que mais precisa de ganhar<br />

o campeonato para garantir desde logo a injecção<br />

O BENFICA RESISTE<br />

FINANCEIRAMENTE POR FORÇA<br />

DO FABULOSO ENCAIXE COM<br />

A VENDA DE JOÃO FÉLIX<br />

de 40 milhões da presença na Champions. Mas não<br />

chega. Pelo segundo ano consecutivo o FCP sabe que<br />

tem de vender vários jogadores, o que, naturalmente,<br />

não deixará de ter reflexos na capacidade competitiva<br />

da equipa. Lembre-se que no Verão passado Sérgio<br />

Conceição viu sair quase meia equipa titular (Eder<br />

Militão, Felipe, Brahimi, Herrera, Oliver...), em dois<br />

casos sem retorno financeiro, coisa impensável no<br />

FCP de outros tempos.<br />

Na altura da interrupção, o FC Porto liderava o<br />

campeonato depois de ultrapassar sensacionalmente<br />

o Benfica. Mas, desde então, as notícias (e especulações)<br />

mais relevantes sobre o universo portista versam<br />

sobre a crise financeira e a necessidade de o clube<br />

vender para equilibrar as contas. Pelo que sem tem<br />

lido, o treinador Sérgio Conceição vai perder vários<br />

avançados no defeso — Tiquinho Soares, Moussa<br />

Marega e Zé Luis estarão de saída — e ainda os centrais<br />

Diogo Leite (Valência ou Sevilha?), Alex Telles<br />

(apalavrado com o PSG) e o extremo mexicano<br />

26 | Exame Moçambique


RECEITA:<br />

A ida de João<br />

Félix para o<br />

Atlético de Madrid<br />

deu ao Benfica<br />

fôlego financeiro<br />

para resistir à<br />

paragem<br />

Jesus Corona, “que meia Europa quer” e cujo preço a<br />

SAD portista já fixou em 30 milhões. Em face disto,<br />

os adeptos questionam que equipa terá Sérgio Conceição<br />

na próxima época, lembrando que o FCP tem<br />

vindo progressivamente a perder qualidade e competitividade<br />

a nível internacional. Os factos mostram<br />

que o FCP com Sérgio até tem sido mais competitivo<br />

que o próprio Benfica, já que luta até ao fim em todas<br />

as frentes — no campeonato e nas taças.<br />

Não é fácil prever quem ganhará o campeonato,<br />

mas sabe-se que o FC Porto chegou à liderança depois<br />

de anular a expressiva desvantagem (7 pontos) para o<br />

Benfica... e que tem vantagem no confronto directo<br />

com os encarnados (duas vitórias e um total de 5-2).<br />

Se for o FCP campeão, a leitura que se fará parece-<br />

-nos óbvia: ganhar um segundo campeonato em três<br />

anos numa conjuntura económica altamente desfavorável<br />

(sobretudo quando comparada com a do<br />

Benfica) será sempre uma proeza assinalável; e talvez<br />

represente para o hipertitulado presidente do<br />

clube, Pinto da Costa, uma das vitórias mais saborosas<br />

sobre o homólogo benfiquista — que, por sua<br />

vez, terá muitas dificuldades em explicar aos adeptos<br />

a perda de um segundo campeonato em três anos<br />

para um FCP endividado e empobrecido.<br />

SPORTING, FÉ NO TREINADOR<br />

A situação financeira do Sporting é preocupante,<br />

embora o seu presidente, Frederico Varandas, não se<br />

canse de sublinhar que “era bem pior” quando chegou<br />

à presidência do clube. Com um resultado negativo<br />

de 11,4 milhões (uma redução de 7,7 milhões relativamente<br />

ao exercício anterior) e o passivo a aumentar<br />

de 378 para 421 milhões (venda de Bruno Fernandes<br />

ainda não contabilizada), Varandas não tem tido a<br />

vida fácil. Contestado por uma franja significativa de<br />

adeptos e fragilizado por várias demissões na própria<br />

equipa directiva, jogou a própria sobrevivência<br />

na contratação do prometedor treinador Rúben<br />

Amorim, que passou pelo Braga com o brilho de um<br />

cometa. Amorim custou 10 milhões (a que já acrescem<br />

cerca 4 milhões por o clube ter falhado os primeiros<br />

pagamentos) e é nele que Varandas assenta o<br />

plano estratégico para os próximos dois anos. O plano<br />

prevê a qualificação para a Champions e o regresso<br />

em força à formação como pedra-de-toque do novo<br />

edifício futebolístico leonino. Tudo isto sem esquecer<br />

que o presidente que ora defende convictamente<br />

a capacidade de Rúben Amorim é o mesmo que, no<br />

espaço de um ano, deu guia de marcha a quatro treinadores:<br />

José Peseiro, Marcel Keizer, Leonel Pontes<br />

e Jorge Silas. Mas mesmo com essa incongruência, o<br />

futebol profissional do Sporting parece estar a trilhar<br />

caminhos mais lógicos e realistas depois de Bruno<br />

de Carvalho ter feito — e desperdiçado — o maior<br />

investimento de sempre na história do clube sem<br />

resultados assinaláveis no futebol. No ano corrente,<br />

que ficará para a história como o da pandemia, três<br />

presidentes chegaram à conclusão de que o treinador<br />

Rúben Amorim tem mesmo algo de especial: António<br />

Salvador. Luís Filipe Vieira. E Frederico Varandas,<br />

que se chegou à frente com uma verba jamais<br />

vista no futebol português.<br />

É possível que Rúben Amorim pertença a essa<br />

categoria de treinadores verdadeiramente especiais,<br />

habilitados a criar empatia e um sentimento<br />

de confiança generalizada entre os que o rodeiam<br />

junho <strong>2020</strong> | 27


CAPA FUTEBOL REGRESSA<br />

ARGUMENTOS PARA O EUROPEU<br />

Foi lógica e sensata a decisão da UEFA de adiar o Europeu<br />

de <strong>2020</strong>, dito “das cidades” (será disputado em 12 cidades de<br />

12 países: Bilbau, Dublin, Londres, Glasgow, Munique, Amesterdão,<br />

Copenhaga, Roma, Budapeste, Bucareste, Moscovo e<br />

Baku) para o Verão de 2021. O orçamento da FPF para esta<br />

época previa receitas “de participação das selecções em<br />

competições de 13,9 milhões de euros”, uma verba significativa<br />

cuja maior fatia provinha da participação no Europeu<br />

(9,25 milhões só de prémio de presença). Mas trata-se apenas<br />

do adiamento de uma receita garantida. Por outro lado,<br />

a pandemia permitiu a Portugal tornar-se o primeiro país<br />

campeão da Europa durante cinco anos e não os quatro da<br />

ordem. No aspecto desportivo, haverá vantagens e algumas<br />

desvantagens. Todos os jogadores terão mais um ano nas pernas<br />

o que, no caso do mais decisivo de todos (CR7, que terá<br />

36 anos), pode não ser bom, sem esquecer os acréscimos dos<br />

veteranos centrais Pepe (38) e José Fonte (37) e do médio<br />

João Moutinho (34). Por outro lado, o adiamento permite a<br />

outro jogador de top, o médio Bruno Fernandes, chegar ao<br />

próximo Europeu (cuja final está marcada para Londres) com<br />

um estatuto de superestrela que seria difícil ter este Verão,<br />

apesar da rapidez com que se impôs no Manchester United.<br />

Outro jogador de grande potencial a quem o adiamento<br />

pode beneficiar é João Félix (20 anos),<br />

cujo rendimento na época de estreia do Atlético<br />

de Madrid tem sido muito aquém do que se<br />

esperava. Um ano mais de experiência numa liga<br />

tão dura e competitiva como a espanhola poderá<br />

ajudá-lo a encontrar o seu espaço na selecção.<br />

HÁ UM CONJUNTO DE JOGADORES<br />

QUE, EM CONDIÇÕES NORMAIS,<br />

PODERIAM SER TRANSFERIDOS<br />

ESTE VERÃO POR SOMAS<br />

ASTRONÓMICAS<br />

e trabalham com ele. São esses os sinais que chegam<br />

de Alvalade, depois da curta, mas impressionante,<br />

estadia de Rúben em Braga, marcada pela conquista<br />

da Taça da Liga e por uma sequência extraordinária<br />

de cinco vitórias consecutivas sobre os três grandes.<br />

Aquilo que importa neste momento aos sportinguistas,<br />

mais do que a posição final no campeonato<br />

(atrás ou à frente do Braga), é saber como vai Rúben<br />

Amorim fazer o onze da próxima época, sabendo-<br />

-se que está disposto a apostar numa série de jovens<br />

talentosos mas ainda sem provas dadas no futebol<br />

de primeira linha. Citem-se Eduardo Quaresma,<br />

Gonçalo Inácio, Matheus Nunes, Joelson Fernandes,<br />

Tiago Tomás e o mais rodado Gonzalo Plata, entre<br />

os que têm sido mais falados. Eles representam o<br />

regresso lógico do clube à formação, um sector onde<br />

o Sporting produziu talentos de uma excepcionalidade<br />

nunca igualada na história do futebol português<br />

(Cristiano Ronaldo, Luís Figo e Paulo Futre, por<br />

exemplo). Varandas conta com Rúben para o início<br />

de uma nova vaga, mas os adeptos também sabem<br />

que o Sporting continua vendedor. Sendo certo, por<br />

outro lado, que nenhuma fornada de jovens talentos<br />

consegue crescer e evoluir sem estar amparada<br />

por um núcleo duro de jogadores experientes... e de<br />

qualidade. Foi o que aconteceu aos teenagers Ricardo<br />

Quaresma e Cristiano Ronaldo no Sporting de Lazlo<br />

Bolöni: estavam enquadrados por João Vieira Pinto,<br />

Mário Jardel, Paulo Bento, Pedro Barbosa e Sá Pinto,<br />

entre outros. Na noite de 28 de Abril de 2002, a bela<br />

Praça do Município em Lisboa encheu-se de adeptos<br />

sportinguistas que cantaram a plenos pulmões:<br />

“Só eu sei porque não fico em casa.” Comemoravam<br />

a última vitória dos leões no campeonato. É difícil,<br />

atentando na conjuntura actual, imaginar que o Sporting<br />

de Rúben Amorim consiga reunir meios que lhe<br />

permitam um novo título a breve prazo.b<br />

28 | Exame Moçambique


NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />

O PALADAR D’TERRA<br />

Era auxiliar da mãe no fabrico de bolos e salgados. Hoje, através da marca<br />

O Paladar D’Terra, Sónia Matsinhe faz pães nutritivos à base de farinha de trigo<br />

e tubérculos (mandioca e batata-doce) e quer ir longe<br />

VALDO MLHONGO<br />

Foi como ajudante no fabrico<br />

dos tradicionais bolos de aniversário<br />

e salgados que Sónia<br />

Matsinhe descobriu o caminho<br />

para o início de um novo<br />

negócio, nutritivo e saudável. “Tempos<br />

depois comecei a ter necessidade de querer<br />

fazer algo diferente, inovar na área gastronómica”,<br />

revela a empresária de pães<br />

nutritivos em conversa com a <strong>EXAME</strong>.<br />

O primeiro passo foi a pesquisa, precisamente<br />

em 2017. “Sim, comecei a pesquisar<br />

na Internet e observei que a tendência<br />

era mesmo para a alimentação saudável,<br />

ou seja, as pessoas começavam a adoptar<br />

um estilo de vida saudável”, refere a<br />

empreendedora de 40 anos. “Essas pesquisas<br />

levaram-me à descoberta de pães<br />

nutritivos. Daí, fui fazendo alguns cursos<br />

on-line para aprimorar o conhecimento”,<br />

explica a dona da marca O Paladar<br />

D’Terra. A pesquisa durou cerca de um<br />

ano, durante o qual concebeu um trajecto<br />

de crescimento para um novo modelo de<br />

negócio, o fabrico de pães nutritivos feitos<br />

à base de farinha de trigo e tubérculos<br />

(mandioca e batata-doce). Os primeiros<br />

clientes foram os colegas de trabalho.<br />

“Sabe, quando lhes falei do pão estranharam,<br />

mas muito rapidamente, depois de<br />

provarem, gostaram”, refere com um sorriso<br />

de satisfação. E hoje o cenário mudou.<br />

“São meus clientes”, conta, orgulhosa.<br />

No início a produção era dirigida a um<br />

TRATA-SE DE UM PÃO<br />

FORTIFICADO, NUTRITIVO,<br />

ENERGÉTICO, FONTE<br />

DE VITAMINAS E DE<br />

CARBOIDRATOS, QUE<br />

PROLONGA A SENSAÇÃO<br />

DE SACIEDADE<br />

número muito reduzido de clientes, mas,<br />

com o tempo, os pedidos foram aumentando<br />

e a carteira de clientes também se<br />

alargou. Actualmente trabalha com quase<br />

quatro dezenas de clientes, entre fixos e<br />

ocasionais. “Claro que ainda não estou<br />

satisfeita... são etapas de crescimento que<br />

devem ser seguidas”, refere a empresária,<br />

que tem como desafio atacar o mercado<br />

das pastelarias e lanchonetes.<br />

Os pães têm o formato de pão de forma e<br />

apresentam-se em três tamanhos: pequeno,<br />

médio e grande. “Até agora consigo arrecadar<br />

uma média mensal de 8 mil meticais,<br />

num investimento de 3 mil meticais.<br />

Isto é apenas o começo”, adianta, confiante.<br />

O fabrico segue o processo normal<br />

de produção do pão. “É como fazer o<br />

pão normal, apenas acrescento os tubérculos.<br />

Ah, também adiciono ovo e manteiga.<br />

Esse processo (produção) leva mais<br />

ou menos seis horas. Adquiro a matéria-<br />

-prima num dos mercados mais famosos<br />

da cidade de Maputo, Fajardo. “É lá que<br />

EDILSON TOMÁS<br />

30 | Exame Moçambique


SÓNIA<br />

MATSINHE<br />

IDADE: 40 ANOS<br />

NATURALIDADE:<br />

MAPUTO<br />

NOME DO NEGÓCIO:<br />

O PALADAR D’TERRA<br />

RAMO: ALIMENTOS<br />

SAUDÁVEIS<br />

NÚMERO DE<br />

TRABALHADORES: 2<br />

SÓNIA MATSINHE: Quer ser<br />

uma referência na produção<br />

de produtos saudáveis


NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />

NUTRITIVOS: Pães feitos<br />

à base de farinha de trigo<br />

e tubérculos<br />

FORMATO: Os pães oferecem-se<br />

no formato do tradicional pão de forma<br />

compro a mandioca e a batata-doce. Tenho<br />

fornecedores fixos, e o resto do material,<br />

como o inhame e a cenoura, arranjo com<br />

facilidade por aqui.”<br />

O INÍCIO DE TUDO<br />

A empreendedora reconhece que o início<br />

não foi fácil. “Houve descrença por parte<br />

da minha família mas, à medida que me<br />

fui aperfeiçoando, começaram a perceber<br />

que afinal era possível fazer coisas diferentes”<br />

com um produto tão comum como o<br />

pão “e fui, à medida que o tempo passava,<br />

conquistando a confiança deles”. Será este<br />

um pão diferenciado? “Sim, é fortificado,<br />

nutritivo, energético, fonte de vitaminas,<br />

fonte de carboidratos e prolonga a sensação<br />

de saciedade”, explica.<br />

A criatividade da Sónia Matsinhe na<br />

produção de produtos saudáveis não se<br />

fica pelo pão. Matsinhe é também especialista<br />

na produção de geleias feita à base<br />

de casca de fruta (manga, papaia, maracujá),<br />

bem como na produção de biscoitos<br />

feitos com cascas de banana e semente<br />

de papaia e de abacate, e ainda na produção<br />

de cálcio feito à base de casca de ovo.<br />

“Na verdade, reinvento receitas de acordo<br />

com as inspirações que vou tendo”, refere.<br />

“Não gosto de desperdício.” Os preços<br />

variam entre os 3 mil e os 5 mil meticais.<br />

EDILSON TOMÁS<br />

A empreendedora salienta que os seus<br />

produtos são feitos a pensar em pessoas<br />

com algum tipo de restrição alimentar.<br />

“Refiro-me a diabéticos e praticantes de<br />

exercício físico, entre outros”, esclarece.<br />

“Estou em processo de formalização do<br />

negócio e de mudança do nome”, revela.<br />

Actualmente usa o nome Pão Com Tubérculo<br />

como a marca do seu negócio, mas<br />

“vou já mudar para O Paladar D’Terra,<br />

é mais abrangente e dá ênfase aos produtos<br />

naturais”.<br />

E planos para o futuro? “Esses não faltam”,<br />

diz, sorrindo. “Quero ser uma referência<br />

nacional na produção de produtos<br />

saudáveis.” Até lá, o caminho a ser percorrido<br />

é longo. E há que, antes do mais,<br />

investir no marketing da marca a ser lançada.<br />

Uma realidade da qual a empreendedora<br />

está ciente. “Hoje, as plataformas<br />

digitais são um instrumento muito importante<br />

para qualquer negócio. É por isso que<br />

tenho estado a trabalhar na sua utilização<br />

para me dar a conhecer”, conclui. b<br />

32 | Exame Moçambique


maio <strong>2020</strong> | 33


NEGÓCIOS FINANÇAS<br />

FINTECHS:<br />

Irão ter uma<br />

comunidade<br />

com serviços<br />

partilhados<br />

no país<br />

OPORTUNIDADE<br />

DE OURO PARA<br />

AS FINTECHS<br />

MOÇAMBICANAS?<br />

Com o novo coronavírus aumenta a procura por novas<br />

tecnologias financeiras, abrindo oportunidades a empresas<br />

inovadoras. Mas como é que a tesouraria de uma startup<br />

que ainda mal tem mercado enfrenta um mundo<br />

em abrandamento e confinado? João Gaspar, presidente<br />

da Fintech.mz, fala dos dois lados da moeda<br />

O<br />

sector das fintechs em<br />

Moçambique não escapa<br />

às dificuldades provocadas<br />

pelo impacto da COVID-19,<br />

mas o momento que se vive<br />

é também “uma oportunidade de ouro” para<br />

estreitar a relação entre as startups financeiras<br />

digitais e a área da banca e seguros,<br />

defende João Gaspar, presidente da Fintech.<br />

mz, associação moçambicana do sector.<br />

É que o contexto de restrições e distanciamento<br />

social está a aumentar a procura e<br />

implementação de soluções tecnológicas<br />

à distância para pagamentos, transacções e<br />

troca de documentos, ou seja, tudo aquilo<br />

em que as empresas tecnológicas financeiras<br />

trabalham, todos os dias.<br />

Face ao novo contexto, a Fintech.mz lançou<br />

no início de Maio um inquérito às fintechs<br />

de modo a que cada qual possa indicar<br />

como pode contribuir para manter o mundo<br />

— em concreto, Moçambique — a funcionar,<br />

mesmo com as restrições impostas pela<br />

COVID-19. As respostas estão a ser processadas<br />

e, em breve, “vão ser disponibilizadas<br />

na Internet” num directório para consulta<br />

aberta. Os pagamentos em lojas sem contacto<br />

físico, canais de venda on-line ou<br />

34 | Exame Moçambique


transição de processos burocráticos para<br />

formato digital — evitando passear papéis<br />

por várias repartições — são exemplos que<br />

saltam logo à cabeça, exemplifica.<br />

Este directório pretende dar um empurrão<br />

para aproveitar a tal “oportunidade de<br />

ouro”, a par de contactos junto dos reguladores,<br />

“sensibilizando-os para a necessidade<br />

de abertura de novos serviços e legislação<br />

adequada” para dar suporte legal a serviços<br />

financeiros inovadores, por exemplo,<br />

para provedores de pagamentos em meticais,<br />

na Internet, entre outros.<br />

“Continuo a dizer que Moçambique é um<br />

mercado com bastantes oportunidades”, que<br />

já existiam antes da COVID-19, refere João<br />

Gaspar, tendo em conta que só um terço da<br />

população tem uma conta bancária e que<br />

são ainda menos os moçambicanos que<br />

subscrevem seguros. Mas além das oportunidades,<br />

os desafios de base também se<br />

mantêm e algumas dificuldades estão a ser<br />

amplificadas pela pandemia de COVID-19.<br />

“O maior impacto tem a ver com empresas<br />

que são startups e estão a ter alguns<br />

problemas de tesouraria.” Em causa estão<br />

empresas com pouco ou nenhum volume<br />

de negócios — algumas ainda estão a desenvolver<br />

produtos — e que estão impedidas<br />

de aceder ao mercado para terem receitas<br />

devido às restrições globais. E se algumas<br />

podem pensar em recorrer a mecanismos<br />

que vão sendo anunciados pelas autoridades<br />

e pela banca, a maioria pode ainda não ter<br />

estrutura para tal, alerta João Gaspar. “Há<br />

empresas que já tinham uma actividade<br />

económica que sustentava os seus custos,<br />

empresas com mais alguns anos de existência,<br />

equilibradas e que podem ter aqui uma<br />

quebra”, mas eventualmente com “capacidade<br />

para usar os mecanismos disponíveis”.<br />

“Agora, as empresas mais pequenas, que são<br />

a grande maioria, com projectos inovadores<br />

nestas áreas, têm um problema maior<br />

porque não têm histórico financeiro. Para<br />

obter crédito é mais complicado, além dos<br />

custos” que um empréstimo pode implicar.<br />

Assim, a Fintech.mz aposta em “sensibilizar<br />

alguns financiadores, doadores, organizações<br />

não-governamentais (ONG) que<br />

já estavam a trabalhar com estes projectos”<br />

para tentar encontrar um conceito mais<br />

próximo de “subsídios para apoio durantes<br />

estes meses” de restrições. “Pode ser<br />

a maneira de ajudar estas empresas mais<br />

pequenas e que estão a iniciar a actividade.”<br />

PLANOS PARA APOIAR<br />

AS FINTECHS<br />

A associação de fintechs de Moçambique<br />

está a planear acções para lá do período de<br />

restrições causadas pela COVID-19. Uma<br />

delas passa por criar uma casa para startups<br />

do sector e onde sejam disponibilizados serviços<br />

partilhados, com destaque para serviços<br />

jurídicos. A ideia segue um modelo que<br />

João Gaspar visitou em Março, em Portugal,<br />

a Fintech House, em Lisboa. Uma comunidade<br />

centrada nas fintechs, sem fins lucrativos,<br />

com o objectivo de ligar startups.<br />

Quem entra conta com o apoio de parceiros<br />

em quatro vértices: bancário, seguros,<br />

jurídico e consultoria. “É um modelo interessante”,<br />

sublinha João Gaspar. b<br />

* Serviço especial da Lusa para a <strong>EXAME</strong>.<br />

FINTECH.MZ: DAR VOZ A UM NOVO SECTOR<br />

A Fintech.mz — Associação das Fintechs<br />

de Moçambique foi lançada oficialmente<br />

em Fevereiro, em Maputo, como<br />

entidade que agrega empresas tecnológicas<br />

ligadas ao sector financeiro.<br />

JOÃO GASPAR: Moçambique é um<br />

mercado com bastantes oportunidades<br />

O país conta com 16 empresas que estão a<br />

começar a trabalhar na área, quatro numa<br />

plataforma de ensaios (denominada no<br />

meio pelo termo inglês sandbox) criada<br />

pelo Banco de Moçambique, outras em<br />

nichos de mercado ou sob regime piloto,<br />

“em busca de escala e impulso”, descreve<br />

João Gaspar. A venda de seguros<br />

através de plataformas móveis, a criação<br />

de sistemas de pagamento electrónico<br />

(gateways) que podem ser usados, por<br />

exemplo, por comércio on-line ou aplicações<br />

de transferências de dinheiro<br />

internacionais, são algumas das áreas<br />

que as fintechs moçambicanas estão a<br />

desenvolver.<br />

Num país onde só uma percentagem<br />

muito baixa da população tem conta bancária,<br />

estas empresas assumem especial<br />

importância, refere João Gaspar. “Não<br />

basta ter mais pessoas com contas bancárias,<br />

é preciso fazer com que utilizem<br />

os sistemas digitais de pagamento e aí,<br />

claramente, entramos na área da tecnologia,<br />

em conceitos novos e numa maneira<br />

nova de abordar o cliente”, descreve.<br />

APOIO DA FSD MOÇAMBIQUE<br />

A associação Financial Sector Deepening<br />

Moçambique (FSD Moçambique) é uma<br />

organização de promoção de inclusão<br />

financeira que tem impulsionado a criação<br />

de fintechs no país. A FSD apoiou a<br />

criação da associação, que “faz parte do<br />

ecossistema das fintechs com um papel<br />

muito importante para a inclusão financeira”,<br />

refere Esselina Macome, directora-executiva<br />

do FSD. Juntas, como<br />

um grupo, as fintechs “poderão fazer-se<br />

ouvir e mostrar melhor a sua relevância”,<br />

acrescentou, apontando como exemplo<br />

de sucesso deste sector o crescimento<br />

das carteiras móveis — contas bancárias<br />

baseadas no número de telemóvel.<br />

junho <strong>2020</strong> | 35


ECONOMIA DÍVIDA<br />

DÍVIDAS OCULTAS:<br />

MOÇAMBIQUE CONTRA<br />

CREDIT SUISSE<br />

Depois de Nova Iorque, Londres é o novo palco das decisões sobre as dívidas ocultas.<br />

