exame90
Os 2500 kms da costa moçambicana são novamente uma via de integração económica. A convergência para um mercado doméstico integrado permitirá uma redução das assimetrias existentes e tornar o país mais eficiente, levando produtos nacionais a mais consumidores nacionais, reduzindo assim a dependência das importações e fomentando a coesão nacional. E poderá, e deverá até, criar novos negócios. Potenciar o desenvolvimento de uma rede de transportes capilar, trará um desenvolvimento mais generalizado e mais inclusivo. E este processo inicia-se com o arranque do projecto de cabotagem. Nesta edição tratamos também, entre outros temas, da inovação em África. A inovação não é mais que a imaginação e a inteligência aplicadas ao serviço do homem. O continente já provou a sua capacidade para inovar de raiz, mas também para criar novas utilizações para as tecnologias já generalizadas, como o telemóvel, com benefícios para a população. Boas leituras e, acima de tudo, saúde
Os 2500 kms da costa moçambicana são novamente uma via de integração económica. A convergência para um mercado doméstico integrado permitirá uma redução das assimetrias existentes e tornar o país mais eficiente, levando produtos nacionais a mais consumidores nacionais, reduzindo assim a dependência das importações e fomentando a coesão nacional. E poderá, e deverá até, criar novos negócios. Potenciar o desenvolvimento de uma rede de transportes capilar, trará um desenvolvimento mais generalizado e mais inclusivo. E este processo inicia-se com o arranque do projecto de cabotagem.
Nesta edição tratamos também, entre outros temas, da inovação em África. A inovação não é mais que a imaginação e a inteligência aplicadas ao serviço do homem. O continente já provou a sua capacidade para inovar de raiz, mas também para criar novas utilizações para as tecnologias já generalizadas, como o telemóvel, com benefícios para a população.
Boas leituras e, acima de tudo, saúde
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GÁS ● Megaprojecto<br />
da Área 1 mantém calendário<br />
FORTUNAS ● Quem perde<br />
e quem ganha com a COVID-19<br />
Nº 90 v Julho 2020 v 200Mt v 5 Edição Moçambique<br />
INOVAÇÃO<br />
Os trunfos<br />
criativos<br />
de África<br />
CABOTAGEM<br />
TRANSPORTAR POR MAR<br />
O relançamento do transporte de mercadorias por mar, ao longo da extensa costa<br />
do país, permite reduzir preços na cadeia de fornecimento, facilita o acesso<br />
ao mercado e alivia a saturada rede viária. O objectivo último é conseguir<br />
pôr a funcionar uma cadeia intermodal de transporte “porta-a-porta”, de Maputo<br />
até Afungi, na província de Cabo Delgado
REVISTA MENSAL — ANO 7 — N O 90 — JULHO 2020<br />
TIRAGEM: 10 000 EXEMPLARES — CAPA: GETTY<br />
24<br />
SIMONE SANTI:<br />
Criar valor<br />
acrescentado<br />
utilizando tomate<br />
nacional<br />
NEGÓCIOS<br />
24 Empreendedor A Leonardo Green acaba de fazer um novo<br />
investimento na produção e processamento de tomate<br />
30 PME Estiveram em foco no Webinar organizado pela União Europeia<br />
em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />
ECONOMIA<br />
34 Rubis A pandemia afecta este ano o desempenho da Montepuez<br />
Rubi Mining (MRM), mas a segurança, a manutenção e os serviços<br />
essenciais mantêm-se<br />
38 Algodão A fileira do algodão está pronta para agarrar a sua parte<br />
do desafio de uma nova fase da agricultura nacional<br />
ENERGIA<br />
42 Área 1 As obras do megaprojecto de exploração de gás natural<br />
na bacia do Rovuma avançam e o calendário mantém-se<br />
D.R.<br />
34<br />
SAMORA MACHEL<br />
JR: A MRM tem<br />
vindo a desenvolver<br />
esforços para tornar<br />
a sua produção<br />
mais eficiente<br />
58<br />
JEFF BEZOS:<br />
O dono da Amazon<br />
é um dos que<br />
mais ganha com<br />
a COVID-19<br />
EDILSON TOMÁS<br />
46 Mercado O preço do gás natural está a cair menos do que o do<br />
petróleo desde o início da crise, mas perdeu o mesmo valor, cerca<br />
de metade, no último ano<br />
50 Estudo A procura de gás natural poderá cair este ano 5% a 10% face<br />
aos níveis previstos antes da COVID-19, indica um documento da<br />
McKinsey<br />
GLOBAL<br />
54 OCDE As economias mais desenvolvidas colapsaram com a<br />
pandemia e a OCDE reviu as suas previsões, apresentando dois<br />
cenários sombrios<br />
58 Fortunas O património de alguns multimilionários ainda engordou<br />
mais com a crise, mas também há quem perca muitos milhões<br />
60 Cruzeiros A próspera indústria dos cruzeiros marítimos e as<br />
companhias aéreas são vítimas colossais da crise pandémica<br />
64 Tecnologia Entre as histórias milionárias do lockdown destaca-se<br />
as de Eric Yuan, engenheiro de software, pai da Zoom, um serviço<br />
de videoconferência<br />
DESPORTO<br />
66 Fórmula 1 Lewis Hamilton e a Mercedes partem superfavoritos<br />
no Mundial de F1 mais atípico dos últimos anos<br />
ESPECIAL<br />
72 África inova Os empreendedores do continente têm mostrado<br />
uma grande capacidade de inovar, a chave para um<br />
desenvolvimento próprio e sustentado<br />
D.R.<br />
SECÇÕES<br />
Editorial 6<br />
Primeiro Lugar 8<br />
Grandes Números 14<br />
Bazarketing 52<br />
Exame Final 82<br />
4 | Exame Moçambique
CAPA<br />
16 Cabotagem<br />
O relançamento da cabotagem em Moçambique, vinte<br />
e cinco anos após a sua suspensão, abre um novo<br />
capítulo no transporte de carga num país que possui<br />
mais de dois mil quilómetros de costa, tendo como<br />
horizonte baixar os preços nas cadeias de fornecimento
CARTADODIRECTOR<br />
IRIS DE BRITO<br />
DIRECTORA<br />
A CABOTAGEM<br />
COMO AGENTE<br />
DE INTEGRAÇÃO<br />
Em Agosto de 1940, um jovem de nome<br />
Philippe Peschaud (1915-2006) participou<br />
activamente em operações logísticas<br />
do exército francês, que se revelaram muito<br />
importantes para a derrota das forças nazis na<br />
Europa.<br />
Na 2.ª Grande Guerra, a criação e defesa<br />
de linhas de abastecimento com a frente e,<br />
simultaneamente, a destruição das instalações<br />
logísticas do inimigo, como por exemplo<br />
a destruição das reservas de combustível<br />
alemãs, fundamentais para a deslocação das<br />
forças motorizadas nazis, destacaram a importância<br />
da logística no plano militar. A guerra<br />
traz essencialmente grandes horrores mas também<br />
alguns avanços no conhecimento.<br />
A CABOTAGEM<br />
PODERÁ DAR<br />
UM IMPULSO<br />
DECISIVO AO<br />
MERCADO<br />
INTERNO<br />
A Peschaud, fundada por Philippe Peschaud, é hoje uma empresa especializada<br />
em logística, com destaque para os serviços de apoio à indústria<br />
de Oil & Gas. Foi a empresa escolhida para parceira do projecto de cabotagem<br />
em Moçambique, detendo uma participação de 75% na Sociedade<br />
Moçambicana de Cabotagem, sendo os restantes 25% detidos pela estatal<br />
Transmarítima.<br />
Para um país com o recorte geográfico de Moçambique, o esforço desenvolvido<br />
pelas autoridades para o recrudescimento da cabotagem é de louvar.<br />
Ainda mais quando cerca de 60% da população, segundo o UNDP,<br />
vive junto da linha de costa. E para que este projecto se concretizasse foi<br />
adoptado um conjunto de medidas, há muito exigidas pelo sector privado,<br />
desde a redução de taxas à liberalização de procedimentos alfandegários,<br />
que poderá ler em pormenor no tema de capa desta edição<br />
No país, as assimetrias de preços existentes ao nível regional são resultado<br />
das dificuldades de integração dos mercados, por exemplo de produtos<br />
agrícolas, face aos elevados custos de transporte rodoviário, inflacionados<br />
pela insegurança do transporte por esta via. A via aérea comporta custos<br />
que são muitas vezes incomportáveis para os operadores económicos.<br />
A cabotagem vem assim preencher uma importante lacuna em termos de<br />
transportes que, se acompanhada por uma maior interconectividade e capilaridade<br />
dos transportes terrestres, poderá dar um impulso decisivo à criação<br />
de um mercado interno com menores assimetrias.<br />
Mais que uma acção de carácter económico, a cabotagem poderá ser uma<br />
importante ferramenta para a aproximação dos habitantes das diversas regiões<br />
de Moçambique, estimulando a interdependência e a coesão nacional.b<br />
Edifício Rovuma, Rua da Sé, n.º 114,<br />
Escritório 109<br />
MAPUTO, MOÇAMBIQUE<br />
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Valdo Mlhongo,<br />
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Colaboraram nesta edição:<br />
Almerinda Romeira, André Pipa, Estêvão Azarias<br />
Chavisso, Luís Fonseca, Mariam Umarji,<br />
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EXAME Brasil (texto e imagens),<br />
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Multimédia e Internet: Plot.<br />
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Maputo<br />
A revista EXAME (Moçambique) é um<br />
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(Brasil), propriedade da Editora Abril.<br />
Sociedade Moçambicana<br />
de Edições, Lda.<br />
Director-Geral<br />
Miguel Lemos<br />
Conselho de gerência<br />
Luís Penha e Costa<br />
Rui Borges<br />
António Domingues<br />
6 | Exame Moçambique
PRIMEIRO<br />
LUGAR<br />
MOÇAMBIQUE ESSENCIAL. PEQUENAS NOTÍCIAS SOBRE UM GRANDE PAÍS<br />
CRESCIMENTO: Moçambique é dos poucos países<br />
africanos que escapa à recessão este ano<br />
D.R.<br />
FMI<br />
MOÇAMBIQUE RESISTE AO COLAPSO AFRICANO<br />
Moçambique deverá crescer 1,4% em 2020, de acordo com as<br />
últimas projecções do Fundo Monetário Internacional (FMI), que<br />
agravou a sua perspectiva negativa para a evolução da economia<br />
africana este ano, a qual deverá, com as novas estimativas,<br />
contrair 3,2%, caindo mais 1,6 pontos percentuais do que o<br />
projectado em Abril e anulando dez anos de desenvolvimento.<br />
A anterior previsão para o andamento da economia nacional este<br />
ano, feita pelo FMI, andava a par com a estimativa governamental,<br />
apontando para um crescimento de 2,2%. Quanto a 2021, o<br />
Fundo antecipa agora que a economia do país cresça 4,2%, abaixo<br />
dos 4,7% anteriormente estimados.<br />
A verdade é que a pandemia está a devastar as economias<br />
da África Subsariana e poderá deixar um rasto de 39 milhões<br />
de pessoas a viverem na pobreza extrema, ou seja, com menos<br />
de 1,9 dólares por dia. Das 45 economias da região, 37 pioram a<br />
sua previsão de crescimento face ao projectado pelos analistas<br />
do FMI em Abril, e “o PIB da região vai ser 243 mil milhões de<br />
dólares menor que o projectado em Outubro de 2019”. A que-<br />
bra na economia é particularmente acentuada no caso dos países<br />
exportadores de petróleo, assim como dos que dependem do<br />
turismo. Angola prolongará a recessão, com a economia a afundar<br />
4%. Também a África do Sul registará uma queda muito significativa,<br />
com uma contracção de 8% da actividade económica.<br />
Em Angola, África do Sul e Nigéria, segundo a actualização da<br />
perspectiva do FMI sobre a economia subsariana, “o PIB real deverá<br />
regressar aos níveis de crescimento pré-crise (da COVID-19) só<br />
em 2023 ou 2024”. O relatório acrescenta que “a recuperação<br />
em 2021 será mais lenta que a recuperação da economia global<br />
porque os apoios políticos lançados pelos países da África Subsariana<br />
para facilitar a recuperação são consideravelmente mais<br />
pequenos do que aqueles que foram implementados em muitas<br />
economias emergentes”. “Prevê-se que o crescimento económico<br />
recupere para 3,4% em 2021, assumindo que o levantamento gradual<br />
das medidas de confinamento das últimas semanas se mantém<br />
e, mais importante, que a região consegue evitar as dinâmicas<br />
da epidemia noutros locais”, refere o relatório.<br />
8 | Exame Moçambique
O pior ainda está para vir.<br />
Tedros Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS).<br />
FINANCIAMENTO<br />
ÁFRICA PRECISA DE 100 MIL MILHÕES<br />
“Os países africanos ainda enfrentam<br />
necessidades de financiamento superiores<br />
a 110 mil milhões de dólares em<br />
2020, havendo 44 mil milhões por financiar”,<br />
afirma o FMI no seu último relatório<br />
sobre o continente, publicado no<br />
final de Junho sob o título revelador de<br />
“Cinco quadros que mostram a maior<br />
contracção económica da África Subsariana<br />
desde a década de 1970”, uma<br />
consequência da crise pandémica.<br />
O documento assinala que várias “instituições<br />
financeiras internacionais,<br />
incluindo o próprio FMI, já prestaram<br />
a extremamente necessária assistência<br />
à África Subsariana, mas não chega.<br />
Em 15 de Abril, o G20 anunciou a Iniciativa<br />
de Suspensão do Serviço da Dívida<br />
(DSSI), que permite que os países mais<br />
pobres do mundo — a maioria deles<br />
em África — suspendam 14 mil milhões<br />
de dólares de pagamentos do serviço<br />
da dívida com vencimento em 2020.<br />
O FMI destaca que o ambiente global é<br />
fortemente penalizador. “Desde Abril,<br />
a estimativa para o crescimento global<br />
em 2020 desce 1,9 pontos percentuais,<br />
antecipando-se agora uma quebra de<br />
4,9%, as viagens colapsaram e os fluxos<br />
turísticos estancaram, espera-se<br />
que as remessas caiam cerca de 20%,<br />
as condições de acesso ao financiamento<br />
externo mantêm-se apertadas,<br />
apesar de um certo alívio nas últimas<br />
semanas e o preço das matérias-primas<br />
mantém-se baixo”, assinala o relatório.<br />
SALA DE<br />
MERCADOS<br />
Maio<br />
68,80<br />
Maio<br />
1,73<br />
Maio<br />
33,25<br />
MOEDA<br />
(Meticais por USD)<br />
-2%<br />
GÁS NATURAL<br />
(USD/MMBtu)*<br />
-5%<br />
CRUDE<br />
(USD/barril)<br />
+21%<br />
Junho<br />
69,91<br />
Junho<br />
1,64<br />
Junho<br />
40,37<br />
PRIMEIRO TRIMESTRE<br />
IMPORTAÇÕES SOBEM<br />
O défice balança comercial moçambicana<br />
fixou-se em 908,3 milhões<br />
de dólares no primeiro trimestre<br />
deste ano, de acordo com a Síntese<br />
da Conjuntura Económica do Instituo<br />
Nacional de Estatística (INE).<br />
As exportações reduziram em cerca<br />
de 21,9% e as importações aumentaram<br />
cerca de 9%, em comparação<br />
DÉFICE: O saldo da balança comercial<br />
foi negativo no primeiro trimestre<br />
com o trimestre homólogo de 2019. Os principais parceiros comerciais de Moçambique<br />
continuam a ser a África do Sul, Índia e China. No período, a África do Sul recebeu<br />
23,3% das exportações do país, a Índia 12,3% e a China 4,3%. No que respeita às<br />
importações que fazemos, 23,1% são provenientes da África do Sul, 10,2% da Índia<br />
e 8,5% da China. “Dos principais produtos exportados no trimestre, o destaque vai<br />
para as barras e perfis de alumínio (23,1%), carvão mineral (hulha) (19,5%), energia<br />
eléctrica (15,5%) e gás natural (6,8%)”, refere o INE. De registar ainda que, no período,<br />
o volume de carvão vendido aumentou 113,7% face a igual período de 2019, e 3,8%<br />
em relação ao trimestre anterior. Já o volume de alumínio vendido foi menor, tanto<br />
em relação ao trimestre homólogo como ao anterior.<br />
D.R.<br />
Maio<br />
114,01<br />
Maio<br />
318,00<br />
Maio<br />
1753,50<br />
CARVÃO DE COQUE<br />
(USD/ton.)<br />
MILHO<br />
(USD/Bushel)**<br />
D.R.<br />
-1%<br />
+3%<br />
OURO<br />
(USD/t oz)***<br />
+2%<br />
Junho<br />
112,93<br />
Junho<br />
329,00<br />
Junho<br />
1782,00<br />
COTAÇÕES A 23/05/2020 E A 23/06/2020<br />
* MMBtu = milhões de British Thermal Unit<br />
(medida da capacidade térmica)<br />
** 1 bushel de milho = 25,4 Kg<br />
*** t oz = onças troy = 31,21 g.<br />
FONTES: BM, Bloomberg, CME Group.<br />
julho 2020 | 9
PRIMEIRO LUGAR<br />
INOVAÇÃO<br />
TRÊS STARTUPS<br />
REPRESENTAM<br />
MOÇAMBIQUE<br />
MobileCare, Pagalu e Zinwe foram as três<br />
startups escolhidas pelo júri para representar<br />
Moçambique na final regional do Desafio<br />
de Inovação da SADC, que teve lugar em<br />
finais de Junho. A MobileCare, startup orientada<br />
para a prestação de serviços de seguro<br />
a custos reduzidos, é vencedora na categoria<br />
acessos a serviços básicos. A Pagalu é vencedora<br />
na categoria identidade financeira digital.<br />
Por sua vez, na categoria financiamento<br />
a pequenas e médias empresas (PME), destaca-se<br />
a Zinwe, ideia de negócio que permite<br />
o crowdfunding, a obtenção de capital<br />
para iniciativas de interesse colectivo através<br />
da agregação de múltiplas fontes de financiamento,<br />
o que possibilita a ligação de investidores<br />
de PME, no âmbito do acesso aos<br />
serviços financeiros. Pela distinção nacional,<br />
as startups vencedoras receberão mil dólares,<br />
apoio de experts através de sessões de business<br />
advisory e “mentoria” para estarem mais<br />
bem preparadas para a final regional do desafio,<br />
onde poderão ganhar até 5 mil dólares e<br />
o acesso a um programa de incubação internacional.<br />
A nível nacional, o Financial Sector<br />
Deepening Moçambique (FSDMoç) e a Ideia-<br />
Lab são as entidades responsáveis por implementar<br />
este desafio, e garantiram a formação<br />
dos participantes para aprimorarem as suas<br />
ideias de negócio e trazerem soluções significativas<br />
para África no seu todo.<br />
SADC: Três startups nacionais participaram<br />
no Desafio de Inovação da organização<br />
D.R.<br />
DÍVIDA<br />
CHINA, MAIOR FINANCIADOR<br />
A China era o maior financiador de Moçambique no final de 2018, detendo 39% da<br />
dívida pública externa do país, o equivalente a cerca de 2,1 mil milhões de dólares,<br />
revelou o diário O País. Segundo um relatório do Ministério da Economia e Finanças,<br />
a dívida pública de Moçambique atingiu 12,1 mil milhões de dólares no final<br />
de 2018, um aumento de 11%, com a componente da dívida externa a subir 8%.<br />
Entre os principais credores externos de Moçambique contam-se ainda o banco<br />
suíço Credit Suisse (726,5 milhões de dólares) e Portugal (602,9 milhões de dólares),<br />
refere o diário moçambicano. Cerca de 90% da dívida pública externa estava<br />
contratada a taxas de juro fixas, mais 2 pontos percentuais do que em 2017, sublinha<br />
o relatório. O Presidente Filipe Nyusi revelou em Junho de 2018 que a China<br />
iria perdoar a dívida sem juros de Moçambique a expirar até ao final do ano, referiu<br />
na altura a agência AIM.<br />
GÁS<br />
ENH FINANCIA PARTICIPAÇÃO NA ÁREA 1<br />
A Empresa Nacional de<br />
Hidrocarbonetos (ENH) TOTAL: Lidera o consórcio em que participa a ENH<br />
pretende encontrar um<br />
financiamento mais barato<br />
do que aquele de que dispõe<br />
para pagar a sua participação<br />
no maior projecto<br />
de gás natural em construção<br />
no país, anunciou o<br />
governo. “Há um acordo”<br />
com os outros sócios<br />
da Área 1 (petrolíferas<br />
internacionais, lideradas<br />
pela Total) para que financiem a quota de 15% da ENH “na fase de construção”,<br />
explicou o ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, numa visita às<br />
obras na península de Afungi. “Mas, como empresa, a ENH tem o objectivo de<br />
maximizar o retorno do seu investimento e, nessa perspectiva, está a trabalhar<br />
com aconselhamento financeiro na perspectiva de encontrar alternativas de financiamento<br />
que permitam custos mais baixos da operação”, acrescentou o ministro,<br />
citado pela agência Lusa. “Este exercício está ainda em curso”, referiu. “Não<br />
há riscos para o projecto” devido a esta necessidade de a ENH procurar empréstimos<br />
para ter lugar na sociedade, destacou Max Tonela. “Há um exercício de refinanciamento<br />
da sua participação no projecto, com custos mais baixos.” A agência<br />
financeira Bloomberg divulgou que o aconselhamento financeiro está a ser prestado<br />
pelo banco Societe Generale por via de já prestar esse serviço ao megaprojecto<br />
Mozambique LNG — designação do consórcio da Área 1.<br />
Em Novembro do último ano, a captação de cerca de 1500 milhões de dólares<br />
para a participação da ENH na Área 1 foi o projecto mais caro apresentado num<br />
fórum de investimento organizado pelo Banco Africano de Desenvolvimento<br />
(BAD) em Joanesburgo, na África do Sul. Foi a primeira apresentação do Estado<br />
moçambicano perante a banca e investidores internacionais após a reestruturação<br />
da dívida soberana, acordada com credores em Outubro de 2019.<br />
D.R.<br />
10 | Exame Moçambique
COVID-19<br />
FACIM CANCELADA<br />
A 57.ª edição da FACIM, Feira Agropecuária, Comercial e Industrial de Moçambique,<br />
a maior e mais emblemática do país, foi cancelada devido ao novo coronavírus.<br />
“Não vai haver Facim este ano: não pode haver aglomerados de pessoas,<br />
segundo a lei”, disse Lourenço Sambo, director da Apiex, citado pela agência Lusa.<br />
Do total de 32 países que já tinham confirmado presença para a feira deste ano,<br />
14 cancelaram a sua participação, o que, além das restrições impostas pela pandemia,<br />
levou à anulação do evento, acrescentou. “Vimos que não valia a pena esperar<br />
que os restantes também cancelassem”, referiu Sambo. A principal feira de<br />
actividades económicas moçambicana, que decorre anualmente entre Agosto e<br />
Setembro, conta com a participação de cerca de 20 a 30 países e serve de “montra<br />
da economia moçambicana e porta de entrada de investimento estrangeiro”.<br />
“O impacto é enorme, há muito negócio e dinheiro perdido”, frisou. A Apiex avançou<br />
que, para 2021, há três moldes diferentes em estudo, dependendo da evolução<br />
da doença no país e no mundo: feira digital, presencial ou a combinação dos<br />
dois. “É provável que a feira perca o número de países e empresas participantes”,<br />
assim como visitantes, observou.<br />
O país vive em estado de emergência desde 1 de Abril devido à pandemia da<br />