Bancos dizem que foi tudo legal, mas Moçambique usa as investigações para alegar<br />

que foi vítima. Quer Credit Suisse e VTB a pagarem pela reestruturação dos títulos<br />

soberanos, derivados da EMATUM<br />

LUÍS FONSECA*<br />

36 | Exame Moçambique


CREDIT SUISSE:<br />

Para a PGR o país não é<br />

responsável pelas garantias<br />

soberanas assinadas pelo<br />

antigo Ministro das Finanças,<br />

Manuel Chang<br />

A TRANSPARÊNCIA<br />

FOI SUBSTITUÍDA<br />

POR UM “ABOMINÁVEL<br />

SECRETISMO EM<br />

TODAS AS OPERAÇÕES<br />

FINANCEIRAS DAS<br />

EMPRESAS AQUI<br />

IMPLICADAS” —<br />

ACÓRDÃO DO CONSELHO<br />

CONSTITUCIONAL<br />

Cerca de um ano depois da<br />

primeira decisão, chegou a<br />

segunda: o Conselho Constitucional<br />

(CC) de Moçambique<br />

considerou nulos todos os<br />

actos relativos aos empréstimos contraídos<br />

pelo Estado para as empresas ProIndicus e<br />

MAM relacionados com o caso das dívidas<br />

ocultas. “O Conselho Constitucional declara<br />

a nulidade dos actos relativos aos empréstimos<br />

contraídos pelas empresas ProIndicus<br />

e Mozambique Asset Management (MAM)<br />

e das garantias soberanas conferidas pelo<br />

governo, em 2013 e 2014, respectivamente,<br />

com todas as consequências legais”, lê-se no<br />

documento divulgado a 12 de Maio. A decisão<br />

é idêntica à que já havia sido tomada pelo<br />

CC em <strong>Junho</strong> de 2019 quando o órgão, após<br />

petições públicas, foi chamado a deliberar<br />

sobre o empréstimo à EMATUM. Assim,<br />

os três empréstimos assentes em garantias<br />

assinadas pelo ministro das Finanças<br />

de então, Manuel Chang, e atribuídos<br />

a cada uma das empresas envolvidas no<br />

caso, são anulados pelo CC. É o resultado<br />

de duas petições dinamizadas pelo Fórum<br />

de Monitoria da Dívida (FMO) que reuniram<br />

milhares de assinaturas e que foram<br />

entregues em 2017 (contra a EMATUM) e<br />

2019 (para fazer face à ProIndicus e MAM).<br />

Desta vez estavam em causa dois empréstimos:<br />

um de 622 milhões de dólares contraído<br />

junto do banco Credit Suisse para a<br />

ProIndicus e outro de 535 milhões de dólares<br />

contraído junto do Banco de Comércio<br />

Exterior da Rússia (VTB) a favor da MAM.<br />

À semelhança da avaliação sobre o empréstimo<br />

para a EMATUM, os juízes dizem<br />

que a transparência foi substituída por um<br />

“abominável secretismo em todas as operações<br />

financeiras das empresas aqui implicadas”.<br />

O CC refere que a “ilegalidade” em<br />

causa tem “um efeito jurídico aniquilador”<br />

sobre os actos.<br />

Os acórdãos (de Maio deste ano sobre<br />

a ProIndicus e MAM e o de 2019 sobre a<br />

EMATUM) vão no mesmo sentido, mas<br />

apanham o governo a remar em direcções<br />

diferentes, num e noutro momento. A declaração<br />

de <strong>Junho</strong> do último ano não impediu<br />

o governo de renegociar com os credores o<br />

reembolso dos “eurobonds” da EMATUM<br />

— o que valeu críticas da sociedade civil,<br />

acusando-o de estar a renegociar uma dívida<br />

considerada nula pela Justiça. Já o acórdão<br />

de Maio surge numa altura em que o próprio<br />

governo já tinha adiantado caminho,<br />

abrindo processos internacionais para anular<br />

as dívidas da ProIndicus e MAM. Porquê<br />

esta diferença de actuação?<br />

Num caso, o Executivo moçambicano<br />

sempre fez saber que, no seu entender, é preciso<br />

honrar a parcela da dívida contraída<br />

pela EMATUM, alegando que foi a única<br />

que foi convertida em títulos soberanos,<br />

“eurobonds”, transaccionados nos mercados<br />

internacionais e que estão na posse de<br />

vários investidores pelo mundo. Ou seja,<br />

esta parcela tem um peso acrescido na credibilidade<br />

necessária para futuro acesso ao<br />

mercado externo de dívida — numa altura<br />

em que o país procura quem lhe empreste<br />

1,5 mil milhões de dólares para financiar<br />

a participação de 15% da Empresa Nacional<br />

de Hidrocarbonetos (ENH) na Área 1<br />

de exploração de gás natural. Arriscar um<br />

novo default, incumprimento, como aconteceu<br />

entre 2016 e final de 2019, significa<br />

fechar portas às fontes de financiamento<br />

externo, entende o Executivo.<br />

Já sobre os empréstimos à ProIndicus e<br />

MAM, foram acordados directamente com<br />

os bancos Credit Suisse e VTB, sem troca por<br />

títulos soberanos como no caso da EMA-<br />

TUM. Nunca foram liquidados e nem vão<br />

ser, de acordo com as acções movidas por<br />

Moçambique. O Estado lusófono não só<br />

requer a sua anulação como exige aos bancos<br />

que se responsabilizem pela reestruturação<br />

da dívida da EMATUM e pelas “perdas<br />

macroeconómicas que resultam das irregularidades<br />

dos arguidos”. Aqui o Estado<br />

moçambicano apoia-se em todas as ilegalidades<br />

apontadas pelo Conselho Constitucional<br />

e reveladas nas investigações ao<br />

caso. “Moçambique foi enganado na troca<br />

das obrigações [da EMATUM] pela dívida<br />

soberana em 2016”, lê-se num memorando<br />

distribuído há cerca de um ano a portadores<br />

dos “eurobonds”, que confirma a tese oficial<br />

do governo, segundo a qual estes empréstimos<br />

à ProIndicus e MAM “não constituem<br />

uma obrigação válida, legal ou imputável a<br />

Moçambique”. Será que Moçambique vai<br />

ganhar a sua causa frente aos dois bancos?<br />

AUDIÊNCIAS ARRANCAM<br />

EM LONDRES<br />

A resposta sobre o desfecho do caso passa<br />

agora pelo Tribunal Superior da Justiça de<br />

junho <strong>2020</strong> | 37


ECONOMIA DÍVIDA<br />

Inglaterra (Hight Court of Justice), onde<br />

arrancaram a 26 de Maio as audiências<br />

das partes no processo do Estado moçambicano<br />

contra o Credit Suisse — este processo<br />

não inclui o VTB. Na sua petição<br />

(divulgada pelo CIP — Centro de Integridade<br />

Pública, ONG moçambicana),<br />

a Procuradoria-Geral da República (PGR)<br />

moçambicana faz dois pedidos: por um<br />

lado, a declaração de que o país não é responsável<br />

pelas garantias soberanas assinadas<br />

pelo antigo Ministro das Finanças,<br />

Manuel Chang, para viabilizar o empréstimo<br />

da ProIndicus; por outro, a condenação<br />

dos réus a pagarem indemnização<br />

a Moçambique pelas perdas e danos causados.<br />

Além do Credit Suisse, estão entre os<br />

réus três dos seus quadros à altura (Surjan<br />

Singh, Andrew Pearse e Detelina Subeva),<br />

o estaleiro naval Privinvest e empresas<br />

na sua órbita. O que dizem os arguidos?<br />

O estaleiro alega que o tribunal inglês<br />

não tem competência para julgar o caso,<br />

enquanto os restantes arguidos dizem que<br />

tudo foi contratado de forma legal.<br />

Entretanto, há outros processos de uns<br />

contra outros. Entre eles, o banco russo<br />

VTB colocou uma acção em tribunal, em<br />

Londres, exigindo 817,5 milhões de dólares,<br />

mais juros, ao Estado moçambicano<br />

por falhar as prestações do empréstimo da<br />

MAM (Mozambique Asset Management).<br />

O banco russo com filial em Londres argumenta<br />

que o Estado moçambicano de forma<br />

“irrevogável e incondicionalmente” garantiu<br />

que pagaria se as empresas falhassem.<br />

Mas Moçambique revelou em Maio<br />

outro passo para demonstrar o seu afastamento<br />

em relação às três empresa do<br />

escândalo. Além de acções judiciais em<br />

Londres, o Ministério Público moçambicano<br />

propôs a dissolução da ProIndicus,<br />

EMATUM e MAM, considerando que<br />

a situação de liquidez das três empresas é<br />

inferior a metade do valor do capital social.<br />

Em suma, a mensagem é esta: os credores<br />

que procurem ressarcir-se durante o processo<br />

de falência.<br />

DIFERENTES PERSPECTIVAS<br />

Há diferentes perspectivas sobre o que vai<br />

acontecer com os valores das dívidas ocultas<br />

depois destes mais recentes desenvolvimentos.<br />

O Fundo Monetário Internacional<br />

(FMI) diz que uma redução adicional da<br />

dívida está à vista, uma vez que o governo<br />

“não pretende suportar a MAM” — uma<br />

das empresas do escândalo das dívidas<br />

ocultas —, “que deve seguir para falência,<br />

enquanto a validade das garantias estatais<br />

ao empréstimo do banco VTB à MAM está<br />

a ser contestada” judicialmente. A apreciação<br />

faz parte do mais recente relatório da<br />

organização sobre Moçambique, divulgado<br />

em Abril. O fundo acredita que o país vai<br />

libertar-se progressivamente do peso desta<br />

dívida nas suas contas públicas.<br />

E AS RESPONSABILIDADES<br />

CRIMINAIS?<br />

Já a consultora Economist Intelligence Unit<br />

(EIU) considera que a decisão do Conselho<br />

Constitucional relativamente à nulidade das<br />

dívidas da MAM e ProIndicus “pode complicar<br />

o acesso de Moçambique a financiamento<br />

externo”. Em causa, a necessidade de<br />

endividamento de 1,5 mil milhões de dólares<br />

para financiar a participação de 15% da<br />

ENH. De qualquer maneira, a pandemia da<br />

COVID-19 veio aumentar as incertezas: “O<br />

recente colapso na actividade económica e na<br />

confiança dos investidores deve adiar estes<br />

esforços” de captação de financiamento. b<br />

* Serviço especial da Lusa para a <strong>EXAME</strong><br />

Em Londres as partes dirimem argumentos<br />

para que um juiz decida quem<br />

paga a conta. Do outro lado do Atlântico,<br />

os EUA continuam a querer julgar<br />

o ex-ministro das Finanças, Manuel<br />

Chang, por fraude, corrupção e lavagem<br />

de dinheiro, no que classificam<br />

uma burla internacional de 2,2 mil<br />

milhões de dólares, as “dívidas ocultas”<br />

que também prejudicaram investidores<br />

norte-americanos e que passaram<br />

por balcões daquele país. Para o efeito,<br />

os EUA continuam a pedir a extradição<br />

do antigo governante, detido na África<br />

do Sul desde final de 2018. Mas Moçambique<br />

considera que o ex-ministro será<br />

absolvido nos EUA, tal como aconteceu<br />

com o franco-libanês Jean Boustani,<br />

“peça-chave de todo o processo<br />

de endividamento e desvio<br />

dos valores em causa”, referiu<br />

Beatriz Buchili, procuradora-geral<br />

da República, no<br />

final de Maio, no Parlamento.<br />

Justificou assim a luta pela<br />

extradição para Maputo.<br />

Na informação prestada na<br />

Assembleia da República,<br />

Buchili revelou ainda que o<br />

número de arguidos no processo<br />

autónomo sobre as dívidas ocultas<br />

subiu de quatro para dez desde Abril<br />

do último ano. Entre eles está Manuel<br />

Chang. Este processo autónomo trata-<br />

-se de um outro, independente do processo<br />

principal aberto em Moçambique<br />

no âmbito das dívidas ocultas em que<br />

foram constituídos vinte arguidos — dos<br />

quais dezanove estão em prisão preventiva<br />

e um em liberdade provisória<br />

mediante pagamento de caução. Entre os<br />

arguidos do processo principal sobressaem<br />

figuras do círculo próximo do ex-<br />

-Presidente Armando Guebuza, como<br />

um dos seus filhos, Ndambi Guebuza,<br />

e a sua secretária pessoal, Inês Moaine.<br />

Os vinte aguardam a decisão da justiça<br />

acerca dos recursos que apresentaram<br />

do despacho de pronúncia.<br />

HIGHT COURT OF<br />

JUSTICE:<br />

Nele arrancaram<br />

a 26 de Maio as<br />

audiências das<br />

partes no processo<br />

do Estado<br />

moçambicano<br />

contra o Credit<br />

Suisse<br />

38 | Exame Moçambique


ECONOMIA OE <strong>2020</strong><br />

ORÇAMENTO<br />

PARA UM ANO<br />

DE INCERTEZA<br />

Em ano de pandemia, o OE fixa como objectivo um crescimento da economia idêntico<br />

ao de 2019, com a receita a descer e a despesa e o défice a subirem. Também as despesas<br />

de investimento recuam<br />

LUÍS FARIA<br />

CRESCIMENTO:<br />

Mantém-se ao<br />

nível de 2019, o<br />

que não é mau em<br />

ano de pandemia<br />

junho <strong>2020</strong> | 39


ECONOMIA OE <strong>2020</strong><br />

H<br />

á menos optimismo quanto<br />

ao crescimento da economia<br />

este ano, que as autoridades<br />

esperavam que fosse<br />

de 4%, mas, mesmo assim,<br />

no meio da pandemia COVID-19 e a<br />

suportar ainda os efeitos dos ciclones,<br />

Moçambique deverá crescer a uma taxa<br />

de 2,2%, de acordo com a previsão inscrita<br />

no Orçamento de Estado (OE) para<br />

<strong>2020</strong>, uma estimativa alinhada com a do<br />

Fundo Monetário Internacional (FMI).<br />

O texto do Relatório de Fundamentação<br />

do OE lembra que “a implementação<br />

do Orçamento de Estado para <strong>2020</strong> coincide<br />

com a implementação do Plano de<br />

Reconstrução pós-ciclones Idai e Kenneth,<br />

devendo prestar-se atenção especial<br />

às intervenções que visam normalizar a<br />

vida da população das zonas afectadas,<br />

sobretudo no que respeita à higiene, ao<br />

saneamento do meio, às infra-estruturas<br />

básicas da saúde, da educação, de habitação,<br />

do comércio, de telecomunicações<br />

e da rede viária. Adicionalmente, é elaborado<br />

num contexto macroeconómico<br />

internacional marcado por perspectivas<br />

de recessão da economia mundial face à<br />

eclosão da COVID-19, onde se espera uma<br />

taxa de crescimento de 3,3% para <strong>2020</strong>,<br />

contra os 2,9% esperados para 2019, tendo<br />

como pressupostos os estímulos da política<br />

monetária para as economias emergentes<br />

e em desenvolvimento e a recuperação<br />

do comércio”.<br />

Se a taxa de crescimento projectada no<br />

OE para a economia moçambicana este<br />

ano coincide com a última estimativa<br />

formulada pelo Fundo Monetário Internacional<br />

(FMI), o quadro que serviu de<br />

referência para o andamento da economia<br />

global ainda não tem em conta a profundidade<br />

da crise causada pela COVID-19.<br />

O texto do documento reconhece-o, ressalvando<br />

que “as previsões aqui apresentadas<br />

não levam em consideração a recente<br />

eclosão da COVID-19, o que traz incertezas<br />

quanto às perspectivas macroeconómicas,<br />

diante da importância dos países<br />

mais afectados (China, Itália, Estados<br />

Unidos da América e Alemanha, entre<br />

outros) na economia mundial” e dedica ao<br />

assunto uma longa nota sobre o “Impacto<br />

GETTY<br />

da COVID-19 na Economia Mundial”.<br />

O OE para <strong>2020</strong> aborda o contexto internacional,<br />

com base na actualização que<br />

o FMI fez das suas previsões para a economia<br />

mundial em Janeiro. Ora, a meio<br />

de Abril, o Fundo reviu drasticamente<br />

as suas projecções face à brutalidade do<br />

OS NÚMEROS<br />

DO OE<br />

Taxa de Crescimento Real<br />

2,2%<br />

Taxa de Inflação Média Anual<br />

6,6%<br />

Exportações<br />

4 409,7 milhões USD<br />

Reservas Internacionais<br />

Líquidas<br />

de 3 276 milhões USD, capazes<br />

de cobrir 5,8 meses<br />

de importações<br />

Receita do Estado<br />

235 590,6 milhões de MT,<br />

o equivalente a 23,1% do PIB<br />

Despesa do Estado<br />

345 381,8 milhões de MT,<br />

o correspondente a 33,9%<br />

do PIB<br />

Défice Orçamental<br />

109 791,2 milhões de MT,<br />

o equivalente a 10,8% do PIB<br />

Défice Orçamental após<br />

Donativos<br />

23 252,1 milhões de MT,<br />

o equivalente a 2,3% do PIB<br />

Saldo Primário<br />

14 070,9 milhões de MT,<br />

o correspondente a 1,4% do PIB<br />

impacto da pandemia na actividade económica<br />

global. No primeiro mês do ano<br />

apontava para um crescimento de 3,3%<br />

em <strong>2020</strong>. Em Abril, com o impacto da<br />

pandemia, admite uma quebra de 3%.<br />

Isto, no melhor dos cenários. Também as<br />

expectativas para o preço das principais<br />

commodities caíram radicalmente com a<br />

crise trazida pela COVID-19, com destaque<br />

para os índices do preço da energia,<br />

com o tombo do preço do petróleo e também<br />

a descida do índice do preço do gás<br />

natural. Recuou igualmente o preço do<br />

alumínio, salvando-se apenas o preço dos<br />

bens alimentares.<br />

SOB O SIGNO DA INCERTEZA<br />

As previsões em que o Orçamento assenta<br />

estão, pois, envoltas em grandes incertezas,<br />

não se sabendo quando acaba e qual<br />

o impacto final da pandemia. “Persistem<br />

incertezas quanto às perspectivas da economia<br />

mundial, dada a eclosão da COVID-<br />

-19, diante da importância dos países mais<br />

afectados (China, Itália, Estados Unidos<br />

da América e Alemanha, entre outros) na<br />

economia mundial”, reconhece o texto do<br />

relatório que fundamenta o OE.<br />

A lei do Orçamento de Estado para <strong>2020</strong>,<br />

após aprovação pela Assembleia da República<br />

foi promulgada pelo Presidente Filipe<br />

Nyusi a 22 de Abril. O OE foi aprovado com<br />

os votos favoráveis da FRELIMO e os desfavoráveis<br />

dos partidos da oposição, que<br />

consideram que o governo está a subestimar<br />

os efeitos da pandemia.<br />

Para o Executivo, a taxa de crescimento da<br />

economia estimada será suportada fundamentalmente<br />

“pelas actividades de reconstrução<br />

pós-ciclones, a retoma da actividade<br />

dos sectores económicos e a materialização<br />

de diversos projectos ligados à indústria<br />

de gás natural na bacia do Rovuma”.<br />

O relatório de fundamentação estima<br />

que a inflação média anual se situe em<br />

6,6%, que as exportações atingirão 4409,7<br />

milhões de dólares e que as reservas internacionais<br />

líquidas (RIL) se situarão em<br />

3276 milhões de dólares, um valor capaz<br />

de cobrir 5,8 meses de importações.<br />

A área de actividade que apresentará<br />

maior dinamismo de acordo com as estimativas<br />

orçamentais é a construção, com<br />

40 | Exame Moçambique


um crescimento projectado, em termos<br />

reais, de 3%. Os transportes, armazenagem<br />

e informação e comunicações, as<br />

actividades financeiras e de seguros e a<br />

administração pública, defesa e segurança<br />

social, e ainda saúde e acção social, deverão<br />

crescer 2%. Espera-se que a agricultura<br />

cresça a um ritmo de 1,8%, prevendo-se<br />

que as indústrias extractivas voltem a ter<br />

uma evolução positiva (1,5% de crescimento),<br />

após terem registado uma quebra<br />

de 1,8% no último ano, segundo a avaliação<br />

preliminar, admitindo-se, entretanto,<br />

no texto do OE, que a indústria do carvão<br />

mineral deverá ser uma das mais afectadas<br />

pela COVID-19 “devido à redução da<br />

procura e à queda dos preços no mercado<br />

internacional”.<br />

ESPERA-SE QUE<br />

AS INDÚSTRIAS<br />

EXTRACTIVAS<br />

RECUPEREM E QUE<br />

A AGRICULTURA<br />

CRESÇA 1,8%<br />

METICAL DESVALORIZA<br />

O metical depreciará este ano, utilizando<br />

o Orçamento de Estado a taxa de câmbio<br />

média face ao dólar para <strong>2020</strong> de 66,6<br />

meticais por cada unidade da moeda<br />

CRESCIMENTO DA ECONOMIA<br />

Antes da crise global as autoridades apontavam<br />

a meta do crescimento este ano mais para cima,<br />

mas estima-se que se consiga o crescimento<br />

efectivo de 2019<br />

4,7%<br />

2019 OE Lei 2019<br />

realização prel.<br />

Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />

2,2% 2,2%<br />

<strong>2020</strong> OE<br />

ADRIANO<br />

MALEIANE:<br />

O ministro das<br />

Finanças vai<br />

conduzir o OE<br />

em condições<br />

externas difíceis<br />

junho <strong>2020</strong> | 41


ECONOMIA OE <strong>2020</strong><br />

norte-americana. Em 2019 a taxa de câmbio<br />

média foi de 62,5 meticais por cada<br />

dólar. O saldo da conta corrente agravar-<br />

-se-á ligeiramente, com as exportações a<br />

decaírem para 4409,7 milhões de dólares,<br />

face aos 4718 milhões apurados em<br />

2019, e as exportações a aumentarem dos<br />

6799 milhões de dólares do último ano<br />

para 7166,4 milhões.<br />

A CONSTRUÇÃO<br />

DEVERÁ SER O SECTOR<br />

MAIS DINÂMICO<br />

O investimento directo estrangeiro<br />

aumentará, embora condicionado pela<br />

incerteza da decisão final de investimento<br />

relativa à exploração de gás natural<br />

na bacia do Rovuma, esperando-se<br />

uma injecção líquida de fundos na ordem<br />

dos 2264 milhões de dólares, mais 273<br />

milhões que em <strong>2020</strong>.<br />

RECEITA DESCE<br />

O Estado prevê contar este ano com recursos<br />

internos no valor de 278 374,7 milhões<br />

de meticais, o correspondente a 27,3%<br />

do produto interno (PIB), e com mais de<br />

67 mil milhões de meticais de recursos<br />

externos, o equivalente a 6,6% do PIB.<br />

Para as receitas do Estado, que totalizarão,<br />

segundo a estimativa orçamental,<br />

mais de 235,5 mil milhões de meticais,<br />

contribuirão sobretudo as receitas fiscais<br />

(que se contrairão ligeiramente face<br />

a 2019, prevendo-se que atinjam 193,5 mil<br />

milhões de meticais) e as receitas sobre<br />

bens e serviços, que incluem o IVA, entre<br />

outros impostos, e também se reduzirão<br />

face ao último ano, prevendo-se que passem<br />

de perto de 96 mil milhões de meticais<br />

para pouco mais de 87 mil milhões.<br />

As principais rubricas da receita estatal<br />

descem de valor, com as receitas de<br />

capital a aumentarem, em contrapartida,<br />

de perto de 8 mil milhões de meticais<br />

em 2019 para cerca de 9 mil milhões<br />

no corrente ano. O saldo transitado de<br />

mais-valias aumenta de 5274 milhões de<br />

meticais para mais de 14,2 mil milhões, e<br />

o recurso ao financiamento interno também<br />

aumenta sensivelmente, de 19,4 mil<br />

milhões de meticais no último ano para<br />

28,5 mil milhões em <strong>2020</strong>.<br />

Os recursos captados externamente<br />

diminuem, no seu conjunto, de mais de<br />

71 mil milhões de meticais para 67 mil<br />

milhões. Espera-se que os donativos atinjam<br />

466 milhões de dólares (cerca de 31<br />

mil milhões de meticais), um incremento<br />

nominal de 1,6% face à previsão para 2019.<br />

Os créditos contraídos no exterior descem<br />

de 43,7 mil milhões de meticais inscritos<br />

na lei orçamental de 2019, para quase<br />

36 mil milhões de meticais. Há ainda que<br />

contar com o financiamento de apoio<br />

directo ao OE concedido pelo FMI e<br />

pelo Banco Mundial no âmbito do apoio<br />

ao governo para fazer face à COVID-19,<br />

num valor superior a 21 mil milhões de<br />

meticais, o equivalente a 2,1% do PIB.<br />

DESPESA AUMENTA<br />

A despesa do Estado aumenta, segundo<br />

a lei orçamental, com destaque para o<br />

maior peso das despesas de funcionamento.<br />

O Estado está autorizado a gastar,<br />

este ano, mais de 345,38 mil milhões de<br />

meticais, o equivalente a 33,9% do PIB.<br />

As despesas de funcionamento reduzem-<br />

-se: no último ano foram fixadas em perto<br />

de 196,6 mil milhões de meticais no OE<br />

do último ano, prevendo-se que superem,<br />

em <strong>2020</strong>, 228 mil milhões. Já as despesas<br />

de investimento recuam para perto de<br />

71 mil milhões de meticais, quando o<br />

INFLAÇÃO:<br />

Os preços voltam<br />

a subir este ano<br />

PREÇOS VÃO SUBIR<br />

Após terem iniciado em 2016 uma trajectória<br />

descendente, este ano os preços vão voltar a subir<br />

Taxa de inflação média (em %)<br />

3,6% 19,9% 15,1% 3,9% 2,8% 6,6%<br />

2015 2016 2017 2018 2019 <strong>2020</strong>*<br />

*Projecção Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />

COMO SE REPARTE A DESPESA<br />

As despesas de funcionamento aumentam<br />

mas as despesas de investimento recuam<br />

Despesa (% do total)<br />

57,8%<br />

66,1%<br />

2019 <strong>2020</strong><br />

Funcionamento Investimento Op. Financeiras<br />

Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />

30,1%<br />

20,6%<br />

12,2% 13,3%<br />

42 | Exame Moçambique


PARA ONDE VÃO AS DESPESAS<br />

As despesas com o pessoal representam<br />

a grande fatia das despesas de funcionamento<br />

12,5%<br />

0,5%<br />

1,3%<br />

54,3%<br />

ONDE O ESTADO VAI BUSCAR O DINHEIRO<br />

As receitas fiscais continuarão a representar<br />

a grande fonte de receita em <strong>2020</strong><br />

6,4%<br />

7,3%<br />

4,2%<br />

O QUE PAGA A DÍVIDA<br />

O OE prevê que os juros internos, com um custo<br />

de 24,2 mil milhões de meticais, representem<br />

o principal serviço da dívida<br />

13,1<br />

(mil milhões de MTC)<br />

15,1%<br />

24,2<br />

37,3<br />

16,3%<br />

82,1%<br />

Despesas com pessoal Encargos da dívida<br />

Bens e serviços Transferências correntes<br />

Subsídios Outros<br />

Receitas fiscais Receitas não fiscais<br />

Receitas consignadas Receitas de capital<br />

Encargos da dívida<br />

Juros externos<br />

Juros internos<br />

Fonte: OE/<strong>2020</strong>. Fonte: OE/<strong>2020</strong>. Fonte: OE/<strong>2020</strong>.<br />

Orçamento do último ano as fixava num<br />

valor superior 102 mil milhões de meticais.<br />

“A redução das despesas de investimento<br />

em 30,6% em termos nominais face<br />

à previsão para 2019, resulta da redução<br />

dos recursos tanto da componente interna<br />

como da componente externa do investimento”,<br />

refere o texto do OE. Os encargos<br />

da dívida (juros internos e externos)<br />

sobem de 35 mil milhões de meticais em<br />

2019 para 37,32 mil milhões em <strong>2020</strong>,<br />

representando 3,7% do PIB.<br />

No quadro dos grandes compromissos<br />

firmados pelas autoridades para a aplicação<br />

da despesa, o OE afecta 66,27 mil milhões<br />

de meticais ao sector da educação (27,1% da<br />

despesa total), 26,71 mil milhões à saúde<br />

(10,9% da despesa) e quase 25 mil milhões<br />

à agricultura e ao desenvolvimento rural<br />

(29,1% da despesa). É para as infra-estruturas<br />

(estradas, águas e obras públicas)<br />

que é dirigido o maior esforço de investimento<br />

público (mais de 23 mil milhões<br />

de meticais). Os transportes e comunicações<br />

receberão 8,1 mil milhões de meticais.<br />

O serviço da dívida, traduzido em amortização<br />

de empréstimos externos e internos,<br />

custará mais de 41,2 mil milhões de<br />

meticais, que corresponde a 4% do PIB e<br />

representa um incremento de 0,9 pontos<br />

percentuais.<br />

O METICAL IRÁ<br />

DESVALORIZAR<br />

FACE AO DÓLAR<br />

FINANCIAR O DÉFICE<br />

O défice orçamental estimado para este<br />

ano agrava-se, passando a representar<br />

10,8% do PIB, mais 1,4 pontos percentuais<br />

que o previsto na lei orçamental para<br />

2019. Para o seu financiamento concorrerão<br />

os donativos externos (que irão cobrir<br />

o défice em 3% do PIB), os créditos externos,<br />

os saldos transitados de mais-valias<br />

e o crédito interno.b<br />

junho <strong>2020</strong> | 43


ECONOMIA PROJECÇÃO<br />

KRISTALINA<br />

GEORGIEVA:<br />

A directora-geral<br />

do FMI alertou em<br />

Março para a<br />

recessão global<br />

MOÇAMBIQUE COM<br />

CRESCIMENTO ESTÁVEL<br />

O Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipa a estabilização do crescimento<br />

da economia moçambicana. Na sua primeira previsão pós-crise, estima, no mais benévolo<br />

cenário, uma quebra de 3% da economia mundial este ano<br />

LUÍS FARIA<br />

O FMI TRAÇA CENÁRIOS<br />

MAIS SOMBRIOS<br />

EM QUE A PANDEMIA<br />

VEIO PARA FICAR<br />

Na primeira revisão das suas<br />

perspectivas de Outono<br />

para a economia mundial<br />

após a eclosão da pandemia<br />

COVID-19, o Fundo<br />

Monetário Internacional aponta para que<br />

a economia nacional cresça 2,2% este ano,<br />

estabilizando em relação a 2019 e acima<br />

da média prevista para o grupo de países<br />

de baixo rendimento, no qual se inclui<br />

Moçambique, que deverá, no seu conjunto,<br />

registar um crescimento de 1,6%<br />

em <strong>2020</strong>. Para o próximo ano as expectativas<br />

são ainda melhores, prevendo o FMI<br />

que Moçambique venha a crescer 4,7%.<br />

A estimativa para a economia moçambicana<br />

é bastante positiva, tendo em conta<br />

o impacto da pandemia da COVID-19 na<br />

44 | Exame Moçambique


economia mundial. Após as últimas previsões<br />

do Fundo, feitas em Janeiro deste<br />

ano, a pandemia agravou consideravelmente<br />

a quebra da economia global, que<br />

se prevê agora deverá afundar numa quebra<br />

de 3% este ano. A recessão mais acentuada<br />

ocorrerá na Zona Euro, com um<br />

tombo do produto interno bruto (PIB)<br />

de 7,5%, com os Estados Unidos a registarem<br />

um crescimento negativo este ano<br />

de 5,9% e China e Índia a obterem, apesar<br />

do surto infeccioso que teve origem<br />

na Ásia, crescimentos ainda positivos este<br />

“A MAGNITUDE<br />

E A VELOCIDADE<br />

DO COLAPSO DA<br />

ACTIVIDADE ECONÓMICA<br />

SÃO DIFERENTES DE<br />

TUDO O QUE JÁ VIMOS”<br />

CRESCIMENTO DA ECONOMIA MOÇAMBICANA<br />

Crescimento do PIB real em %<br />

7,6% 7,3% 7% 7,4% 6,7% 3,8% 3,7% 3,4% 2,2% 2,2% 4,7%<br />

2002/<br />

2011<br />

2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 <strong>2020</strong> 2021<br />