COVID-19. O chefe de Estado anunciou no final de Junho a prorrogação do estado<br />
de emergência pela terceira vez — o máximo previsto na Constituição —, com levantamento<br />
faseado de algumas restrições.<br />
As escolas vão reabrir faseadamente, voltará a haver ligações aéreas internacionais<br />
com alguns países, será permitido mais pessoal nos locais de trabalho e os<br />
museus poderão reabrir.<br />
FACIM: Já pensa no formato em que se vai apresentar em 2021<br />
PORTO DA<br />
BEIRA: Já está<br />
a ser afectado<br />
pela pandemia<br />
HUAWEI: Em conjunto com a Universidade<br />
Pedagógica de Maputo criou uma academia<br />
TECNOLOGIA<br />
UNIVERSIDADE<br />
MOÇAMBICANA CRIA<br />
ACADEMIA<br />
A Universidade Pedagógica de Maputo (UP-<br />
-Maputo) vai criar uma Academia Huawei<br />
dedicada às Tecnologias de Informação e Comunicação<br />
(TIC), que deverá abrir na primeira<br />
metade de 2021. A novidade surgiu durante<br />
uma videoconferência que contou com a presença<br />
do reitor da UP-Maputo, Jorge Ferrão,<br />
e o director-executivo da gigante tecnológico<br />
chinês Huawei Technologies Co. Ltd. em<br />
Moçambique, Wu Ku. Segundo o Jornal Notícias,<br />
a Huawei doou à universidade na semana<br />
passada equipamento informático para a instalação<br />
de um laboratório de redes, como parte<br />
da futura Academia, explicou Jorge Ferrão.<br />
A criação da Academia surge no âmbito de<br />
uma parceria acordada em 2018 entre a UP-<br />
-Maputo e a Huawei, que inclui ainda a formação<br />
anual de pelo menos 20 estudantes<br />
na área das TIC, refere o diário moçambicano.<br />
A Huawei tem grandes expectativas quanto<br />
à instalação da Academia para ajudar a formar<br />
jovens moçambicanos em novas tecnologias,<br />
disse Wu Ku, citado pelo Jornal Notícias.<br />
D.R.<br />
D.R.<br />
julho 2020 | 11
DÍVIDAS OCULTAS<br />
MOÇAMBIQUE AVANÇA NOS TRIBUNAIS<br />
CREDIT SUISSE: Moçambique exige a anulação da dívida<br />
da ProIndicus e uma indemnização pelo escândalo das<br />
dívidas ocultas<br />
Um juiz britânico aceitou a<br />
alteração da denominação<br />
do grupo Privinvest num<br />
processo judicial sobre as<br />
“dívidas ocultas” a decorrer<br />
em Londres, desbloqueando<br />
os procedimentos abertos<br />
pela Procuradoria-Geral<br />
da República moçambicana<br />
contra o banco<br />
de investimento Credit<br />
Suisse. Os advogados<br />
do grupo naval libanês<br />
tinham posto em causa<br />
a referência do processo<br />
à Prinvinvest Shipbuilding<br />
SAL Abu Dhabi (Branch),<br />
uma subsidiária nos Emirados Árabes Unidos que surge na primeira página do<br />
contrato com a empresa pública moçambicana ProIndicus. Segundo o advogado<br />
da sociedade Essex Court Chambers, Nathan Pillow, citado pela Lusa, aquela<br />
empresa “simplesmente não existe” porque a licença foi transferida para outra<br />
subsidiária intitulada Privinvest Shipbuilding Investments LLC.<br />
Porém, o juiz do Tribunal Comercial de Londres, que faz parte do Tribunal Superior<br />
[High Court], aceitou o requerimento que pedia para o grupo passar a ser<br />
referido na queixa como Privinvest Shipbuilding SAL Holding, que é a empresa-<br />
-mãe de uma série de subsidiárias.<br />
“A meu ver, este é um caso de erro de nomenclatura e não um caso de erro de<br />
identificação”, disse o juiz David Waksman, numa audiência que se realizou em<br />
modo virtual devido às restrições relacionadas pela pandemia da COVID-19. Esta<br />
questão estava a impedir o avanço do processo iniciado em Março de 2019 contra<br />
múltiplos arguidos e entidades relacionado com o caso das “dívidas ocultas” do<br />
Estado moçambicano. Na acção, recorda a Lusa, Moçambique pretende anular<br />
a dívida de 622 milhões de dólares da ProIndicus ao Credit Suisse e requer uma<br />
indemnização que cubra todas as perdas do escândalo das “dívidas ocultas”.<br />
Além do Credit Suisse, o processo indicou como arguidos os antigos executivos<br />
do banco de investimento, Surjan Singh, Andrew James Pearse e Detelina<br />
Subeva, e várias empresas ligadas ao grupo naval Privinvest por suspeitas<br />
de suborno. A estes arguidos, Moçambique reivindica compensação financeira e<br />
o pagamento de qualquer dinheiro recebido no âmbito deste contrato. Em causa<br />
estão as “dívidas ocultas” do Estado moçambicano (de cerca de 2 mil milhões de<br />
dólares) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas<br />
dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas<br />
estatais moçambicanas ProIndicus, EMATUM e MAM. O negócio acentuou<br />
uma crise financeira pública e levou Moçambique a entrar em incumprimento no<br />
pagamento aos credores internacionais.<br />
De acordo com a acusação, os empréstimos foram avalizados pelo então ministro<br />
das Finanças, Manuel Chang, mas o governo afirmou que ele “não tinha autoridade”<br />
para assinar as garantias soberanas, que eram inconstitucionais e ilegais<br />
porque o Parlamento não aprovou os empréstimos.<br />
INFLAÇÃO<br />
PREÇOS CONTROLADOS<br />
A inflação mantém-se baixa e controlada em<br />
Maio, segundo os últimos dados do Instituto<br />
Nacional de Estatística (INE). Há produtos<br />
significativos que descem menos de preço<br />
(deflação), mas mesmo os que mostram uma<br />
tendência contrária contribuem para uma variação<br />
média anual dos preços que não chega a<br />
3% e a uma variação homóloga dessa ordem.<br />
Contudo, há uma ligeira inversão de sentido na<br />
inflação aferida em termos médios e que vem<br />
caindo desde 2018. Em Abril era de 2,73% e em<br />
Maio foi de 2,78%, embora em Maio a tendência<br />
tenha sido mesmo de descida generalizada<br />
dos preços. Segundo o INE, “dados recolhidos<br />
nas cidades de Maputo, Beira e Nampula, ao<br />
longo do mês de Maio do ano em curso, indicam<br />
que o país registou, face ao mês anterior,<br />
uma deflação na ordem de 0,6%. As divisões<br />
de Educação e de Alimentação e bebidas não<br />
alcoólicas foram as de maior destaque, ao<br />
contribuírem no total da deflação mensal com<br />
cerca de 0,32 e 0,23 pontos percentuais (pp)<br />
negativos, respectivamente”.<br />
PREÇOS:<br />
O custo de vida em geral aumentou menos<br />
D.R.<br />
12 | Exame Moçambique
julho 2020 | 13
GRANDES<br />
NÚMEROS<br />
PARA SABER LER OS SINAIS DE UMA ECONOMIA EM MUDANÇA<br />
PANDEMIA<br />
OS GANHADORES<br />
As empresas tecnológicas foram as grandes beneficiárias da pandemia.<br />
E como são estas que estão entre as dez maiores empresas<br />
mundiais e os seus proprietários disputam entre si o título de<br />
pessoa mais rica do planeta, as bolsas mantêm-se em alta, com<br />
os investidores a procurarem activos seguros. O retalho digital<br />
bateu recordes, com Jeff Bezos, líder da Amazon, a aumentar<br />
o seu património para 150 mil milhões de dólares. Também<br />
as empresas farmacêuticas são ganhadoras, mas ainda longe<br />
dos ganhos obtidos pelos colossos digitais, a que se juntou um<br />
novo player, ao qual a pandemia assentou que nem uma luva no<br />
modelo de negócio: a Zoom, com serviços de videoconferência<br />
que se tornaram uma moderna infra-estrutura de negócios.<br />
As acções da empresa de S. José, na Califórnia, que se negociavam<br />
a perto dos 77 dólares em Janeiro, ultrapassaram os 242<br />
dólares em Junho, uma apreciação de mercado superior a 200%<br />
no semestre em que boa parte da economia mundial parou por<br />
decreto. O número de utilizadores móveis da Zoom Vídeo Communications<br />
foi, em Março, três vezes maior do que o registado<br />
pela rival Teams da Microsoft. O volume diário de utilizadores<br />
móveis da Zoom nos Estados Unidos atingiu o recorde de 4,84<br />
milhões, com as crianças a estudarem e os funcionários a trabalharem<br />
a partir de casa em todo o Ocidente. No entanto, a utilização<br />
do sistema de videoconferência da Zoom chegou a ser<br />
proibida por Musk, outro grande vencedor da vaga pandémica,<br />
aos funcionários da Tesla devido às alegadas falhas de segurança<br />
do sistema. Um problema que a Zoom já terá resolvido ao anunciar<br />
a encriptação dos dados que circulam nos seus servidores.<br />
Em plena pandemia, Musk colocou no espaço, em colaboração<br />
com a NASA, o primeiro foguetão privado. De início manifestou-se<br />
irado contra o confinamento, que denunciou como um<br />
abuso estatal. No entanto, ofereceu-se de imediato para produzir<br />
ventiladores que faltavam nos serviços de saúde norte-americanos.<br />
Musk acrescentou, com a pandemia, 15,3 mil milhões de<br />
dólares à sua fortuna. A sua Tesla, produtora de carros eléctricos,<br />
quase duplicou o valor em bolsa. Zuckerberg, a cara do universo<br />
Facebook, envolvido na polémica suscitada pela "censura"<br />
a posts do Presidente Donald Trump, não deixará de acrescentar<br />
este ano um ganho à sua fortuna de 87 400 milhões de dólares.<br />
Os mercados de capitais foram reanimando, após a queda inicial,<br />
com a valorização dos activos de grandes empresas e os<br />
trilionários pacotes de estímulos anunciados pelos governos.<br />
A abundância de liquidez e taxas de juro baixas estimulam a<br />
aquisição de activos. O índice Nasdaq, que agrega as chamadas<br />
empresas tecnológicas, bateu mesmo recordes, com todos<br />
os principais índices a subirem para os níveis anteriores à crise.<br />
O que está a fazer grandes números é a tecnologia, a saúde e a<br />
alimentação, surgindo, num segundo plano, a indústria, o retalho<br />
e os serviços.<br />
200% foi a valorização da Zoom, a fazedora de pontes de comunicação, desde Janeiro<br />
150 000 milhões de dólares é o património de Jeff Bezos, da Amazon, um ganhador da crise<br />
4 840 000 foi o volume diário recorde de utilizadores móveis da Zoom nos Estados Unidos<br />
no final de Março<br />
15 300 milhões de dólares foram acrescentados por Elon Musk à sua fortuna devido à crise<br />
pandémica<br />
9 000 milhões de dólares é quanto o líder do universo Facebook, Mark Zuckerberg,<br />
deverá arrecadar este ano<br />
14 | Exame Moçambique
A primeira vez que imaginei a Zoom era estudante universitário<br />
na China e levava dez horas de comboio para visitar a minha<br />
namorada, agora a minha esposa.<br />
Eirc Yuan, fundador da Zoom.<br />
BOLSAS EM CIMA<br />
Os triliões de estímulos governamentais<br />
e a valorização de grandes empresas põem<br />
as bolsas em alta no meio da crise pandémica<br />
DOW JONES<br />
O Dow teve a sua pontuação mais baixa<br />
a 23 de Março, quando se ficou nos 18 591,93 pontos<br />
28 462,14 22 327,48<br />
26 289,98<br />
O EMPURRÃO<br />
DAS TECNOLÓGICAS<br />
A forte valorização das acções das maiores<br />
empresas norte-americanas em capitalização<br />
de mercado, a que se juntam novas estrelas<br />
como a Zoom, fez subir os índices de acções<br />
nos Estados Unidos<br />
ZOOM<br />
A pandemia alavancou o valor da Zoom no mercado de capitais.<br />
Chegou a cotar acima de 243 dólares a 16 de Junho<br />
66,79 150,88 242,56<br />
12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />
S&P 500<br />
Em 23 de Março o índice chegou a cair para 218,26 durante a sessão<br />
321,08 261,5 312,96<br />
12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />
AMAZON<br />
Jeff Bezos, o líder da empresa, conseguiu acrescentar ao seu<br />
património, com a pandemia, 44 mil milhões de dólares<br />
1 846,89 1 936,95 2 615,27<br />
12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />
NASDAQ<br />
O Nasdaq atingiu novo recorde dada a capitalização<br />
das empresas tecnológicas que o compõem<br />
8 945,99 7 774,15 9 895,87<br />
12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />
FACEBOOK<br />
As acções do Facebook Inc também deslizaram até ao fim de<br />
Março, mas desde então já recuperaram acima do final de 2019<br />
204,41 165,95 235,65<br />
12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />
12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />
Fonte: Investia.<br />
Fonte: Investia.<br />
julho 2020 | 15
CAPA CABOTAGEM<br />
UM NOVO CAPÍTULO<br />
NO TRANSPORTE<br />
INTERNO DE CARGA<br />
16 | Exame Moçambique
Orelançamento da cabotagem em<br />
Moçambique, vinte e cinco anos após<br />
a sua suspensão, abre um novo capítulo<br />
no transporte de carga num país<br />
que possui mais de 2 mil quilómetros<br />
de costa. A localização geográfica de Moçambique,<br />
virada para o oceano Índico, foi o principal motivo<br />
que em 1980 levou o governo a criar a Navique,<br />
uma empresa estatal que garantiu o transporte de<br />
carga durante quase quinze anos. Segundo dados<br />
do Ministério dos Transportes e Comunicações,<br />
a frota de 22 navios da empresa transportava, em<br />
média, 220 mil toneladas de carga por ano, numa<br />
altura em que a ligação terrestre entre as diferentes<br />
regiões do país estava condicionada devido à<br />
guerra civil. “A frota da Navique, de forma gradual,<br />
foi envelhecendo e, com o fim da guerra, em<br />
1992, houve investimentos para a reabilitação das<br />
estradas e isso não foi acompanhado por investimentos<br />
no transporte marítimo”, explica Berlindo<br />
Fernando, coordenador do actual Projecto de Cabotagem<br />
no Ministério dos Transportes e Comunicações.<br />
Com a extinção da Navique, o transporte<br />
doméstico de mercadorias ficou dependente da<br />
O INVESTIMENTO INICIAL<br />
DO CONSÓRCIO QUE EXPLORA<br />
A CABOTAGEM FOI DE 6 MILHÕES<br />
DE DÓLARES<br />
A Sociedade Moçambicana de Cabotagem<br />
(SMC) faz-se ao mar. Após anos de estudos<br />
e debate sobre o que falhou no sector, o novo<br />
consórcio anuncia mudanças para o transporte<br />
doméstico marítimo costeiro regressar,<br />
com rapidez e preços atractivos<br />
ESTÊVÃO AZARIAS CHAVISSO *<br />
rodovia. Em 2019, segundo dados do Instituto<br />
Nacional de Estatística (INE), a quase totalidade<br />
da carga manuseada foi transportada por estrada<br />
ou via-férrea. Aliás, descontando a produção e<br />
exportação do carvão mineral em grande escala,<br />
que impulsionou o ramo ferroviário de carga, o<br />
transporte rodoviário é o principal meio de transporte<br />
de carga — responsável pela circulação, em<br />
média, de cerca de 48% da mercadoria doméstica<br />
nos últimos dez anos.<br />
“Actualmente, existe uma pressão enorme sobre as<br />
estradas e isso faz com que o pavimento se degrade<br />
com rapidez, sem falar no número de acidentes”,<br />
nota Berlindo. Para reverter o cenário e no âmbito<br />
do Programa Quinquenal (2020 -2024), o governo<br />
procurou um parceiro para relançar o serviço de<br />
cabotagem no país. Surge assim o consórcio Sociedade<br />
Moçambicana de Cabotagem (SMC), com um<br />
investimento inicial de 6 milhões de dólares. Uma<br />
parceria detida pelo grupo francês de logística Peschaud<br />
(75%) e pela estatal Transmarítima (25%).<br />
julho 2020 | 17
CAPA CABOTAGEM<br />
Além de reduzir a pressão nas estradas do país, a<br />
intenção do Executivo moçambicano ao relançar o<br />
serviço de cabotagem passa por garantir a redução<br />
dos custos de transporte de mercadorias e, consequentemente,<br />
os preços ao consumidor, a partir<br />
de um sistema de transporte integrado e complementar.<br />
“A visão que nós temos é de que este é um<br />
projecto nacional e, assim, todos os parceiros são<br />
chamados a abraçar o projecto”, diz Pedro Monjardino,<br />
gestor de projecto da SMC.<br />
O serviço passa a ligar a costa moçambicana de<br />
ponta a ponta. Do porto de Maputo, capital do país,<br />
no Sul, até Afungi, na província de Cabo Delgado,<br />
extremo norte, onde está a ser construído o maior<br />
investimento privado em África, liderado pela petrolífera<br />
francesa Total, para a exploração de gás natural.<br />
Numa fase inicial, a ligação será assegurada<br />
por dois navios: o Greta (com capacidade para 260<br />
contentores e duas gruas de 60 toneladas) e o Ylang<br />
(com capacidade para 450 toneladas e uma grua de<br />
30 toneladas). Estes navios da SMC vão ligar os dois<br />
portos e fazer escala na Beira, Quelimane, Nacala,<br />
Pemba e Mocímboa da Praia, em ambos os sentidos.<br />
O RELANÇAMENTO DO SERVIÇO<br />
DE CABOTAGEM TEM EM VISTA<br />
A REDUÇÃO DOS CUSTOS DE<br />
TRANSPORTE DE MERCADORIAS<br />
NOVO QUADRO NORMATIVO<br />
FAVORECE A CABOTAGEM<br />
Para a revitalização da cabotagem, Moçambique<br />
aprovou vários instrumentos para facilitar o processo,<br />
com destaque para regulamentos que reduzem<br />
a burocracia no manuseamento de mercadorias<br />
nos portos do país, uma queixa constante entre o<br />
empresariado local. “A razão pela qual a cabotagem<br />
não tinha sucessos em Moçambique estava ligada<br />
ao corpo normativo que vigorava”, salienta Pedro<br />
Monjardino. No novo quadro, o destaque vai para<br />
a aprovação do Regime Aduaneiro de Cabotagem<br />
Marítima. Isenta-se a necessidade de intervenção<br />
de despachante aduaneiro e o serviço de cabotagem<br />
será feito através da Janela Única, uma plataforma<br />
informática das Alfândegas de Moçambique. “São<br />
alterações estruturais que vão garantir maior rapidez.<br />
Tempo e custo são essenciais para o sucesso<br />
na cabotagem”, refere Luís Archer de Carvalho,<br />
director-geral da SMC.<br />
Mas além destas alterações para conquistar o<br />
empresariado, o Executivo moçambicano redu-<br />
CAPACIDADE DE OPERAÇÃO DA SMC<br />
A Sociedade Moçambicana de Cabotagem, detida pela Peschaud<br />
(75%) e pela estatal Transmarítima (25%), arrancou com a operação<br />
no início de Julho e, numa fase inicial, o projecto é assegurado por<br />
dois navios: o navio Greta, com capacidade para 260 contentores e<br />
duas gruas de 60 toneladas, e o navio Ylang, com capacidade para<br />
450 toneladas e uma grua de 30 toneladas. Segundo a empresa,<br />
além das operações com carga contentorizada e carga convencional<br />
(transporte de mercadorias a granel, ensacada, máquinas e outros<br />
equipamentos entre os portos de Moçambique), o projecto pretende<br />
garantir o serviço “porta-a-porta”, com a subcontratação de<br />
operadores de transporte rodoviário, garantindo um sistema complementar.<br />
Trata-se de assegurar a recolha e entrega de mercadoria<br />
em qualquer local do país.<br />
Em Julho deverá arrancar a primeira viagem de Maputo para a cidade<br />
da Beira, depois Nacala, Quelimane e Pemba. A viagem de Maputo<br />
a Pemba, com uma paragem na Beira, Quelimane, Nacala e Pemba,<br />
tem prazo estimado entre onze e quinze dias. No percurso inverso são<br />
nove dias. O processo começa com o pedido de frete, feito à Sociedade<br />
Moçambicana de Cabotagem através de e-mail ou no próprio<br />
site (www.smc.co.mz). A reserva é confirmada com um código que<br />
possibilitará o pré-registo na plataforma electrónica Janela Única<br />
(JUE), ao que se segue o início do processo aduaneiro.<br />
SMC: A estratégia inclui outras oportunidades, com a criação<br />
de uma cadeia de abastecimento de produtos agrícolas<br />
18 | Exame Moçambique
LUÍS ARCHER<br />
DE CARVALHO,<br />
DIRECTOR-GERAL<br />
DA SMC: “Tempo<br />
e custo são<br />
essenciais para<br />
o sucesso na<br />
cabotagem”<br />
PEDRO<br />
MONJARDINO:<br />
Para o gestor<br />
da SMC o<br />
relançamento<br />
da cabotagem<br />
é um projecto<br />
nacional<br />
ziu em 70% e 50% as taxas de ajuda à navegação e<br />
de estadia, que são cobradas pelo Instituto Nacional<br />
de Hidrografia e Navegação e pelo Instituto<br />
Nacional da Marinha, respectivamente. Por outro<br />
lado, foram conduzidas várias discussões com as<br />
concessionárias dos portos moçambicanos, o que<br />
culminou com reduções das taxas portuárias que<br />
variam entre 50% e 60%. Para a SMC, as alterações<br />
O SERVIÇO PASSA A LIGAR<br />
A COSTA MOÇAMBICANA<br />
DE PONTA A PONTA<br />
foram extremamente importantes, tendo deixado<br />
um ambiente favorável para o reinício da atividade.<br />
“Pensamos que estas alterações eliminaram os<br />
problemas que fizeram com que outros projectos<br />
anteriores não tivessem tido sucesso. Calculamos<br />
que, em função do diálogo que temos com as partes,<br />
qualquer dificuldade possa ser objecto rápido de<br />
concertação”, acrescenta Luís Archer de Carvalho.<br />
De acordo com este responsável, além de custos<br />
mais reduzidos para o transporte, a rapidez<br />
julho 2020 | 19
CAPA CABOTAGEM<br />
RELANÇAMENTO:<br />
O serviço passa a ligar<br />
a costa moçambicana<br />
de ponta a ponta<br />
em todos os processos administrativos e operacionais<br />
que consubstanciam a cabotagem é um factor<br />
essencial — com maior flexibilidade nas operações<br />
portuárias, nos processos aduaneiros e na capacidade<br />
de resposta de toda a cadeia logística.<br />
Do lado do Estado, as alterações adotadas procuram,<br />
além de criar um regime aduaneiro de<br />
cabotagem de processos simplificados, aumentar<br />
o controlo das receitas fiscais.<br />
EXPECTATIVAS DE<br />
UMA NAVEGAÇÃO INTENSA<br />
Os projectos de gás natural em construção no Norte<br />
de Moçambique devem colocar a economia do país<br />
a crescer a um ritmo acelerado a partir de 2024, até<br />
chegar a incrementos de 10% anualmente, segundo<br />
o Fundo Monetário Internacional e outras entidades.<br />
“Com o crescimento económico que vamos<br />
registar nos próximos anos, teremos uma navegabilidade<br />
intensa. Portanto, olhamos com muito<br />
optimismo para o relançamento da cabotagem e<br />
esperamos que o sector privado trabalhe com o<br />
governo no sentido de tirar proveito destas oportunidades”,<br />
destaca o coordenador do Projecto<br />
de Cabotagem no Ministério dos Transportes e<br />
Comunicações.<br />
Mas, para a SMC, a dinâmica da indústria de<br />
gás exige uma gestão de expectativas e, por isso, a<br />