RECESSÃO MUNDIAL<br />

PIB Mundial em %<br />

2,9%<br />

2019<br />

Fontes: FMI, WEO Apr <strong>2020</strong>.<br />

-3%<br />

<strong>2020</strong><br />

5,8%<br />

2021<br />

ano: 1,2% e 1,9%. Para o próximo ano, e<br />

tendo como base o cenário mais favorável<br />

do FMI, a China registará uma forte<br />

retoma (9,2%) e a Índia também recuperará<br />

rapidamente, com um crescimento<br />

projectado de 7,4%.<br />

O FMI, que classifica a crise actual decorrente<br />

da pandemia da doença COVID-19<br />

como a “pior desde a Grande Depressão”<br />

de 1929 e a rotula como “o Grande Bloqueio”,<br />

faz as suas projecções num cenário<br />

de “linha de base”, que pressupõe que a<br />

pandemia desapareça no segundo semestre<br />

de <strong>2020</strong> e os esforços de contenção<br />

possam ser gradualmente desenvolvidos.<br />

O Fundo alerta que para “evitar a possibilidade<br />

de piores resultados” é necessário<br />

adoptar políticas eficazes e que “as medidas<br />

necessárias para reduzir o contágio e<br />

proteger vidas são um instrumento importante<br />

na saúde humana e económica no<br />

longo prazo”. O relatório acrescenta que,<br />

face às consequências económicas agudas<br />

em sectores específicos, “os formuladores<br />

de políticas terão de implementar<br />

medidas fiscais, monetárias e financeiras<br />

substanciais, direccionadas para apoiar as<br />

famílias e as empresas afectadas internamente.<br />

O FMI defende ainda uma forte<br />

cooperação internacional multilateral,<br />

considerando-a “essencial para superar<br />

os efeitos da epidemia, inclusive para<br />

ajudar países com restrições financeiras<br />

que enfrentam dois choques simultâneos<br />

— de saúde e de financiamento —, bem<br />

como para canalizar a ajuda para países<br />

com sistemas de saúde fracos”.<br />

Na introdução ao relatório, Gita Gopinath,<br />

a economista-chefe do Fundo, assinala<br />

que “o mundo mudou radicalmente<br />

nos três meses desde a nossa última actualização<br />

do relatório ‘World Economic<br />

Outlook’, em Janeiro. Um desastre raro<br />

— uma pandemia de coronavírus — está<br />

a provocar a perda trágica de um número<br />

cada vez maior de vidas. À medida que<br />

os países impõem as quarentenas e práticas<br />

de distanciamento social necessárias<br />

para conter a pandemia, o mundo entrou<br />

num grande lockdown. A magnitude e a<br />

velocidade do colapso da actividade económica<br />

que se seguiu são diferentes de<br />

tudo o que já vimos”.<br />

O documento traça, entretanto, cenários<br />

ainda mais sombrios, em que os efeitos<br />

da pandemia se prolongam no tempo,<br />

com resultados devastadores na economia<br />

mundial e no emprego. Se tal vier a acontecer,<br />

a economia mundial poderá registar<br />

uma recessão superior a 3% este ano e 5%<br />

em 2021. O Fundo admite a hipótese de se<br />

verificar um segundo surto em 2021 (no<br />

próximo Inverno no Hemisfério Norte), o<br />

qual será pelo menos dois terços tão grave<br />

quanto o inicial. Se tal vier a acontecer, o<br />

produto global estimado para o próximo<br />

ano será 5% inferior ao previsto no cenário<br />

base. O que domina é a incerteza quanto<br />

à duração da pandemia, a eficácia ao seu<br />

combate e o surgimento de antídotos que a<br />

possam estancar, como uma vacina. Como<br />

está quase tudo em aberto, o FMI também<br />

equaciona um cenário mais favorável<br />

que o seu cenário base, cuja materialização<br />

depende do desenvolvimento de um<br />

tratamento ou vacina eficazes mais cedo<br />

do que o esperado, o que permitirá remover<br />

as medidas de distanciamento social<br />

e uma recuperação mais rápida do que o<br />

antecipado.<br />

No início de Março, o FMI pôs à disposição<br />

dos países mais atingidos pela pandemia<br />

um financiamento de emergência<br />

de 50 mil milhões de dólares. Os director<br />

e vice-director dos Assuntos Orçamentais<br />

do FMI, Vítor Gaspar e Paolo<br />

Mauro, escreveram, na altura, no blogue<br />

do Fundo, que os governos devem “dar<br />

subsídios salariais às pessoas e empresas<br />

para ajudar a conter o contágio”. A directora-geral<br />

do Fundo Monetário Internacional<br />

(FMI), Kristalina Georgieva, avisou,<br />

no final de Março, que a economia global<br />

já se encontrava em recessão. b<br />

junho <strong>2020</strong> | 45


OIL<br />

& GAS<br />

LUÍS FARIA<br />

GÁS NATURAL:<br />

O negócio é<br />

favorecido pelo seu<br />

papel na transição<br />

energética<br />

PREÇOS<br />

PANDEMIA RETRAI PROCURA<br />

D.R.<br />

Os preços do gás deverão cair mais com a<br />

actual crise pandémica “do que no anterior<br />

megaciclo”, prevê a McKinsey num estudo<br />

sobre o sector a que a <strong>EXAME</strong> teve acesso.<br />

A consultora dedica um extenso documento<br />

aos custos e oportunidades do sector<br />

do petróleo e do gás pós-COVID-19.<br />

O gás de xisto, lembra o relatório, aumentou<br />

consideravelmente a oferta de gás, pelo<br />

que a pandemia teve um efeito imediato,<br />

fazendo cair a procura entre 5% e 10%, em<br />

contraste com as expectativas optimistas<br />

que reinavam antes da crise. No entanto,<br />

o documento prevê um desenvolvimento<br />

positivo do negócio do gás natural e do<br />

LNG, o que tem a ver com o seu papel na<br />

transição energética, assegurando um lugar<br />

no futuro mix de energias. É, entretanto,<br />

necessário ter em conta, refere a consultora,<br />

que, no caso do LNG, a sua capacidade<br />

de expansão ao longo da década<br />

acrescentará pressão no que respeita à<br />

volatilidade dos preços. A prazo, além de<br />

2035, o sector do gás experimentará as<br />

mesmas pressões que o petróleo. Muitos<br />

factores favoráveis fazem do gás o combustível<br />

fóssil de crescimento mais rápido:<br />

a forte procura impulsionada pela transição<br />

energética. No entanto, o volume total das<br />

emissões de gases de efeito estufa ainda<br />

está a ser calculada para algumas cadeias<br />

de valor de LNG. A McKinsey “estima que<br />

a procura global de gás tenha um pico no<br />

final da década de 2030, pois a electrificação<br />

do aquecimento e o desenvolvimento<br />

de fontes renováveis ​podem diminuir a procura<br />

a longo prazo. Isto, combinado com<br />

a volatilidade a médio prazo, pode levar a<br />

uma consolidação adicional e a um sector<br />

que opera com economia incremental”.<br />

O impacto no sector é profundo em vários<br />

segmentos de operação. Por exemplo, a<br />

procura para produtos refinados diminuiu<br />

20%, colocando a refinação numa situação<br />

crítica. A McKinsey estima que a procura<br />

demore pelos menos dois anos a recuperar.<br />

As companhias do sector são afectadas<br />

pela necessidade de operar em segurança<br />

sanitária, dificuldades de armazenagem e<br />

pela descida dos preços de venda, inferiores<br />

aos custos suportados por alguns<br />

operadores.<br />

Gás natural futuros<br />

(em USD)<br />

1,821 1,949 1,72 1,646<br />

1,7<br />

21Abr 30Abr 12Mai 15Mai 21Mai<br />

Fonte: Investing.<br />

46 | Exame Moçambique


EUA<br />

SECTOR PERDE EMPREGO<br />

D.R.<br />

A Bloomberg publicou a meio de<br />

Abril uma notícia com o título: “Jobs<br />

keep disappearing in US oil and gas<br />

industry” (Os empregos desaparecem<br />

na indústria de Oil&Gas dos<br />

Estados Unidos). “De repente, o<br />

petróleo e o gás tornaram-se um<br />

hobby pelo qual apenas as empresas<br />

mais capitalizadas do sector<br />

poderão continuar a interessar-se”,<br />

afirma Dan Eberhart, director-executivo<br />

da empresa de serviços de<br />

campos petrolíferos Canary Drilling<br />

Services, que demitiu cerca de<br />

200 pessoas e implementou cortes<br />

salariais gerais. “Uma grande quantidade<br />

de empregos no sector do<br />

petróleo e do gás é fornecida por<br />

empresas de serviços de campos<br />

petrolíferos — e essas empresas<br />

são mais fracas que as companhias<br />

petrolíferas e vão começar a desaparecer<br />

rapidamente.” A BBC News<br />

publicou, por seu turno, no final de<br />

Maio, uma reportagem com o título:<br />

Produção de petróleo nos EUA<br />

(barris/milhões)<br />

Fonte: EIA.<br />

“Coronavirus: ‘Thousands’ of North<br />

Sea oil and gas jobs under threat”<br />

(Coronavírus, milhares de empregos<br />

no sector do Oil&Gas do mar<br />

do Norte em perigo). Segundo a<br />

BBC, o Reino Unido poderá perder<br />

30 mil empregos na indústria<br />

em resultado da pandemia e<br />

do baixo preço do petróleo. “Se o<br />

Reino Unido quiser manter o seu<br />

fornecimento de energia doméstica,<br />

proteger empregos e construir<br />

a infra-estrutura crítica necessária<br />

para fazer a transição para um<br />

futuro líquido zero, a nossa é uma<br />

indústria pela qual lutar”, refere a<br />

BBC. A indústria delineou um plano<br />

em três etapas, que espera minimizar<br />

o impacto a longo prazo.<br />

Exige o atendimento das necessidades<br />

imediatas do sector, seguidas<br />

da sua recuperação industrial<br />

e, em seguida, uma transição acelerada<br />

para emissões líquidas zero<br />

de gases de efeito estufa.<br />

12,9 12,9 13,1 13 12,1 11,6<br />

Dez19 Jan20 Fev20 Mar20 Abr20 Mai20<br />

CONFIRMAÇÃO: A Total mantém a previsão<br />

de efectuar as primeiras entregas de GNL em 2024<br />

LNG<br />

TOTAL REAFIRMA<br />

CALENDÁRIO DE EXPLORAÇÃO<br />

A Total reafirmou a data de exploração de gás natural em<br />

Moçambique, sete semanas após suspensão temporária de<br />

actividades devido à descoberta do primeiro caso de COVID-19<br />

no futuro complexo industrial de processamento de gás natural<br />

em Cabo Delgado. “Com base nas previsões actuais, essa<br />

suspensão temporária de actividades não terá um impacto<br />

material no cronograma do projecto e continuamos no caminho<br />

certo para efectuarmos a entrega das primeiras cargas<br />

de gás natural liquefeito (GNL) em 2024”, lê-se na newsletter<br />

da petrolífera francesa distribuída à imprensa. O primeiro<br />

caso de COVID-19 descoberto no complexo industrial de processamento<br />

de gás natural da Total em Afungi, Cabo Delgado,<br />

foi anunciado a 2 de Abril, seguindo-se várias outras<br />

infecções que tornaram o local um foco de contaminação e<br />

que colocaram a província com maior número de casos de<br />

COVID-19 em Moçambique. A petrolífera foi obrigada a isolar<br />

alguns trabalhadores e a suspender temporariamente as<br />

suas actividades, deixando em funcionamento apenas “trabalhos<br />

mínimos” na área do projecto para a exploração de<br />

gás no Norte de Moçambique.<br />

Maiores produtores mundiais de gás natural<br />

(2018/mil milhões de metros cúbicos)<br />

863<br />

Nos EUA e Reino<br />

Unido a indústria do<br />

Oil&gas vai<br />

dispensar milhares<br />

de trabalhadores<br />

EUA<br />

Rússia<br />

Irão<br />

248,5<br />

725,5<br />

181,6<br />

Qatar<br />

176<br />

China<br />

D.R.<br />

Fonte: Statista.<br />

junho <strong>2020</strong> | 47


BAZARKETING<br />

THIAGO FONSECA<br />

Sócio e director de Criação da Agência GOLO.<br />

PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda<br />

FAZER LOCALMENTE<br />

A pandemia global da COVID-19<br />

está a fazer cair uma máscara local<br />

em todo o mundo. Sobretudo<br />

em Moçambique, um país que sempre<br />

importou quase tudo sem precisar de se<br />

importar em fazer. Porque, afinal, era só<br />

mandar vir — da África do Sul, da Europa,<br />

da Ásia, da América.<br />

Mas sem voos e com as fronteiras fechadas,<br />

está a acontecer algo que merece<br />

ser revelado.<br />

No primeiro mês do estado de emergência,<br />

numa pequena vila fronteiriça, o<br />

mercado local, o dumba, ficou praticamente<br />

vazio. A fronteira tinha fechado<br />

e tudo o que era vendido ali sempre veio<br />

do outro lado da fronteira: da África do<br />

Sul.<br />

PARA NOS<br />

ADAPTARMOS TIVEMOS<br />

DE ADOPTAR NOVAS<br />

FORMAS DE VIVER<br />

Agora que vamos no terceiro mês da<br />

renovação do estado de emergência,<br />

deu-se um fenómeno muito especial: o<br />

mercado está cheio e bem abastecido.<br />

Ao falar com uma vendedora, perguntei-lhe<br />

de onde vinham aqueles legumes<br />

todos. Ela respondeu-me prontamente:<br />

“Vêm daqui mesmo.”<br />

Perguntei-lhe de aonde vinham e<br />

como. E ela disse-me que estavam a ser<br />

cultivados ali, na vila. Tinham feito machambas.<br />

Os vegetais eram mais frescos, mais<br />

bonitos de aspecto e mais saborosos.<br />

Havia também uma enorme variedade.<br />

As margens de venda também são<br />

maiores para os comerciantes.<br />

E fica claro, com este exemplo, que afinal<br />

é possível.<br />

O PRODUTO LOCAL<br />

O produto local é produto da necessidade.<br />

Temos tudo. A terra é fértil. Aquilo de<br />

que precisamos é de ideias férteis. Semear<br />

para colher. E isto não apenas na<br />

agricultura, mas em todas as áreas.<br />

O ponto, neste caso, é a capacidade<br />

que, afinal, existe. Foi preciso querer<br />

para crer.<br />

Vamos imaginar, apenas por momentos,<br />

que as fronteiras iriam continuar<br />

fechadas durante muito tempo. O que<br />

aconteceria?<br />

Teríamos de resolver tudo localmente.<br />

Os serviços em todas as áreas iriam<br />

desenvolver-se.<br />

As skills dos profissionais já estão a<br />

melhorar. Se não se pode importar roupa,<br />

costura-se. Os serviços básicos não<br />

podem parar. E a necessidade que existe<br />

faz com que se desenvolvam soluções locais<br />

para tudo.<br />

Este é o diagnóstico do vírus na economia.<br />

O novo coronavírus acelerou<br />

a produtividade local. A necessidade<br />

de adaptação a uma nova realidade.<br />

E é sabido que, se a capacidade local aumenta,<br />

a produção também aumenta.<br />

E Moçambique passa de importador a<br />

exportador.<br />

Os produtos locais surgem e, por consequência,<br />

marcas locais para esses produtos.<br />

A distribuição local também aumenta.<br />

E com isso a necessidade de vias de acesso<br />

para escoar a produção.<br />

A economia fortalece-se.<br />

Fazer crescer a capacidade local é fazer<br />

crescer Moçambique.<br />

HÁ UMA EMERGÊNCIA<br />

EM ENTENDER<br />

O ESTADO DE<br />

EMERGÊNCIA<br />

Com o encerramento das escolas,<br />

uma geração jovem com acesso à comunicação<br />

digital está a usar o on-line<br />

para aprender. E muitas pessoas estão<br />

48 | Exame Moçambique


a aprender coisas que nunca tinham feito.<br />

A consultar o YouTube e outras plataformas.<br />

Há uma mudança a acontecer, e uma<br />

aceleração enorme provocada pela pandemia.<br />

Para nos adaptarmos tivemos de adoptar<br />

novas formas de viver.<br />

A GLOBALIZAÇÃO FOI INFECTADA<br />

Recentemente, a revista The Economist<br />

saiu com este headline muito forte na<br />

capa: “Has COVID-19 killed globalisation?”<br />

E aprofunda, do ponto de vista<br />

ocidental, o modo como a economia<br />

global está a ser afectada e a maneira de<br />

fazer marketing.<br />

Já antes da pandemia a globalização<br />

estava a enfraquecer. O sistema de comércio<br />

global que dominou a economia<br />

nas últimas décadas estava a ser prejudicado<br />

com as crises económicas e a disputa<br />

a nível comercial entre a América<br />

e a China.<br />

Agora, com o impacto imediato nas<br />

vendas das grandes marcas globais, tudo<br />

muda.<br />

Há uma reflexão lógica por parte dos<br />

accionistas das multinacionais acerca<br />

de onde deverão investir nos próximos<br />

anos. Porque as coisas não voltarão a ser<br />

como eram.<br />

E antecipa-se um aumento da subsistência<br />

local e investimento nos bens<br />

NESTE MOMENTO EM<br />

QUE TODOS ANDAMOS<br />

DE MÁSCARA, CAIU<br />

A MÁSCARA DA<br />

GLOBALIZAÇÃO<br />

essenciais, sendo a saúde um dos mais<br />

importantes sectores. Um bem de necessidade<br />

básica.<br />

O capital muda de mãos.<br />

As acções que irão valorizar são as<br />

boas acções.<br />

Afinal, quem pode garantir que não<br />

irão surgir novas pandemias? A Humanidade<br />

não tem a imunidade que pensava<br />

ter.<br />

Isto mudou a globalização como a conhecíamos.<br />

E aumenta o localismo em<br />

todos os seus aspectos.<br />

A comunicação também muda. Aumenta<br />

a necessidade de obter informação<br />

e de comunicar todas estas novas<br />

formas de viver e entendê-las rapidamente.<br />

Há uma emergência em entender o<br />

estado de emergência., assim como os<br />

aspectos positivos que trouxe. Para Moçambique,<br />

é a revelação da capacidade<br />

local.<br />

Estas são lições que devemos aprender<br />

e, sobretudo, empreender. Aplicar.<br />

Fazer.<br />

Neste momento em que todos andamos<br />

de máscara, caiu a máscara da<br />

globalização. Pensar local nunca foi tão<br />

importante.b<br />

junho <strong>2020</strong> | 49


COMMODITIES DOSSIER<br />

A DOENÇA DAS<br />

COMMODITIES<br />

O novo coronavírus “infectou” as commodities<br />

prejudicando a balança comercial moçambicana, já de si<br />

deficitária. Com as exportações concentradas no carvão<br />

e no alumínio, as receitas voltaram a cair no primeiro<br />

trimestre. O segredo está na diversificação da economia,<br />

com o agro-negócio a precisar de ganhar peso<br />

RICARDO DAVID LOPES<br />

EXPORTAÇÕES:<br />

Estão em queda desde<br />

o início do ano<br />

Aideia de que no diversificar<br />

é que está o ganho aplica-se<br />

como uma luva à economia<br />

moçambicana, hoje mais do<br />

que nunca — e, sobretudo,<br />

daqui em diante. As exportações do país<br />

estão em queda desde o início do ano, em<br />

valor, depois de já terem recuado no ano<br />

passado, a sofrer agora o impacto da pandemia<br />

da COVID-19 quer por reduções<br />

na produção, quer pela baixa das cotações<br />

internacionais dos principais produtos<br />

vendidos ao exterior, algo que já<br />

se tinha feito sentir em 2019.<br />

As receitas das exportações estão concentradas<br />

nos sectores do carvão e do alumínio,<br />

com quase 70% do total, pelo que<br />

não é de espantar que, agora, paguemos<br />

a factura. A procura de ambas as matérias-primas<br />

está em baixa, assim como o<br />

preço, o que se reflecte nas contas finais:<br />

o país arrecadou, entre Janeiro e Março,<br />

de acordo com dados do banco central,<br />

pouco mais de 1,1 mil milhões de dólares<br />

com tudo o que vendeu para fora.<br />

O CARVÃO E O ALUMÍNIO<br />

REPRESENTAM QUASE<br />

70% DAS EXPORTAÇÕES<br />

GETTY<br />

A chave, defende o jurista Guilherme<br />

Daniel, partner do escritório de advogados<br />

Vieira de Almeida, está na diversificação<br />

da economia para que as receitas<br />

dependam menos de poucas matérias-<br />

-primas, como acontece actualmente —<br />

problema que pode agravar-se no futuro,<br />

quando entrarem em operação os megaprojectos<br />

de gás natural previstos.<br />

“A diversificação é uma grande vantagem,<br />

porque a economia continua a funcionar,<br />

salvo nos casos em que o impacto de<br />

uma crise seja imediato, e a saída da crise<br />

é facilitada após a COVID-19”, explica o<br />

jurista, para quem o governo deve reforçar<br />

a aposta no sector agrícola, o que aliás está<br />

previsto no Plano Quinquenal <strong>2020</strong>-2025.<br />

“Cerca de 10% do Orçamento do Estado<br />

nos próximos cinco anos será para a agricultura”,<br />

lembra Guilherme Daniel, que<br />

aponta como sectores estratégicos a avi-


cultura e produções associadas (caso do<br />

milho ou soja, por exemplo), ou a cultura<br />

de alimentos “básicos”, como a batata,<br />

a cebola ou o tomate.<br />

“É uma área para a qual o país está a olhar<br />

com muita atenção”, afirma, lembrando<br />

que o sector agrícola, mesmo em momentos<br />

de crise, nem é dos que mais sofre —<br />

e as pessoas precisam sempre de comer.<br />

Olhar para lá do carvão, do alumínio e<br />

até do gás é necessário. Dados do Banco de<br />

Moçambique indicam que, entre Janeiro<br />

e Março deste ano, as receitas provenientes<br />

das exportações destes produtos<br />

diminuíram fortemente, em particular<br />

as do carvão, a matéria-prima que mais<br />

dinheiro rende a Moçambique, que afundou<br />

mais de 40%.<br />

VALE DEIXA CAIR OBJECTIVO<br />

A Vale garante que até agora a produção<br />

se mantém, mas admite haver dificuldades<br />

à vista, pelo que deixa de assumir a<br />

meta de produção que a multinacional<br />

brasileira tinha avançado.<br />

“A mina de Moatize, na província de Tete,<br />

continua a trabalhar, estando garantida a<br />

continuidade do negócio em Moçambique”,<br />

garantiu a empresa num comunicado<br />

referente aos resultados do primeiro<br />

trimestre. No documento, a empresa refere<br />

que vai “manter a exploração de carvão<br />

activa, ainda que de forma mais limitada”.<br />

“Devido às incertezas decorrentes da<br />

pandemia do novo coronavírus, que<br />

incluem a postergação da reforma da unidade<br />

de processamento em Moçambique<br />

(sem nova data de início), a Vale retira o<br />

guidance para a produção de carvão em<br />

<strong>2020</strong> e não pode indicar novo guidance<br />

no momento”, acrescenta.<br />

Guilherme Daniel reforça que “a Vale<br />

está quase parada, quer pelo facto de<br />

muitos expatriados terem regressado ao<br />

Brasil [por causa da pandemia], quer,<br />

especialmente, porque o principal cliente<br />

é a China”, ainda longe de recuperar do<br />

impacto do novo coronavírus.<br />

Não é difícil fazer as contas ao mal que a<br />

pandemia está também a fazer a esta indústria.<br />

O preço do carvão (ver gráficos nestas<br />

páginas) já caiu cerca de 22% desde o início<br />

do ano (até 20 de Maio, data da recolha<br />

A MARCA DAS NOSSAS EXPORTAÇÕES<br />

TENDÊNCIA DE SUBIDA (em milhões de dólares)<br />

No ano passado, as exportações recuaram<br />

cerca de 9% face a 2018, mas há uma tendência<br />

de subida nos últimos cinco anos<br />

PREÇOS EM QUEDA<br />

Os preços das matérias-primas mais importantes<br />

nas exportações de Moçambique estão em queda<br />

-10%<br />

-20%<br />

-30%<br />

-40%<br />

-50%<br />

2019 2018 2017 2016 2015<br />

Total Miscelânea<br />

de produtos<br />

Energia<br />

eléctrica<br />

Outras<br />

mercadorias<br />

Indústria<br />

extractiva<br />

Indústria<br />

transformadora<br />

Produtos<br />

Agrícolas<br />

Fonte: Banco de Moçambique.<br />

Var. 1 ano<br />

Gás<br />

Natural<br />

Var. início do ano<br />

Fonte: Trading Economics.<br />

1000 2000 3000 4000 5000<br />

Carvão<br />

(usd/ton)<br />

Alumínio<br />

(usd/ton)<br />

Açúcar<br />

(usd/libra)<br />

Algodão<br />

(usd/libra)<br />

de dados para este artigo). O do alumínio,<br />

por seu turno, baixou quase 17,6%,<br />

em linha com a baixa das cotações internacionais<br />

do açúcar, do algodão ou do caju.<br />

Apostar na agricultura e toda a cadeia<br />

do agro-negócio faz, assim, ainda mais<br />

sentido, até porque, em geral, o desempenho<br />

das exportações nesta área tem sido<br />

positivo, e porque aquilo que produzirmos<br />

aqui deixaremos de ter de importar, gastando<br />

divisas sem que se crie valor no país.<br />

No ano passado, por exemplo, as receitas<br />

oriundas das exportações agrícolas, com<br />

um peso de menos de 10% nas exportações<br />

O PESO DAS EXTRACTIVAS (peso em % do total)<br />

As indústrias extractiva e transformadora<br />

valeram, no ano passado, mais de dois terços<br />

das exportações, a agricultura pesa menos de 10%<br />

2,9%<br />

RECEITAS DESLIZAM (IT colectado — milhões de dólares)<br />

Entretanto, nos primeiros três meses do ano<br />

mantém-se uma tendência de queda nas receitas,<br />

face ao homólogo, fruto da redução de produção<br />

e preços, nalguns casos<br />

1000<br />

800<br />

600<br />

400<br />

200<br />

IT 2019 IT <strong>2020</strong><br />

Produtos<br />

Agrícolas<br />

9,2%<br />

Produtos agrícolas<br />

Miscelânea de produtos<br />

Fonte: Banco de Moçambique.<br />

Indústria transformadora<br />

Indústria extractiva Outras mercadorias Energia eléctrica<br />

Fonte: Banco de Moçambique.<br />

Indústria<br />

transf.<br />

9,7%<br />

41,9%<br />

Indústria Outras<br />

extractiva mercadorias<br />

9,1%<br />

Energia<br />

eléctrica<br />

27,2%<br />

Misc. de<br />

produtos<br />

Total<br />

junho <strong>2020</strong> | 51


COMMODITIES DOSSIER<br />

CARVÃO: As oscilações<br />

de preço da matéria-<br />

-prima afectam<br />

profundamente as<br />

exportações<br />

D.R.<br />

totais, subiram cerca de 42,7% face a 2018,<br />

com vários produtos a crescerem a três ou<br />

mesmo quatro dígitos — caso do algodão.<br />

PREÇO DO CARVÃO CAIU<br />

22% DESDE JANEIRO.<br />

O DO ALUMÍNIO 17,6%<br />

MENOS DEPENDÊNCIA<br />

Tiago Dionísio, economista-chefe da<br />

Eaglestone Securities, concorda que a<br />

agricultura deve estar no mapa moçambicano,<br />

a par de projectos nas indústrias<br />

extractivas e outras, mas defende que, ao<br />

contrário de outros países, Moçambique<br />

está menos exposto às variações de uma<br />

só matéria-prima e de um só comprador.<br />

“Há uma dependência importante do carvão<br />

e do alumínio, mas bastante inferior à<br />

de outros países africanos exportadores de<br />

commodities, como Angola ou a Nigéria,<br />

onde mais de 90% das suas exportações<br />

dizem respeito ao petróleo. Por outro lado,<br />

Moçambique exporta para um número<br />

variado de países, com destaque para a<br />

África do Sul e a Índia (17% do total)”,<br />

adianta o responsável, para quem “ter<br />

uma base diversificada de clientes é também<br />

um factor importante para enfrentar<br />

melhor os efeitos da actual pandemia”.<br />

O economista lembra que “a indústria<br />

extractiva tem atraído mais de metade do<br />

investimento directo estrangeiro no país<br />

nos últimos anos” e enumera outros “sectores<br />

relevantes”, como a indústria transformadora<br />

e do transporte, armazenagem<br />

e comunicações. “Penso que estes sectores<br />

continuarão a ser talvez os que vão<br />

atrair maior interesse”, antecipa, adiantando<br />

que “os países melhor posicionados<br />

deverão ser Itália, França e EUA devido ao<br />

sector do gás”.<br />

Mas há outros países que têm demonstrado<br />

maior interesse por Moçambique nos<br />

últimos anos, como os Emirados Árabes<br />

Unidos e a Holanda, diz o responsável,<br />

para quem é agora importante “assegurar<br />

que as empresas continuam a operar<br />

o melhor possível e que os trabalhadores<br />

continuam a receber o seu ordenado”.<br />

“A introdução de algumas medidas temporárias<br />

de alívio fiscal poderia ajudar<br />

tanto as empresas, como os trabalhadores”,<br />

refere o economista-chefe da Eaglestone,<br />

que tem escritórios em Lisboa, Luanda,<br />

Moçambique e Joanesburgo, entre outros,<br />

estando em três grandes áreas de actividade<br />

— assessoria financeira, private<br />

equity e mercado de capitais. Nalguns<br />

casos, defende, teria mesmo “de haver<br />

um apoio financeiro directo aos agentes<br />

económicos, empresas e particulares”, e<br />

as medidas “teriam também de ser bastante<br />

focadas nos sectores da economia<br />

mais afectados pela pandemia e/ou também<br />

naqueles com maior peso no PIB”.<br />

“A agricultura representa cerca de 20%<br />

do PIB moçambicano, mas sectores como<br />

os transportes e comunicações, retalho,<br />

52 | Exame Moçambique


indústria transformadora e mineiro são<br />

também bastante relevantes para o país.”<br />

EMPRESAS PRECISAM DE DINHEIRO<br />

Guilherme Daniel também defende que<br />

devem existir medidas para apoiar sobretudo<br />

a liquidez das empresas, ainda que<br />

entenda que o Estado, por ter pouca capacidade<br />

financeira, não consiga abdicar<br />

O ESTADO DEVE SER<br />

CRIATIVO NAS MEDIDAS<br />

DE APOIO A EMPRESAS<br />

de receitas fiscais para ajudar a economia<br />

a retomar.<br />

“O Estado tem que ser mais criativo”<br />

neste contexto, defende o sócio da Vieira<br />

de Almeida. “Mesmo que não sacrifique<br />

receita fiscal, o governo poderá ter de, por<br />

exemplo, vir a aceitar diferir alguma receita”,<br />

afirma, acrescentando que a própria Segurança<br />

Social “também poderia reembolsar<br />

as empresas” de parte das contribuições.<br />

O problema, lembra o jurista, é que a<br />

redução da actividade está a deixar muitas<br />

empresas sem liquidez para pagar<br />

sequer os salários, optando muitas vezes<br />

por despedir pessoal em vez de tentar<br />

baixar custos fixos, reduzindo os salários<br />

com a aprovação dos trabalhadores.<br />

A lei, lamenta, não o permite.<br />

“Mesmo que haja um acordo entre<br />

empresa e trabalhador para uma redução<br />

temporária e extraordinária do valor<br />

do salário, tal é nulo perante a lei”, afirma,<br />

apelando a que o governo adopte “medidas<br />

legislativas de curto prazo, adaptadas<br />

à situação excepcional” que vivemos.<br />

“O que está em causa é salvar empregos.”<br />

CAJU A SOFRER<br />

Na área agrícola, o sector do caju é um<br />

dos que mais está a sofrer, não apenas<br />

pela queda do preço e da produção, mas<br />

por causa das condições do mercado, que<br />

favorecem os estrangeiros em detrimento<br />

dos investidores nacionais, alerta a associação<br />

AICAJU.<br />

Em entrevista à <strong>EXAME</strong> (ver pág. 56),<br />

o vice-presidente da associação denuncia<br />

D.R.<br />

a concorrência desleal que é feita por asiáticos,<br />

sem que o governo adopte medidas<br />

de protecção aos nacionais.<br />

Em meados de Maio, recorde-se, a<br />

AICAJU anunciou em comunicado que<br />

“o processamento de castanha [de caju]<br />

este ano não deverá chegar às 35 mil<br />

toneladas, o que representa uma quebra<br />

acima de 30% quando comparada com<br />

as cerca de 52 mil toneladas processadas<br />

o ano passado”.<br />

“O país tem, neste momento, menos de<br />

dez fábricas de processamento primário<br />

a operar, sendo que algumas irão parar a<br />

meio deste ano, estima-se que em Agosto,<br />

por falta da matéria-prima”, um problema<br />

que a associação diz ser fruto de “uma<br />

tendência de comercialização negativa<br />

dos últimos anos, uma vez que a indústria<br />

nacional tem vindo a processar cada<br />

vez menos castanha”. “As quebras do processamento<br />

da castanha-de-caju justificam-se<br />

pelo contexto, particularmente<br />

adverso, em que os industriais nacionais<br />

DIVERSIFICAÇÃO:<br />

O esforço a fazer na<br />

agricultura é decisivo<br />

para obter maior<br />

estabilidade<br />

estão a operar, com a crescente concorrência<br />

agressiva e protegida por parte de<br />

players internacionais, como é o caso da<br />

Índia e do Vietname, e pela não actualização<br />

das medidas de resposta domésticas a<br />

este novo paradigma”, lamenta a AICAJU.<br />

“Ao aumentar a sobretaxa da importação<br />

da amêndoa acabada de 45 para 70%, no<br />

ano passado, a Índia aumentou ainda<br />

GOVERNO APROVOU<br />

UM SUBSÍDIO AO PREÇO<br />

DO ALGODÃO-CAROÇO<br />

PARA 2019-<strong>2020</strong><br />

mais o poder de compra e a capacidade<br />

de influenciar mercados por parte dos<br />

seus industriais”, denuncia a associação,<br />

que explica que, agora, os processadores<br />

asiáticos “podem comprar, em Moçambique,<br />

matéria-prima a preços inflaciona-<br />

junho <strong>2020</strong> | 53


COMMODITIES DOSSIER<br />

dos e desleais, desvirtuando o mercado<br />

com impacto negativo na indústria nacional,<br />

na cadeia de valor de transformação<br />

e, por último, nos cofres do Estado”.<br />

No sector do algodão as notícias são mais<br />

animadoras, apesar de uma quebra de 45%<br />

nas receitas de exportação no primeiro trimestre<br />

do ano, face ao homólogo, motivada<br />

também pela baixa de cerca de 14%<br />

na cotação internacional desta commodity.<br />

O Conselho de Ministros aprovou no<br />

mês passado um subsídio ao preço do algodão-caroço<br />

para a campanha 2019-<strong>2020</strong>.<br />

Em comunicado, a Associação Algodoeira<br />

de Moçambique (AAM) refere que este<br />

subsídio, no valor de 6 meticais por cada<br />

quilo de algodão-caroço, “permitirá elevar<br />

o valor das compras [deste produto]<br />

aos produtores para cerca 1,1 mil milhões<br />

de meticais, o que representa uma enorme<br />

ferramenta de desenvolvimento rural”.<br />

“Este apoio é, sem dúvida, um marco<br />

histórico na política agrária e económica<br />

REDUÇÃO DA<br />

ACTIVIDADE ESTÁ<br />

A DEIXAR MUITAS<br />

EMPRESAS SEM LIQUIDEZ<br />

nacional e um sinal real e indiscutível da<br />

aposta séria do governo na agricultura e<br />

na população rural”, adianta o documento,<br />

que garante que este “não é um subsídio ao<br />

consumo, mas sim à produção e às famílias<br />

produtoras”. A associação liderada por<br />

Francisco Ferreira dos Santos afirma que,<br />

“no actual contexto de grande crise económica<br />

global, causada pela pandemia da<br />

COVID-19, em que o algodão tem sido um<br />

dos produtos agrícolas mais afectados, este<br />

subsídio vai, por um lado, proteger o rendimento<br />

de quase um milhão de pessoas<br />

do meio rural, e por outro representa um<br />

claro incentivo à produção e produtivi-<br />

dade, na medida em que se consegue um<br />

aumento preço do algodão-caroço face ao<br />

praticado na campanha anterior”.<br />

ALGODÃO EM ALTA<br />

Na próxima campanha de <strong>2020</strong>/21 teremos<br />

ainda mais produtores motivados e a<br />

produzir mais algodão, prevendo-se, por<br />

essa via, um aumento no valor das exportações<br />

em pelo menos 12 milhões USD,<br />

o que, refere a AAM, representa “mais de<br />

três vezes o valor do subsídio” a este sector,<br />

que “assiste mais de 200 mil famílias.<br />

Associado ao algodão, o subsector transformador<br />

“conta com dez fábricas de processamento,<br />

gerando cerca de 40 mil postos<br />

de emprego directo e indirecto na cadeia<br />

de valor”.<br />

Guilherme Daniel também vê com bons<br />

olhos este tipo de medidas, porque reflectem<br />

a aposta do governo na agricultura.<br />

“A ideia é que possam existir mais subsídios<br />

para sectores produtivos da economia.”b<br />

D.R.<br />

VALE: Com a incerteza<br />

trazida pela pandemia<br />

deixou cair o objectivo<br />

para a produção<br />

54 | Exame Moçambique


junho <strong>2020</strong> | 55


COMMODITIES DOSSIER<br />

PROJECTOS DE<br />

EXPLORAÇÃO DE GÁS<br />

RESISTEM À PANDEMIA<br />

A crise causada pela pandemia da COVID-19 levou a que algumas empresas petrolíferas<br />

revissem os seus planos de negócios, mas Carlos Zacarias, presidente do conselho<br />

de administração do Instituto Nacional de Petróleo (INP), diz que os prazos estabelecidos<br />

serão respeitados<br />

VALDO MLHONGO<br />

CARLOS ZACARIAS:<br />

O presidente do INP<br />

garante que os prazos<br />

previstos para o<br />

início da produção<br />

e carregamento<br />

do primeiro cargueiro<br />

de GNL se mantêm<br />

56 | Exame Moçambique


A<br />

crise causada pela pandemia<br />

da COVID-19 não irá<br />

comprometer o arranque<br />

da primeira produção e<br />

exploração de gás natural<br />

liquefeito do Projecto Coral Sul, marcada<br />

para o ano de 2022, garante Carlos Zacarias,<br />

presidente do conselho de administração<br />

do Instituto Nacional de Petróleo<br />

(INP), em entrevista à <strong>EXAME</strong>. Carlos<br />

Zacarias revelou que está em curso o lançamento<br />

do 6.º concurso para a concessão<br />

de áreas para a pesquisa e produção<br />

de hidrocarbonetos, decorrendo agora<br />

acções de avaliação do potencial petrolífero,<br />

bem como a definição das áreas<br />

de concurso, incluindo discussões com<br />

os potenciais investidores. Até aqui, só<br />

nos últimos quinze anos Moçambique<br />

recebeu um investimento de mais de 10<br />

mil milhões de dólares em actividades de<br />

pesquisa e desenvolvimento nas bacias de<br />

Moçambique e Rovuma.<br />

Em que medida a conjuntura actual<br />

(COVID-19) compromete os<br />

investimentos feitos na indústria<br />

petrolífera?<br />

Em Moçambique, a combinação dos efeitos<br />

da COVID-19 e da baixa repentina do<br />

preço de petróleo levou a que algumas<br />

companhias petrolíferas a operarem na<br />

bacia do Rovuma revissem os seus planos<br />

de negócio. Com efeito, houve reformulação<br />

dos programas de trabalho, no<br />

entanto estas alterações serão ajustadas<br />

às fases subsequentes dos projectos por<br />

forma a respeitarem-se os prazos estabelecidos.<br />

“NÃO OBSTANTE A<br />

DESACELERAÇÃO DAS<br />

ACTIVIDADES E TODAS<br />

AS DIFICULDADES<br />

CRIADAS PELA ACTUAL<br />

CONJUNTURA, MANTÉM-<br />

-SE O ANO DE 2024<br />

COMO O INÍCIO DA<br />

PRODUÇÃO DO GÁS<br />

NATURAL LIQUEFEITO”<br />

Em que estágio se encontram os<br />

projectos de exploração de gás<br />

natural em curso no presente<br />

momento?<br />

Na área 4 da bacia do Rovuma as operações<br />

de perfuração e conclusão dos poços<br />

do projecto Coral Sul FLNG foram interrompidas<br />

temporariamente devido ao<br />

impacto da pandemia da COVID-19 para<br />

a rotação de pessoal. No entanto, a construção<br />

da plataforma flutuante Coral Sul<br />

prossegue como previsto na Coreia do<br />

Sul, sendo que o início da primeira produção<br />

de LNG está marcado para 2022.<br />

No Projecto Golfinho/Atum (Mozambque<br />

LNG) Área 1 da bacia do Rovuma,<br />

embora a Total tenha anunciado cortes<br />

de cerca de um quinto nas despesas de<br />

investimento e redução dos custos operacionais<br />

para <strong>2020</strong> a nível global, os investimentos<br />

e projectos prioritários, incluindo<br />

o Projecto Golfinho/Atum, não sofrerão<br />

qualquer redução. Não obstante a desaceleração<br />

das actividades e todas as dificuldades<br />

criadas pela actual conjuntura,<br />

mantém-se o ano de 2024 como o início<br />

da produção do gás natural liquefeito,<br />

tal como programado inicialmente, com<br />

uma produção anual de 12,88 milhões de<br />

toneladas (mtpa). No Projecto Rovuma<br />

LNG — Área 4 da bacia do Rovuma, a<br />

Rovuma Mozambique Venture (MRV),<br />

operadora do projecto, anunciou o adiamento<br />

da Decisão Final de Investimentos<br />

do Projecto, inicialmente previsto para<br />

<strong>2020</strong>, para uma data ainda não definida.<br />

Este adiamento deve-se fundamentalmente<br />

a cortes nas despesas operacionais<br />

em 15% das respectivas empresas-mãe.<br />

Não obstante, as concessionárias continuam<br />

as suas actividades e prevê-se que<br />

a DFI seja tomada logo que a conjuntura<br />

do mercado alterar. No Projecto de Produção<br />

de Gás de Pande/Temane — Blocos<br />

de Pande e Temane, bacia de Moçambique,<br />

a produção iniciou-se em 2004,<br />

com uma capacidade contratual de 120<br />

MGJ/a (milhões de gigajoules/ano) e um<br />

investimento inicial de 1,2 mil milhões<br />

de dólares, que expandiu em 2009 para<br />

a capacidade de produção de 120 para 183<br />

MGJ/a e posteriormente para 197 MGJ/a,<br />

em 2015. Actualmente a produção é de<br />

cerca de 190 MGJ/a (incluindo para o gás<br />

usado em operações). A pandemia mundial<br />

(COVID-19), que se vem alastrando<br />

de forma rápida desde Dezembro de 2019,<br />

obrigou à necessidade de tomada de medidas<br />

de precaução de modo a proteger os<br />

profissionais. Com efeito, a Sasol interrompeu<br />

algumas actividades, mantendo<br />

a continuação das suas operações e actividades<br />

críticas em Moçambique, como<br />

operações, serviços e actividades críticas<br />

de negócio, porém observando na íntegra<br />

as medidas de mitigação da COVID-<br />

19 decretadas pelo governo, bem como<br />

medidas internas da Sasol. No Projecto de<br />

Produção de Petróleo Leve, actualmente<br />

as actividades de perfuração, reparação e<br />

abandono de poços encontram-se suspensas<br />

devido ao alastramento da COVID-<br />

-19, devendo ser retomadas o mais breve<br />

possível em função dos desenvolvimentos.<br />

Nas novas áreas adjudicadas no 5.º<br />

concurso para pesquisa e produção de<br />

petróleo em Moçambique, o programa<br />

de actividades e orçamentos continua em<br />

consonância com os contratos rubricados<br />

aquando da concessão das áreas, não<br />

havendo por enquanto previsão de alteração,<br />

pelo menos a curto e médio prazos.<br />

Nos últimos dez a quinze anos qual<br />

foi o investimento total efectuado em<br />

operações petrolíferas em<br />

Moçambique?<br />

Nos últimos dez a quinze anos foram<br />

investidos mais de 10 mil milhões de dólares<br />

em actividades de pesquisa e desenvolvimento<br />

nas bacias de Moçambique<br />

e Rovuma.<br />

Quais são os projectos em<br />

perspectiva?<br />

Temos em vista o lançamento do 6.º concurso<br />

para a concessão de áreas para pesquisa<br />

e produção de hidrocarbonetos,<br />

decorrendo com acções de avaliação do<br />

potencial petrolífero bem como a definição<br />

das áreas de concurso, incluindo dis-<br />

junho <strong>2020</strong> | 57


COMMODITIES DOSSIER<br />

cussões com os potenciais investidores. A<br />

este processo seguir-se-á a submissão das<br />

propostas de áreas a serem submetidas a<br />

concurso à aprovação superior.<br />

Moçambique mantém o calendário<br />

para o desenvolvimento da produção<br />

de gás natural liquefeito?<br />

Pese embora tenha havido uma reformulação<br />

dos programas de trabalho estabelecidos<br />

com as companhias, importa referir<br />

que estas alterações serão ajustadas às fases<br />

subsequentes dos projectos por forma a<br />

respeitar-se o calendário para o desenvolvimento<br />

e produção do gás natural liquefeito.<br />

Assim sendo, o início da produção<br />

e carregamento do primeiro cargueiro<br />

de GNL do Projecto Coral Sul continua<br />

para 2022 e do Projecto Golfinho/Atum<br />

(Mozambique LNG) para 2024.<br />

Os riscos económicos da crise<br />

poderão dificultar a decisão final de<br />

investimento na bacia do Rovuma?<br />

“NOS ÚLTIMOS DEZ A<br />

QUINZE ANOS FORAM<br />

INVESTIDOS MAIS<br />

DE 10 MIL MILHÕES<br />

DE DÓLARES EM<br />

ACTIVIDADES<br />

DE PESQUISA E<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

NAS BACIAS DE<br />

MOÇAMBIQUE<br />

E ROVUMA”<br />

Como sabe, o FID é tomado por investidores<br />

tendo sempre em conta as condições<br />

objectivas (mercado e outros), pelo que é<br />

necessário que todas as condições objectivas<br />

estejam criadas para que os investidores<br />

decidam sobre os investimentos<br />

a constituir. Neste momento, o mercado<br />

é caracterizado, para além da COVID-<br />

19, por uma queda acentuada do preço<br />

de petróleo no mercado internacional.<br />

O preço do gás natural caiu, no<br />

entanto incomparavelmente menos<br />

que o do petróleo. Trata-se de um<br />

mercado muito mais estável?<br />

O preço de referência na indústria petrolífera<br />

é o petróleo. Todos os outros subprodutos<br />

associados à indústria têm os<br />

preços indexados ao preço do petróleo.<br />

Quaisquer variações do preço do petróleo<br />

afectam todos os outros subprodutos,<br />

incluindo o gás natural. Ademais, o<br />

efeito da queda dos preços do petróleo<br />

sobre os outros subprodutos não é imediato<br />

na medida em que existem cláusulas<br />

nos contratos de compra e venda<br />

(que são contratos de longo prazo) que,<br />

de certa forma, asseguram a flutuação<br />

dos preços. b<br />

REUTERS<br />

GÁS:<br />

O seu preço é afectado<br />

pelo valor do petróleo<br />

no mercado<br />

internacional<br />

58 | Exame Moçambique


junho <strong>2020</strong> | 59


COMMODITIES DOSSIER<br />

DESAFIOS GLOBAIS<br />

EXIGEM RESPOSTAS<br />

GLOBAIS<br />

A queda dos preços das commodities e o seu impacto ao nível das economias africanas,<br />

em especial em Moçambique, serviu como mote para o primeiro Webinar organizado pela<br />