estratégia inclui outras oportunidades no mercado<br />
MAPUTO E<br />
AFUNGI, NA<br />
PROVÍNCIA<br />
DE CABO<br />
DELGADO,<br />
PASSARÃO A<br />
ESTAR LIGADOS<br />
PELO SERVIÇO<br />
DE CABOTAGEM<br />
interno, com a criação de uma cadeia de abastecimento<br />
de produtos agrícolas. “Temos um navio<br />
em Pemba e estamos atentos a todas as informações<br />
que vão surgindo. Há interesse, mas para o<br />
processo de cabotagem não foi tida essa variável”,<br />
ligada unicamente aos projectos de gás, frisou o<br />
gestor de projeto na SMC.<br />
A província de Cabo Delgado vive dias de sobressalto<br />
devido aos ataques armados no extremo norte<br />
por grupos insurgentes, mas a situação não ensombra<br />
o projeto de cabotagem. “Neste momento,<br />
mesmo falando com outras linhas de navegação,<br />
não se tem abordado qualquer tipo de risco no que<br />
diz respeito a pirataria, pelo menos entre Maputo<br />
e Pemba. Temos a situação da insegurança em distritos<br />
do Norte de Cabo Delgado, mas esperamos<br />
que seja temporária. Estamos atentos a esta situação”,<br />
refere Luís Archer de Carvalho.<br />
O governo moçambicano garante que tudo está a<br />
ser feito para repor a estabilidade na região, considerando<br />
que a segurança no canal de Moçambique<br />
é um desafio regional. “O canal de Moçambique é<br />
calmo em termos de navegação.” Há outras zonas,<br />
mais a norte, “que estão afectadas pelo terrorismo<br />
marítimo, como por exemplo o Corno de África”,<br />
salienta Berlindo Fernando.b<br />
* Serviço especial da Lusa<br />
para a EXAME Moçambique.<br />
20 | Exame Moçambique
UM SERVIÇO<br />
“PORTA-A-PORTA”<br />
O grande objectivo é estruturar cadeias de abastecimento de modo a que forneçam<br />
um serviço integrado, uma cadeia de abastecimento mais barata e a CTA, a confederação<br />
empresarial, considera fundamental a ligação intermodal. Já se pensa em estender<br />
o serviço a passageiros<br />
ESTÊVÃO AZARIAS CHAVISSO<br />
D<br />
urante a cerimónia simbólica de relançamento<br />
do serviço de cabotagem em<br />
Maputo, a 10 de Junho, o chefe de Estado,<br />
Filipe Nyusi, defendeu que, além da<br />
redução de custos, a revitalização do<br />
transporte marítimo interno vai impor novo dinamismo<br />
na movimentação de mercadorias no país.<br />
“Moçambique tem potencial para reestruturar a<br />
sua logística, para que esta assente em sistemas de<br />
transportes integrados e complementares, explorando<br />
as vantagens competitivas de cada tipo”, disse<br />
Filipe Nyusi na altura. O dinamismo proposto pelo<br />
Presidente moçambicano poderá ser atingido com<br />
a adopção de um sistema integrado de transporte,<br />
através de uma entrega das mercadorias “porta-a-<br />
-porta”. A ideia é contratar serviços de empresas<br />
rodoviárias para levarem as mercadorias até aos<br />
portos e destes para os destinos finais, garantindo<br />
“um processo completo”.<br />
Segundo o gestor de projecto na Sociedade Moçambicana<br />
de Cabotagem, a ideia é garantir um sistema<br />
de transporte “colaborante”, conjugando o transporte<br />
marítimo e rodoviário, o que vai garantir o abastecimento<br />
de regiões do interior do país. “É necessário<br />
criar cadeias de abastecimento com empresas de<br />
transporte rodoviário locais e que permitam fazer<br />
com que o preço por tonelada dos produtos seja mais<br />
baixo”, disse Pedro Monjardino.<br />
Com o relançamento da cabotagem espera-se a criação<br />
de uma cadeia de abastecimento barata, garantindo<br />
que a produção agrícola do Norte e Centro<br />
(zonas tidas como mais produtivas) abasteça o Sul,<br />
que tem actualmente recorrido, em muitos casos,<br />
GRETA:<br />
Uns dois navios<br />
responsáveis<br />
pela nova fase<br />
da cabotagem<br />
à África do Sul. “Com este método, além de garantir<br />
um serviço completo, teremos impacto na criação<br />
de empregos”, acrescentou Pedro Monjardino.<br />
TAMBÉM PARA PASSAGEIROS?<br />
Além de mercadorias, a ambição do Executivo de<br />
Filipe Nyusi é garantir que a via marítima seja também<br />
uma alternativa face à crise nos transportes de<br />
passageiros, que tem afectado principalmente as capitais<br />
provinciais. “Se formos a verificar no mundo,<br />
julho 2020 | 21
CAPA CABOTAGEM<br />
o transporte marítimo de passageiros é mais usado<br />
para lazer. Mas nós temos um desafio aqui no país<br />
que é fortalecer o transporte de pessoas. Portanto,<br />
estamos a estudar esta opção”, declarou Berlindo<br />
Fernando, coordenador do projecto de cabotagem<br />
no Ministério dos Transportes e Comunicações.<br />
Para a Sociedade Moçambicana de Cabotagem,<br />
o transporte de passageiros é uma opção que também<br />
não está descartada, mas trata-se de uma “outra<br />
etapa”. “Para esse tipo de serviço são necessárias<br />
outras embarcações, mais rápidas e seguras, além<br />
de um estudo de viabilidade para tentar avaliar se<br />
há um número de clientes mínimo que estejam dispostos<br />
a pagar. É tudo uma questão de análise, mas<br />
a opção não está de todo fora do escopo do nosso<br />
projecto”, conclui Luís Archer de Carvalho.<br />
A AMBIÇÃO DO EXECUTIVO É<br />
GARANTIR QUE A VIA MARÍTIMA<br />
SEJA UMA ALTERNATIVA FACE<br />
À CRISE NOS TRANSPORTES<br />
DE PASSAGEIROS<br />
A REDE<br />
PORTA-<br />
-A-PORTA<br />
RECOLHA<br />
DE CARGA<br />
TRANSPORTE<br />
RODOVIÁRIO<br />
PORTO<br />
DE ORIGEM<br />
TRANSPORTE<br />
MARÍTIMO<br />
PORTO<br />
DE DESTINO<br />
TRANSPORTE<br />
RODOVIÁRIO<br />
ENTREGA<br />
DA CARGA<br />
MENOS RISCOS E MAIS<br />
OPORTUNIDADES<br />
A Confederação das Associações Económicas de<br />
Moçambique (CTA), a maior associação patronal<br />
do país, considera a cabotagem marítima “fundamental<br />
para o desenvolvimento da intermodalidade<br />
entre os meios de transporte, sobretudo para<br />
a carga”. Trata-se de um “facto positivo” tendo em<br />
consideração uma realidade em que as empresas<br />
se confrontam com a “degradação das vias terrestres”<br />
e outros riscos. A cabotagem potencia uma<br />
“redução dos acidentes de viação e de riscos inerentes<br />
à insegurança devido a tensão político-militar<br />
na região centro do país, bem como à insegurança<br />
devido aos ataques por insurgentes na província<br />
de Cabo Delgado”.<br />
A CTA acredita que a reactivação do transporte<br />
marítimo “contribuirá para a minimização dos custos<br />
de transporte de carga entre as várias regiões<br />
do país e aumentará a ligação entre os centros de<br />
produção e de consumo, bem como a melhoria da<br />
competitividade dos produtos locais em relação aos<br />
bens importados”.<br />
O tema da cabotagem tem merecido vários estudos<br />
da CTA. Num artigo de Novembro de 2019,<br />
publicado no portal da confederação, conclui-se que<br />
“o país poderá obter vários ganhos com a reactivação<br />
da cabotagem marítima, por se tratar de uma<br />
modalidade que confere maior segurança, economias<br />
de escala, menor impacto ambiental, baixo<br />
nível de consumo de combustível, entre outras”.<br />
No entanto, sublinha o documento, são necessárias<br />
medidas “para flexibilizar a acção dos operadores<br />
privados”, indo ao encontro das alterações que<br />
a SMC e o governo já anunciaram. A CTA defende<br />
uma “massificação da divulgação dos novos procedimentos<br />
nas entidades que intervêm no processo<br />
de cabotagem”.<br />
Os patrões consideram ainda importante manter<br />
um olho no que se passa no exterior, de maneira a<br />
adequar o quadro regulador e fiscal para a cabotagem<br />
às práticas “seguidas por países concorrentes,<br />
de modo a tornar o sector viável e fazer com que as<br />
indústrias passem a usar, para algumas mercadorias,<br />
os serviços da cabotagem e não os camiões”.<br />
Uma outra sugestão perdura há vários anos,<br />
constando já de um estudo publicado pela CTA em<br />
Agosto de 2014. A confederação patronal defende<br />
a criação de “uma autoridade reguladora independente<br />
capaz de assegurar e monitorar a implementação<br />
do quadro legal do sector”. A regulação<br />
englobaria “preços/taxas, acesso aos serviços e infra-<br />
-estruturas portuárias, cumprimento das normas<br />
do sector e ainda na auscultação de queixas e recursos<br />
a este submetidos. O regulador deve promover<br />
a transparência e a harmonização dos processos do<br />
sector”, lê-se no documento.<br />
OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO<br />
Já no relatório de Agosto de 2014 eram antecipadas<br />
várias oportunidades de negócio que podem advir<br />
da reactivação da cabotagem. Desde logo, a criação<br />
de serviços de logística associados ao desenvolvimento<br />
dos megaprojectos — especialmente os<br />
que estão ligados ao gás, porque deverá “aumentar<br />
a demanda por serviços logísticos mais integrados”<br />
—, assim como a procura de serviços de embarcações<br />
menores como, por exemplo, lanchas, navios<br />
de abastecimento, rebocadores e batelões.<br />
Antecipava-se também uma oportunidade de<br />
desenvolvimento “do transporte nas águas interiores”,<br />
através de rios, para incentivar as ligações aos<br />
portos servidos com cabotagem. Seguindo o mesmo<br />
raciocínio, abrem-se portas para sistemas de transporte<br />
multimodais incorporando as estradas, vias-<br />
-férreas e o mar, “reduzindo ainda mais os custos<br />
para os clientes permitindo a prestação de melhores<br />
serviços pelas empresas de cabotagem” — em<br />
linha com o que a SMC já anunciou como serviço<br />
porta-a-porta.b<br />
22 | Exame Moçambique
julho 2020 | 23
NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />
TOMATE QUE É CÁ<br />
PROCESSADO<br />
A Leonardo Green é uma empresa do grupo Leonardo, que possui uma rede de negócios<br />
em diversos sectores de actividade, acaba de fazer um novo investimento na produção<br />
e processamento de tomate e quer expandir o negócio<br />
VALDO MLHONGO<br />
Cerca de cinco mil dólares é o<br />
capital investido pelo grupo<br />
Leonardo Green no início<br />
de um novo negócio de processamento<br />
de tomate produzido<br />
no mercado nacional. A decisão<br />
de investimento surge para fazer face a<br />
uma quantidade de tomate produzido<br />
localmente e que tem sido pouco aproveitado.<br />
“A ideia é criar um valor acrescentado<br />
e utilizar o tomate nacional”,<br />
refere Simone Santi, director-geral de<br />
Leonardo Green e líder da Leonardo<br />
Business Consulting. O processo de produção<br />
começa pela aquisição do próprio<br />
tomate no mercado Zimpeto ou directamente<br />
junto dos próprios produtores em<br />
Boane. “Na verdade, nós preferimos comprar<br />
junto dos camponeses pois o preço<br />
é acessível e eles (camponeses) ganham<br />
mais”, confessa à EXAME. Semanalmente,<br />
em média, “compramos 10 sacos<br />
de 20 quilos. “É 100% tomate nacional”,<br />
sublinha o empresário com satisfação.<br />
A qualidade do tomate conta muito<br />
para o produto final. “Não pode ser muito<br />
maduro, nem muito verde”, esclarece, revelando<br />
os passos que se seguem no processamento.<br />
“O tomate é limpo e depois<br />
é cortado manualmente”. Após isso, “o<br />
OS CAMPONESES FAZEM<br />
UM PREÇO ACESSÍVEL E<br />
GANHAM MAIS QUANDO<br />
VENDEM DIRECTAMENTE<br />
O TOMATE<br />
tomate vai para a máquina e aí, separa-<br />
-se a casca e a semente fora e fica apenas<br />
a polpa de tomate, que por sua vez vai<br />
ser cozida, tratada e misturada com diferentes<br />
tipos de molhos, desde o napolitano,<br />
o bolonhês, puttanesca, mexicano,<br />
atum do Índico, entre outros”, detalha.<br />
Enquanto decorre este processo, “há uma<br />
outra equipa que está a limpar e esterilizar<br />
as garrafas para o enchimento”.<br />
Santi refere que o processo mais complicado<br />
é a preparação das garrafas. “As<br />
garrafas devem ser 100% esterilizados. E<br />
isso pode levar-nos um dia inteiro”. De<br />
momento, há uma equipa que faz a recolha<br />
das garrafas, mas, num futuro próximo,<br />
isso poderá mudar. “Estamos agora<br />
a fechar um acordo com uma empresa<br />
que nos irá fornecer as garrafas”, diz.<br />
Actualmente, o processo de processamento,<br />
que conta com uma equipa de<br />
dez trabalhadores, abarca 150 garrafas<br />
de 330 ml por dia. Com o novo equipamento<br />
vindo da Itália a capacidade vai<br />
aumentar muito substancialmente: “agora<br />
temos a capacidade de triplicar a nossa<br />
produção diária”, acrescenta Santi. Mas,<br />
estrategicamente, “não é neste momento<br />
necessário, pois estamos agora a entrar<br />
no mercado”, esclarece.<br />
EDILSON TOMÁS<br />
24 | Exame Moçambique
BI<br />
A Leonardo Green é a<br />
empresa do Leonardo<br />
Group que actua no sector<br />
agroalimentar, energético e<br />
ambiental. Entre os<br />
serviços que presta<br />
contam-se a mecanização<br />
agrícola, airrigação e<br />
saneamento de água, o<br />
desenvolvimento de<br />
projectos de energia<br />
renovável, o<br />
desenvolvimento rural e<br />
investimentos sustentáveis.<br />
O Leonardo Group é um<br />
centro que integra<br />
empresas dos sectores<br />
comercial, jurídico, turismo<br />
e imobiliário, agroalimentar<br />
e energia.<br />
SIMONE SANTI:<br />
O director-geral do grupo<br />
Leonardo Green espera<br />
recuperar num ano o<br />
investimento e expandir a<br />
actividade
NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />
PROCESSAMENTO:<br />
O tomate é primeiro<br />
limpo e cortado<br />
manualmente<br />
FICHA DO NEGÓCIO<br />
A Leonardo Green vai contar<br />
com o fornecimento de garrafas<br />
por uma empresa e adquiriu<br />
equipamento em Itália que lhe<br />
permitirá triplicar a produção<br />
COMPRAS<br />
10 sacos de tomate de 20 quilos<br />
semanalmente<br />
QUALIDADE:<br />
É garantida a 100%<br />
pelo tomate<br />
nacional<br />
PRODUÇÃO<br />
150 garrafas de 330 ml diariamente<br />
(com possibilidade de triplicar)<br />
PREÇO<br />
120 meticais por garrafa de 330 ml<br />
EDILSON TOMÁS<br />
VENDAS<br />
Actualmente 100 garrafas por dia<br />
em média com tendência a crescer<br />
DE OLHOS NO MERCADO<br />
O preço do tomate é de 120 meticais por<br />
garrafa de 330ml. As vendas ainda não<br />
atingiram os níveis desejados. “Como<br />
iniciámos há pouco tempo, cerca de dois<br />
meses, a actividade temos estado a vender<br />
em média 100 garrafas por dia. Ainda<br />
estamos a vender um pouco na zona semi-<br />
-urbana e em grande medida a pessoas<br />
singulares. O nosso objectivo é expandir<br />
e popularizar o nosso tomate”, diz.<br />
E por falar em expandir, adianta que o<br />
A EMPRESA TEM AGORA<br />
A POSSIBILIDADE DE<br />
TRIPLICAR A PRODUÇÃO<br />
DIÁRIA<br />
grupo está “agora a pensar em iniciar o<br />
nosso processamento em Pemba e em<br />
Tete”. “Acho que isso vai acontecer dentro<br />
de dois meses”, adianta.<br />
A IDEIA É INSTALAR A<br />
FÁBRICA NO BAIRRO<br />
EDUARDO MONDLANE<br />
Para garantir que haja sempre tomate<br />
para processar, Simone Santi diz que já<br />
existe um projecto de produção de tomate<br />
no bairro de Eduardo Mondlane. “Sim,<br />
estamos a iniciar uma produção agrícola,<br />
no bairro Eduardo Mondlane, para alimentar<br />
o nosso processamento”. “Estamos<br />
agora a fazer as valas para o terreno.<br />
É um espaço de 17 hectares”, precisa. E<br />
é por lá também que Santi pretende instalar<br />
a fábrica, no futuro próximo. “Por<br />
agora, neste momento, estamos a trabalhar<br />
aqui na cidade, mas a nossa ideia é<br />
instalar a fábrica na Eduardo Mondlane.<br />
Isso irá acontecer após a COVID-19. Com<br />
o negócio a fluir, Santi acredita que dentro<br />
de um ano será capaz de recuperar<br />
o valor investido, sendo que há “outros<br />
projectos de processamento que estão<br />
na manga”. b<br />
26 | Exame Moçambique
julho 2020 | 27
PUBLIREPORTAGEM<br />
EDILSON TOMÁS<br />
ELISHA<br />
CHIRAU JÚNIOR:<br />
O director geral<br />
da Imperial<br />
Insurance assume<br />
uma forma<br />
diferente de estar<br />
no mercado<br />
28 | Exame Moçambique
“Queremos ser uma<br />
das seguradoras preferidas<br />
do mercado”<br />
No mercado moçambicano desde 2016, a Imperial Insurance está a desenvolver<br />
a actividade seguradora no país de uma forma diferente, com inovação e novos<br />
serviços, mais centrada nas necessidades dos clientes<br />
O<br />
novo director-geral da Imperial Insurance, Elisha<br />
Chirau Júnior, aposta numa nova forma de fazer<br />
seguros no mercado, centrada no cliente. “Queremos<br />
inovar a forma de fazer o seguro no mercado,<br />
identificando os problemas e trazendo soluções”, refere. Chirau<br />
Júnior acrescenta que, até 2023, a Imperial Insurance será<br />
uma marca conhecida em todo o país.<br />
Que novidades, no que respeita a produtos de seguro, podem<br />
os clientes esperar da Imperial Insurance, que tem uma nova<br />
liderança?<br />
Uma maneira diferente de estar na actividade seguradora, mais<br />
alinhada com a inovação. Queremos identificar os problemas<br />
que realmente os clientes têm e, em função disso, desenharmos<br />
os produtos de seguros orientados para os problemas que<br />
o mercado possui. Criamos uma relação de parceria com os<br />
nossos clientes.<br />
Que vantagens os clientes podem ter ao aderirem aos vossos<br />
produtos?<br />
A primeira vantagem é a paz de espírito. Queremos que os nossos<br />
clientes se sintam seguros relativamente ao bem segurado.<br />
A Imperial Insurance estará sempre aí para oferecer uma solução,<br />
uma ajuda para repor o seu bem, e isso traz essa segurança,<br />
tranquilidade, aos nossos clientes.<br />
Qual é o público que pretendem atingir?<br />
Queremos atingir todas as classes sociais, queremos que todos<br />
tenha acesso ao seguro. Agora decidimos introduzir os seguros<br />
de saúde e de funeral para pessoas de baixo rendimento. No ano<br />
passado, por exemplo, lançámos um novo produto para os camponeses.<br />
Observámos que muitos camponeses não têm acesso<br />
ao crédito devido ao risco que a sua actividade representa para<br />
a banca. Isso levou-nos a conceber um produto que irá facilitar<br />
o acesso ao crédito por parte dos camponeses- Seguro Agrícola.<br />
Como será desenvolvido esse seguro?<br />
Trata-se de um produto dirigido à agricultura. Já temos um acordo<br />
de parceria com Câmara do Comércio, com a qual estamos a trabalhar.<br />
Identificámos alguns projectos agrícolas que realmente<br />
precisam de financiamento. Temos vários bancos disponíveis para<br />
financiarem esses projectos, mas sem seguro não podem avançar.<br />
Os bancos precisam de seguro para que, caso aconteça algo,<br />
o dinheiro do banco esteja assegurado, e é aí que nós entramos,<br />
como Imperial, para dar, primeiro, uma possibilidade de inclusão<br />
financeira aos camponeses e, depois, a protecção do investimento<br />
que o banco irá fazer.<br />
O que vos distingue da concorrência?<br />
O nosso maior factor diferenciador é a inovação. Nós criamos realmente<br />
os produtos para darmos uma solução aos problemas que o<br />
mercado enfrenta. Só para ter uma ideia, lançámos recentemente<br />
produtos de despesas legais que estamos a vender ao mercado.<br />
Importa referir que é o único produto deste tipo que existe no mercado.<br />
Estamos a trazer inovação ao mercado para encontrar soluções<br />
que permitam segurar todas as coisas que precisam de ser seguras.<br />
A médio e longo prazo até onde quer ir a Imperial Insurance?<br />
A nossa visão é sermos a seguradora preferida no mercado em que<br />
operamos. Preferida no sentido em que a pessoa que pensa fazer um<br />
seguro pensa na Imperial Insurance. Isso poderá acontecer através<br />
de serviços excelentes que oferecemos aos nossos clientes, devido<br />
à rapidez com que realizamos os pagamentos de sinistros, à celeridade<br />
no que respeita à documentação que entregamos aos nossos<br />
clientes... não estamos nos seguros somente para vender seguros,<br />
estamos no negócio para criar parcerias com os nossos clientes. Um<br />
outro objectivo que queremos alcançar a longo prazo é integrar o<br />
Top 6 no ranking das maiores seguradoras da praça. Até 2023 queremos<br />
ser uma marca bem conhecida no mercado ao nível de todas<br />
as províncias do país. A Imperial insurance estará sempre disponível<br />
para oferecer uma solução.<br />
julho 2020 | 29
NEGÓCIOS PME<br />
EMPRESAS DEVEM<br />
REINVENTAR-SE<br />
O segundo Webinar organizado pela União Europeia, em parceria com o Ministério<br />
da Indústria e Comércio e a EuroCam, debateu a sobrevivência das empresas no contexto<br />
da crise causada pela pandemia da COVID-19<br />
VALDO MLHONGO<br />
DESAFIOS ANUNCIADOS:<br />
As empresas têm de se reinventar, identificar<br />
oportunidades e acelerar a digitalização<br />
30 | Exame Moçambique
Apandemia da COVID-19<br />
trouxe impactos severos ao<br />
sector empresarial moçambicano,<br />
e de um modo particular<br />
às pequenas e médias<br />
empresas (PME), que representam mais<br />
de 90% do tecido empresarial nacional.<br />
Tendo como pano de fundo este cenário,<br />
e com o objectivo de debater e criar soluções<br />
face à crise enfrentada pelas PME,<br />
a União Europeia, em parceria com o<br />
Ministério da Indústria e Comércio e a<br />
EuroCam, organizaram o segundo Webinar<br />
no âmbito do projecto EU Moz Talks,<br />
que integra a plataforma de comunicação<br />
estabelecida entre os parceiros Delegação<br />
da União Europeia, Ministério da Indústria<br />
e Comércio e a EuroCam e o sector<br />
privado. O foco incidiu no sector privado.<br />
Na sua intervenção inicial, António Sanchéz-Benedito<br />
Gaspar, embaixador da<br />
União Europeia, começou por dizer que a<br />
sobrevivência das empresas vai depender de<br />