União Europeia em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />

VALDO MLHONGO<br />

Não há dúvida de que a propagação<br />

da pandemia da<br />

COVID-19, que se vem<br />

alastrando de forma rápida<br />

desde Dezembro último,<br />

trouxe consigo um grande impacto ao<br />

nível da economia global. Para o continente<br />

africano, em particular Moçambique,<br />

cuja economia é fortemente dependente<br />

das exportações das matérias-primas, os<br />

impactos são enormes. Segundo dados<br />

revelados pelo ministro da Indústria e<br />

Comércio, Carlos Mesquita, os mercados<br />

globais consomem cerca de 88% das<br />

exportações de África, nomeadamente<br />

petróleo, minério e produtos agrícolas.<br />

Segundo Mesquita, África possui cerca de<br />

12% das reservas de petróleo do mundo,<br />

42% das reservas de ouro, cerca de 90%<br />

das reservas de metais, vastos recursos<br />

florestais e 60% das terras aráveis do pla-<br />

60 | Exame Moçambique


neta. “O desafio para a África é, e sempre<br />

foi, a capacidade limitada de agregar<br />

valor aos recursos naturais e a interligação<br />

entre diversos sectores na economia”,<br />

referiu o ministro da Indústria e Comércio<br />

durante a abertura do primeiro Webinar<br />

focado na queda dos preços das commodities<br />

e o seu impacto ao nível das economias<br />

africanas, organizado pela União<br />

Europeia em parceria com o Ministério<br />

da Indústria e Comércio e a EuroCam.<br />

Para Adriano Nuvunga, director do Centro<br />

para Democracia e Desenvolvimento<br />

(CDD), África precisa de uma boa governação<br />

para aproveitar da melhor forma<br />

as oportunidades de investimentos que<br />

surgem. Lembrou as oportunidades de<br />

investimentos que existiram, no passado<br />

recente, mas que foram mal aproveitadas.<br />

“Quando a África esteve no pico de recepção<br />

de investimento directo estrangeiro<br />

direccionado para o sector energético, deixou<br />

essa janela de oportunidade escapar”,<br />

referiu Adriano Nuvunga. Mostrou-se<br />

OS MERCADOS GLOBAIS<br />

CONSOMEM CERCA DE<br />

80% DAS EXPORTAÇÕES<br />

AFRICANAS<br />

de paradigma nas economias africanas.<br />

“O que estou a dizer é que não há neste<br />

momento um debate sobre o modo como<br />

África pode aproveitar este momento de<br />

crise para diversificar a sua economia.”<br />

Pietro Toigo, representante residente<br />

do Banco Africano de Desenvolvimento<br />

em Moçambique (BAD), mencionou uma<br />

série de projectos de apoio que o BAD<br />

tem na manga. Disse que, para já, a prioridade<br />

é assegurar a continuação de abastecimento<br />

de bens essenciais e a protecção<br />

das cadeias de fornecimento continentais.<br />

“Neste sentido estamos a trabalhar com<br />

as comunidades económicas regionais,<br />

com a coordenação das autoridades aduaneiras,<br />

esperamos anunciar um programa<br />

ao nível da SADC nos próximos dias.”<br />

No sector industrial, adiantou que a sua<br />

instituição pretende aproveitar a crise para<br />

ver como o continente africano se pode<br />

organizar em termos de uma estrutura<br />

económica diferente. Sobretudo, no que<br />

concerne a algumas das indústrias menos<br />

desenvolvidas no continente, nomeadamente<br />

a indústria farmacêutica. “Neste<br />

momento, que há uma procura coordenada,<br />

simultânea, de medicamentos, acho<br />

que teremos espaço para o desenvolvimento<br />

de uma indústria continental para<br />

satisfazer a procura”, salientou sem avançar<br />

números. Mas para que isso se materialize,<br />

referiu Toigo, “é preciso integrar a<br />

cadeia de valor ao nível continental e viabilizar<br />

ainda mais a integração regional”.<br />

DIVERSIFICAR A ECONOMIA<br />

A economia moçambicana é dependente<br />

dos sectores da mineração, produtos agrí-<br />

preocupado com aquilo que chamou de<br />

“endividamento excessivo”, e muitas das<br />

vezes “ilegal”, que afecta as possibilidades<br />

de as empresas internacionais atraírem<br />

o investimento. Para ele, a crise causada<br />

pela pandemia da COVID-19 deve servir<br />

como um incentivo para uma mudança<br />

em particular na protecção do que chamamos<br />

corredores verdes, para permitir<br />

o acesso do comércio de bens alimentares”,<br />

avançou. E não ficou por aí. “Também<br />

estamos a trabalhar numa iniciativa<br />

de coordenação da resposta da política de<br />

abertura dos mercados depois do lockdown<br />

WEBINAR:<br />

Uma parceria entre o Ministério<br />

da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />

moderado pela directora da <strong>EXAME</strong><br />

junho <strong>2020</strong> | 61


COMMODITIES DOSSIER<br />

ÁFRICA PODERÁ<br />

APROVEITAR A CRISE<br />

PARA DIVERSIFICAR<br />

A ECONOMIA<br />

rados”. O economista-chefe do Standard<br />

Bank considera ainda que num contexto<br />

em que a maior parte dos produtos que<br />

Moçambique exporta tem pouco valor<br />

acrescentado, “sempre que houver uma<br />

grande oscilação no preço desses produtos<br />

no mundo a economia está sujeita a sofrer<br />

um choque na balança de pagamentos”.<br />

Por parte do governo, Carlos Mesquita<br />

avançou que há um trabalho que está<br />

a ser feito na implementação de medidas<br />

de apoio às empresas para garantir a<br />

continuidade e o funcionamento possível<br />

das actividades produtivas e da economia<br />

como um todo. “A estratégia do<br />

governo passa por impulsionar a produção<br />

e a competitividade, potenciando a<br />

utilização dos recursos naturais, internos,<br />

de modo a dinamizar a cadeia de valor e<br />

incentivar a modernização e a diversificação<br />

da economia.”<br />

Os “desafios globais”, ditados pelos efeitos<br />

da pandemia da COVID-19, “precisam<br />

de respostas globais”, referiu Antonio<br />

Sanchez, embaixador da União Europeia,<br />

frisando a necessidade de multilateralismo,<br />

trabalho conjunto, para se vencerem<br />

os actuais desafios. “Na Europa<br />

RISCOS E OPORTUNIDADES:<br />

Os efeitos da crise pandémica foram debatidos no Webinar<br />

colas, energia e turismo, “onde a base de<br />

exportação consiste fundamentalmente<br />

em produtos não transformados”, assume<br />

Carlos Mesquita. Estima que a queda das<br />

exportações e os preços de produtos como<br />

o alumínio, o carvão mineral, o algodão<br />

e o açúcar, resultante da menor procura<br />

global das commodities, “terá consequências<br />

de longo prazo tendo em conta a<br />

fraca capacidade de os países africanos,<br />

em particular Moçambique, de enfrentarem<br />

a crise da COVID-19”. A conjuntura<br />

mundial obrigou o país a rever em<br />

baixa o crescimento económico do presente<br />

ano para 2,2%, com maior incidência<br />

no sector dos transportes, construção<br />

e turismo.<br />

Fáusio Mussá, administrador e economista-chefe<br />

do Standard Bank, assinalou<br />

que o impacto da oscilação dos preços<br />

das commodities tem a ver com o nível de<br />

dependência de cada uma das economias<br />

em relação aos recursos naturais. “No<br />

caso de Moçambique, apesar de existir<br />

uma relativa diversificação na contribuição<br />

para o produto interno bruto, o que<br />

observamos é que há uma grande dependência<br />

das commodities para a receita de<br />

exportação”, referiu, salientando que “seria<br />

mais saudável para uma economia como<br />

a de Moçambique que não só dependesse<br />

das receitas de exportação do carvão, ou<br />

de alumínio, mas que também tivesse no<br />

seu portefólio de produtos de exportação<br />

mais produtos da indústria manufactu-<br />

estamos dispostos a pôr a nossa experiência<br />

ao serviço dos países africanos”, disse.<br />

E Moçambique, referiu o embaixador, tem<br />

uma enorme vantagem nesse sentido pois<br />

é um país aberto e está inserido em diferentes<br />

espaços regionais. Mas isso, por si<br />

só, não basta. Há que haver maior diversificação<br />

económica. Apontou a revolução<br />

digital e a economia verde como dois dos<br />

grandes desafios do país, pois o potencial<br />

existe. É um facto que face à crise e<br />

à queda dos preços das commodities, as<br />

economias africanas precisam, cada vez<br />

62 | Exame Moçambique


mais, de diversificarem os investimentos<br />

em projectos com maior potencial de rentabilidade.<br />

Apesar disso, o representante<br />

residente do BAD em Moçambique acredita<br />

que, a médio prazo, a indústria do<br />

GNL tem um grande potencial para servir<br />

como “lubrificante” do crescimento<br />

económico de Moçambique dado que a<br />

crise actual se deve a uma queda da procura<br />

global, causada pela pandemia da<br />

COVID-19. Além disso, alguns factores<br />

geopolíticos provocarão o aumento da<br />

oferta. Para Toigo, o gás natural possui<br />

uma cadeia de valor muito diversificada,<br />

podendo ser um input na agricultura e na<br />

produção eléctrica doméstica, entre outras<br />

áreas. “Mesmo no contexto de diversificação,<br />

fora das commodities do sector extractivo,<br />

achamos que o gás natural liquefeito<br />

vai ter um papel âncora no desenvolvimento<br />

de Moçambique nos próximos vinte<br />

a trinta anos. Mas alerta que “vai precisar<br />

de um quadro de políticas e de um quadro<br />

regulamentar muito claro para alavancar<br />

o processo de industrialização<br />

e de diversificação económica”.<br />

Quem partilha a mesma linha do raciocínio<br />

é Simone Santi, presidente da Euro-<br />

Cam, entidade que congrega um conjunto<br />

de câmaras de comércio e associações<br />

similares europeias. Para ele, a queda do<br />

preço do gás natural no mercado internacional<br />

não significa, necessariamente, a<br />

insustentabilidade dos negócios de GNL<br />

da bacia do Rovuma. “O que conta mais é<br />

a quantidade das reservas de gás natural<br />

que Moçambique tem e o futuro da transição<br />

energética a nível global, que justificam<br />

a continuação dos megaprojectos<br />

no sector de hidrocarbonetos”, referiu.<br />

Santi lembrou ainda que a queda global<br />

no preço das commodities não decorre de<br />

fundamentos económicos, sendo antes<br />

especulativa e, portanto, os preços vão<br />

voltar a aumentar.<br />

A INDÚSTRIA DO GNL<br />

TEM POTENCIAL<br />

PARA SERVIR COMO<br />

“LUBRIFICANTE”<br />

DO CRESCIMENTO<br />

ECONÓMICO DE<br />

MOÇAMBIQUE<br />

PME EM SITUAÇÃO CRÍTICA<br />

A queda global dos preços das commodities<br />

tem também afectado as pequenas<br />

e médias empresas, que correspondem<br />

a mais de 90% do tecido empresarial<br />

moçambicano. Dados da Confederação<br />

das Associações Económicas de Moçambique<br />

(CTA) indicam que no sector do<br />

oil&gás, a nível laboral, foram repatriados<br />

vários especialistas estrangeiros e nacionais<br />

que estão envolvidos na implantação<br />

dos projectos de petróleo e gás na província<br />

de Cabo Delgado, afectando negativamente<br />

a produtividade de toda a cadeia<br />

de valor associada ao sector. Segundo a<br />

CTA, cerca de 160 PME na área mineira<br />

registaram uma redução significativa<br />

na facturação, o que corresponde a uma<br />

perda de receita estimada em cerca de<br />

12,6 milhões de dólares. Um cenário<br />

que, reduzindo a base de tributação, irá,<br />

sublinha Adriano Nuvunga, afectar ainda<br />

mais a situação deficitária do Orçamento<br />

do Estado. “Uma das principais fontes de<br />

financiamento Orçamento do Estado “é<br />

o pagamento do IRPS e as pessoas estão<br />

a ir para o desemprego”, precisou.<br />

Em termos de impactos directos, mais de<br />

500 PME associadas às indústrias extractivas,<br />

em particular no sector mineiro, estão<br />

afectadas pelos impactos da pandemia<br />

da COVID-19 até à data, pelo que cerca de<br />

85 suspenderam completamente as suas<br />

actividades devido à suspensão temporária<br />

dos contratos. Podem estar em risco<br />

26 350 postos de trabalho se a situação<br />

financeira das empresas se agravar. Pietro<br />

Toigo refere que o BAD poderá analisar<br />

a possibilidade de financiar algumas iniciativas<br />

através do Orçamento do Estado,<br />

abrangendo a protecção social e algumas<br />

medidas de apoio às PME, entre outras.<br />

“Estamos a considerar algumas intervenções<br />

directas de apoio ao sector privado<br />

através de linhas de créditos para bancos<br />

locais que posteriormente poderão<br />

ser disponibilizadas a PME”, avançou,<br />

salientando que “são linhas de créditos<br />

a longo prazo”.<br />

Quando “o novo normal” se estabelecer,<br />

Fáusio Mussá diz que o governo<br />

precisará de criar um ambiente macroeconómico<br />

estável, um ambiente em que<br />

as taxas de juros são estáveis e baixas<br />

por um período longo, para assegurar o<br />

alavancamento da competitividade das<br />

PME. “Penso que Moçambique já está a<br />

trabalhar nisso através das intervenções<br />

do governador de Banco de Moçambique.<br />

Mas também, defende Mussá, deve existir<br />

facilidade em fazer negócios em Moçambique<br />

e um ambiente de paz. “Há aqui<br />

um conjunto de desafios que as empresas<br />

pequenas e grandes enfrentam que<br />

têm de ser ultrapassados.”<br />

No seu discurso de encerramento, o<br />

embaixador da União Europeia reconheceu<br />

que numa crise todos perdem,<br />

mas também é possível aproveitar a crise<br />

para conceber algumas estratégias. Salientou<br />

que um dos pilares de um Moçambique<br />

mais forte, com mais capacidade nos<br />

próximos anos, é investir na juventude,<br />

na formação para aproveitar todas essas<br />

oportunidades que o país tem. b<br />

junho <strong>2020</strong> | 63


COMMODITIES DOSSIER<br />

CAJU: Um produto que<br />

pode voltar a ganhar a<br />

expressão que teve na<br />

economia moçambicana<br />

“O INVESTIMENTO ENCONTRA<br />

SEMPRE CAMINHO ONDE<br />

É BEM-VINDO”<br />

A Associação das Indústrias de Caju alerta para a queda do preço<br />

da amêndoa nos mercados internacionais, uma quebra ditada pela concorrência<br />