um conjunto de medidas de índole política<br />
e exige-lhes uma maior capacidade de se<br />
reinventarem. Do lado da União Europeia,<br />
Sanchéz disse estar em curso uma resposta<br />
global e abrangente. “Estamos a mobilizar<br />
mais de 30 mil milhões de euros de ajuda<br />
juntamente com os nossos Estados-membros.<br />
Para Moçambique vamos mobilizar<br />
200 milhões de euros e a primeira prioridade<br />
será o fornecimento de equipamento<br />
ao sector da saúde”, referiu o embaixador,<br />
acrescentando que “sobretudo estamos a<br />
fortalecer o Estado moçambicano com o<br />
foco e a atenção nos serviços sociais básicos”.<br />
No âmbito do programa da energia,<br />
o embaixador revelou a existência de um<br />
programa de assistência e assessoria envolvendo<br />
um pacote até 25 milhões de euros<br />
destinado a financiar incrementos na organização<br />
das pequenas e médias empresas.<br />
“Isso está a ser feito através da Fundação<br />
para o Desenvolvimento da Comunidade<br />
e com a cooperação alemã”, salientou.<br />
NOVAS OPORTUNIDADES<br />
EM TEMPOS DE CRISE<br />
Também para Luísa Diogo, presidente<br />
do conselho de administração do Absa<br />
Bank Moçambique, o momento impõe que<br />
as empresas consigam reinventar-se.<br />
“As empresas devem redefinir as suas estratégias<br />
e ver as possibilidades que têm pela<br />
frente”, disse a presidente do Absa Bank<br />
durante a sua intervenção. Numa primeira<br />
fase, Luísa Diogo referiu que “é preciso<br />
olhar para o mercado local e para mundo<br />
inteiro e, na base disso, ver as diferentes<br />
dificuldades, os desafios e depois ver as<br />
oportunidades também”.<br />
A presidente do Absa Bank lembrou ao<br />
sector privado a importância da parceria<br />
com a União Europeia, assinalando que<br />
a União Europeia é um parceiro privilegiado<br />
de Moçambique. “É um parceiro<br />
que actua em Moçambique nos diferentes<br />
sectores de actividade, desde o sector primário<br />
até ao sector industrial, mineiro”,<br />
avançou. Na verdade, as PME precisam<br />
de se restruturar muito rapidamente para<br />
terem acesso às oportunidades de negócio<br />
num mercado cada vez mais digital e com<br />
enormes desafios.<br />
Eduardo Sengo, director-executivo da<br />
Confederação das Associações Económicas<br />
de Moçambique (CTA), reconhece os<br />
desafios e adianta que, com a COVID-19,<br />
os processos de negócios começam a exigir<br />
cada vez mais digitalização. Segundo<br />
Sengo, os modelos de negócios das PME<br />
ainda se baseiam nos processos manuais.<br />
“Esta é a etapa que estamos a seguir, procurar<br />
encontrar os mecanismos de apoiar<br />
as PME a digitalizarem os seus processos<br />
de negócios de tal forma que continuem<br />
com as suas actividades”, avançou.<br />
NEM TUDO É MAU<br />
Mas nem tudo está mal para as empresas.<br />
Há alguns avanços. No sector da saúde,<br />
por exemplo, onde a procura de material e<br />
equipamento atingiu o pico, Sengo diz que<br />
houve o envolvimento de algumas PME<br />
para satisfazer a procura. Sim, “algumas<br />
empresas puderam fazer o seu reposicionamento,<br />
restruturar-se para responder às<br />
oportunidades abertas com a COVID-19”.<br />
Mariam Umarji, presidente da Associação<br />
das Mulheres Empresárias e Empreendedoras<br />
de Moçambique (FEMME), acentuou<br />
que as mulheres souberam procurar<br />
soluções perante um contexto que exige<br />
cada vez mais inovações. “Da parte das<br />
mulheres que fazem parte da nossa associação<br />
temos verificado que começaram<br />
a procurar formas alternativas de continuar<br />
no mercado e com diferentes soluções”,<br />
explica. “Para as mulheres que estão<br />
nas zonas urbanas, o que verificamos é que<br />
rapidamente conseguiram encontrar formas<br />
de passar o seu serviço para alguma<br />
das opções digitais”, diz, acrescentando<br />
que “a maior parte das empresas que passou<br />
para o trabalho remoto utilizando as<br />
novas plataformas, sobretudo na área dos<br />
serviços, conseguiu continuar a prestar os<br />
seus serviços, não obstante os custos inerentes”.<br />
Paulo Oliveira, vice-presidente do<br />
pelouro financeiro da CTA e administrador<br />
do grupo Salvador Caetano, diz que a<br />
confederação tem estado a apresentar um<br />
conjunto de medidas fiscais, aduaneiras,<br />
financeiras e laborais ao governo com o<br />
objectivo único de assegurar a sobrevivência<br />
das empresas e a manutenção dos postos<br />
de trabalho. “Estas medidas que temos<br />
apresentado têm a ver com o adiamento<br />
de pagamentos de impostos, isenção de<br />
direitos aduaneiros, diferimentos de pagamentos<br />
de obrigação para a banca e apoio<br />
aos pagamentos de salários, entre outras.”<br />
Enquanto, segundo Oliveira, as medidas<br />
do governo não forem suficientemente<br />
“abrangentes”, os apoios ao sector privado<br />
vão chegando através de várias parcerias.<br />
APOIOS<br />
200 MILHÕES<br />
de euros é quanto a União<br />
Europeia vai disponibilizar<br />
a Moçambique<br />
12,5 MILHÕES<br />
de dólares é o fundo de apoio<br />
à tesouraria das PME avançado<br />
pela cooperação portuguesa<br />
600 MILHÕES<br />
de meticais integram uma linha<br />
de assistência financeira às PME<br />
em estruturação<br />
julho 2020 | 31
NEGÓCIOS PME<br />
RECURSOS: Devem<br />
ser centrados no apoio<br />
financeiro às PME<br />
que digitalizam os<br />
processos de negócio<br />
Existe, no entanto, um fundo de apoio à<br />
tesouraria para as PME, avançado pela<br />
cooperação portuguesa, no valor total de<br />
12,5 milhões de dólares. “É um fundo que<br />
se destina às empresas de direito moçambicano,<br />
e cerca de 3,4 milhões de meticais<br />
são destinados ao apoio à tesouraria<br />
e com reembolso de cinco anos”, revela o<br />
vice-presidente do pelouro financeiro da<br />
CTA. O fundo está disponível através da<br />
banca comercial. Ainda sobre o financiamento<br />
às PME, que atravessam dificuldades<br />
face à crise causada pela pandemia da<br />
COVID-19, o director-executivo da CTA<br />
diz que está em restruturação uma linha<br />
de 600 milhões de meticais para a assistência<br />
às empresas. Mas também “há outras<br />
linhas que ainda estamos a trabalhar com<br />
o Banco Africano de Desenvolvimento e<br />
esperamos que o mais cedo possível haja<br />
novidades”.<br />
EU MOZ TALKS<br />
A plataforma EU Moz Talks tem<br />
como objectivo contribuir<br />
decisivamente para a melhoria<br />
sustentada das condições de<br />
vida de todos os moçambicanos.<br />
A 6 de Maio de 2019 realizou-se<br />
a Primeira Mesa-Redonda<br />
Moçambique-União Europeia,<br />
sob o tema “Nova parceria para<br />
o investimento e o emprego<br />
sustentável”. A 29 de Maio deste ano<br />
realizou-se o Webinar “Queda do<br />
preço das commodities: impacto no<br />
continente africano”. Considerando os<br />
resultados e o feedback positivo dos<br />
participantes, terá lugar uma segunda<br />
mesa-redonda após o regresso das<br />
condições sanitárias à normalidade<br />
e estando garantidas as condições de<br />
segurança de todos os participantes.<br />
A EXAME é a media partner das<br />
iniciativas.<br />
OS CRITÉRIOS DOS APOIOS<br />
Que critérios podem ser usados no apoio às<br />
PME? Sobre esta questão, Eduardo Sengo<br />
considera que o ideal é recorrer aos mecanismos<br />
de mercado. Ou seja, usar as instituições<br />
já existentes, o que reduziria os<br />
custos administrativos. “Obviamente deve<br />
criar-se uma espécie de comité de selecção<br />
de projectos que permita que as associações<br />
empresarias e sectoriais possam participar<br />
de perto e acompanhar este processo.”<br />
Para Gerry Marketos, vice-presidente da<br />
EuroCam, a actual fase que o país atravessa<br />
constitui uma oportunidade ímpar<br />
para fortalecer o investimento europeu em<br />
Moçambique. Deu como exemplo o avanço<br />
do projecto da Área 1, liderada pela empresa<br />
francesa Total, no desenvolvimento de um<br />
dos maiores investimentos na extracção de<br />
gás natural a partir de 2024. “Tudo isso, a<br />
meu ver, demonstra que, apesar das dificuldades<br />
e desafios existentes na província<br />
de Cabo Delgado, a presença europeia<br />
na bacia do Rovuma continua firme.” Mas<br />
também, segundo Marketos, há aspectos<br />
que precisam de ser melhorados de modo a<br />
atrair mais investimentos estrangeiros para<br />
o país. “Acho pertinente usar a oportunidade<br />
deste Webinar para propor ao nosso<br />
governo e à delegação da União Europeia<br />
o lançamento de um estudo sobre a revisão<br />
da Lei de Investimento em Moçambique”<br />
pois, considera Gerry Marketos,<br />
a legislação precisa de ser revista e adaptada<br />
“em conformidade com a realidade<br />
socioeconómica pós-COVID-19, com<br />
vista a facilitar a atracção de novo investimento<br />
estrangeiro”. Mateus Matusse,<br />
director nacional de Apoio ao Desenvolvimento<br />
do Sector Privado no Ministério<br />
da Indústria e Comércio, disse, no<br />
encerramento de debate, que a natureza<br />
da crise exige respostas inovadoras, criativas,<br />
robustas e tempestivas, daí a importância<br />
do Webinar. b<br />
32 | Exame Moçambique
julho 2020 | 33
ECONOMIA RUBIS<br />
“OS RUBIS<br />
PERTENCEM<br />
A MOÇAMBIQUE”<br />
Samora Machel Jr.,<br />
PCA da Montepuez Rubi Mining,<br />
antecipa um leilão no quarto<br />
trimestre, num ano marcado<br />
pela incerteza da pandemia<br />
da COVID-19. Projectos de<br />
carácter social são para manter,<br />
mas a expansão, para já, está<br />
fora dos planos da empresa<br />
RICARDO DAVID LOPES<br />
SAMORA MACHEL JR.:<br />
Maximizar valores de venda<br />
para que as pedras preciosas<br />
tragam riqueza ao país<br />
34 | Exame Moçambique
A<br />
pandemia afecta este ano<br />
o desempenho da Montepuez<br />
Rubi Mining (MRM),<br />
mas a segurança, a manutenção<br />
e os serviços essenciais<br />
mantêm-se para assegurar que a<br />
empresa, o maior contribuinte fiscal em<br />
Cabo Delgado, “retome as operações com<br />
normalidade assim que seja seguro e praticável”,<br />
diz Samora Machel Jr., o seu presidente.<br />
As pedras preciosas compradas<br />
a bom preço, lembra, apontando a crise<br />
de 2008, são activos de valor e de refúgio<br />
em tempos de incerteza. Activos resilientes<br />
que deverão ter um leilão de fixação<br />
de preços no último trimestre do ano.<br />
Como tem evoluído a produção<br />
em Moçambique?<br />
Desde o início das operações, em 2012, que<br />
a MRM tem vindo a desenvolver esforços<br />
para tornar a sua produção mais eficiente.<br />
Um dos investimentos mais recentes foi<br />
na nova casa de selecção e classificação de<br />
rubis. Trata-se da primeira infra-estrutura<br />
do género na indústria de pedras<br />
preciosas coloridas e estará ao nível das<br />
melhores unidades diamantíferas do<br />
mundo. Resulta de um investimento<br />
de 900 milhões de meticais (15 milhões<br />
de dólares), que visa aumentar significativamente<br />
a capacidade de produção<br />
e as skills (aptidões) dos colaboradores.<br />
O ano de 2019 foi de investimento e crescimento<br />
significativos na MRM. Além da<br />
casa de selecção e classificação de rubis,<br />
implementámos um novo espessante na<br />
fábrica de lavagem, aumentando a capacidade<br />
para 150 toneladas/hora. E temos<br />
mais desenvolvimentos previstos, com a<br />
introdução de duas unidades de pré-triagem<br />
de alto desempenho para a remoção<br />
de partículas mais finas antes da entrada<br />
na linha de lavagem, o que irá resultar<br />
em maior concentração do produto<br />
desejado, dando assim mais capacidade<br />
a esta unidade.<br />
Balanço positivo, portanto...<br />
Temos a convicção de que os rubis pertencem<br />
a Moçambique e cabe-nos estruturar<br />
a indústria de pedras preciosas para<br />
que estes recursos tragam o máximo<br />
de rendimento ao país. O nosso papel é<br />
“custodiar” estes rubis, explorando-os de<br />
forma responsável, fazer a sua promoção<br />
e venda ao preço mais alto possível, para<br />
depois trazer o dinheiro de volta. Estamos<br />
focados em contínuas melhorias operacionais<br />
e da performance da empresa,<br />
e continuamos a avançar promovendo a<br />
transparência, confiança e práticas responsáveis<br />
de mineração.<br />
“OS INVESTIMENTOS<br />
PREVISTOS LIGADOS<br />
AO REASSENTAMENTO<br />
MANTÊM-SE”<br />
Quais são os principais mercados<br />
de exportação?<br />
Historicamente, os parceiros de leilão tailandeses<br />
tendem a dominar nos rubis, e<br />
a Tailândia mantém-se como o principal<br />
centro de corte e polimento, mas temos<br />
assistido a um interesse crescente de<br />
outros mercados, como a China.<br />
Como estão a olhar para o futuro?<br />
A nossa visão de longo prazo é sermos<br />
líder mundial nas pedras preciosas coloridas,<br />
promovendo a transparência, a<br />
confiança e práticas de mineração responsáveis.<br />
A nossa abordagem foi sempre<br />
progressiva e não convencional. Somos<br />
uma empresa jovem e dinâmica que apoia<br />
talentos em potência. Procuramos fazer<br />
as coisas de forma diferente, mantendo<br />
um equilíbrio entre as pessoas, o lucro e<br />
INDÚSTRIA EXTRACTIVA<br />
valores em milhões USD<br />
2018 2019<br />
128,2 121,9<br />
Rubis, safiras<br />
e esmeraldas<br />
Areias<br />
pesadas<br />
Fonte: Banco de Moçambique.<br />
1 752,8<br />
1 257,3<br />
263,8 321,7 312,3 273,7<br />
Carvão<br />
mineral<br />
Gás<br />
natural<br />
o ambiente. Excluindo os efeitos da pandemia<br />
da COVID-19, os objectivos da<br />
MRM para 2020 passam por aumentar<br />
a produção de 2260,7 quilates, em 2019,<br />
para 5400 quilates este ano, participar<br />
em mais leilões, aumentar o número de<br />
colaboradores, de 609 em Dezembro de<br />
2019, para 709 em Dezembro deste ano,<br />
e investir mais na zona da mina.<br />
Em quê?<br />
Na construção de uma segunda fábrica<br />
de tratamento que processe minério de<br />
outras áreas de exploração, na substituição<br />
e expansão da nossa frota, na conclusão<br />
do Plano de Acção de Reassentamento<br />
(PAR) e em novos desenvolvimentos.<br />
Quantos colaboradores têm no país?<br />
A MRM assegura o emprego, entre efectivos<br />
e contratados, a 1455 pessoas, das<br />
quais 95% moçambicanas. Ao nível de<br />
Cabo Delgado, empregamos cerca de 700<br />
pessoas, das quais 300 das comunidades<br />
em torno da empresa.<br />
“O NOSSO PAPEL É<br />
‘CUSTODIAR’ ESTES<br />
RUBIS, EXPLORANDO-OS<br />
DE FORMA<br />
RESPONSÁVEL”<br />
A pandemia teve impacto na vossa<br />
actividade, nomeadamente com a<br />
suspensão dos leilões. Como lidam<br />
com esta situação?<br />
A pandemia vai afectar a nossa performance<br />
este ano por várias razões: generalização<br />
das restrições a viagens e os leilões de qualidade<br />
mista agendados para Julho serão<br />
remarcados, o que pode resultar na existência<br />
de apenas um leilão no último trimestre<br />
do ano. A MRM suspendeu todas<br />
as operações não críticas a 22 de Abril, e<br />
o bem-estar dos colaboradores e comunidades<br />
continua a ser a principal prioridade.<br />
A segurança, a manutenção e outros<br />
serviços essenciais mantêm-se, para assegurar<br />
que a MRM está bem posicionada<br />
para retomar as operações com norma-<br />
julho 2020 | 35
ECONOMIA RUBIS<br />
“A NOSSA VISÃO DE<br />
LONGO PRAZO É SERMOS<br />
LÍDER MUNDIAL NAS<br />
PEDRAS PRECIOSAS<br />
COLORIDAS”<br />
lidade assim que tal seja seguro e praticável.<br />
Entretanto, suspendemos, até ver,<br />
o investimento de capital em expansão,<br />
incluindo a segunda unidade que lhe referi,<br />
que teria um valor de 12 milhões de dólares.<br />
No entanto, os investimentos previstos<br />
ligados ao reassentamento mantêm-se,<br />
com o objectivo de alojar as populações<br />
no mês de Julho. Temos acompanhado as<br />
medidas preventivas implementadas pelo<br />
governo no sentido da redução do risco<br />
de importação da COVID-19 e contaminação<br />
no âmbito do projecto.<br />
O preço dos rubis e esmeraldas tem<br />
sido afectado pela pandemia?<br />
O preço é fixado em leilões — o próximo<br />
deverá ser no último trimestre. Pedras<br />
preciosas compradas a bom preço foram<br />
sempre consideradas activos de valor e<br />
refúgio em períodos de incerteza económica<br />
e política. Isso foi evidente durante a<br />
crise financeira de 2008, quando as pedras<br />
preciosas se revelaram marcadamente resilientes<br />
face às quedas significativas nos<br />
principais índices. O Gemval Aggregate<br />
Index (GVA), um benchmark de referência<br />
na fixação de preços da indústria de<br />
jóias, mostra igualmente que as pedras<br />
preciosas superaram o desempenho do<br />
FSTE 100 desde Maio de 2008. São notórias<br />
as recentes quebras nos mercados de<br />
capitais desencadeadas pela COVID-19, e<br />
os próximos meses deverão demonstrar a<br />
resiliência relativa da GVA face ao FSTE<br />
100, S&P 500 e DJIA.<br />
O que seria necessário para este<br />
sector ganhar peso no PIB e nas<br />
O QUE A MRM PAGOU AO ESTADO<br />
mil milhões MTC<br />
2,06<br />
2017<br />
Fonte: Empresa.<br />
A INDÚSTRIA EXTRACTIVA NO PIB<br />
6,86%<br />
2017<br />
2,359<br />
2018<br />
7,35%<br />
2018<br />
exportações?<br />
De acordo com o 8.º relatório da Iniciativa<br />
de Transparência na Indústria Extractiva<br />
[EITI, 2020, no acrónimo inglês],<br />
baseado na conciliação entre pagamentos<br />
declarados pelas empresas e receitas<br />
declaradas por instituições governamentais,<br />
a MRM foi a segunda empresa de<br />
indústria mineira que mais pagamentos<br />
efectuou ao Estado moçambicano em<br />
2017 e 2018. De acordo com os valores<br />
declarados pelo governo, a MRM pagou<br />
“ESTAMOS FOCADOS EM<br />
CONTÍNUAS MELHORIAS<br />
OPERACIONAIS E DA<br />
PERFORMANCE”<br />
2 060 428 675,78 meticais em 2017, e<br />
2 359 428 866,43 meticais em 2018. Nos<br />
últimos anos, a MRM evidenciou-se pelo<br />
seu contributo ao país, mas sobretudo a<br />
nível provincial. Fomos novamente reconhecidos<br />
como o maior contribuinte fiscal<br />
em Cabo Delgado pelo quinto ano consecutivo<br />
(2014, 2015, 2016, 2017 e 2018).<br />
Segundo o relatório da EITI, a “contribuição<br />
da indústria extractiva para o PIB<br />
foi de cerca de 6,86% em 2017, e 7,35%<br />
em 2018, o que demonstra um aumento<br />
do contributo deste sector ao longo dos<br />
anos. Em termos de contribuições para<br />
o Tesouro Nacional, o total das receitas<br />
ascendeu a 213 222,9 e 213 032,2 milhões<br />
de meticais, respectivamente. O contributo<br />
das empresas que operam na indústria<br />
extractiva para o Estado nestes anos<br />
foi de 35 426,09 e 19 071,27 milhões<br />
de meticais, o que corresponde<br />
a 17% e 9% do total da receita<br />
captada nesses anos. b<br />
RUBIS E ESMERALDAS:<br />
Activos que resistem<br />
a períodos de incerteza<br />
36 | Exame Moçambique
julho 2020 | 37
ECONOMIA ALGODÃO<br />
FRANCISCO FERREIRA<br />
DOS SANTOS: O sector<br />
do algodão é estruturante<br />
para o país<br />
“O SECTOR<br />
DO ALGODÃO É MUITO<br />
TRANSPARENTE”<br />
A fileira do algodão está pronta para agarrar a sua parte do desafio de uma nova fase<br />
da agricultura nacional, garante o presidente da Associação Algodoeira de Moçambique<br />
(AMM), Francisco Ferreira dos Santos<br />
RICARDO DAVID LOPES<br />
38 | Exame Moçambique
F<br />
rancisco Ferreira dos Santos<br />
elogia a “consistência” do<br />
desempenho da indústria algodoeira<br />
nacional e acredita que<br />
a atribuição de apoios a outros<br />
sectores estratégicos, em linha com os<br />
concedidos ao algodão-caroço, traria<br />
ganhos no curto prazo ao país. Para o<br />
presidente da Associação Algodoeira de<br />
Moçambique (AMM), o sector do algodão<br />
é um sector estruturante para o país,<br />
que envolve, em média, cerca de 200 mil<br />
famílias, representa uma fonte de sustento<br />
para um milhão de pessoas e garante cerca<br />
de 20 mil empregos directos e indirectos.<br />
Acentua ainda que se trata de um sector<br />
muito transparente no qual o preço ao<br />
produtor é controlado.<br />
O preço do algodão tem, no entanto,<br />
vindo a ressentir-se da guerra comercial<br />
entre os Estados Unidos e a China,<br />
da pandemia com o lockdown da indústria<br />
têxtil asiática, da quebra nos mercados<br />
financeiros, o que afecta a cotação do<br />
produto, e da queda do preço do petróleo,<br />
que torna as fibras sintéticas muito<br />
mais competitivas.<br />
“PRECISAMOS DE CRIAR<br />
MECANISMOS DE GESTÃO<br />
DE CHOQUES E CRISES”<br />
As exportações de algodão tiveram<br />
um forte aumento em valor em 2019,<br />
face aos anos anteriores. Como se<br />
explica este desempenho?<br />
A produção de 2019/20 foi semelhante<br />
à da campanha anterior. Essa diferença<br />
poderá decorrer do facto de, por vezes,<br />
o momento da exportação variar de ano<br />
para ano, consoante a dinâmica dos mercados.<br />
Em regra, a sementeira ocorre em<br />
Dezembro, a colheita em Maio, o processamento<br />
entre Junho e Dezembro,<br />
em função do volume, e a exportação a<br />
partir de Julho, também de acordo com<br />
a produção e a dinâmica dos mercados.<br />
Quais os principais clientes?<br />
A indústria têxtil mundial ainda se encontra<br />
muito localizada na Ásia. Alguns<br />
países africanos, nomeadamente as Maurícias,<br />
tiveram muito sucesso em cativar<br />
o investimento nesta indústria, tendo<br />
vindo a tornar-se importantes clientes<br />
para o nosso algodão.<br />
Como tem evoluído a produção?<br />
A média de produção anual dos últimos<br />
dez anos situa-se em torno das 70 mil<br />
toneladas de algodão-caroço, com um<br />
pico de produção, em 2012, de 185 mil<br />
toneladas, que se deveu ao aumento exponencial<br />
do preço do algodão em 2011 — o<br />
que levou a uma enorme adesão de produtores<br />
à cultura no ano seguinte. Este<br />
ano estimamos cerca de 45 mil toneladas.<br />
Tanto este ano e como em 2019 tivemos<br />
várias adversidades a nível do clima<br />
que conduziram à perda de áreas e rendimentos.<br />
Qual a importância deste sector,<br />
actualmente, em termos de emprego,<br />
e quais as perspectivas futuras?<br />
Mesmo com as dificuldades que se verificaram<br />
nos últimos dois anos, continua<br />
a ser um sector estruturante para o<br />
país. Está em sétimo lugar no ranking das<br />
exportações nacionais e em quarto dos<br />
produtos agrícolas. Envolve, em média,<br />
cerca de 200 mil famílias, representando,<br />
portanto, uma fonte de sustento para<br />
um milhão de pessoas, e garante cerca<br />
de 20 mil postos de emprego directo e<br />
indirecto. É um sector muito transparente,<br />
onde o preço ao produtor é controlado,<br />
garantindo-se que este recebe,<br />
pelo menos, cerca de 60% do valor total<br />
da receita de exportação das empresas.<br />
É, sem dúvida, um veículo de desenvolvimento<br />
rural e de distribuição de rendimento<br />
no meio rural.<br />
O preço do algodão tem sofrido<br />
variações<br />
ou mantém-se estável?<br />
O preço do algodão vinha tendo um<br />
comportamento relativamente estável<br />
até à intensificação da guerra comercial<br />
entre os EUA e a China, a partir de Maio<br />
de 2019, e, agora, com o despoletar da<br />
pandemia. O algodão tem sido dos produtos<br />
agrícolas mais afectados pela pandemia<br />
e pela crise económica, com uma<br />
redução de preço nos últimos meses em<br />
cerca de 30%.<br />
O que provoca essa queda?<br />
Deve-se a vários factores que estão relacionados<br />
entre si: queda do consumo dos produtos<br />
têxteis nesta fase de crise, lockdown<br />
severo nos países asiáticos, onde se situa uma<br />
grande parte da indústria têxtil (quebra da<br />
procura), queda dos mercados financeiros,<br />
o que também pressiona a cotação internacional,<br />
e a redução do preço do petróleo,<br />
que, além de afectar os mercados e a<br />
confiança, torna as fibras sintéticas, derivadas<br />
do petróleo e concorrentes do algodão,<br />
muito mais competitivas.<br />
NÚMEROS DO SECTOR<br />
200 mil famílias estão envolvidas<br />
na produção algodoeira<br />
1 milhão de pessoas têm<br />
a produção de algodão fonte<br />
de sustento<br />
20 mil empregos directos<br />
e indirectos são gerados no sector<br />
60% do valor total da receita<br />
de exportação das empresas cabe<br />
aos produtores<br />
Como está a evoluir a produção e a<br />
exportação nestes primeiros meses<br />
do ano?<br />
A exportação do algodão da presente campanha<br />
começa em Julho, mas ainda existe<br />
algum em stock da anterior, fundamentalmente<br />
devido à queda do preço decorrente<br />
da guerra comercial EUA-China,<br />
que dificultou a colocação externa do<br />
produto nacional.<br />
Quais os impactos da COVID-19?<br />
O primeiro grande impacto da pandemia<br />
está na redução abrupta do preço, conforme<br />
expliquei, além, naturalmente, de<br />
junho 2020 | 39
ECONOMIA ALGODÃO<br />
todos os constrangimentos decorrentes<br />
das diversas medidas de prevenção internas<br />
e nos países nossos clientes.<br />
Quais são os principais players deste<br />
sector?<br />
Em Moçambique temos, neste momento,<br />
seis empresas, sendo três detidas por<br />
capital nacional e três por capital estrangeiro.<br />
As nacionais são a JFS (Niassa), a<br />
SANAM (Nampula) e a SAM (Nampula).<br />
As estrangeiras são a PLEXUS (Cabo Delgado),<br />
a OLAM (Nampula) e a CHINA AC<br />
(Sofala). Sem desprezar o esforço de ninguém,<br />
notamos que, de um modo geral, as<br />
empresas nacionais têm tido um desempenho<br />
mais consistente.<br />
O governo deu luz verde ao subsídio<br />
“O ALGODÃO TEM SIDO<br />
DOS PRODUTOS MAIS<br />
AFECTADOS PELA<br />
PANDEMIA”<br />
ao algodão-caroço nesta campanha.<br />
Sem subsídios o sector não tem<br />
sustentação?<br />
O algodão é uma cultura muito antiga no<br />
país. Nunca parou a respectiva actividade,<br />
mesmo nos momentos mais difíceis,<br />
o que é um sinal indiscutível do compromisso<br />
e da resiliência das empresas e das<br />
centenas de milhar de produtores que,<br />
com muito esforço e dedicação, mantêm<br />
esta actividade, com enorme impacto na<br />
criação de emprego, na geração de divisas<br />
e no desenvolvimento rural. Como tal,<br />
acredito que o algodão conseguisse sobreviver<br />
a esta crise, como já o fez no<br />
passado, mas sairia dela muito amolgado<br />
e penalizando enormemente o rendimento<br />
dos produtores, o desenvolvimento<br />
rural e o programa nacional em geral.<br />
Mais do que lutar por sobrevivência, o<br />
país deve lutar para promover e desenvolver<br />
a sua agricultura, de uma forma<br />
sólida e consistente.<br />
Neste momento, a situação é<br />
especial...<br />
Moçambique precisa de criar mecanismos<br />
de gestão de choques e crises, à semelhança<br />
do que fazem todos os outros principais<br />
produtores de algodão, sem excepção,<br />
SUBSÍDIO<br />
AO ALGODÃO-CAROÇO:<br />
Beneficia directamente<br />
os produtores de algodão<br />
40 | Exame Moçambique
desde os países de produção comercial/<br />
empresarial, como os Estados Unidos, o<br />
Brasil e a Austrália, aos de produção de<br />
base familiar, como a China, a Índia e<br />
os países da África Oeste que são uma<br />
referência no algodão, nomeadamente<br />
o Burkina Faso, o Chade e o Togo. Não<br />
se trata de uma questão de subsídio pelo<br />
subsídio, muito menos um subsídio ao<br />
consumo: é um mecanismo de suporte<br />
à produção nacional e à economia rural,<br />
com sustentabilidade social e económica,<br />
para ser accionado em momentos de choque,<br />
como aquele que agora vivemos.<br />
É um investimento...<br />
Exacto, não se trata de um custo, mas sim<br />
um investimento – e um investimento com<br />
retorno directo, imediato e muito tangível.<br />
O subsídio é direccionado apenas para<br />
os produtores de algodão e não para as<br />
empresas. Ou seja, o ganho das empresas<br />
será indirecto, pelo facto de conseguirem<br />
aumentar e estabilizar os volumes de produção<br />
nos anos seguintes, condição fundamental<br />
para a sustentabilidade do seu<br />
“A CULTURA DE<br />
ALGODÃO NUNCA<br />
PAROU, MESMO<br />
NOS MOMENTOS<br />
MAIS DIFÍCEIS”<br />
negócio. A estrutura actual do subsector<br />
algodoeiro oferece condições para a aplicação<br />
deste apoio, sem qualquer gasto adicional<br />
de controlo ou distribuição dos valores,<br />
garantindo-se que cada metical investido<br />
chegará ao produtor. É uma medida inteligente<br />
e necessária, não apenas para o<br />
algodão, mas para as outras culturas estratégicas<br />
que justifiquem e que tenham condições<br />
para a sua aplicação.<br />
“O SUBSÍDIO AO<br />
ALGODÃO-CAROÇO<br />
NÃO É UM CUSTO,<br />
É UM INVESTIMENTO”<br />
Estão previstos novos investimentos<br />
no sector?<br />
Mesmo com as dificuldades de mercado<br />
sentidas em 2019 e 2020, que tiveram<br />
impactos especialmente relevantes em<br />
algumas das empresas, o subsector continua<br />
a investir e a inovar. A título de<br />
exemplo, temos o nosso parque industrial<br />
perfeitamente mantido e preparado, e<br />
estamos a investir em fábricas de óleo alimentar<br />
para processar o caroço do algodão<br />
e outras oleaginosas. Também temos<br />
diversas inovações e investimentos em<br />
várias áreas do desenvolvimento rural,<br />
que são necessárias a qualquer agricultor.<br />
Quais?<br />
Por exemplo, novas técnicas e ferramentas<br />
de produção, agricultura de conservação<br />
e certificação da produção, serviços<br />
de mecanização agrária, acesso a serviços<br />
financeiros, incluindo o seguro agrícola,<br />
redes de distribuição de insumos e<br />
comercialização agrícola, entre outros.<br />
Além disso, também estamos a trabalhar<br />
com o governo para se conseguir utilizar<br />
a estrutura do algodão para o desenvolvimento<br />
de outras culturas estratégicas<br />
NO TOP<br />
O algodão foi, em 2019, o terceiro produto agrícola<br />
nacional em valor de exportação<br />
Top produtos agrícolas<br />
milhões USD<br />
2018 2019<br />
Fonte: Banco de Moçambique.<br />
do país, em particular o milho e a soja,<br />
procurando alcançar a optimização dos<br />
recursos e a integração das cadeias de<br />
valor, sempre tendo por base o aumento<br />
do rendimento do produtor, a estabilização<br />
do negócio das empresas e o desenvolvimento<br />
nacional. Acreditamos que<br />
estamos, por isso, a entrar num grande<br />
momento da agricultura nacional e o<br />
algodão está preparado para desempenhar<br />
o respectivo papel nesse processo.<br />
Quais têm sido os principais<br />
constrangimentos à actividade?<br />
Como referi, o estabelecimento de um<br />
mecanismo de gestão de choques de mercado<br />
sempre foi uma grande prioridade<br />
para o subsector e isso foi conseguido este<br />
ano. É um marco histórico, sem dúvida.<br />
Além disso, estamos a trabalhar activamente<br />
em várias prioridades, como<br />
a produção e tratamento de semente de<br />
qualidade, a industrialização e aproveitamento<br />
de produtos e subprodutos e a optimização<br />
do protocolo de produção, com<br />
a introdução de novas técnicas, pequenas<br />
ferramentas e tecnologias. Também<br />
estamos a apostar na diversificação de<br />
culturas e na optimização da operação<br />
de logística, entre outros aspectos. b<br />
82,2<br />
219,8<br />
230,4<br />
36,1<br />
30,2<br />
26,1<br />
8,6 9,8<br />
0,5<br />
2,8<br />
Amendoim Castanha-de-caju Algodão Legumes e hortÍcolas Tabaco<br />
junho 2020 | 41
GÁS MEGAPROJECTOS<br />
AERÓDROMO:<br />
Novo aeródromo<br />
de Afungi, dentro<br />
da zona<br />
de implantação<br />
do projecto<br />
OBRAS DO CAIS:<br />
Um cais já está<br />
operacional e tem<br />
recebido<br />
carregamentos do<br />
projecto, além<br />
de apoios à circulação<br />
de mercadorias<br />
e apoio humanitário<br />
às populações locais<br />
PENÍNSULA DO GÁS JÁ GANHA<br />
FORMA EM CABO DELGADO<br />
Na primeira visita ao recinto de obras em Afungi já foi possível ver infra-estruturas<br />
do megaprojecto a funcionar e movimentação de terras que mostram para onde<br />
está projectado tudo o resto<br />
LUÍS FONSECA *<br />
42 | Exame Moçambique
Este projecto é<br />
sólido”, afirmou<br />
Ronan Bescond,<br />
director-geral<br />
da Total em<br />
Moçambique, ao mostrar em que ponto<br />
estão as obras do megaprojecto de exploração<br />
de gás natural da Área 1 da bacia<br />
do Rovuma. É o maior investimento privado<br />
em curso em África, no valor de<br />
20 mil milhões de dólares. Apesar dos<br />
desafios impostos pela COVID-19 e pelos<br />
ataques armados classificados como terrorismo<br />
que acontecem nas zonas em<br />
redor, 2024 continua a ser o prazo previsto<br />
para encher o primeiro navio cargueiro<br />
no cais de Afungi com gás natural<br />
liquefeito. Gás puxado para terra a partir<br />
de jazidas sob o fundo oceânico e que<br />
será transformado em líquido no complexo<br />
industrial em construção.<br />
A assinatura do projecto financeiro com<br />
banco e agências de exportação, que vão<br />
emprestar a quase totalidade do valor em<br />
causa, “confirma que este projecto é sólido,<br />
porque há pessoas dispostas a investirem<br />
16 mil milhões de dólares. Confiam no<br />
operador [a Total], no consórcio, confiam<br />
que temos os empreiteiros certos e que há<br />
uma boa colaboração entre este grupo e<br />
o governo para alcançar as expectativas”,<br />
especificou. O projecto financeiro vai ser<br />
assinado com uma combinação de bancos<br />
e agências de crédito à exportação<br />
sedeadas em países que estão a produzir<br />
componentes para o empreendimento.<br />
À hora de fecho desta edição, a assinatura<br />
estava presa por pormenores burocráticos.<br />
“Já recebemos a aprovação de todas<br />
as agências de exportação e estamos na<br />
ronda final de [processamento da] documentação”,<br />
referiu Bescond.<br />
Conseguir fechar o project finance para<br />
a Área 1 nesta altura desafia algumas análises<br />
que nos últimos meses colocaram o<br />
empreendimento sob pressão acrescida<br />
depois do abrandamento económico provocado<br />
pela COVID-19, de proporções e<br />
duração ainda imprevisíveis. Ainda mais<br />
quando o vizinho consórcio da Área 4,<br />
liderado pela ExxonMobil e a Eni, adiou<br />
a decisão final de investimento justificando-se<br />
com o novo contexto adverso.<br />
O MAIOR INVESTIMENTO<br />
PRIVADO EM CURSO EM<br />
ÁFRICA (20 MIL MILHÕES<br />
DE DÓLARES) MINIMIZA<br />
RISCOS DO PRESENTE<br />
(COMO A COVID-19)<br />
E EXPLICA QUE O<br />
OBJECTIVO ESTÁ<br />
NO LONGO PRAZO<br />
O consórcio da Área 4 vai explorar reservas<br />
contíguas às da Área 1 e partilhar áreas<br />
do empreendimento industrial em terra.<br />
Adiaram as obras para data a definir.<br />
Mas o director-geral da Total minimizou<br />
a queda do preço do petróleo (da casa<br />
dos 60 dólares por barril de Brent para<br />
cerca de 40 dólares, desde há um ano).<br />
TOTAL RESPONDE A QUESTÕES SENSÍVEIS<br />
A província de Cabo Delgado, onde está<br />
a ser implantado o megaprojecto de gás,<br />
não é um território qualquer. A nível<br />
internacional tem tido mediatismo por ser<br />
alvo de terrorismo associado a grupos<br />
“jihadistas”. Mas o investimento no gás<br />
tem permanecido fora da mira dos<br />
agressores. “A situação de insegurança<br />
não está directamente ligada ao projecto<br />
de gás”, referiu Ronan Bescond.<br />
“O governo colocou recursos de forma<br />
a mitigar a situação e a proteger a<br />
população”, porque nos últimos dois<br />
anos e meio já houve confrontos a poucos<br />
quilómetros. “Há um protocolo com o<br />
Ministério do Interior e o Ministério da<br />
Defesa que será ajustado, dependendo do<br />
avanço das actividades.” Esta colaboração<br />
tem sido alvo de críticas da sociedade<br />
civil, que questionam: será que os<br />
investimentos privados estão acima das<br />
populações? Ronan Bescond refere que<br />
o protocolo abrange “um plano de base<br />
comunitária. O projecto assume<br />
É uma das variáveis que define a sustentabilidade<br />
do projecto, mas Bescond sublinhou<br />
que este é um empreendimento para<br />
o longo prazo. A exploração das reservas<br />
Golfinho e Atum, que começa em<br />
2024, deverá durar vinte e cinco anos e<br />
há outras jazidas na Área 1 por desenvolver.<br />
Mais: o director-geral da Total aponta<br />
o gás natural como um “combustível de<br />
transição” no cenário de mudança energética<br />
e abandono dos recursos fósseis.<br />
“FEITO MEMORÁVEL”<br />
O recinto de obras do empreendimento,<br />
em Afungi, foi em Abril e Maio o local<br />
com maior concentração de casos (96) de<br />
COVID-19 em Moçambique, obrigando<br />
à paralisação quase total dos trabalhos.<br />
As operações estão a ser retomadas gradualmente<br />
desde o início de Junho, depois<br />
do espaço ter sido declarado livre do novo<br />
coronavírus. Mas só lá para Novembro<br />
deverá estar retomada a velocidade de<br />
cruzeiro por perdurarem ainda restrições<br />
a responsabilidade de associar estas<br />
forças de segurança na área para proteger<br />
as comunidades locais e regionais”.<br />
As questões humanitárias, sociais e de<br />
investimento na economia local ocuparam<br />
boa parte da apresentação de Bescond aos<br />
jornalistas, centrada em duas apostas: no<br />
conteúdo local e na criação de emprego.<br />
Em Janeiro havia 5500 moçambicanos<br />
a trabalhar nas obras do megaprojecto<br />
da Área 1 e prevê-se que esse número<br />
se mantenha, sendo que, depois de<br />
terminada a construção, em 2024, o<br />
consórcio prevê criar 1500 empregos de<br />
longa duração. E 699 milhões de dólares já<br />
foram aplicados em aquisições a empresas<br />
moçambicanas até ao segundo trimestre<br />
de 2020: “Investimos muito tempo<br />
no conteúdo local”, garante Bescond.<br />
Por outro lado, a cidade do gás, associada<br />
ao empreendimento, vai começar a ser<br />
construída em 2021, com capacidade para<br />
albergar 150 mil pessoas atraídas pelas<br />
oportunidades criadas em Afungi.<br />
julho 2020 | 43
GÁS MEGAPROJECTOS<br />
à mobilidade internacional. Seja como for,<br />
o cronograma do empreendimento não<br />
foi afectado porque a fase actual abrange<br />
sobretudo tarefas de engenharia e aquisições.<br />
A construção física vai ter o grande<br />
impulso a partir de 2021.<br />
Bescond minimizou também os ataques<br />
armados que há dois anos e meio afectam<br />
a província de Cabo Delgado, sublinhando<br />
que nunca visaram o recinto de construção<br />
do empreendimento. Mas somando<br />
todos os riscos, o director-geral da Total<br />
em Moçambique classificou como “um<br />
feito memorável” conseguir fechar, na<br />
conjuntura actual, o projecto financeiro<br />
para o megaprojecto de gás que lidera em<br />
Moçambique.<br />
APESAR DA COVID-19,<br />
PLENA PRODUÇÃO EM 2025<br />
A primeira visita aberta às obras de Afungi<br />
ocorreu um ano depois da decisão final<br />
de investimento para a Área 1 da bacia<br />
do Rovuma, anunciada numa cerimónia<br />
em Maputo a 18 de Junho de 2019. Desta<br />
vez, a visita decorreu com muitas regras<br />
de desinfecção, distanciamento social e<br />
movimentos limitados no recinto onde<br />
houve, como notámos, o maior surto de<br />
INSTALAÇÕES: Um dos portões de entrada<br />
nas zonas de serviço do projecto<br />
EM JANEIRO HAVIA<br />
5500 MOÇAMBICANOS A<br />
TRABALHAR NAS OBRAS<br />
DO MEGAPROJECTO<br />
DA ÁREA 1<br />
COVID-19 no país, entre Abril e Maio, que<br />
chegou a 96 casos entre 880 trabalhadores.<br />
O projecto já foi declarado livre do novo<br />
coronavírus e as equipas estão a regressar<br />
gradualmente ao trabalho, devendo<br />
este retomar o ritmo que tinha antes da<br />
pandemia, com cerca de 6500 trabalhadores,<br />
no final do ano, com o fim das restrições<br />
globais de transporte. O surto de<br />
COVID-19 não terá influência no cronograma<br />
da obra: Estamos dentro dos prazos<br />
“para que a primeira entrega de gás<br />
natural liquefeito seja feita em 2024 e a<br />
plena produção (13,12 milhões de toneladas/ano)<br />
em 2025”, garantiu Bescond.<br />
GOVERNO “ORGULHOSO”<br />
“Sentimo-nos orgulhosos como país por<br />
podermos ter em Moçambique o maior<br />
investimento em África”, referiu o ministro<br />
dos Recursos Minerais e Energia, Max<br />
Tonela, na visita a Afungi, a 19 de Junho.<br />
Este é também “o maior investimento no<br />
país pós-independência” e o governante<br />
acrescentou que o objectivo é que seja “um<br />
projecto transformador”, ou seja, “não permitir<br />
que Moçambique só exporte”, mas<br />
alimentar novas indústrias e empreendimentos.<br />
“Estamos preocupados em criar<br />
condições que promovam à volta do projecto<br />
o desenvolvimento de outros sectores<br />
na nossa economia.” b<br />
* Trabalho especial da Lusa para a EXAME.<br />
NOVOS ESPAÇOS<br />
EM AFUNGI<br />
Além de estradas, estaleiros,<br />
alojamento e outros espaços de apoio<br />
às obras, estão já em funcionamento<br />
em Afungi um cais marítimo e um<br />
aeródromo e foi criada a nova vila de<br />
Quitunda. Já aí habitam 186 famílias<br />
(cerca de 1200 pessoas), transferidas<br />
de povoados dos terrenos de<br />
implantação do projecto, e novas fases<br />
de expansão estão previstas para o<br />
total a acolher chegar às 556 famílias.<br />
No lugar de uma povoação rural<br />
de construções precárias, agora há<br />
uma vila com infra-estruturas (água,<br />
electricidade, saneamento, acesso)<br />
como não existe em mais lado<br />
nenhum da província.<br />
Na avaliação feita em 2018, meses<br />
depois de iniciadas as obras, as<br />
organizações da sociedade civil<br />
moçambicanas deram nota positiva<br />
ao dossier de reassentamento das<br />
populações que viviam na área das<br />
obras, apesar das preocupações<br />
relativas à deslocalização de<br />
comunidades piscatórias e à<br />
disponibilização de terras para cultivo.<br />
Em resposta, o consórcio de<br />
petrolíferas e o Estado moçambicano<br />
garantem dar ouvidos às preocupações<br />
e estar abertos ao escrutínio.<br />
44 | Exame Moçambique
julho 2020 | 45
ENERGIA MERCADO<br />
GÁS E PETRÓLEO:<br />
APARENTE<br />
“DESCOMPASSO”<br />
O preço do gás natural está a cair menos do que o do petróleo desde o início da crise,<br />
mas perdeu o mesmo valor, cerca de metade, no último ano. Há razões que explicam este<br />
aparente “descompasso” entre as duas matérias-primas nesta fase<br />
RICARDO DAVID LOPES<br />
PETRÓLEO: A quebra no<br />
preço do crude vai afectar<br />
a produção de gás associado<br />
46 | Exame Moçambique
Se os projectos de gás natural<br />
previstos para a bacia do<br />
Rovuma, em Cabo Delgado,<br />
já estivessem em operação,<br />
Moçambique sentiria de forma<br />
mais pesada o impacto da baixa das cotações<br />
internacionais desta matéria-prima nas<br />
suas exportações. As crises anteriores à da<br />
pandemia de COVID-19 que agora vivemos<br />
mostram que o preço desta commodity<br />
oscila menos do que o do seu “irmão” petróleo.<br />
Mas desde Janeiro — e no último ano<br />
— a cotação do gás acumula perdas superiores<br />
às dos outros produtos que são, por<br />
agora, o grosso das exportações moçambicanas,<br />
como o carvão e o alumínio.<br />
Desde o início do ano, a cotação internacional<br />
do gás natural caiu cerca de 23%,<br />