desleal e agravada pela pandemia<br />

RICARDO DAVID LOPES<br />

64 | Exame Moçambique


A<br />

fileira do caju perde terreno<br />

sobretudo devido à concorrência<br />

desleal da Índia<br />

e do Vietname e também<br />

por não haver medidas do<br />

Estado que privilegiem o empresariado<br />

nacional, alerta o vice-presidente da Associação<br />

das Indústrias de Caju (AICAJU).<br />

A baixa do preço internacional da amêndoa,<br />

em plena pandemia, vem agravar<br />

a situação.<br />

As exportações de castanha e de<br />

amêndoa de caju triplicaram em valor<br />

em 2019 face a 2018. O que esteve na<br />

origem deste desempenho?<br />

É fundamental fazer a distinção entre as<br />

exportações de castanha-de-caju, que é<br />

um produto em bruto, da amêndoa, que<br />

é processada e exportada com valor acrescentado.<br />

No contexto actual, 49% de todo<br />

o valor da cadeia, da árvore até ao consumidor<br />

final na UE ou EUA, é captado<br />

se o caju for processado no país. No que<br />

respeita à indústria foram processadas<br />

60 mil toneladas em 2018, 52 mil em 2019,<br />

e estima-se que 35 mil em <strong>2020</strong>.<br />

E a produção de matéria-prima?<br />

Tem vindo paulatinamente a aumentar,<br />

apesar de ainda estar longe das históricas<br />

250 mil toneladas de quando éramos os<br />

maiores produtores de caju do mundo. De<br />

acordo com dados do INCAJU, a campanha<br />

de comercialização em 2018/19 registou<br />

142 104 toneladas de castanha-de-caju<br />

comercializadas, que comparam com 129<br />

“O PREÇO DA AMÊNDOA<br />

CAIU MAIS DE 15% DESDE<br />

O INÍCIO DA CRISE E 25%<br />

FACE AO ANO PASSADO”<br />

643 toneladas no anterior. A indústria foi,<br />

num passado recente, responsável por mais<br />

de 50% da absorção da matéria-prima, mas as<br />

razões do decréscimo deste rácio prendem-<br />

-se com a implementação de políticas proteccionistas<br />

e encorajadoras do investimento<br />

e processamento industrial no Vietname e<br />

na Índia. Neste momento, afigura-se fundamental<br />

a actualização, da nossa parte,<br />

das políticas nacionais de defesa da indústria<br />

para continuarmos a ser competitivos.<br />

Têm surgido novos investimentos?<br />

Na indústria, houve uma grande consolidação<br />

e aumento da capacidade por parte dos players<br />

já existentes até 2016. Houve igualmente uma<br />

corrida à mecanização, entre 2010 e 2016,<br />

no sentido de nos mantermos competitivos.<br />

Em 2018, o Presidente Filipe Nyusi inaugurou<br />

a primeira fábrica de processamento que<br />

surgiu na zona Centro/Sul — Macia, Gaza<br />

— em mais de vinte anos. Trata-se de unidade<br />

totalmente mecanizada e orçamentada<br />

em mais de 7,5 milhões de dólares.<br />

No entanto, o espírito dos novos investimentos<br />

na indústria do caju moçambicana foi<br />

posto em espera devido à delapidação das<br />

condições para processar no país. Infelizmente,<br />

a produção comercial ainda não é<br />

uma realidade.<br />

Porquê?<br />

Devido a muitos constrangimentos: genética<br />

vegetal, pressupostos para a modelação<br />

financeira fidedignos e problemas<br />

de acesso a terra com escala comercial.<br />

Neste campo, acho que temos bastante a<br />

aprender com as experiências da Costa do<br />

Marfim e do Brasil. Seria interessante um<br />

acordo com o Brasil no que toca à investigação<br />

agrária, de modo a melhorarmos<br />

os nossos rendimentos ao nível do campo.<br />

É também neste âmbito que os industriais<br />

do caju pretendem implementar programas<br />

de capacitação dos produtores para o desenvolvimento<br />

de novos cajueiros. O objectivo<br />

é garantir às comunidades os recursos<br />

e infra-estrutura para apoiar a plantação<br />

do caju através de suporte técnico e financeiro.<br />

A indústria de caju nacional tem uma<br />

capacidade única de agregar valor à cadeia<br />

agrícola e fomentar a economia local. Estes<br />

fundamentos são já hoje espelhados no projecto-piloto<br />

de Malaipa, que visa integrar<br />

produtor e processador, com todos os benefícios<br />

que tal relação traz.<br />

Qual o emprego no sector?<br />

Estimam-se que existem mais de 1,4 milhões<br />

de famílias produtoras de caju no território<br />

moçambicano. Em relação à indústria,<br />

já empregou, num passado recente, cerca<br />

de 17 500 trabalhadores formais, na sua<br />

maioria, em mais de 75%, mulheres e contribuidores<br />

para a Segurança Social. Por<br />

outro lado, estima que há cerca de 25 mil<br />

chefes de família dependentes da cadeia de<br />

valor do processamento. E há mais de 250<br />

pequenas e médias empresas moçambicanas<br />

a trabalharem com os industriais.<br />

Quais os principais mercados de<br />

exportação deste produto?<br />

Os EUA e o mercado europeu continuam<br />

a ser os maiores, especialmente para amêndoas<br />

inteiras, bem como o Médio Oriente e<br />

alguns países sul asiáticos, mais para “grades”<br />

de partidas.<br />

Quais têm sido os principais<br />

junho <strong>2020</strong> | 65


COMMODITIES DOSSIER<br />

constrangimentos na produção<br />

industrial?<br />

As quebras do processamento da castanha-<br />

-de-caju justificam-se pelo contexto particularmente<br />

adverso em que os industriais<br />

nacionais estão a operar, com a crescente<br />

concorrência agressiva e protegida por parte<br />

de players internacionais, casos da Índia e<br />

do Vietname, e pela não actualização das<br />

medidas de resposta domésticas a este novo<br />

paradigma. Ao aumentar a sobretaxa da<br />

importação da amêndoa acabada de 45%<br />

para 70% no ano passado, a Índia aumentou<br />

ainda mais o poder de compra e a capacidade<br />

de influenciar mercados por parte<br />

dos seus industriais. Os processadores asiáticos<br />

podem agora comprar, em Moçambique,<br />

matéria-prima a preços inflacionados<br />

e desleais, desvirtuando o mercado com<br />

impacto negativo na indústria nacional,<br />

na cadeia de valor de transformação e, por<br />

último, nos cofres do Estado.<br />

E na exportação, há<br />

constrangimentos?<br />

Existem alguns problemas do foro logístico<br />

na exportação em bruto, mas, de uma<br />

maneira geral, não há problemas de maior.<br />

Importa referir que a exportação ilegal,<br />

sem pagamento da sobretaxa, continua a<br />

lesar o Estado moçambicano em milhões<br />

de dólares por ano, e claro que desvirtua<br />

a comercialização ao nível do campo.<br />

Estão previstos novos investimentos<br />

no sector?<br />

Neste momento todos os investimentos estão<br />

parados, por falta de um quadro regulatório<br />

e de fomento da indústria que inspire<br />

a confiança necessária para os industriais<br />

crescerem e consolidarem as suas operações,<br />

e que, por outro lado, atraia novos<br />

players. Contudo, acreditamos que, com<br />

um plano bem definido, poderíamos, em<br />

cinco anos, processar toda a castanha produzida<br />

em Moçambique. O investimento<br />

encontra sempre o seu caminho para onde<br />

é bem-vindo, mas para tal é necessário<br />

haver políticas que priorizem verdadeiramente<br />

que a castanha seja absorvida pelas<br />

fábricas moçambicanas e que, por outro<br />

lado, ofereçam um quadro de trabalho que<br />

seja propício ao crescimento da indústria.<br />

A QUEBRA (TONELADAS PROCESSADAS /mil ton)<br />

A indústria do caju, que processou 60 mil<br />

toneladas em 2018, prevê só processar 35 em <strong>2020</strong><br />

60 52 35<br />

2018 2019 <strong>2020</strong>*<br />

*previsão<br />

Quais os principais players?<br />

Existem cerca de 17 fábricas activas, apesar<br />

de este ano apenas estarem a laborar dez, no<br />

rescaldo das dificuldades que vivemos. Das<br />

17 fábricas, nove são de grande dimensão<br />

(mais de 3500 toneladas/ano), destacando-<br />

-se a Condor, a Olam, a ETG (Korosho) e a<br />

Gani Comercial (Caju Ilha), sendo as restantes<br />

de pequena e média dimensão.<br />

O ano está quase a meio, com a<br />

pandemia da COVID-19 a afectar todas<br />

as economias. Como está a evoluir o<br />

sector?<br />

As medidas de distanciamento e de higiene<br />

e segurança alimentar ditaram uma redução<br />

do nível de produção, no entanto o mais<br />

preocupante foi a queda significativa dos preços<br />

da amêndoa no mercado internacional.<br />

A indústria de processamento moçambicana<br />

é uma a que se chama single origin — toda a<br />

matéria-prima tem origem no mesmo país<br />

(Moçambique) — e é aprovisionada pelos<br />

processadores no curto espaço de tempo<br />

da campanha de comercialização — tradicionalmente<br />

de Outubro a Novembro no<br />

Norte do país, de Janeiro a Março no Sul.<br />

Isto quer dizer que os processadores assumem<br />

um risco de lock de custo de inventário<br />

de matéria-prima, obviamente em linha<br />

com o mercado do produto acabado, mas<br />

estando expostos às variações do preço da<br />

amêndoa acabada durante o resto do ano.<br />

O ano de <strong>2020</strong> fica inevitavelmente marcado<br />

pelo novo coronavírus, mas a nossa<br />

resiliência industrial faz-nos acreditar que<br />

ultrapassaremos os problemas causados<br />

desde que os fundamentais da indústria<br />

sejam repostos, em termos de políticas,<br />

em tempo útil.<br />

Os preços têm-se mantido estáveis<br />

ou há uma tendência de queda?<br />

Há uma tendência de queda, como disse.<br />

Este ano, a campanha de caju fica, inevitavelmente,<br />

marcada pela pandemia da<br />

COVID-19. Muito antes de os primeiros<br />

casos de infecção terem sido confirmados<br />

em Moçambique já o sector sentia o enorme<br />

impacto causado pela quebra dos mercados<br />

do Oriente, em particular da China.<br />

Em Janeiro, a exportação de amêndoa do<br />

Vietname para a China atingiu mínimos<br />

dos últimos cinco anos. Este facto quebrou<br />

a confiança dos mercados e levou os<br />

importadores ocidentais a reduzirem encomendas<br />

e a tentarem renegociar contratos<br />

já fechados. Estes tumultos nos mercados<br />

tiveram como resultado uma quebra significativa<br />

do preço da amêndoa, de mais<br />

de 15% desde o início da crise, e 25% face<br />

ao ano passado. Isto, para uma realidade<br />

industrial em que os volumes são enormes,<br />

mas as margens muito pequenas,<br />

é obviamente desastroso.<br />

Quais as perspectivas para este ano e<br />

os próximos, tendo em conta a<br />

necessidade de contenção de<br />

despesas públicas, que pode levar à<br />

redução de subsídios públicos?<br />

A nossa indústria, à imagem de muitas<br />

outras, obriga a que nos reinventemos<br />

constantemente. Estamos sempre<br />

à procura de eficiências, quer através da<br />

mecanização, quer através de sistemas<br />

de produção mais inteligentes que nos<br />

ajudem a poupar. A indústria do caju foi,<br />

durante os últimos vinte anos, sustentável<br />

por si própria, sem recurso a apoios<br />

estatais e grande contribuidora para os<br />

cofres do Estado, quer através das contribuições<br />

para o Instituto Nacional<br />

de Segurança Social (INSS), quer através<br />

de outras contribuições fiscais. b<br />

66 | Exame Moçambique


junho <strong>2020</strong> | 67


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

68 | Exame Moçambique


COM O APOIO DE:<br />

COMPRAR<br />

NA REDE<br />

O comércio electrónico ganhou fôlego<br />

com a pandemia. Tornou-se um recurso<br />

precioso para consumidores isolados ou<br />

socialmente distanciados. A prova de que<br />

as crises são também oportunidades?<br />

Decerto, mas com uma taxa de<br />

crescimento das transacções que não se<br />

manterá quando a procura voltar<br />

efectivamente à normalidade. Recebeu,<br />

em todo o caso, um grande impulso, que<br />

terá de consolidar com a segurança das<br />

transacções e a eficiência da logística.<br />

Terá de continuar a inovar<br />

70<br />

A HORA DO COMÉRCIO ELECTRÓNICO<br />

Com a crise as compras on-line<br />

dispararam<br />

72 CIBERSEGURANÇA<br />

No coração da inovação<br />

junho <strong>2020</strong> | 69


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

Procura e oferta foram abruptamente<br />

atingidas pela crise<br />

pandémica. É a primeira vez<br />

que tal acontece. Os Estados<br />

procuram garantir aos<br />

cidadãos parte do rendimento perdido e<br />

suster a queda da procura. As empresas<br />

adaptam a sua organização à nova realidade<br />

recorrendo massivamente às ferramentas<br />

digitais, que já tinham ao dispor<br />

mas raramente utilizavam. Mitigado, à<br />

medida do combate à pandemia, o consumo<br />

orientou-se para o comércio electrónico,<br />

o que redobra a importância da<br />

segurança das transacções on-line e da<br />

digitalização, por parte das empresas, de<br />

muitos dos seus procedimentos.<br />

O isolamento colocou, de facto, em todo<br />

o Hemisfério Norte, milhões de consumidores<br />

on-line. O distanciamento social<br />

que caracteriza agora uma fase em que<br />

muitos países ensaiam a reabertura das<br />

economias mantém a tendência para comprar<br />

na Internet. Foi aí que consumidores<br />

confinados passaram a fazer as suas<br />

compras essenciais, como a alimentação<br />

e produtos farmacêuticos, o que até<br />

já originou parcerias inovadoras entre<br />

empresas que operam nestes dois sectores.<br />

A fragmentação social ditada pela<br />

pandemia aumentou igualmente a procura<br />

por diversão on-line, assim como<br />

ENTRE OS MAIORES DESAFIOS<br />

DO COMÉRCIO ELECTRÓNICO<br />

FIGURAM A SEGURANÇA DAS<br />

OPERAÇÕES E A FIABILIDADE<br />

DA CADEIA LOGÍSTICA<br />

a compra de produtos informáticos. As vendas<br />

pela Internet aumentaram, em Abril,<br />

209% relativamente ao período homólogo<br />

de 2019, de acordo com a empresa de sistemas<br />

de pagamentos electrónicos ACI<br />

Worldwide. Entre os segmentos de retalho<br />

destaca-se o de videogames e jogos<br />

electrónicos, que registou, naquele mês,<br />

um aumento de 126% nas vendas.<br />

O comércio reformulou-se para responder<br />

à procura e há mesmo uma “economia<br />

do novo normal” , que durará enquanto<br />

durar a pandemia, o que ainda é uma incógnita.<br />

Contudo, mesmo quando tudo finalmente<br />

acabar, os consumidores manterão<br />

alguns dos hábitos adquiridos durante o<br />

surto. Para o comércio electrónico a crise<br />

representou a oportunidade de demonstrar<br />

a muitos consumidores que a este só<br />

recorriam esporadicamente que é uma<br />

alternativa ao comércio tradicional. E as<br />

empresas vão, doravante, investir ainda<br />

mais nos canais digitais.<br />

A oportunidade existe, e também os<br />

desafios. Entre os maiores figuram a segurança<br />

das operações e a fiabilidade da<br />

cadeia logística, própria ou contratada em<br />

alguns segmentos. A segurança das operações<br />

não é um tema novo, mas será cada<br />

vez mais decisivo para o sucesso do negócio<br />

on-line. Se o consumidor não sentir<br />

que os sistemas de pagamentos e as transacções<br />

estão completamente a salvo dos<br />

ataques dos hackers, cada vez em maior<br />

número e mais sofisticados, evitará fazer<br />

compras on-line. O incremento da digitalização<br />

induzido pela crise foi, de acordo<br />

com a empresa francesa de tecnologia e<br />

segurança Thales, acompanhado pelo<br />

aumento de ataques informáticos. A rápida<br />

disseminação do novo coronavírus tornou-se<br />

uma arma para os cibercriminosos<br />

que atacam os sistemas de informação de<br />

empresas, organizações e indivíduos com<br />

objectivos financeiros e de espionagem.<br />

A meio do mês de Maio a companhia aérea<br />

britânica EasyJet revelou ter sido alvo de<br />

um ciberataque “altamente sofisticado”<br />

que comprometeu os dados pessoais de<br />

cerca de 9 milhões de clientes. A transportadora,<br />

em grandes dificuldades devido<br />

à quebra gigantesca nas viagens aéreas,<br />

precisou que os piratas informáticos tiveram<br />

acesso aos endereços de e-mail e aos<br />

pormenores de viagem dos passageiros,<br />

ISOLAMENTO:<br />

Fez disparar as compras on-line


e num número mais restrito de casos,<br />

de 2208 pessoas, aos dados dos cartões<br />

de crédito. Os ataques cibernéticos multiplicaram-se<br />

em vários países, atingindo<br />

as mais diferentes empresas, algumas de<br />

grande dimensão que, embora detendo a<br />

intrusão criminosa com as suas defesas,<br />

não deixaram de ver alguns dos seus sistemas<br />

afectados. A cibersegurança ganha<br />

assim um novo papel, não só porque se<br />

intensificam e sofisticam os ataques informáticos,<br />

mas igualmente porque surgem<br />

novos tipos de criminosos, como é o caso<br />

dos hackers activistas, que não se movem<br />

pelos objectivos tradicionais e infligem<br />

novos e pesados danos às organizações.<br />

CLICK AND COLLECT<br />

Muitas empresas, algumas das quais<br />

grandes retalhistas, não estavam preparadas<br />

para um aumento tão repentino<br />

e tão drástico das compras on-line.<br />

Alguns sites chegaram a “entupir” face à<br />

avalanche das solicitações por parte dos<br />

consumidores, que foram colocados em<br />

listas de espera. Noutros casos, emergiram<br />

sérios embaraços com a logística de<br />

distribuição dos produtos adquiridos.<br />

O sistema click and collect revelou-se<br />

uma solução para o congestionamento<br />

gerado nos sistemas logísticos. Tal aconteceu,<br />

por exemplo, em Itália, o primeiro<br />

país europeu a ser devastado pela pandemia.<br />

Nos primeiros quatro meses do ano<br />

a Itália acrescentou 2 milhões de novos<br />

compradores digitais, segundo dados de<br />

um estudo Netcomm Forum Live <strong>2020</strong>.<br />

Os sistemas de entrega debateram-se com<br />

dificuldades perante a explosão das compras.<br />

Grande parte das empresas recorreu<br />

então ao click and collect para fazer<br />

chegar as encomendas aos consumidores.<br />

Através do click and collect, o consumidor<br />

escolhe o seu produto no site da loja,<br />

efectua toda a operação de forma digital<br />

(pedido, pagamento, etc.) e diz ainda<br />

onde quer levantar a encomenda. Deixa<br />

assim de pagar um valor suplementar para<br />

AS COMPRAS FEITAS POR<br />

PROCESSOS DIGITAIS NÃO<br />

PODEM ATRASAR-SE NEM<br />

SER POUCO CONFORTÁVEIS<br />

PARA O CONSUMIDOR<br />

que o produto lhe seja entregue em casa,<br />

o que pode encurtar o prazo de entrega.<br />

O local de levantamento podem ser os<br />

Correios ou uma loja, como, por exemplo,<br />

uma farmácia ou o mini-mercado<br />

mais próximo, o que se revelou particularmente<br />

oportuno durante os confinamentos<br />

ditados pelo vírus.<br />

O comércio electrónico joga decisivamente<br />

a sua credibilidade na eficácia e<br />

flexibilidade da entrega. Não pode atrasar-se<br />

nem obrigar o consumidor a ficar<br />

amarrado à eventualidade da entrega.<br />

Mesmo em tempos de pandemia não<br />

pode contrariar a sua mobilidade. Muitas<br />

empresas contratam distribuidores<br />

especializados, os quais permitem aos<br />

pequenos negócios um canal de escoamento<br />

importante. O click and collect é<br />

outra alternativa interessante e os Correios<br />

são uma boa opção. Mas outras lojas convenientes<br />

para o consumidor irão aderir<br />

a este sistema, dado que o levantamento<br />

da encomenda representa igualmente uma<br />

oportunidade de compra.<br />

Se a segurança das transacções e a eficiência<br />

na distribuição forem asseguradas,<br />

o comércio electrónico será um dos<br />

vencedores da pandemia. Os novos clientes<br />

trazidos pelas quarentenas não são<br />

sobretudo os completamente neófitos em<br />

matéria de compras on-line. Trata-se de<br />

consumidores que já tinham hábitos digitais,<br />

mas utilizavam as transacções electrónicas<br />

nas compras ligadas a software<br />

ou com carácter ocasional. A pandemia<br />

alargou bruscamente as categorias de<br />

produtos que estes consumidores, que já<br />

não eram alheios ao meio digital, passaram<br />

a comprar nas plataformas da rede.<br />

É muito possível que mantenham muitos<br />

dos hábitos adquiridos no pós-pandemia.<br />

Como também é provável que o comércio<br />

electrónico ganhe proximidade física<br />

do consumidor. A possibilidade de este<br />

poder levantar o produto onde e quando<br />

quer traduz essa proximidade. É que as<br />

vantagens de tirar partido da panóplia de<br />

meios electrónicos de que dispõe tornaram-se,<br />

com a limitação da mobilidade,<br />

evidentes para o consumidor. b<br />

OLHAR PARA A LOGÍSTICA<br />

Apesar do grande potencial do comércio electrónico é preciso que as empresas<br />

tenham uma logística bem estruturada. Para isso têm de olhar para a:<br />

CULTURA DA<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

ORGANIZAÇÃO<br />

E GESTÃO<br />

DOS STOCKS<br />

O CLIENTE,<br />

O CENTRO<br />

DE TODO<br />

O PROCESSO<br />

DE VENDA<br />

junho <strong>2020</strong> | 71


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

CIBERSEGURANÇA<br />

NO CORAÇÃO<br />

DA INOVAÇÃO<br />

O relatório anual da consultora global EY sobre<br />

cibersegurança acentua que os riscos aumentaram<br />

e que este é o momento para colocar a segurança digital<br />

das empresas no centro da sua actividade de inovação<br />

e transformação<br />

Com que frequência a cibersegurança<br />

surge na agenda da administração?<br />

29%<br />

CIBERSEGURANÇA<br />

EM AGENDA<br />

10% 7%<br />

29%<br />

25%<br />

Anualmente<br />

Trimestralmente<br />

Ad-hoc (cadência incerta)<br />

Outras cadências<br />

Nunca<br />

Fonte: GISS <strong>2020</strong>/EY.<br />

N<br />

a edição deste ano do “Global<br />

Information Security<br />

Survey (GISS)”, da EY, a<br />

cibersegurança não apenas<br />

envolve riscos como tem de<br />

ser encarada na perspectiva da inovação<br />

e da mudança. A EY está convencida de<br />

que existe actualmente uma clara oportunidade<br />

de colocar a questão da cibersegurança<br />

no coração da actividade de<br />

inovação e transformação das empresas.<br />

Isto reclama a participação dos gestores<br />

de segurança da informação (CISO na<br />

sigla internacional), da administração, das<br />

equipas de gestão que operam a um nível<br />

superior. O objectivo é que a segurança<br />

cibernética constitua um valor-chave no<br />

processo de transformação digital e criar<br />

um clima de confiança e cooperação das<br />

equipas responsáveis pela segurança e as<br />

equipas que actuam nas organizações.<br />

As empresas que conseguirem este nível<br />

de colaboração entre os especialistas em<br />

segurança cibernética e a restante organização<br />

criam uma “oportunidade de<br />

ouro” para obter vantagens competitivas<br />

e diferenciação. Esta é a melhor resposta a<br />

um mercado que se apresenta disruptivo.<br />

Sérgio Martins, Associate Partner Cybersecurity<br />

Services da EY em Moçambique,<br />

assinala que “mais de duas décadas após<br />

a EY ter começado a reportar os esforços<br />

das organizações para proteger a sua<br />

segurança cibernética, a ameaça continua<br />

a aumentar e a transformar-se. Enfrentamos<br />

mais ataques do que nunca, e de<br />

uma gama mais ampla de produtos cada<br />

vez mais criativos de actores maléficos<br />

— em geral com motivações muito dife-<br />

72 | Exame Moçambique


entes”. A boa notícia, acrescenta Sérgio<br />

Martins, é que as empresas e os gestores<br />

mostram-se actualmente muito mais<br />

empenhados com a segurança informática<br />

das suas operações e com a garantia<br />

da privacidade.<br />

O documento da EY salienta que a criação<br />

de indicadores de desempenho e risco<br />

e a sua comunicação adequada é fundamental<br />

para que o nível de cibersegurança<br />

e o seu envolvimento no negócio possam<br />

ser acompanhados pelos órgãos de administração<br />

e gestão das empresas.<br />

Há todas as vantagens em integrar a<br />

cibersegurança no negócio como elemento<br />

competitivo e diferenciador, sublinha o<br />

estudo, pois não HACKERS: só os ataques aumentam,<br />

como a sua Uma natureza ameaça é preocupante.<br />

crescente<br />

Os activistas hackers à segurança que, na esteira de<br />

Julian Assange, da acedem digitalização aos media, confessam-se<br />

movidos das empresas por causas sociais e<br />

geram controvérsia na opinião pública.<br />

Repartem já praticamente a maior parte<br />

dos ataques efectuados com os cibercriminosos<br />

tradicionais. É também significativo<br />

que entre a autoria, voluntária ou<br />

involuntária, dos ataques, figure em terceiro<br />

lugar, no inquérito realizado pela<br />

EY, a fragilidade dos funcionários. Como<br />

diz Sérgio Martins, “temos de pensar<br />

o ciberespaço doutra forma, protegendo-<br />

-nos contra as campanhas desencadeadas<br />

por actores que pretendem atingir<br />

objectivos próprios — e isso requer um<br />

nível diferente de integração do negócio”.<br />

As soluções de cibersegurança devem<br />

marcar presença desde as primeiras fases<br />

do lançamento de novas iniciativas, concretizar-se<br />

naquilo que a EY designa uma<br />

cultura de “Security by Design”. Assim, e<br />

tendo em vista este objectivo, os directores<br />

de segurança informática devem estreitar<br />

o relacionamento com os seus colegas<br />

ao longo da organização, incluindo funções<br />

como o marketing, a investigação<br />

junho <strong>2020</strong> | 73


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

PASSOS<br />

CIBERSEGUROS<br />

1.Reconhecer<br />

que a cibersegurança<br />

é um valor essencial na<br />

transformação digital<br />

2.Estabelecer uma relação<br />

de confiança com<br />

as outras funções<br />

da organização<br />

3.Implementar<br />

as estruturas<br />

de governança adequadas<br />

Fonte: EY/GISS <strong>2020</strong>.<br />

e desenvolvimento e as vendas, assim<br />

como incrementar a colaboração com<br />

a administração e a direcção executiva.<br />

AINDA À DEFESA<br />

O estudo da EY mostra que a maioria (60%)<br />

das organizações ainda joga “à defesa” no<br />

que respeita à cibersegurança, procurando,<br />

quando há um reforço da atenção ou do<br />

orçamento dedicado ao assunto, acautelar,<br />

acima de tudo, o risco. Integrá-la<br />

no negócio logo nas primeiras etapas de<br />

novas iniciativas não constitui, pois, a<br />

principal preocupação. Embora a transformação<br />

digital surja no radar de 14%<br />

das organizações interpeladas pelo estudo,<br />

apenas 6% destas elegem as tecnologias<br />

emergentes como uma área prioritária.<br />

Um exemplo: apesar de serem correntes<br />

nos media as preocupações relacionadas<br />

com a exposição perigosa que a ligação<br />

PORQUE INVESTEM EM<br />

CIBERSEGURANÇA<br />

As iniciativas dirigidas ao risco preponderam<br />

nos novos investimentos em cibersegurança<br />

3% 3%<br />

9%<br />

9%<br />

29%<br />

Redução do risco (ameaças emergentes)<br />

Requisitos de conformidade<br />

Crise (intrusão)<br />

Novos negócios<br />

Redução de custos<br />

Outros<br />

Fonte: GISS <strong>2020</strong>/EY.<br />

CONFIANÇA NAS DEFESAS<br />

A maior parte dos administradores mostra<br />

"alguma" confiança nas medidas contra<br />

ciberataques<br />

4%<br />

20%<br />

30%<br />

Pouca confiança<br />

Alguma confiança<br />

Elevada confiança<br />

Extrema confiança<br />

Nada confiantes<br />

Fonte: GISS <strong>2020</strong>/EY.<br />

13%<br />

47%<br />

33%<br />

de diferentes dispositivos pode acarretar,<br />

somente 6% das iniciativas dirigidas<br />

à Internet das coisas contemplam novos<br />

gastos em cibersegurança. O relatório<br />

revela que estes se orientam muito mais<br />

para áreas de risco mais tradicionais,<br />

como assegurar a privacidade de dados,<br />

o objectivo no qual mais se investe, do<br />

que para tecnologias emergentes como<br />

a inteligência artificial (IA), robótica ou<br />

a adopção de blockchain. Cerca de 17%<br />

das organizações aplica 5%, ou menos,<br />

dos seus orçamentos de cibersegurança<br />

em novas iniciativas e 44% delas aplica<br />

menos de 15%. Além disso, a cibersegurança<br />

é vista como uma função que<br />

mantém a organização segura, mas não<br />

como um aliado essencial no processo<br />

de transformação. Se 29% dos inquiridos<br />

no estudo da EY associam a função<br />

à protecção da empresa, apenas 7% concordam<br />

que ela “permite a inovação com<br />

confiança”.<br />

Integrar a cibersegurança em novas iniciativas<br />

e tecnologias emergentes, introduzindo<br />

uma nova cultura na matéria, terá<br />

de ter em conta que as organizações continuam<br />

a confrontar-se com as ameaças<br />

tradicionais dirigidas às respectivas operações.<br />

“Enquanto 72% dos participantes<br />

no estudo afirmam ter detectado a intromissão<br />

mais significativa dos últimos doze<br />

meses no espaço de um mês, 28% dizem<br />

que o problema levou mais tempo a descobrir”,<br />

assinala o relatório. Os responsáveis<br />

pela cibersegurança terão obviamente<br />

como prioridade defender a organização,<br />

mas terão de adaptar-se, tornando<br />

esta função mais eficaz, e de assumir, de<br />

uma forma proactiva, a transformação<br />

da organização e a evolução do cenário<br />

de ameaças externas. O estudo considera<br />

que a cibersegurança, ao invés de ser percepcionada<br />

como um obstáculo à transformação<br />

e inovação, por estas mexerem<br />

com o nível de risco, pode trazer soluções<br />

viáveis a qualquer problema, funcionando<br />

como um parceiro em quem confiar. b<br />

74 | Exame Moçambique


NÚMEROS DO RELATÓRIO DA EY<br />

36% das organizações admitem<br />

envolver a cibersegurança nas<br />

novas iniciativas de negócios<br />

59% das organizações dizem<br />

que o relacionamento da<br />

cibersegurança nas novas áreas de<br />

negócio é, quanto muito, neutro<br />

20% das administrações<br />

mostram-se confiantes de que<br />

os riscos cibernéticos e as medidas<br />

de mitigação que lhes são dadas<br />

a conhecer protegem as suas<br />

organizações dos principais<br />

ciberataques<br />

7% das organizações consideram<br />

que a cibersegurança impulsiona<br />

a inovação<br />

60% das organizações não<br />

possuem um responsável pela<br />

cibersegurança que tenha lugar<br />

na administração ou ao nível<br />

da direcção<br />

86% das organizações revelam<br />

que novos investimentos em<br />

cibersegurança são justificados<br />

principalmente pela prevenção<br />

de crises ou adequação<br />

a conformidades<br />

59% das organizações<br />

experimentaram uma tentativa<br />

de intrusão ou uma intrusão<br />

concretizada nos últimos doze<br />

meses<br />

14% dos novos recursos afectos<br />

à cibersegurança são aplicados<br />

nos programas de transformação<br />

digital<br />

92% dos administradores estão<br />

envolvidos na direcção da<br />

cibersegurança cibernética,<br />

mas apenas 20% se mostram<br />

extremamente confiantes<br />

nas medidas de mitigação<br />

de ciberataques<br />

54% das organizações inscrevem<br />

regularmente a cibersegurança<br />

na agenda da administração<br />

25% das organizações mostram-<br />

-se capazes de quantificar do<br />

ponto de vista financeiro a eficácia<br />

dos seus gastos em cibersegurança<br />

Fonte: EY/GISS <strong>2020</strong>.<br />

junho <strong>2020</strong> | 75


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

MEIOS DIGITAIS VÃO<br />

SER OS PREFERIDOS<br />

Sérgio Gomes, Head of Retail, SME and Channels do FNB, tira ilações da crise e acentua<br />

a corrida ao digital. A pressão que as fintechs colocam à banca, considera, impulsiona<br />