essencialmente devido ao impacto da pandemia<br />
do novo coronavírus, que compara<br />
com 47% no caso do petróleo (brent<br />
e crude). Os preços do gás, ainda assim,<br />
podem vir a subir, o que é uma boa notícia,<br />
sobretudo a pensar no médio prazo,<br />
quando entrarem em operação os projectos<br />
da Total, na Área 1, e da Exxon-<br />
Mobil e Eni, na Área 4 — ainda que haja<br />
agora dúvidas sobre o futuro do que é liderado<br />
pela companhia norte-americana.<br />
SEPARAÇÃO DE PREÇOS<br />
Em entrevista à EXAME, o advogado<br />
especialista em assuntos petrolíferos, Rui<br />
Amendoeira, explica que nos últimos anos<br />
“temos assistido a uma progressiva desconexão<br />
entre o preço do petróleo e o do gás<br />
natural, sobretudo porque este tem vindo<br />
a desenvolver um mercado com características<br />
próprias cada vez mais independente<br />
de petróleo”.<br />
“O mercado do gás natural foi evoluindo<br />
de um contexto predominantemente doméstico<br />
ou regional para um mercado global,<br />
devido ao aumento da produção e exportação<br />
de gás natural liquefeito (GNL).<br />
Embora os dois produtos continuem a<br />
‘concorrer’ em certa medida, sobretudo<br />
na utilização industrial, a correlação entre<br />
os respectivos preços tem vindo a diminuir”,<br />
assinala o jurista. A procura de gás<br />
natural está também a cair menos nesta<br />
fase da pandemia em relação ao petróleo,<br />
que é “afectado pela drástica diminuição<br />
de mobilidade e consequente redução do<br />
consumo no sector dos transportes”. “Por<br />
outro lado, uma parte do mercado do gás<br />
natural ainda assenta em contratos de<br />
longo prazo entre produtores e compradores,<br />
o que oferece maior estabilidade<br />
de preço”, acrescenta Rui Amendoeira,<br />
que destaca que “a recente guerra comercial<br />
entre a Arábia Saudita e a Rússia teve<br />
maior impacto no aumento da produção<br />
de petróleo, tendo essa circunstância sido<br />
amplificada pela especulação financeira<br />
com os contratos de futuros de petróleo”.<br />
A conjugação destes factores, entre outros,<br />
explica, tem “protegido em alguma medida<br />
A COTAÇÃO DO GÁS<br />
NATURAL JÁ CAIU<br />
23% ESTE ANO, QUE<br />
COMPARA COM 47%<br />
DO PETRÓLEO<br />
o preço do gás natural em comparação<br />
com o do petróleo”, sendo que a produção<br />
de ambas as commodities está interligada.<br />
“A produção de gás natural está, em<br />
certa medida, interligada e dependente<br />
da produção de petróleo, nomeadamente<br />
em relação ao designado ‘gás associado’ —<br />
produzido em conjunto com o petróleo e<br />
como by product deste. A queda abrupta<br />
do preço do petróleo está a provocar uma<br />
redução da produção e um forte desinvestimento<br />
na exploração, e isso vai inevitavelmente<br />
afectar a produção de gás<br />
associado”, diz Rui Amendoeira, que prevê<br />
uma diminuição da produção de gás “no<br />
horizonte próximo e, a prazo, esse factor<br />
irá pôr pressão para a subida do preço”.<br />
Entretanto, quando chegarmos ao próximo<br />
Inverno no Hemisfério Norte, poderemos<br />
ter “a convergência do natural<br />
aumento sazonal de procura para electricidade<br />
e aquecimento com um contexto<br />
de redução acentuada da produção. Nesse<br />
sentido, antecipo uma possível recuperação<br />
do preço nos próximos meses”.<br />
O especialista reforça que “no horizonte<br />
próximo, o baixo preço do petróleo<br />
tem sempre alguma correlação com<br />
a redução do preço do gás, ainda que esses<br />
movimentos tenham algum desfasamento<br />
temporal. No longo prazo, será possível<br />
argumentar que um cenário duradouro de<br />
preços baixos (de petróleo) poderá fazer<br />
com o que os investidores se desloquem<br />
para o mercado do gás natural, incluindo<br />
no investimento em projectos de GNL”.<br />
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA<br />
ACELERA<br />
“É um cenário possível, porém os investimentos<br />
em projectos de GNL exigem<br />
recursos financeiros consideráveis, logo<br />
qualquer benefício demorará tempo a concretizar-se<br />
na prática”, alerta Rui Amendoeira,<br />
que vê no processo da chamada<br />
transição energética, no sentido da descarbonização<br />
da economia, algo que a<br />
pandemia poderá acelerar — um outro<br />
ponto a favor do gás, sobretudo no médio<br />
e longo prazo.<br />
“A violenta disrupção do mercado do<br />
petróleo dos últimos meses vai ter um efeito<br />
negativo nas condições futuras de investimento<br />
no sector. A pandemia colocou a<br />
nu os riscos do investimento na actividade<br />
petrolífera, sobretudo no petróleo mais<br />
caro ou de mais difícil extracção. É certo<br />
que o mercado petrolífero está habituado<br />
à volatilidade do preço, mas os acontecimentos<br />
de Março e Maio foram extremos<br />
na sua dimensão”, assinala o responsável.<br />
É que, recorda, o nível de destruição<br />
de preço, de perda de receita, de quebra<br />
de investimentos e de postos de trabalho,<br />
entre outros prejuízos, assumiu contornos<br />
de algo “extraordinário mesmo para<br />
os padrões da indústria petrolífera, e nem<br />
tudo ficou a dever-se à pandemia, porque<br />
há problemas estruturais do sector que<br />
foram ‘destapados’ pela COVID-19”. Em<br />
causa, afirma, está o facto de já antes da<br />
pandemia haver um “permanente excesso<br />
de produção — sobretudo do shale oil<br />
(óleo de xisto) — que torna difícil manter<br />
o preço elevado numa altura em que o<br />
aumento estrutural da procura tem sido<br />
mais limitado”.<br />
Este problema estrutural — de desajuste<br />
entre a procura e a oferta — vai<br />
continuar a existir nos próximos anos,<br />
com muito petróleo a ser extraído e uma<br />
julho 2020 | 47
ENERGIA MERCADO<br />
GÁS: Pode gerar receitas<br />
públicas de 3 mil milhões<br />
de dólares por ano a partir<br />
de 2030<br />
NOS ÚLTIMOS ANOS<br />
TEM HAVIDO “UMA<br />
PROGRESSIVA<br />
DESCONEXÃO ENTRE<br />
O PREÇO DO PETRÓLEO<br />
E O DO GÁS” NATURAL<br />
procura limitada por causa da transição<br />
energética, electrificação dos transportes,<br />
etc. “É natural que este acontecimento<br />
extremo faça acelerar o processo futuro<br />
de desinvestimento no sector do petróleo<br />
bruto em benefício do gás natural e das<br />
energias renováveis”, admite o advogado.<br />
A quebra de preços — e a incerteza quando<br />
ao futuro — tem vindo a causar adiamentos<br />
e suspensões de investimentos, e também<br />
muitas falências no sector do Oil &<br />
Gas, assinala Rui Amendoeira. “O investimento<br />
na nova exploração de petróleo e<br />
gás já está a diminuir e de um modo significativo.<br />
Todas as companhias do sector<br />
anunciaram recentemente cortes importantes<br />
nos seus orçamentos de exploração<br />
e investimento para 2020”, lembra. É que,<br />
explica, num contexto de crise “os investimentos<br />
de capital são os primeiros a serem<br />
sacrificados” e, por outro lado, o investimento<br />
em novos projectos de GNL, ou<br />
expansão dos actuais, poderá ser “posto em<br />
causa também, pois são projectos de capital<br />
intensivo que dependem da existência<br />
de contratos de longo prazo com os compradores<br />
para poderem ser financiados”.<br />
Num cenário em que existe incerteza<br />
sobre o nível de procura futuro, é mais<br />
difícil assegurar esses contratos e/ou convencer<br />
os bancos a financiarem os respectivos<br />
projectos. No entanto, num horizonte<br />
de médio/longo prazo, continuo optimista<br />
em relação ao potencial de crescimento do<br />
mercado GNL”, conclui.<br />
DECISÃO DA EXXON<br />
COM IMPACTO ELEVADO<br />
Moçambique não poderia ser excepção.<br />
O anunciado adiamento da decisão final<br />
de investimento (FID, no acrónimo inglês)<br />
do projecto da ExxonMobil tem efeitos<br />
colaterais profundos em vários sectores<br />
e empresas, alerta o partner da Vieira de<br />
Almeida, Guilherme Daniel. “Este adiamento<br />
tem um impacto muito significativo<br />
junto de diversos fornecedores,<br />
moçambicanos e estrangeiros” que iriam<br />
estar associados ao projecto da Área 4 da<br />
bacia do Rovuma, avaliado em cerca de<br />
25 mil milhões de dólares, quase o dobro<br />
do PIB do país.<br />
Entretanto, felizmente, assinala o jurista,<br />
o projecto Coral Sul, liderado pela italiana<br />
Eni e orçado em perto de 5 mil milhões<br />
de dólares, mantém-se no calendário,<br />
assim como o da Área 1, da francesa Total,<br />
Moçambique LNG, avaliado em cerca de<br />
23 mil milhões de dólares, que já teve decisão<br />
de investimento.<br />
Em meados de Abril, recorde-se, o Gabinete<br />
de Estudos Económicos do Standard<br />
GOLPE QUE O SECTOR<br />
DO PETRÓLEO SOFREU<br />
PODE ACELERAR A<br />
TRANSIÇÃO ENERGÉTICA,<br />
COM BENEFÍCIO PARA<br />
O GÁS NATURAL<br />
Bank considerou que o adiamento da decisão<br />
final de investimento pela Exxon — justificado<br />
com os efeitos da COVID-19 na<br />
economia mundial — poderá também dificultar<br />
o financiamento do país nos mercados<br />
internacionais, afectar o crescimento<br />
do PIB e prejudicar a balança de pagamentos.<br />
“A pandemia vai provavelmente pressionar<br />
a balança de pagamentos devido<br />
aos baixos preços das matérias-primas,<br />
48 | Exame Moçambique
possivelmente adiar a implementação dos<br />
projectos de GNL na bacia do Rovuma e<br />
[causar] perturbações na actividade económica”,<br />
refere o documento, citado pela<br />
agência Lusa.<br />
A opção da companhia norte-americana<br />
— que já havia adiado a decisão final de<br />
investimento no ano passado — também<br />
mereceu uma nota da S&P Global Platts<br />
Analytics, para a qual este passo atrás pode<br />
mesmo atrasar a primeira exportação de<br />
gás natural de 2025 para 2030.<br />
“O risco à volta dos investimentos no projecto<br />
é exagerado pelo facto de não serem<br />
conhecidos receptores da capacidade, com<br />
a capacidade de exportação a contrair-se”,<br />
alertou o analista Like Cottell, que acrescentou<br />
que “a ExxonMobil deverá suspender<br />
este projecto até que a economia seja<br />
mais favorável, com a produção a ser prevista<br />
apenas em 2030”.<br />
A petrolífera justificou a decisão com as<br />
“difíceis condições de operação decorrentes<br />
do abrandamento da economia a nível<br />
mundial e a redução do preço das matérias-primas<br />
devido à descida da procura”,<br />
no seguimento das medidas decretadas<br />
para conter a propagação da pandemia.<br />
“A ExxonMobil continua a trabalhar activamente<br />
com os seus parceiros e o governo<br />
para optimizar os planos de desenvolvimento,<br />
melhorando as sinergias e explorando<br />
as oportunidades relacionadas com<br />
o ambiente actual de baixos preços”, garantiu<br />
a empresa norte-americana no comunicado<br />
em que anunciou o adiamento — e<br />
no qual não indicou novos prazos para<br />
a decisão.<br />
O analista da Platts, por seu turno, alertou<br />
para que “a queda na oferta de GNL<br />
e a recente e abrupta queda nos preços<br />
do petróleo aumentaram os riscos de um<br />
projecto que já era financeiramente desafiante”,<br />
o que constitui um “revés para<br />
Moçambique”.<br />
UM NOVO FÔLEGO?<br />
Ainda assim, quando arrancarem, os projectos<br />
vão trazer um novo fôlego à fragilizada<br />
economia do país — pelo menos<br />
a acreditar que a “normalidade” de preços<br />
regressará. Em meados do ano passado,<br />
recorde-se, a Bloomberg estimou<br />
em cerca de 95 mil milhões de dólares<br />
até 2045 o impacto, em receitas, dos projectos<br />
de gás em Moçambique. A agência<br />
financeira explicou que os 95 mil milhões<br />
DECISÃO DE ADIAMENTO<br />
DA EXXONMOBIL<br />
AFECTA VÁRIOS<br />
FORNECEDORES DE<br />
PRODUTOS E SERVIÇOS<br />
de dólares resultam da soma de 46 mil<br />
milhões de dólares do consórcio liderado<br />
pela ExxonMobil, com os 49 mil milhões<br />
de dólares estimados com os restantes —<br />
no entanto, estes números já foram revistos<br />
em alta noutras previsões... feitas antes<br />
da pandemia.<br />
EXPORTAÇÕES EM BAIXA<br />
Variação anual<br />
O preço das matérias-primas mais importantes<br />
das exportações de Moçambique caiu nos últimos<br />
12 meses<br />
Gás<br />
natural<br />
-30,9<br />
Carvão<br />
(USD/<br />
tonelada)<br />
-22,69<br />
Fonte: Trading Economics (25/06).<br />
Alumínio<br />
(USD/<br />
tonelada)<br />
-12,53<br />
Açúcar<br />
(USD/libra)<br />
-2,33<br />
Algodão<br />
(USD/libra)<br />
-4,19<br />
À EXAME, Tiago Dionísio, economista-<br />
-chefe da Eaglestone Securities, com escritórios<br />
em Moçambique, Lisboa, Luanda e<br />
Joanesburgo, entre outros, destaca os efeitos<br />
positivos destes projectos, ainda que<br />
haja riscos associados ao facto de o país<br />
passar a depender mais de uma matéria-<br />
-prima para as suas receitas em divisas.<br />
“O gás natural vai trazer enormes benefícios<br />
para Moçambique, apesar de haver<br />
o risco de, no longo prazo, tornar o país<br />
mais dependente desta commodity. Em<br />
primeiro lugar, os actuais investimentos<br />
no sector do gás vão beneficiar também<br />
outras áreas da economia moçambicana,<br />
como a construção, o imobiliário e o retalho.<br />
E, em segundo, o sector do gás vai<br />
trazer importantes receitas para o país.”<br />
O responsável da Eaglestone, que opera<br />
nos segmentos de assessoria financeira, private<br />
equity e mercado de capitais, recorda<br />
que há estimativas que apontam para que<br />
as receitas públicas provenientes do sector<br />
do gás possam rondar os 3 mil milhões de<br />
dólares por ano a partir de 2030. E não tem<br />
dúvidas. “Trata-se de um montante muito<br />
significativo para uma economia como a de<br />
Moçambique, onde o PIB nominal de 2019<br />
era de cerca de 15 mil milhões de dólares.”b<br />
julho 2020 | 49
ENERGIA ESTUDO<br />
MUDAR<br />
OU MORRER<br />
A procura de gás natural poderá cair<br />
este ano 5% a 10% face aos níveis<br />
previstos antes da COVID-19, indica<br />
um documento da McKinsey sobre<br />
o sector do Oil & Gas, a que a<br />
EXAME teve acesso. As perspectivas<br />
para o gás natural são boas<br />
RICARDO DAVID LOPES<br />
OIL&GAS:<br />
O sector tem de<br />
introduzir<br />
mudanças<br />
estruturais para<br />
manter o<br />
desempenho<br />
50 | Exame Moçambique
Não é a primeira vez que o<br />
sector do Oil & Gas está em<br />
crise. Mas esta é diferente,<br />
garante um documento<br />
da McKinsey & Company<br />
sobre o impacto da COVID-19 nesta indústria,<br />
que está agora obrigada a mudar de<br />
vida e a focar-se em alterações profundas<br />
a vários níveis — sob pena de haver mortos<br />
e feridos pelo caminho.<br />
O documento lembra que este é “o terceiro<br />
colapso nos preços nos últimos doze<br />
anos”, mas “é diferente” dos anteriores.<br />
“O contexto actual combina um choque do<br />
lado da oferta com uma quebra na procura<br />
e uma crise humanitária sem precedentes”,<br />
refere o documento, divulgado em Maio.<br />
A saúde financeira da maior parte das<br />
empresas do sector e o advento do petróleo<br />
e do gás de xisto são dois outros factores<br />
que os executivos da indústria têm<br />
agora de ter em conta, refere a McKinsey,<br />
para quem as mudanças que devem ser<br />
aceleradas teriam de ser feitas de qualquer<br />
forma, também a pensar na descarbonização<br />
da economia.<br />
“Sem mudanças fundamentais, será difícil<br />
voltarmos a assistir ao bom desempenho<br />
do sector a que estamos habituados”,<br />
diz o research da consultora, que antecipa<br />
fusões e aquisições em grande escala na<br />
maior parte da cadeia de valor do Oil &<br />
Gas, que tem vindo a sofrer perdas de<br />
rentabilidade nos últimos anos.<br />
A McKinsey — que aponta para uma<br />
recuperação do preço do petróleo para<br />
os níveis pré-COVID entre 2021 e 2022<br />
— refere a “posição favorável” em que<br />
podem ficar o gás natural e o gás natural<br />
liquefeito (GNL) no contexto da transição<br />
energética, que pode “ser acelerada” por<br />
causa dos efeitos da pandemia.<br />
TUDO NOVO, OU QUASE<br />
O documento sublinha que serão “críticos”<br />
para o futuro da indústria factores como<br />
a disciplina financeira, alocação adequada<br />
de capitais, gestão prudente de risco e na<br />
própria governance das empresas.<br />
“Mudar estratégias e modelos de negócio<br />
é imperativo”, sustenta a consultora,<br />
que aponta exemplos de sectores que tiveram<br />
de reinventar-se também no passado<br />
O QUE A INDÚSTRIA<br />
DEVE FAZER:<br />
,REAVALIAR O PORTEFÓLIO<br />
,AFECTAR CAPITAL A PROJECTOS<br />
DE ELEVADO RETORNO<br />
,SER OUSADA PERANTE<br />
OPORTUNIDADES DE FUSÕES<br />
E AQUISIÇÕES<br />
,MUDAR O MODELO<br />
OPERACIONAL PARA CONSEGUIR<br />
MAIS DESEMPENHO E<br />
COMPETITIVIDADE POR VIA DOS<br />
CUSTOS<br />
,GARANTIR A RESILIÊNCIA<br />
DA CADEIA DA OFERTA COM<br />
NOVAS PARCERIAS<br />
,CRIAR A ORGANIZAÇÃO<br />
DO FUTURO, QUER EM TALENTO<br />
QUER EM ESTRUTURA<br />
— como o do aço, automóvel e financeiro,<br />
entre outros.<br />
A crise actual, sublinha a McKinsey,<br />
traz também “novas oportunidades de<br />
liderança, na regulação e na resiliência e<br />
balanço das empresas”, sendo que o foco<br />
dos gestores de muitas destas empresas<br />
— sobretudo as que se endividaram para<br />
desenvolver projectos de óleo de xisto —<br />
deve estar em cinco pontos.<br />
As empresas devem reavaliar o seu portefólio<br />
e alterar “radicalmente a alocação<br />
de capital para projectos e oportunidades<br />
de elevado retorno”; devem ser “ousadas<br />
perante oportunidades de fusões e aquisições”;<br />
alterar o modelo operacional de<br />
forma a conseguirem atingir um novo<br />
patamar de performance e competitividade<br />
por via dos custos; garantir a resiliência<br />
da cadeia da oferta redefinindo<br />
novas parcerias estratégicas; e criar “a<br />
organização do futuro, quer em talento<br />
quer em estrutura”. b<br />
ESCRITÓRIOS DA MCKINSEY: A consultora<br />
analisou o impacto da COVID-19 no<br />
petróleo e no gás<br />
julho 2020 | 51
BAZARKETING<br />
THIAGO FONSECA<br />
Sócio e director de Criação da Agência GOLO.<br />
PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda<br />
MUDANDO DE ASSUNTO<br />
O assunto sempre muda. Mas se<br />
há uma coisa que não muda, é que<br />
há sempre assunto. Há sempre algo<br />
para falar. E, já diz a sabedoria popular, a<br />
falar é que a gente se entende.<br />
Falar é comunicar. E a comunicação é<br />
das coisas mais importantes em todos os<br />
aspectos da nossa vida.<br />
O mundo parece ter-se virado do avesso<br />
em 2020. E ainda vamos a meio do ano.<br />
E sem saber o fim. Por isso, a pergunta:<br />
a comunicação é importante neste momento?<br />
OS VERDADEIROS<br />
LÍDERES COMUNICAM<br />
DIARIAMENTE COM OS<br />
MEMBROS DA SUA<br />
EQUIPA. E AS MARCAS<br />
QUE QUISEREM LIDERAR<br />
TÊM DE FAZER O MESMO<br />
COM O PÚBLICO<br />
Com a pandemia, é importante reflectir<br />
na importância da comunicação.<br />
E não apenas da comunicação das marcas.<br />
A comunicação considerada no seu<br />
todo. Porque nunca foi publicidade o que<br />
fazemos. Foi sempre comunicação com<br />
um propósito.<br />
A comunicação continua. Sempre.<br />
O que se comunica muda sempre também.<br />
A história tem as evidências.<br />
Já foi há mais de mil anos a propagação<br />
da fé, da Igreja Católica pelo mundo<br />
inteiro.<br />
Daí o termo propaganda.<br />
A humanidade já passou, em meados<br />
do século xx, por uma era em que se comunicou<br />
a “importância” de fumar tabaco.<br />
O ASSUNTO MUDOU<br />
Agora mudou quase tudo. Estamos na<br />
era do novo coronavírus. Nunca houve<br />
tanto assunto como agora.<br />
E quando a pandemia começou, reflecti<br />
muito sobre as marcas. E o que deveriam<br />
fazer.<br />
As marcas sempre estiveram presentes<br />
nas nossas vidas. Nas vidas dos consumidores.<br />
Será que por motivos racionais de<br />
equações de vendas, ou outras decisões<br />
de gestão, as marcas devem sair das nossas<br />
vidas agora? Ou deverão continuar<br />
ao nosso lado mais do que nunca.<br />
A resposta é simples. Uma marca é<br />
mais forte do que um produto. É uma relação<br />
que é construída. E as relações são<br />
construídas com base em comunicação.<br />
Os consumidores são muito mais do<br />
que esse título atribuído pelo marketing.<br />
São pessoas.<br />
E mais do que relações com os produtos,<br />
estabelecem relações de confiança<br />
com as marcas.<br />
E se as empresas que gerem as marcas<br />
cortarem essas relações, parando a comunicação<br />
mais do que parecer, vão parecer<br />
interesseiras. Porque só aparecem<br />
quando é para vender.<br />
E qualquer pessoa repara. A marca que<br />
fizer isso pode não ter reparo.<br />
O propósito de todos tem de ser maior.<br />
Comunicar não é apenas anunciar. Na sua<br />
forma mais simples, comunicar é falar.<br />
É informação também. E nunca o mundo<br />
esteve tão atento à informação como agora.<br />
Nem nunca se partilhou tanto como<br />
estamos a fazer neste momento.<br />
Por isso, a mensagem para todos os<br />
anunciantes, numa linguagem muito<br />
popular, só pode ser uma. Vá para o ar<br />
para não ir ao ar. Mesmo os negócios<br />
que estejam a sofrer impacto neste momento.<br />
ENQUANTO AS MARCAS<br />
SALVAM VIDAS,<br />
AS EMPRESAS ESTÃO<br />
A SALVAR A VIDA<br />
DESSAS MARCAS<br />
O que devem fazer é mudar o que comunicam.<br />
Mas estarem presentes.<br />
E é com agradável surpresa que vemos<br />
que a maior parte dos anunciantes está a<br />
fazer isso.<br />
O que comprova que a comunicação é<br />
importante.<br />
Agora comunicamos para salvar vidas.<br />
Mensagens sobre o uso da máscara.<br />
Do distanciamento social.<br />
Enquanto as marcas salvam vidas, as<br />
empresas estão a salvar a vida dessas<br />
marcas.<br />
52 | Exame Moçambique
UM BEM ESSENCIAL<br />
A COVID-19 veio revelar que a comunicação<br />
faz parte da lista principal dos essential<br />
goods para a humanidade.<br />
As marcas que mostram empatia, que<br />
aparecem a cuidar, conquistam a simpatia<br />
do público. E isso é importante neste<br />
momento. Mas é mais importante a longo<br />
prazo.<br />
Há uma urgente necessidade de mudar<br />
o que é preciso. De aprender. De investir<br />
e vender os bens essenciais. De as empresas<br />
se transformarem e se adaptarem.<br />
Porque não estamos apenas numa mudança.<br />
Estamos numa evolução.<br />
Charles Darwin, que formulou a teoria<br />
da evolução, disse: “Não é o mais forte,<br />
nem o mais inteligente, que sobrevive.<br />
É o mais disposto à mudança.”<br />
As empresas também estão a adaptar-<br />
-se. A mudar e evoluir. E nessa adaptação<br />
a comunicação interna dentro das<br />
empresas desempenha um papel fundamental.<br />
Os trabalhadores precisam de trabalhar<br />
de novas maneiras. E comunicar internamente<br />
é essencial para a continuidade<br />
saudável de qualquer organização.<br />
As empresas e as marcas de sucesso<br />
têm características positivas bem definidas.<br />
Uma delas é, sem dúvida, serem<br />
boas a comunicar.<br />
Os verdadeiros líderes fazem isso diariamente<br />
com os membros da sua equipa.<br />
E as marcas que quiserem liderar têm<br />
de fazer o mesmo com o público.<br />
Ao contrário do que a “lógica” pode<br />
levar a pensar, a oportunidade é maior<br />
agora.<br />
Já passam mais de seis meses de inundação<br />
de notícias sobre a COVID-19. Todos<br />
os dias e a toda a hora.<br />
As pessoas procuram algo para se distraírem.<br />
E recebem com agrado os anúncios<br />
que têm entretenimento e emoção.<br />
Que nos tocam, nos dão esperança e nos<br />
fazem sentir humanos.<br />
Agora que todas as pessoas estão mais<br />
do que atentas aos telemóveis e se sentam<br />
à frente da televisão para saberem das últimas<br />
do assunto do momento, aqui fica<br />
uma ideia: mude de assunto.b<br />
julho 2020 | 53
GLOBAL OCDE<br />
O GRANDE<br />
COLAPSO<br />
CRISE:<br />
Qualquer dos<br />
cenários traçados<br />
pela OCDE<br />
é muito<br />
preocupante<br />
As economias mais desenvolvidas colapsaram com<br />
a pandemia e a OCDE reviu as suas previsões, apresentando<br />
dois cenários sombrios, um dos quais admite a possibilidade<br />
de um segundo surto antes de 2020 acabar. Caso em que<br />
a economia global se afunda 7,6%<br />
LUÍS FARIA<br />
S<br />
e a crise sanitária que o mundo<br />
vive com o alastramento da<br />
COVID-19 só encontra paralelo<br />
na gripe espanhola do<br />
início do século passado, também<br />
o colapso económico por esta provocado<br />
deverá ultrapassar, em amplitude,<br />
as recessões de que há memória, a última<br />
delas ocorrida em 2008 com a insustentável<br />
valorização de títulos imobiliários<br />
a causar a derrocada do sistema financeiro.<br />
No caso da actual pandemia, a<br />
última projecção é sempre a pior. E a mais<br />
recente é a da OCDE, a Organização para<br />
a Cooperação e o Desenvolvimento Económico,<br />
que agrupa os países mais desenvolvidos,<br />
e faz do seu relatório de Junho<br />
deste ano um extenso apanhado sobre a<br />
crise e as suas consequências. A OCDE<br />
havia feito as suas últimas previsões no<br />
início de Março. Desde então, os surtos<br />
de vírus evoluíram para uma epidemia<br />
global. Os governos tiveram de decretar<br />
o encerramento de grande parte da actividade<br />
económica para conter a pandemia<br />
e salvaguardar os sistemas de saúde,<br />
ganhando tempo para reforçá-los. “A actividade<br />
económica entrou em colapso em<br />
toda a OCDE durante as paralisações, de<br />
20% a 30% em alguns países, um choque<br />
extraordinário. As fronteiras foram fechadas<br />
e o comércio ruiu. Simultaneamente,<br />
os governos implementaram medidas rápidas<br />
de apoio, grandes e inovadoras, para<br />
amortecer o golpe, subsidiando trabalhadores<br />
e empresas. As redes de segurança<br />
NO CURSO DA ACTUAL<br />
PANDEMIA A ÚLTIMA<br />
PROJECÇÃO É SEMPRE<br />
A PIOR<br />
REUTERS<br />
social e financeira foram reforçadas a uma<br />
velocidade recorde. À medida que o stress<br />
financeiro aumentava, os bancos centrais<br />
tomaram medidas contundentes e oportunas,<br />
implementando uma série de políticas<br />
convencionais e não convencionais<br />
acima e além das usadas na Crise Financeira<br />
Global, impedindo que à crise sanitária<br />
e económica se juntasse uma crise<br />
financeira”, refere o editorial do Outlook<br />
da OCDE de Junho, assinado por Laurence<br />
Boone, economista-chefe da organização.<br />
Rastreamentos, distanciamento físico e<br />
isolamento são os principais instrumentos<br />
para combater o vírus e factores indispensáveis<br />
para retomar as actividades<br />
económicas e sociais. Mas não só poderão<br />
ser insuficientes para impedir uma<br />
segunda vaga da infecção, como alguns<br />
sectores, como a aviação, o turismo, os<br />
serviços de alimentação (restaurantes e<br />
outros) e os serviços de entretenimento<br />
não retomarão enquanto não se estancar<br />
a pandemia, que continua a somar casos<br />
confirmados e mortes em todo o planeta.<br />
54 | Exame Moçambique
GETTY<br />
A OCDE sublinha que, com a pandemia,<br />
a grande integração global dissolveu-se<br />
num cenário de fragmentação. As<br />
economias divergem, o seu nível de actividade<br />
depende de quando foram atingidas<br />
pelo surto, as cadeias de valor falham.<br />
O preço das matérias-primas caiu, com a<br />
economias emergentes a serem também<br />
fortemente afectadas pela crise. Assiste-<br />
-se a grandes saídas de capital e a uma<br />
queda substancial das remessas. O largo<br />
contingente de trabalhadores informais e<br />
o acesso à protecção social dificulta ainda<br />
mais o combate ao vírus nestes países.<br />
Os governos, mesmo os dos países mais<br />
ricos, reconhece a OCDE, não conseguirão<br />
“defender a actividade e os salários<br />
do sector privado por um período<br />
DESAFIOS<br />
As economias dos mercados<br />
emergentes e países<br />
em desenvolvimento<br />
permanecem altamente<br />
vulneráveis à recessão<br />
global e à pandemia do novo<br />
coronavírus:<br />
,ELEVADO<br />
ENDIVIDAMENTO<br />
,FORTE DEPENDÊNCIA<br />
DA PROCURA DAS<br />
ECONOMIAS AVANÇADAS<br />
E DA CHINA<br />
,ESTABILIZADORES<br />
FISCAIS AUTOMÁTICOS<br />
MAIS FRACOS<br />
prolongado. Capital e trabalhadores de<br />
sectores e empresas prejudicados terão<br />
de avançar para a expansão. Tais transições<br />
são difíceis e raramente se dão<br />
com a rapidez suficiente para impedir<br />
que aumente o número de empresas falidas,<br />
assim como o desemprego, por um<br />
período sustentável”.<br />
DOIS CENÁRIOS<br />
É perante o que classifica como “extraordinária<br />
incerteza” que a OCDE apresenta<br />
dois cenários, que considera “igualmente<br />
prováveis”, na formulação das suas previsões.<br />
Num deles assume-se que ocorre<br />
uma segunda vaga epidémica em todas as<br />
economias até ao final deste ano. Qualquer<br />
dos cenários é preocupante, em qualquer<br />
julho 2020 | 55
GLOBAL OCDE<br />
LAGARDE,<br />
DO BCE:<br />
A reacção à crise<br />
pelos bancos<br />
centrais foi<br />
notável, diz<br />
a OCDE<br />
deles a actividade económica não volta ao<br />
normal pois o surto pandémico mantém-<br />
-se, com menor ou maior intensidade. No<br />
que é classificado como “duplo impacto”,<br />
a economia global deve cair 7,6% este ano,<br />
não conseguindo atingir o nível pré-crise<br />
no final de 2021. No cenário mais benévolo,<br />
em que se admite que o pico da epidemia<br />
não se repita, o PIB mundial deve cair 6%<br />
este ano, fechando 2021 num nível próximo<br />
do que era registado antes da crise. O relatório<br />
observa que, no caso de ocorrer novo<br />
surto até ao final do ano, a produção global<br />
deverá cair 4,5% no quarto trimestre,<br />
ficando 11% abaixo do nível registado em<br />
idêntico período de 2019, o que se traduzirá<br />
num colapso da actividade económica<br />
que só encontra precedentes na Grande<br />
Recessão de 1928.<br />
Os governos e as autoridades monetárias<br />
reagiram de forma “notável” à crise,<br />
adoptando as medidas que se impunham,<br />
considera a OCDE, mas, em resultado,<br />
VÍRUS INCERTO<br />
Dados incompletos e conhecimentos<br />
insuficientes sobre a natureza do<br />
novo vírus tornam incerta a evolução<br />
da pandemia, acentua a OCDE:<br />
O vírus da COVID-19 é altamente contagioso,<br />
mas a extensão da sua infecciosidade é<br />
incerta. O consenso é que a taxa de<br />
reprodução (ou seja, o número de pessoas<br />
susceptíveis que cada pessoa com o patógeno<br />
infecta, o R0) se situa entre 2 e 3 na ausência<br />
de medidas de contenção, sendo, no entanto,<br />
admitidos números de magnitude superior.<br />
Na ausência de medidas para controlar o<br />
surto, suprimindo as taxas de contacto —<br />
factor não biológico da taxa de reprodução<br />
—, tais números elevados implicariam altas<br />
taxas de infecção das populações. Quando<br />
há rigor nos relatórios, a baixa incidência<br />
de casos confirmados acumulados sugere que<br />
os bloqueios e outras medidas de contenção<br />
conseguiram trazer a taxa de reprodução<br />
efectiva abaixo da unidade, sendo que<br />
o contágio pode voltar a aumentar<br />
acentuadamente quando as medidas<br />
de contenção são relaxadas. No entanto,<br />
se houver uma subnotificação generalizada,<br />
o levantamento das restrições será<br />
acompanhado por um aumento menor<br />
das taxas de infecção.<br />
De facto, a verdadeira extensão da infecção<br />
da população, e quão perto ela está dos níveis<br />
necessários para a imunidade colectiva, é<br />
controversa. Evidências recolhidas em países<br />
com alta intensidade de testagem (por<br />
exemplo, a Islândia e o Luxemburgo) e<br />
estudos nacionais recentes (por exemplo,<br />
os provindos de França e da República Checa)<br />
indicam que apenas cerca de 6% da<br />
população nacional foi infectada, o que<br />
está bem abaixo do nível necessário para<br />
a imunidade colectiva. Além disso,<br />
o grau e duração da imunidade obtidos<br />
através da infecção, a premissa para a<br />
imunidade colectiva, ainda são incertos.<br />
As estimativas da taxa de letalidade tendem<br />
a aumentar com o tempo à medida que as<br />
infecções se espalham globalmente. A ampla<br />
gama de estimativas sugere a importância<br />
de factores biológicos, como as doenças<br />
crónicas, e possíveis factores não biológicos,<br />
como a capacidade dos sistemas de saúde,<br />
na determinação das taxas de mortalidade<br />
do vírus.<br />
A possível sazonalidade do vírus ainda não foi<br />
confirmada. Como as temperaturas quentes<br />
e a humidade o enfraquecem, as infecções<br />
devem diminuir no Hemisfério Norte nos<br />
próximos meses, verificando-se o inverso no<br />
Hemisfério Sul. Mas a sazonalidade também<br />
implicaria que um novo surto ocorresse no<br />
Hemisfério Norte no final do ano.<br />
O momento da descoberta da vacina é, por<br />
definição, incerto, sendo incerto o momento<br />
em que o vírus deixará de constituir uma<br />
ameaça à vida. A vacina para a COVID-19<br />
poderá ser desenvolvida num tempo recorde,<br />
entre doze e dezoito meses, dados os<br />
extraordinários esforços globais que a<br />
comunidade científica e as empresas<br />
farmacêuticas estão a fazer com esse<br />
objectivo.<br />
56 | Exame Moçambique
os défices orçamentais dispararam, a<br />
dívida pública deverá subir para níveis<br />
“excepcionalmente elevados”, as taxas de<br />
juro foram reduzidas a zero ou passaram<br />
mesmo a ser negativas e os balanços dos<br />
bancos centrais ampliaram-se drasticamente.<br />
Os instrumentos utilizados pela<br />
política monetária para enfrentar os efeitos<br />
do surto, como a compra de activos pelos<br />
bancos centrais, não tem, contudo, mais<br />
margem de flexibilização caso ocorra novo<br />
surto ou a recuperação se mostrar especialmente<br />
débil. Cabe, na perspectiva da<br />
OCDE, à política fiscal fornecer estímulos<br />
adicionais. O que não dispensa as autoridades<br />
monetárias de impulsionarem programas<br />
para garantir crédito e liquidez,<br />
assim como de conservar baixas as taxas<br />
de juro. Ou seja, a política monetária deve<br />
ser “acomodatícia”. Se 2021 deverá repor<br />
algum equilíbrio nas finanças públicas, com<br />
melhoria do saldo orçamental e atenuação<br />
das medidas de emergência, estas últimas<br />
não deverão ser abandonadas repentinamente<br />
pelos governos, podendo ser substituídas<br />
por outras que impulsionem mais<br />
a economia.<br />
LONGA SOMBRA<br />
“A crise lançará uma longa sombra sobre<br />
o mundo e as economias da OCDE. Até<br />
2021 terá levado o rendimento per capita<br />
na maioria dos países da OCDE de regresso<br />
aos níveis de 2013 no cenário de duplo<br />
impacto e aos níveis de 2016 no cenário<br />
de um único surto”, refere o relatório,<br />
que realça o impacto da crise na produção<br />
potencial e no emprego. Ao interromper<br />
as cadeias de valor, a crise deverá levar as<br />
empresas a reforçarem a sua resiliência,<br />
encurtando a distância para os seus fornecedores,<br />
preterindo assim os mais longínquos<br />
mesmo que mais eficientes. A OCDE<br />
reconhece que a reformulação das cadeias<br />
de valor poderá prejudicar a eficiência e o<br />
rendimento globais. É um custo da travagem<br />
da globalização.<br />
A aversão ao risco nos mercados financeiros,<br />
que aumentou substancialmente<br />
no início do surto pandémico, tem vindo,<br />
entretanto, a diminuir, nota o documento.<br />
A rápida disseminação da pandemia e as<br />
medidas de contenção adoptadas pelos<br />
CRESCIMENTO<br />
DA ECONOMIA GLOBAL<br />
(em %)<br />
3,3 3,4 2,7 -7,6 -6 2,8 5,2<br />
2012-2019<br />
(média)<br />
2018 2019 2020<br />
com<br />
2.ª vaga<br />
2020<br />
única<br />
vaga<br />
2021<br />
com<br />
2.ª vaga<br />
2021<br />
única<br />
vaga<br />
diferentes países provocaram quedas maciças<br />
no preço dos activos financeiros e o<br />
aumento da volatilidade, com as acções a<br />
caírem, em alguns países, entre 30% e 50%<br />
e ao ritmo mais rápido desde 1987. As respostas<br />
“rápidas e abrangentes” dos bancos<br />
centrais ajudaram a que se restabelecesse<br />
alguma estabilidade, com a reversão parcial<br />
nos movimentos dos activos financeiros<br />
e menor volatilidade. Mesmo assim,<br />
em muitas grandes economias o preço das<br />
acções situa-se entre 10% e 20% abaixo dos<br />
níveis do final de 2019.<br />
Sendo global, a pandemia produz um<br />
choque assimétrico pelo mundo fora.<br />
É certo que, num mundo fortemente interligado<br />
por cadeias de fornecimento, fluxos<br />
turísticos internacionais e investimentos,<br />
todas as economias são afectadas pelas<br />
interrupções na oferta e na procura, mas<br />
os países que já enfrentavam vulnerabilidades,<br />
no plano da dívida, por exemplo,<br />
terão mais dificuldade em recuperar do<br />
que outros que puderam adoptar medidas<br />
fiscais e monetárias de combate à propagação<br />
do vírus mais poderosas. Ora, os<br />
países em desenvolvimento e os de baixo<br />
e médio rendimento apresentam dívidas<br />
elevadas. O esforço financeiro exigido<br />
para combater a pandemia pressiona fortemente<br />
as contas públicas, num contexto<br />
de forte densidade populacional, dificuldades<br />
em assegurar o distanciamento<br />
social devido às condições de alojamento<br />
e transporte de largas camadas da população<br />
e sistemas de saúde que não dispõem<br />
das condições necessárias para responder<br />
com eficácia. O amplo sector informal<br />
da economia condiciona as medidas<br />
de confinamento. Além do esforço financeiro<br />
extraordinário, os países de médio<br />
e baixo rendimento confrontam-se com<br />
a retracção do investimento no mercado<br />
internacional. “É provável que uma incerteza<br />
considerável também prevaleça por<br />
um longo período, impedindo o investimento,<br />
mesmo que uma nova onda da pandemia<br />
possa ser evitada”, assinala a OCDE.<br />
O comércio, tanto o fronteiriço como o<br />
de longa distância, deverá retrair-se substancialmente,<br />
com a pandemia a ditar o<br />
esfumar da confiança da procura e a interrupção<br />
nas cadeias de fornecimento, o que<br />
levará à sua reformulação. Mas o crescimento<br />
das transacções globais já vinha<br />
abrandando e experimentado episódios<br />
como a guerra de tarifas entre os Estados<br />
Unidos e a China e o Brexit. A pandemia<br />
destapou vulnerabilidades da economia<br />
internacional. E os custos elevadíssimos<br />
associados a estas fragilidades, quando<br />
ainda não se descortina no horizonte o<br />
termo da crise sanitária, podem ser duradouros.<br />
b<br />
DESENVOLVIDOS<br />
ENDIVIDAM-SE<br />
pontos percentuais do PIB<br />
A OCDE faz as projecções para a dívida<br />
pública nas principais economias no período<br />
2019-2021<br />
Apenas um surto<br />
8,2<br />
18,61<br />
OCDE<br />
6,83<br />
24,49<br />
Estados<br />
Unidos<br />
Com nova vaga<br />
10,37<br />
16,98<br />
Zona<br />
Euro<br />
9,17<br />
22,43<br />
Japão<br />
0,88<br />
4,93<br />
Coreia<br />
Fonte: OCDE.<br />
julho 2020 | 57
GLOBAL FORTUNAS<br />
QUEM GANHA E QUEM<br />
PERDE COM A PANDEMIA<br />
Lojas físicas e comércio electrónico são duas faces da mesma moeda. Jeff Bezos e Bernard<br />
Arnault os antagonistas: o primeiro ganhou com a valorização da Amazon o que o segundo<br />
perdeu com a desvalorização do grupo LVMH<br />
ALMERINDA ROMEIRA<br />
GETTY<br />
58 | Exame Moçambique
C<br />
ara ou coroa? Bernard Arnault,<br />
o francês que define o gosto<br />
dos milionários, a segunda<br />
pessoa mais rica do mundo<br />
em 2019 de acordo com a Forbes,<br />
não precisa de jogar a moeda ao ar<br />
para saber que, por agora, perde. A pandemia<br />
obrigou ao confinamento de 4,5<br />
mil milhões de pessoas entre meados de<br />
Março e início de Maio de 2020, e encerrou-lhe<br />
as cerca de 5 mil boutiques de<br />
luxo, emagrecendo em milhões de dólares<br />
as receitas da divisão de negócios mais<br />
rentável do LVMH — Louis Vuitton Moët<br />
Hennessy, um império de 75 insígnias,<br />
das bebidas à moda, dos perfumes e cosméticos<br />
aos relógios e jóias. Arnault não<br />
só não facturou em loja, o que se reflecte,<br />
já, nas receitas do primeiro trimestre, que<br />
caíram 15%, como, em consequência, as<br />
acções na bolsa chegaram a deslizar 20%.<br />
Dono da Fendi, Givenchy, Marc Jacobs,<br />
Bvlgari, TAG Heuer, Dom Pérignon, Moët<br />
& Chandon e um dos maiores accionistas<br />
do supermercado Carrefour e da rede<br />
de hotéis Belmond, dona do mítico Copacabana<br />
Palace, o empresário opera negócios<br />
com margens superiores a 20%.<br />
O número permite-lhe aguentar a moeda<br />
no ar enquanto não chegam melhores dias,<br />
o que (inevitavelmente) acabará por suceder.<br />
Não há realidade mais dinâmica do<br />
que a da bolsa de valores e o LVMH integra<br />
o CAC 40, principal índice da Euronext<br />
Paris.<br />
Nos trinta e cinco anos que leva na alta<br />
voltagem, nunca antes, porém, o francês<br />
enfrentou uma tão grande tormenta.<br />
Engenheiro de profissão, geria o negócio<br />
de construção da família quando tropeçou<br />
na falência do grupo Boussac, detentor<br />
da maison Christian Dior. A partir daí, a<br />
história faz-se de aquisições, fusões, reestruturações<br />
e rasgo. O cimento é o marketing<br />
tradicional em contracorrente com as<br />
tendências modernas. De Arnault conta-<br />
-se que, um dia, terá perguntado a outro<br />
mago do marketing, Steve Jobs, fundador<br />
da Apple, que o admirava profundamente,<br />
se sabia onde estaria o iphone daí<br />
a vinte anos — é que ele tinha a certeza<br />
que o Moët & Chandon continuaria a ser<br />
bebido trinta ou cinquenta anos depois.<br />
DE LIVRARIA<br />
DE GARAGEM A UM TRILIÃO<br />
Jeff Bezos é hoje o homem com mais<br />
motivos para erguer a taça do precioso<br />
néctar. Tal como Arnault, construiu um<br />
mega-império na época da globalização,<br />
o paradigma em que se move o mundo<br />
desde a viragem do milénio, mas na moeda<br />
do comércio optou pela coroa: a loja on-<br />
-line. Durante o lockdown, o seu património<br />
líquido engordou o que o património<br />
líquido do dono das lojas de luxo emagreceu,<br />
à volta de uns 25 mil milhões de<br />
dólares. O número escreve-se com nove<br />
zeros, tem uma magnitude equivalente ao<br />
produto interno bruto da Letónia e quase<br />
duplica o de Moçambique.<br />
As medidas de isolamento social para<br />
conter o contágio do novo coronavírus<br />
restringiram a circulação das pessoas<br />
numa dimensão planetária. Com lojas,<br />
livrarias, restaurantes, bares e centros<br />
comerciais fechados, muitas necessidades<br />
e desejos só puderam ser satisfeitos<br />
por via do comércio on-line. A Amazon<br />
foi as pernas de muita gente e ganhou<br />
(ainda) mais músculo. Contratou 175 mil<br />
pessoas nos Estados Unidos e priorizou<br />
a entrega de produtos essenciais de margens<br />
mais estreitas. No primeiro trimestre<br />
do ano, as suas vendas aumentaram<br />
cerca de um quarto, mas o accionista diz<br />
que não foram suficientes para impedir a<br />