soluções e canais digitais<br />

Acorrida ao digital está em<br />

curso e, para os bancos, o<br />

objectivo é corresponder ou<br />

mesmo exceder as expectativas<br />

dos clientes. Sérgio<br />

Gomes, Head of Retail, SME and Channels<br />

do FNB, nota que sectores económicos<br />

inteiros irão experimentar uma revolução.<br />

A crise global da COVID-19 poderá dar<br />

um grande impulso à digitalização da<br />

actividade económica?<br />

A crise originada pela COVID-19 tem certas<br />

particularidades que poderão acelerar<br />

o processo de digitalização da economia<br />

que já vinha adquirindo algum momentum<br />

durante a última década. Nos mais<br />

variados sectores económicos existem diferentes<br />

incentivos que estão a revelar-se fundamentais<br />

para uma corrida generalizada<br />

pela digitalização. Se, por um lado, sectores<br />

como o retalho e o comércio em geral, distribuição<br />

e serviços profissionais vinham<br />

já num acelerado processo de substituição<br />

de meios físicos por digitais, outros sectores<br />

há que ou se encontravam a meio do<br />

processo ou ainda a tentar reinventá-lo.<br />

São os sectores que se podem dar como<br />

mais penalizados. Uma crise económica<br />

ou financeira serve sempre de forte incentivo<br />

a que se operem pequenas ou grandes<br />

revoluções a nível de processos e modelos<br />

de negócio, e será muito interessante<br />

compreender como se vão reinventar as<br />

indústrias de hotelaria e turismo, restauração,<br />

transportes e entretenimento. Por um<br />

lado, poderão observar uma grande revolução<br />

e serem substituídas, numa base de<br />

progresso digital, que por exemplo poderá<br />

significar um maior consumo de take-<br />

-away ou uma maior propensão ao consumo<br />

de tecnologias que nos aproximem<br />

da realidade virtual em substituição do<br />

consumo de turismo. Por outro lado, podemos<br />

observar revoluções mais associadas<br />

ao processo, com uma progressão tecnológica<br />

que sustenta não a substituição das<br />

indústrias, mas o progresso interno, com<br />

alteração de processos e modelos de negócio.<br />

Um dos grandes exemplos da última<br />

década a este nível foi a chamada gig economy,<br />

com o aparecimento de Uber, Air-<br />

Bnb e outras plataformas que permitiram<br />

o fomento do trabalho em nome individual<br />

e de uma indústria de serviços alimentada<br />

por um modelo de negócio totalmente inovador<br />

e alavancado nas tecnologias digitais.<br />

Se associarmos o fenómeno da gig<br />

economy ao impulso de trabalho a partir<br />

de casa, um dos fenómenos muito interessantes<br />

que podem vir a ganhar dimensão<br />

tem a ver com o próprio mercado de trabalho<br />

e a forma como trabalhadores e empresas<br />

se vão relacionar, sendo cada vez mais<br />

comum a força de trabalho das empresas<br />

não estar concentrada num “escritório”<br />

mas distribuída pelo mundo e potencialmente<br />

com arranjos contratuais inovadores<br />

e muito mais associados a resultados e<br />

entregas específicas. Na essência, os agentes<br />

económicos vão sempre procurar maximizar<br />

o seu lucro, e sendo a redução de<br />

custos e o alcance de mercado derivadas<br />

fundamentais, o processo de digitalização<br />

estará no foco de todo o decisor. Observamos<br />

mais que nunca um passo fundamental<br />

para uma “4.ª revolução industrial” — a<br />

crise da COVID-19 funciona, sem dúvida,<br />

como catalisadora.<br />

As transacções digitais vão ganhar<br />

mercado àquelas ligadas a uma<br />

presença física?<br />

De Janeiro a Março de <strong>2020</strong> as aquisições<br />

em ambiente e-commerce a nível global<br />

aumentaram 1,5 biliões, um número<br />

extraordinário e muito associado ao facto<br />

de grande parte da população com acesso<br />

a estes meios estar confinada, mas também<br />

ao facto de muitos dos retalhistas<br />

já terem processos digitais e de entregas<br />

muito robustos.<br />

De acordo com a Forbes, retalhistas<br />

on-line americanos tiveram aumentos<br />

de 68% em receitas quando se compara<br />

o primeiro trimestre de <strong>2020</strong> com igual<br />

76 | Exame Moçambique


período de 2019, e 129% de aumento de<br />

pedidos. Interessante também o facto<br />

de 72% dos pedidos serem feitos através<br />

de apps móveis instaladas em smartphones<br />

e não através de computador. Isto leva-nos<br />

à crescente apetência do consumidor pelo<br />

consumo digital e por via digital, fomentando<br />

ainda mais o e-commerce. O crescimento<br />

da quota de mercado de transacções<br />

originadas por meios digitais não presenciais<br />

ganha assim uma dimensão crescente<br />

e considerável e será muito rapidamente o<br />

meio preferencial de aquisição de serviços<br />

e bens. Não só é um meio de crescimento<br />

seguro, como a sua conveniência e resiliência<br />

ficaram comprovados na recente<br />

crise da COVID-19. Rapidamente entraremos<br />

numa dinâmica de mercado em<br />

que os meios digitais de encomenda, pagamento<br />

e entrega não serão diferenciadores,<br />

mas sim a base dos negócios, sendo<br />

A CRISE DA COVID-19<br />

IMPULSIONA OS MEIOS<br />

DE PAGAMENTO DIGITAIS<br />

E REFORÇA O PAPEL<br />

DAS FINTECHS<br />

que a evolução irá alavancar-se mais na<br />

inteligência artificial e na capacidade de<br />

se anteciparem as necessidades do consumidor<br />

e atacar aquilo a que se chama o<br />

“ZMOT – Zero moment of truth”, ou seja,<br />

o momento-chave em que o cliente toma<br />

a decisão de consumo.<br />

A digitalização da banca vai acelerar?<br />

Os serviços financeiros em geral foram<br />

das primeiras indústrias a abraçar o processo<br />

de digitalização. Esta evolução para o<br />

mundo digital ocorreu a duas velocidades.<br />

As organizações dominantes do mundo<br />

financeiro tiveram uma progressão mais<br />

lenta, adaptando-se ao ritmo do seu desejo<br />

de investir e com menor orientação para o<br />

cliente. Já os bancos de menor dimensão<br />

ou as fintechs que começaram aos poucos<br />

a surgir no início do milénio (por exemplo<br />

o Paypal), tomaram a sua progressão<br />

digital como elemento diferenciador<br />

fundamental e como forma de poderem<br />

mais rapidamente penetrar o mercado e<br />

assegurar uma posição e balanço que sustentasse<br />

a sua operação. Quando a banca<br />

tradicional, e nomeadamente os bancos<br />

de maior dimensão, viram certas linhas<br />

de negócio a perderem força e a impactarem<br />

negativamente nos seus resultados, o<br />

instinto virou-se para duas opções: desafiar<br />

e tentar eliminar a fintech ou o banco<br />

challenger, ou então adquiri-los em mercado.<br />

Este tipo de estratégias era notoriamente<br />

claro, por exemplo, aquando do<br />

forte crescimento do M-Pesa da Safaricom,<br />

tendo a generalidade dos bancos do<br />

Quénia optado por tentar desafiar, criando<br />

as suas próprias e-wallets e serviços digitais.<br />

Isto resultou num dos maiores saltos<br />

no que respeita ao desenvolvimento de um<br />

mercado financeiro, beneficiando grandemente<br />

os clientes a nível de SLA (Service<br />

Level Agreement), qualidade do serviço,<br />

redução de custos e opções em mercado.<br />

Este fenómeno tem-se repetido ao longo<br />

do tempo, e embora a estratégia dominante<br />

SÉRGIO GOMES:<br />

A crise deu um<br />

grande impulso<br />

à digitalização<br />

venha sendo actualmente a da colaboração<br />

com fintechs, quer pela interoperabilidade<br />

como no caso do M-Pesa, quer pela contratação<br />

de serviços da fintech especializada<br />

em determinados segmentos ou áreas de<br />

actuação bancária, a pressão que as fintechs<br />

colocam aos bancos é um dos maiores<br />

impulsionadores do desenvolvimento<br />

das soluções digitais e dos canais digitais.<br />

A crise da COVID-19 apenas vem acentuar<br />

a necessidade do desenvolvimento de<br />

meios de pagamento digitais e reforçar o<br />

papel das fintechs. O e-commerce é sustentado<br />

por um pilar essencial de pagamentos<br />

instantâneos, sem complexidade e com<br />

baixo custo para os intervenientes, e as fintechs<br />

estão rapidamente a dominar esse<br />

espaço, encontrando-se inclusive protegidas<br />

por regulação, como é o caso recente da<br />

União Europeia com a directiva DSP2, que<br />

vem abrir possibilidades enormes a nível<br />

do acesso e integração de meios de pagamento.<br />

Vamos continuar a assistir igualmente<br />

à crescente inovação e diferenciação<br />

de produtos e serviços, com maior utilização<br />

de blockchain, novas modalidades de<br />

financiamento do retalho, desenvolvimento<br />

das carteiras virtuais e smart contracts. b


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

BANCOS DEVEM INOVAR<br />

AS PLATAFORMAS<br />

Para Sansão Monjane, Head of IT do FNB, os bancos precisam de manter o ritmo<br />

de mudança, inovando as plataformas e introduzindo novas ferramentas que criem<br />

diferenciação<br />

SANSÃO MONJANE:<br />

As empresas devem<br />

apetrechar-se<br />

das tecnologias<br />

e dos padrões<br />

de conformidade<br />

mais actualizados<br />

As marcas vão conferir renovada<br />

prioridade aos seus<br />

investimentos digitais e<br />

reconsiderar tanto o seu<br />

posicionamento como o dos<br />

seus produtos, antecipa Para Sansão Monjane,<br />

Head of IT do FNB, face às grandes<br />

alterações verificadas pelo comportamento<br />

dos consumidores durante a crise pandémica<br />

e à evidente aceleração da transformação<br />

digital.<br />

Que desafio comporta para os bancos<br />

contarem com mais clientes do<br />

comércio electrónico?<br />

Ao mesmo tempo que o mercado de comércio<br />

electrónico passa por uma transformação<br />

acelerada, os consumidores exigem<br />

serviços e experiências que sejam melhores<br />

e mais rápidos. Os bancos precisam de<br />

manter o ritmo de mudança e aumentar a<br />

oferta inovando as suas plataformas com<br />

novas ferramentas, como análises, melhores<br />

interfaces, melhores integrações para<br />

criar diferenciação, para corresponder ou<br />

mesmo exceder as expectativas dos clientes.<br />

Durante a pandemia, juntamente com<br />

o uso massivo de ferramentas digitais,<br />

assistimos a um aumento de ataques<br />

cibernéticos. Estes são uma ameaça ao<br />

comércio electrónico, aumentando o<br />

risco de fazer negócios?<br />

78 | Exame Moçambique


AS ORGANIZAÇÕES<br />

DEVEM SER VISTAS<br />

COMO UM LOCAL SEGURO<br />

PARA OS UTILIZADORES<br />

PARTILHAREM OS SEUS DADOS<br />

PESSOAIS E REALIZAREM<br />

TRANSACÇÕES<br />

A pandemia da COVID-19 está a trazer<br />

grandes mudanças no comportamento<br />

do consumidor, acelerando a transformação<br />

digital em direcção aos media sociais,<br />

e-learning e e-commerce, fazendo com que<br />

as marcas voltem a priorizar os investimentos<br />

digitais e reconsiderem quer o seu<br />

posicionamento quer o do produto. Estes<br />

canais estão a ganhar maior importância<br />

e, por outro lado, há quem procure obter<br />

vantagens com a sua exploração.<br />

Hoje, os ciberataques são uma das maiores<br />

ameaças ao mercado dos negócios digitais,<br />

não apenas pelo facto de poderem<br />

causar perda de receita, mas também por<br />

poderem prejudicar a reputação de qualquer<br />

instituição, fazendo com que não se<br />

sinta segura.<br />

Quais os ataques informáticos mais<br />

frequentes?<br />

São de três tipos os ataques cibernéticos<br />

mais comuns: a recusa de serviços (DoS),<br />

o “homem no meio” (MitM) e o phishing.<br />

Cada ataque variará de acordo com o objectivo.<br />

Por exemplo, o objectivo do DoS é<br />

colocar os sistemas de uma empresa off-<br />

-line e alguns dos ataques podem até não<br />

trazer benefícios financeiros directos ao<br />

atacante, a menos que sejam orquestrados<br />

por um concorrente comercial. Os outros<br />

tipos são mais frequentes, e o objectivo é<br />

adquirir informações úteis que permitam<br />

ao invasor roubar informações que possam<br />

trazer um benefício financeiro, assim como<br />

vendê-las a outras entidades nelas interessadas<br />

ou usá-las para realizar transacções<br />

em nome dos proprietários.<br />

TRANSFORMAÇÃO<br />

DIGITAL: A banca mantém<br />

o ritmo de mudança em<br />

direcção aos novos<br />

paradigmas<br />

A Moody´s e o israelita Team8 vão<br />

estabelecer um rating para a<br />

cibersegurança. Como é que as<br />

empresas se devem prevenir contra<br />

os ataques informáticos?<br />

As empresas devem apetrechar-se das tecnologias<br />

e dos padrões de conformidade<br />

mais actualizados de modo a garantirem<br />

que estão sempre um passo à frente da<br />

ameaça, sendo proactivas, testando os<br />

seus sistemas regularmente e compreendendo<br />

que são alvo de cibercriminosos.<br />

Ter a melhor tecnologia é apenas uma das<br />

condições para impedir que a organização<br />

seja alvo de ataques cibernéticos, as<br />

empresas também devem investir na formação<br />

de utilizadores e clientes em itens<br />

como ataques de phishing para ajudá-<br />

-los a criar uma linha de defesa contra<br />

a ameaça cibernética.<br />

Pode o nível de segurança digital de<br />

uma organização influenciar a<br />

percepção de clientes e outros<br />

stakeholders?<br />

Com o aumento diário dos utilizadores digitalizados<br />

e a existência de mais plataformas<br />

de comércio electrónico, as organizações<br />

devem ser vistas como um local seguro<br />

para os utilizadores partilharem os seus<br />

dados pessoais e realizarem transacções.<br />

Uma empresa que investe em segurança<br />

pode ganhar mais depressa a confiança<br />

do utilizador do que uma empresa que<br />

oferece mais produtos porque, quando se<br />

trata de questões financeiras, os clientes<br />

tendem a preocupar-se com a protecção da<br />

privacidade e a protecção de dados. Uma<br />

organização que investe nestes aspectos<br />

provavelmente será mais bem percepcionada<br />

pelo mercado e, consequentemente,<br />

terá uma maior participação.<br />

Emergem constantemente novos<br />

riscos informáticos. As apólices de<br />

seguro apresentam cobertura<br />

suficiente para estes riscos, é fácil<br />

mantê-las actualizadas?<br />

A área de segurança cibernética é uma<br />

roda giratória que nunca pára. A cada<br />

minuto as instituições são alvo de diferentes<br />

formas de ataque. Não envolvem<br />

apenas habilidades técnicas, mas também<br />

os outros factores que referi. As políticas<br />

devem ser claras e consistentes o suficiente<br />

para permitirem escalabilidade.<br />

Certamente não é uma tarefa fácil dada<br />

a dinâmica do mundo, mas os profissionais<br />

trabalham todos os dias para mantê-<br />

-la actualizada. b<br />

junho <strong>2020</strong> | 79


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

TÊNDENCIAS GLOBAIS<br />

A inovação na área digital irá beneficiar de milhões<br />

de dólares de apoio na Europa e nos Estados Unidos,<br />

onde se salienta na agenda para a recuperação<br />

da economia, travada a fundo pelo surto pandémico<br />

3,3 milhões de dólares<br />

é o valor destinado pela Agência Espacial do Reino Unido e pela Agência<br />

Espacial Europeia (ESA) para lançar novas iniciativas tecnológicas<br />

e novos serviços fornecidos pelas equipas da área do aeroespacial.<br />

As agências acreditam que os dados de satélite e a tecnologia de drones<br />

podem fornecer kits de teste, máscaras, batas e óculos de protecção.<br />

INCENTIVOS À INOVAÇÃO<br />

O Reino Unido lançou um programa no total de perto de 26 milhões<br />

de dólares segundo o qual cada empresa que aposte em inovação<br />

no combate à pandemia pode ver os seus custos cobertos a 100% até<br />

ao limite de 50 mil libras (mais de 63 mil dólares). O programa do<br />

governo britânico, “Innovate UK”, apela às empresas que desenvolvam<br />

“inovações que incentivem novas formas de trabalhar e garantam<br />

produtividade contínua em sectores-chave para o Reino Unido”.<br />

OPORTUNIDADES DA PANDEMIA<br />

O surto pandémico provocou a derrocada da economia mundial e<br />

aproximou o mundo on-line do mundo off-line. A inovação na área do<br />

digital vai dar um salto com as fantásticas somas que Estados Unidos<br />

e a União Europeia vão gastar na retoma da economia. Os Estados<br />

Unidos vão acrescentar aos 3 triliões de dólares gastos no combate aos<br />

efeitos do surto mais uns tantos milhões de milhões na recuperação<br />

económica. A União Europeia anunciou um programa de 750 mil milhões<br />

de euros, sendo a maior parte subsídios sem reflexo na dívida dos<br />

Estados-membros, e que inclui prioridades como a economia verde<br />

e a digitalização. Só a Alemanha afectou 500 mil milhões de euros<br />

ao seu esforço de recuperação, com uma parte do investimento a incidir<br />

nas áreas de inovação.<br />

ACREDITO SER<br />

POSSÍVEL QUE<br />

PESSOAS COMUNS<br />

OPTEM POR SER<br />

EXTRAORDINÁRIAS."<br />

Elon Musk<br />

fundador da Tesla<br />

e da SpaceX<br />

SÉRGIO MARTINS<br />

EY ASSOCIATE PARTNER CYBERSECURITY SERVICES<br />

A CIBERSEGURANÇA,<br />

ACTIVADOR-CHAVE<br />

De acordo com o “EY Global Information Security<br />

Survey” (GISS), apesar de mais de 60% dos<br />

inquiridos revelarem um crescimento generalizado<br />

de ciberataques, apenas um terço das organizações<br />

afirma que a função de cibersegurança<br />

é envolvida nas fases de planeamento de uma<br />

nova iniciativa de negócio. Não existindo uma<br />

cultura de cibersegurança desde a concepção<br />

das iniciativas (security by design), muitos riscos<br />

de segurança apenas são considerados nas<br />

fases finais das iniciativas digitais e acabam<br />

por ser implementadas soluções de cibersegurança<br />

como remendos próximos da data de lançamento.<br />

A cibersegurança, tradicionalmente,<br />

tem sido uma actividade dirigida à conformidade,<br />

executada recorrendo a abordagens de<br />

alinhamento com normas baseadas em controlos,<br />

ao invés de ser incorporada de raiz nas<br />

iniciativas suportadas por tecnologias. Este não<br />

é um modelo sustentável. Se alguma vez esperamos<br />

antecipar-nos à ameaça, teremos de nos<br />

focar na criação de uma cultura de security by<br />

design. Isto apenas pode ser concretizado se conseguirmos<br />

superar a separação que existe entre<br />

as funções de cibersegurança e a gestão e permitir<br />

que o Chief Information Security Officer<br />

(CISO) actue como consultor e facilitador em<br />

vez de ser um obstáculo estereotipado. É estabelecer<br />

relações de confiança transversalmente<br />

a todas as funções da organização, para que a<br />

cibersegurança seja instituída como um activador-chave<br />

de valor acrescentado.b<br />

80 | Exame Moçambique


Todos os meses Moçambique vai estar em Exame.<br />

Assine já com desconto<br />

8%<br />

DESCONTO<br />

assinatura*<br />

ASSINATURAS<br />

Moçambique:<br />

Nádia Pene<br />

Tel. +258 845 757 478<br />

assinaturas@examemocambique.co.mz<br />

Portugal:<br />

Ana Rute Sousa<br />

Tel. +351 213 804 010<br />

ana.rute@plotcontent.com<br />

PREÇO DA ASSINATURA:<br />

• 6 MESES 1100 meticais | 27,5 Euros • 12 MESES 2200 meticais | 55 Euros<br />

assinaturas@examemocambique.co.mz<br />

junho <strong>2020</strong> | 81


<strong>EXAME</strong> FINAL<br />

INCERTEZA<br />

Deixou de haver amanhã, a incerteza quanto<br />

à evolução da pandemia e ao relançamento<br />

das economias turva os palpites sobre o futuro<br />

imediato. As bolsas, ainda bem, estão optimistas<br />

LUÍS FARIA<br />

I<br />

ncerteza quase absoluta, é tudo com o que se pode contar nos<br />

dias que correm. Incerteza quanto à evolução da pandemia<br />

e incerteza em relação às explosões sociais que deflagram<br />

numa situação em que muitas economias foram destroçadas,<br />

acarretando a perda abrupta de rendimentos e a escalada<br />

sem precedentes do desemprego. E incerteza ainda face às tensões<br />

geopolíticas suscitadas pela crise, que colocam um ponto de<br />

interrogação sobre a distribuição do poder global que dela sairá.<br />

Depois de nascer na China e contaminar o resto da Ásia, a<br />

doença devastou Estados Unidos e Europa, abatendo-se agora<br />

pesadamente sobre a América Latina, mas deixa os países africanos<br />

em muito maus lençóis, ainda que o continente seja o mais<br />

poupado à crise sanitária, pelo menos por agora, muito devido<br />

às medidas tomadas pelos diferentes governos, as quais condicionam<br />

fortemente os orçamentos e agravam o endividamento.<br />

A crise económica atinge fortemente o comércio internacional e<br />

o preço das matérias-primas, principais produtos de exportação<br />

dos países africanos. Ninguém está a salvo da globalização. Para<br />

o bem e para o mal. E África joga, na competição geopolítica em<br />

que se tornou a pandemia, com poucos recursos de financiamento.<br />

De combate ao vírus e relançamento das economias.<br />

A ocidente, os governos e os bancos centrais não param de<br />

lançar milhões de milhões de dólares para acudir a empresas<br />

imobilizadas na sua actividade e nas suas vendas e compensar<br />

parcialmente a súbita perda de rendimentos de grande parte<br />

da população. A procura e a oferta afundaram-se em simultâneo,<br />

o que é inédito nos anais das grandes crises, com o impacto<br />

do vírus. Os custos económicos, financeiros, sociais e políticos<br />

do confinamento são brutais.<br />

Em África, as assustadoras previsões feitas pela Organização<br />

Mundial de Saúde em Fevereiro, pouco após o surgimento do<br />

primeiro caso no continente e que apontavam para a morte de<br />

83 mil a 190 mil pessoas em 47 países só no primeiro ano, felizmente<br />

não se concretizaram.<br />

Como do futuro imediato muito pouco se sabe, a situação<br />

dá para tudo, serve tanto o mais profundo pessimismo como o<br />

mais motivador optimismo. As bolsas, por exemplo, estão optimistas.<br />

Após a quebra estrondosa inicial retomaram a confiança<br />

e os índices das principais praças financeiras têm vindo a recuperar.<br />

A 8 de <strong>Junho</strong> o S&P 500 conseguia a maior valorização de 50<br />

sessões em nove décadas. As previsões para este ano para a economia<br />

mundial são terríveis, mas os investidores não só se entusiasmam<br />

com os gigantescos apoios concedidos pelos governos,<br />

como ainda têm a expectativa de que mais estímulos aí virão.<br />

E antecipa-se, entretanto, que em 2021 o crescimento mundial<br />

será já positivo e que em 2022 alcançará mesmo um ritmo elevado.<br />

Todas as entidades partem de um cenário em que a pandemia<br />

vai desaparecendo, não deixando de acrescentar outros mais<br />

sombrios não vá a incerteza que domina o mundo tomar o pior<br />

caminho, ditado pelo recrudescimento da epidemia e implicando<br />

novas medidas de confinamento.<br />

O maior obstáculo à recuperação das economias é a desconfiança<br />

gerada pela incerteza. Nos Estados Unidos e na Europa<br />

assistiu-se a uma perda severa de rendimentos, com uma parte<br />

da sociedade a engrossar a fila para conseguir alimentos. Os consumidores<br />

mostram-se desconfiados e receosos. Enquanto não se<br />

dissipar a ameaça de contágio persistirá o espectro do medo e o<br />

clima não mudará. Também é difícil, do lado da oferta, restabelecer<br />

as cadeias de valor e lidar com trabalhadores intranquilos e<br />

medidas sanitárias que trazem custos acrescidos num contexto em<br />

que a capacidade produtiva não é quase sempre completamente<br />

aproveitada. Tudo continua a depender da celeridade com que será<br />

resolvida a crise de saúde pública. A confiança só reanimará —<br />

e sem confiança não há consumo, não há economia — quando a<br />

questão sanitária for resolvida. Mas não desanimemos, até pode<br />

acontecer que o vírus, uma variável invisível e determinante que<br />

escapa a todo o controlo, perca força e desanime...<br />

Estímulos não faltam a ocidente e a economia da China, com<br />

o surto aparentemente controlado, ainda deve conseguir registar<br />

um valor positivo este ano, embora as autoridades chinesas<br />

tenham desistido de revelar qualquer estimativa. Se a pandemia,<br />

com tudo o que ela convoca no comportamento das pessoas, desaparecer,<br />

ou seja, se a incerteza se desfizer, não faltarão recursos<br />

para relançar a economia a norte. Só que a globalização não se<br />

extinguiu e será inviável contar apenas com metade do planeta<br />

para a retoma.b<br />

D.R.<br />

82 | Exame Moçambique

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!