queda das receitas. A sua imagem também<br />
foi salpicada por denúncias sobre o<br />
tratamento dado aos trabalhadores nos<br />
centros de distribuição, onde vários terão<br />
testado positivo ao vírus. Wall Street foi<br />
indiferente a isso. O aumento do valor das<br />
acções chegou a atingir a fasquia dos 30%,<br />
impulsionando o património líquido de<br />
Bezos — o visionário que, com a mulher<br />
MacKenzie (outra ganhadora da pandemia)<br />
fundou, nos anos 90, a primeira<br />
livraria on-line do mundo na garagem da<br />
casa onde viviam.<br />
A lista anual de bilionários da Forbes,<br />
publicada em 7 de Abril último, assinala<br />
que o impacto devastador do coronavírus<br />
e a queda no número reflecte, já, o<br />
impacto da pandemia. Ainda assim, e<br />
de acordo com o Bloomberg Billionaire<br />
Index, oito bilionários tinham, até 10 de<br />
JEFF BEZOS: O valor<br />
das acções da<br />
Amazon disparou<br />
em Wall Street<br />
COMO<br />
DISPAROU<br />
A RIQUEZA<br />
Cerca de uma dezena de<br />
bilionários viu aumentar o<br />
património líquido em mais de<br />
mil milhões (MM) de dólares<br />
entre o início do ano e 10 de Abril,<br />
segundo o Bloomberg Billionaire<br />
Index.<br />
▸Jeff Bezos, fundador e CEO<br />
da Amazon: 10 MM de dólares<br />
(25 MM até 15 de Abril)<br />
▸Elon Musk, CEO da Tesla e<br />
fundador e CEO da SpaceX: 5 MM<br />
▸MacKenzie Bezos, filantropa,<br />
ex-mulher de Bezos: 3,5 MM<br />
(8,6 MM até 15 de Abril)<br />
▸Eric Yuan, Fundador e CEO<br />
da Zoom: 2,58 MM<br />
▸Steve Ballmer, Ex-CEO da Microsoft<br />
e dono dos Los Angeles Clippers: 2,2<br />
MM<br />
▸John Albert Sobrato, magnata do<br />
imobiliário de Silicon Valley: 2,07 MM<br />
▸Joshua Harris, co-fundador do<br />
fundo Apollo Global Management:<br />
1,72 MM<br />
▸Rocco Commisso, fundador e CEO<br />
do Mediacom Communications:<br />
1,09 MM<br />
Abril, enchido os bolsos em mais de mil<br />
milhões.<br />
Na realidade, a valorização das acções<br />
acelera em contramão com a economia,<br />
um paradoxo difícil de entender quando<br />
todos os indicadores reais são negativos.b<br />
julho 2020 | 59
GLOBAL FORTUNAS<br />
CRUZEIROS AFUNDAM<br />
NO MAR ALTO<br />
A próspera indústria dos cruzeiros foi ao fundo e as<br />
companhias de aviação despenharam-se, o que não impediu<br />
o alemão Heinz Hermann Thiele de se tornar, em três meses,<br />
o maior accionista da Lufthansa<br />
ALMERINDA ROMEIRA<br />
A<br />
Scarlet Lady não vai levantar<br />
âncora tão cedo. O barco de<br />
277 metros de comprimento,<br />
construído nos estaleiros da<br />
Fincantieri em Génova, Itália,<br />
marca(va) a estreia de Richard Branson<br />
no negócio dos cruzeiros. A viagem inaugural,<br />
prevista para Abril de 2020, não chegou<br />
a realizar-se devido à COVID-19, adiando,<br />
não se sabe para quando, as esperanças do<br />
excêntrico bilionário inglês de começar a<br />
rentabilizar o investimento de 600 milhões<br />
de dólares. Com um império construído na<br />
aviação, media e fitness, o entusiasta das<br />
viagens espaciais é o último milionário a<br />
entrar no negócio das “aldeias flutuantes”.<br />
Arne Wilhelmsen é o grande capitão<br />
desta indústria. O milionário norueguês<br />
A INDÚSTRIA DOS<br />
CRUZEIROS VALE CERCA<br />
DE 150 MIL MILHÕES DE<br />
DÓLARES E DEVERIA<br />
ESTAR A VIVER EM 2020<br />
O SEU MELHOR ANO<br />
DE SEMPRE<br />
que, em 1968, antecipando a altura em<br />
que as férias se democratizavam, ajudou<br />
a fundar a Royal Caribbean Cruises e a<br />
quem o sector deve a sua visão moderna.<br />
A empresa é hoje cabeça do segundo maior<br />
grupo de cruzeiros do mundo. O terceiro<br />
é o Norwegian Cruise Line e o primeiro, o<br />
grupo Carnival, que opera uma dezena de<br />
marcas (entre as quais Princess Cruises,<br />
Seabourn, Costa, AIDA e Cunard) e uma<br />
frota de mais de 100 navios, que escalam<br />
em 700 portos. Ironia do destino: como se<br />
não lhe fosse suportável ver o que o futuro<br />
lhe reserva, Arne Wilhelmsen despediu-se<br />
da vida aos 90 anos, na segunda semana<br />
de Abril, em pleno lockdown. Em Palma<br />
de Maiorca, capital das ilhas Baleares, em<br />
Espanha, não foi revelada a causa da morte.<br />
A indústria dos cruzeiros está avaliada em<br />
cerca de 150 mil milhões de dólares e deveria<br />
estar a viver em 2020 o seu melhor ano<br />
de sempre. O boom. Os números compreendiam<br />
um reforço de 19 novas embarcações<br />
60 | Exame Moçambique
do género Scarlet Lady, um investimento<br />
total de 9 mil milhões de dólares, e um<br />
total de 32 milhões de passageiros estimados<br />
pela Associação Internacional de<br />
Linhas de Cruzeiros. Naturalmente, tudo<br />
isso foi anunciado antes do novo coronavírus<br />
surgir na cidade chinesa de Wuhan,<br />
no final de 2019, e vir alterar o curso normal<br />
da vida na Terra.<br />
Nesta altura do ano, em que é Verão no<br />
Hemisfério Norte e a maioria das pessoas<br />
goza férias, a frota de 340 navios que deveria<br />
estar em alto mar afundou. A caixa<br />
registadora deixou de facturar e as empresas<br />
enfrentam agora custos de manutenção<br />
elevados para evitar o deteriorar dos equipamentos,<br />
pedidos de reembolso pelas viagens<br />
não realizadas e processos judiciais de<br />
GETTY<br />
passageiros que perderam parentes e tripulantes<br />
que adoeceram. Só resta mesmo<br />
aguentar o barco. É o que tentam fazer,<br />
recorrendo ao crédito e colocando activos<br />
no prego. O jornal inglês Financial Times<br />
noticiou, recentemente, mais de 12 “bis” de<br />
empréstimos. Em Maio, a Norwegian entregou<br />
dois navios e duas ilhas como colateral<br />
a troco de 2,4 biliões de dólares. Numa<br />
operação idêntica, a Carnival levantou<br />
6,4 biliões e a Royal Caribbean, cujo rating<br />
de crédito foi despromovido ao nível do lixo<br />
pelas agências de notação S&P e Moody’s,<br />
captou 3,3 mil milhões.<br />
No jogo da moeda ao ar, os cruzeiros são<br />
o sector que mais perde com a crise sanitária<br />
e económica provocada pela COVID-19.<br />
A coroa da tecnologia, a sua antítese. Terão,<br />
porventura, também a recuperação mais<br />
difícil, embora as principais companhias<br />
se tenham apressado a garantir que o nível<br />
de reservas para 2021 atinge níveis anteriores<br />
à pandemia. Restabelecer a confiança é<br />
um factor crítico. Não será fácil. Na memória<br />
do mundo estão frescas ainda as imagens<br />
do Diamond Princess de quarentena,<br />
ao largo da costa de Yokohama, no Japão,<br />
ainda em Fevereiro. O navio da Princess<br />
Cruises, onde se verificou o primeiro surto<br />
a bordo, tinha na altura o maior número<br />
de casos de contágio de COVID-19 fora da<br />
China e, de acordo com dados da Universidade<br />
Johns Hopkins, 13 dos 712 infectadas<br />
a bordo morreram. Durante semanas,<br />
as televisões brindaram o mundo com o<br />
espectáculo de navios obrigados a saltar de<br />
porto em porto, com país após país a recusar<br />
autorização de acostagem devido às restrições<br />
para travar a COVID-19. O jornal<br />
Miami Herald, que acompanha o sector,<br />
fez recentemente as contas: 82 óbitos em<br />
consequência do vírus contraído nos cruzeiros,<br />
número que, apesar de tudo, fica<br />
diluído no mais de meio milhão de vítimas<br />
da COVID-19 registadas até início de<br />
Julho em todo o mundo.<br />
O VOO DE HERMANN THIELE<br />
Com registo nas Bahamas, nas Bermudas,<br />
no Panamá e até na Libéria, os cruzeiros<br />
estão, à partida, excluídos dos resgates<br />
que alguns governos de países ricos estão<br />
a fazer em alguns sectores. Por exemplo, o<br />
da aviação, outro grande perdedor da crise.<br />
Em Junho, a International Air Transport<br />
Association (IATA) anunciou perdas estimadas<br />
de 84 mil milhões de dólares para<br />
este ano. Em 2020, as receitas deverão rondar<br />
os 419 mil milhões, isto é, metade de<br />
2019, o equivalente ao PIB da Noruega.<br />
Enquanto governos, empresas e empresários<br />
discutem pacotes de ajuda estatal<br />
e alguns, como Michael O’Leary, dono da<br />
Ryanair, consideram que são um atropelo<br />
à livre concorrência, os aviões começam<br />
aos poucos a regressar aos céus. A União<br />
Europeia reabriu o espaço aéreo no dia<br />
1 de Julho a 15 países. De fora ficaram os<br />
Estados Unidos, Brasil e Rússia por não<br />
oferecerem ainda garantias no controlo<br />
do surto.<br />
HEINZ HERMANN THIELE:<br />
Num surpreendente golpe relâmpago<br />
tornou-se o maior accionista da Lufthansa<br />
RICHARD BRANSON:<br />
O excêntrico milionário teve uma estreia<br />
desastrosa no negócio dos cruzeiros<br />
julho 2020 | 61
GLOBAL FORTUNAS<br />
A transportadora aérea alemã Lufthansa,<br />
que há dois meses e meio tinha toda a frota<br />
em pista, acaba salva por um resgate de<br />
9 mil milhões de euros, o equivalente a 10,1<br />
mil milhões de dólares, do Estado e será<br />
reestruturada. Porém, a ironia tem destas<br />
coisas: a crise que arrasou este gigante dos<br />
céus deu ao mundo o mais novo multimilionário<br />
da aviação. Chama-se Heinz Hermann<br />
Thiele e tem 79 anos. Nascido durante<br />
a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha de<br />
Hitler, self made man, fez fortuna nos negócios.<br />
Actualmente, é accionista maioritário<br />
e administrador honorário da Knorr-Bremse,<br />
líder mundial em sistemas de travagem<br />
para veículos ferroviários e comerciais<br />
e tem, segundo a Forbes, uma fortuna estimada<br />
em 15,3 mil milhões de dólares.<br />
Em Março, quando o tráfego aéreo começou<br />
a abrandar devido ao coronavírus e as<br />
acções da Lufthansa vieram por aí abaixo,<br />
Thiele viu a oportunidade de multiplicar<br />
os cifrões. Num surpreendente golpe<br />
relâmpago, tornou-se o maior accionista<br />
com 15,2%. Primeiro comprou 3%, passou<br />
para 5%, depois para 10, até chegar à actual<br />
posição. Embora contrário ao resgate decidido<br />
pelo governo liderado pela chanceler<br />
Angela Merkel, que lhe vai encurtar a posição,<br />
votou a favor. Há razões para acreditar<br />
que depois da reestruturação a companhia<br />
ficará mais forte, que o mesmo quererá dizer<br />
mais valiosa. Genial.<br />
O encerramento do espaço aéreo mundial,<br />
que obrigou os aviões a ficarem em terra,<br />
custa à Ibéria 7 milhões de euros por dia.<br />
Contas de Luis Gallego, CEO da transportadora,<br />
que integra o grupo IAG, que inclui<br />
a British Airways, ao jornal El País. O plano<br />
de reestruturação para tentar vencer a sangria<br />
da espanhola será gradual. “Seremos<br />
mais pequenos mas estaremos vivos, o que<br />
ainda não está claro que outras companhias<br />
aéreas possam dizer”, acrescentou.<br />
Olhando para o ar, a IATA não prevê que<br />
a procura do transporte aéreo regresse aos<br />
níveis em que estava antes da COVID-19<br />
antes de 2023 ou 2024. Sir Richard Branson,<br />
número 565 da Forbes, com cerca de<br />
4 biliões de património líquido, que já perdeu<br />
nos cruzeiros, enfrenta nos céus a principal<br />
tempestade. Numa tentativa de evitar o<br />
colapso financeiro da Virgin Atlantic, com<br />
sede no Reino Unido, e da Virgin Australia,<br />
sediada na Austrália, e salvar 70 mil empregos,<br />
não hesitou em oferecer a ilha Necker<br />
nas Caraíbas, onde vive, como garantia para<br />
empréstimos. Caso para dizer que também<br />
os ricos levam à letra a máxima “vão-se os<br />
anéis, fiquem os dedos”. b<br />
NA DISNEY FOI MESMO CARA E COROA<br />
Isto de ganhar e perder nem sempre é óbvio. A pandemia obrigou o gigante de entretenimento norte-americano, Disney, a<br />
encerrar os parques de diversões quando o confinamento se tornou obrigatório, o que, segundo o CEO, Bob Chapek, custou<br />
à bilheteira 1,4 mil milhões de dólares. Em simultâneo, porém, a procura de serviços de streaming explodiu. A plataforma<br />
Disney+, lançada em Novembro, contabiliza 55 milhões de assinantes, número que a Netflix levou cinco anos a alcançar.<br />
O entretenimento doméstico é um dos vencedores da quarentena, reforçando a tendência crescente que vinha de trás.<br />
Já as empresas de entretenimento que dependem de grandes multidões estão entre as primeiras vítimas do coronavírus.<br />
O Cirque du Soleil, por exemplo, avançou no fim de Junho com um pedido de protecção para evitar a falência devido aos<br />
efeitos da pandemia.<br />
DISNEY:<br />
A COVID-19 custou<br />
ao gigante<br />
do entretenimento<br />
1,4 mil milhões<br />
de dólares<br />
62 | Exame Moçambique
julho 2020 | 63
GLOBAL FORTUNAS<br />
OS NOVOS BILIONÁRIOS<br />
DA TECNOLOGIA<br />
Entre as histórias milionárias do lockdown destacam-se as de Eric Yuan, engenheiro<br />
de software, pai da Zoom, que ganhou perto de três “bis”, e de Tobias Lütke, da Shopify,<br />
que se tornou a empresa mais valiosa do Canadá<br />
ELON MUSK:<br />
Conseguiu que os<br />
investidores<br />
atribuam mais valor<br />
à sua Tesla que à<br />
Toyota<br />
REUTERS<br />
64 | Exame Moçambique
Tobias Lütke, o alemão naturalizado<br />
canadiano, gosta que<br />
comparem os seus escritórios<br />
aos melhores hotéis-boutique<br />
de Otava. Não faltam chesterfields,<br />
máquinas de cerveja e salas de<br />
ioga. Este programador autodidacta, que<br />
na juventude quis montar uma loja virtual<br />
de equipamentos para a prática de<br />
snowboard e, não a encontrando, acabou<br />
por desenvolver a sua própria solução,<br />
é a estrela que mais brilha na galáxia<br />
fervilhante da bolsa mais poderosa do<br />
mundo. Em Wall Street, este ano, a Shopify,<br />
empresa que fundou em 2004, acumula<br />
ganhos superiores a 100%.<br />
Aos 39 anos, o entrepreneur não tem<br />
(ainda) a fama nem a fortuna de Jeff Bezos<br />
ou Mark Zuckerberg, mas durante a crise<br />
a sua empresa e, por consequência, a sua<br />
fortuna, teve um ritmo de crescimento<br />
superior ao dos seus antagonistas. O valor<br />
de mercado da Shopify superou os 100 mil<br />
milhões de dólares, bateu o Royal Bank of<br />
Canadá e tornou-se a empresa mais valiosa<br />
da 16.ª economia do mundo, o Canadá.<br />
Lütke anunciou, recentemente, acordos<br />
com a Walmart e o Facebook, que dão<br />
aos comerciantes que utilizam a sua plataforma<br />
on-line a possibilidade de vender<br />
pelo Facebook Shop e Instagram. Ou seja,<br />
impulsionou o crescimento da empresa e<br />
a sua conta pessoal, que, na altura em que<br />
investigávamos para este artigo, ascendia<br />
a 6,6 mil milhões.<br />
A tecnologia é o sector que mais valorizou<br />
nestes meses de crise sanitária, que<br />
encontrou no home office a saída possível.<br />
Que o diga Eric Yuan, engenheiro de software,<br />
pai da Zoom. O papel da sua “mina<br />
de ouro”, a plataforma de videoconferências,<br />
ultrapassou os 223 dólares, cinco vezes<br />
mais do que o preço da oferta pública inicial<br />
(IPO, na sigla inglesa) com que entrou<br />
no mercado há apenas catorze meses.<br />
Chinês de nascimento, Yuan emigrou<br />
com alguma dificuldade para os Estados<br />
Unidos, onde obteve a dupla nacionalidade.<br />
Fez carreira na WebEx, empresa comprada<br />
pela Cisco, em 2007, da qual levou tampa<br />
quando apresentou um projecto de videoconferências,<br />
o que o levou a bater com a<br />
porta, sacudir a frustração e fundar, em<br />
2011, a empresa sem a qual teria sido mais<br />
difícil ao mundo empresarial colocar os<br />
trabalhadores em teletrabalho.<br />
Eric Yuan é hoje um dos 300 homens<br />
mais ricos do mundo. Um bilionário,<br />
com uma fortuna idêntica à de Tobias<br />
Lütke. Vive o sonho americano na plenitude<br />
e agradece ao novo coronavírus os<br />
300 milhões de utilizadores conquistados<br />
durante o lockdown. As videoconferências<br />
revelaram-se um filão tão proveitoso<br />
que a Microsoft e a Cisco, que, não o ouviram<br />
quando Yuan lhes propôs o negócio,<br />
estão-lhe no encalço.<br />
MARCAS<br />
CONTRA O ÓDIO<br />
MEXEM NO<br />
BOLSO DE<br />
ZUCKERBERG<br />
As grandes marcas da indústria<br />
estão a tomar posição contra o<br />
ódio, deixando os bolsos de Mark<br />
Zuckerberg um tudo nada menos<br />
cheios. O movimento que está a<br />
cavalgar a onda acontece durante a<br />
crise da COVID-19, que ainda assola<br />
o mundo, mas vai muito para além<br />
dela. À medida que se aproximam<br />
as eleições presidenciais nos<br />
Estados Unidos, o discurso na rede<br />
social polariza-se e gigantes como<br />
a Unilever, Verizon e Coca-Cola<br />
decidiram cortar a publicidade<br />
no Facebook. Em bolsa, o papel<br />
veio por aí abaixo e a fortuna do<br />
fundador e CEO da empresa sofreu<br />
um golpe de 7 mil milhões de<br />
dólares. É cedo para avaliar<br />
a extensão do estrago<br />
de Zuckerberg, que terá sido um<br />
dos que mais ganhou com<br />
o confinamento global.<br />
TRAVÕES A FUNDO<br />
COM EXCEPÇÃO DE MUSK<br />
Na frota da indústria automóvel mundial,<br />
apenas uma fortuna acelerou nos<br />
últimos meses, a de Elon Musk. O accionista<br />
maioritário da Tesla “pesa” agora<br />
uns módicos 38,2 mil milhões de dólares,<br />
segundo a Business Insider. O facto<br />
não terá directamente a ver com a crise,<br />
mas tão simplesmente com a lógica das<br />
expectativas que faz mover Wall Street,<br />
onde a fabricante está cotada. Um e-mail<br />
em que Musk dizia aos colaboradores que<br />
está tudo a postos para iniciar a produção<br />
em série do camião Semi, o primeiro<br />
da empresa, terá transpirado para o mercado<br />
e provocado a euforia dos investidores.<br />
Seja como for, as acções da Tesla,<br />
que há um ano, sim, há um ano, valiam<br />
170 dólares, atingiram no dia 10 de Junho<br />
os mil dólares por acção, elevando a capitalização<br />
bolsista para a casa dos 190 mil<br />
milhões de dólares.<br />
O papel Tesla, por norma, sobe e desce,<br />
qual carrossel, sempre que o excêntrico<br />
empresário sul- africano-canadiano fala<br />
ou “tuita”. Ignora-se, portanto, em que<br />
sentido irá a sua evolução nos próximos<br />
tempos, contudo não deixa de ser<br />
impressionante que os investidores atribuam<br />
mais valor a uma empresa que, em<br />
2019, vendeu menos de 400 mil carros do<br />
que à japonesa Toyota, que comercializou<br />
10 milhões.<br />
Durante a pandemia, a generalidade<br />
da indústria automóvel travou a fundo,<br />
parando a produção e colocando linhas<br />
de montagem ao serviço da comunidade<br />
— em Espanha, a Seat produziu ventiladores,<br />
e na Alemanha a Mercedes-Benz pôs<br />
as impressoras 3D a fabricar componentes<br />
individuais para equipamentos médicos.<br />
Nos stands fechados, as vendas foram ao<br />
zero. Só o grupo Volkswagen, maior fabricante<br />
do mundo, produziu menos 23% entre<br />
Janeiro e Março, com o volume de negócios<br />
a recuar 8,3% para 61,8 mil milhões<br />
de dólares (55,1 mil milhões de euros).<br />
Menos produção, menos vendas, menos<br />
lucros — este é o retrato de um sector que<br />
vive actualmente uma fase complexa de<br />
transição rumo a um futuro mais ecológico.<br />
A.R. b<br />
julho 2020 | 65
DESPORTO FÓRMULA 1<br />
EM MODO<br />
CURTO-CIRCUITO<br />
CIRCO: Está de volta em versão<br />
condensada devido à crise pandémica<br />
Lewis Hamilton e a Mercedes partem superfavoritos no Mundial<br />
de F1 mais atípico dos últimos anos, já que a pandemia reduziu o calendário original<br />
e trouxe alguma incerteza ao circuito<br />
ANDRÉ PIPA<br />
66 | Exame Moçambique
A FIA, FACE AOS EFEITOS<br />
DA PANDEMIA, FEZ<br />
APROVAR UM PACOTE<br />
DE ALTERAÇÕES AOS<br />
REGULAMENTOS DA F1<br />
Os adeptos europeus perderam três GP<br />
clássicos por causa do vírus — Holanda<br />
(Zandvoort), França (Paul Ricard) e, sobretudo,<br />
Mónaco, mais o seu inigualável circuito<br />
citadino de Monte Carlo. Os fãs da<br />
modalidade podem, entretanto, ter um<br />
inesperado jackpot se a Federação Internacional<br />
do Automóvel (FIA) confirmar<br />
a notícia que corre com insistência nos<br />
bastidores: a realização de um Grande<br />
Prémio no Autódromo Internacional do<br />
Algarve (AIA), em Portimão, Portugal,<br />
(será o 26.º Grande Prémio de Portugal),<br />
possivelmente a 27 Setembro. Recentemente<br />
reclassificado pela FIA com a nota<br />
máxima para circuitos (grau 1), a pista da<br />
Mexilhoeira Grande — tem 4,684 quilómetros,<br />
16 curvas e todas as infra-estruturas<br />
de apoio exigidas pelo “circo” — poderá,<br />
à semelhança da Áustria e da Grã-Bretanha,<br />
acolher uma segunda corrida a 4 de<br />
Outubro sob a designação Grande Prémio<br />
do Algarve. A confirmar-se, é uma grande<br />
notícia para os fãs portugueses, que não<br />
vêem um Grande Prémio em Portugal<br />
desde que o Estoril acolheu a última corrida<br />
em Setembro de 1996 (vitória de Jacques<br />
Villeneuve em Williams-Renault).<br />
A F1 movimenta milhões e é um dos poucos<br />
desportos verdadeiramente globais,<br />
garantindo por isso um impacto mediático/promocional<br />
nessa escala de grandeza.<br />
Além dos GP da Austrália (que abrem a<br />
temporada), Holanda, Mónaco e França,<br />
também foram cancelados os GP do Azerbaijão,<br />
Singapura e Japão. O director desportivo<br />
e técnico da Fórmula 1, Ross Brawn,<br />
já garantiu que a recta final do campeonato<br />
decorrerá no Médio Oriente — Bahrain e<br />
Abu Dhabi estão confirmados — e afirmou<br />
que não está “descartada a possibilidade<br />
de algumas corridas poderem contar com<br />
público se a situação da pandemia evoluir<br />
favoravelmente”.<br />
Preocupado com o efeito devastador<br />
do coronavírus no desporto automóvel<br />
em geral e na F1 em particular — nem<br />
todas as escuderias têm o músculo financeiro<br />
da Ferrari, Mercedes ou Red Bull<br />
—, a FIA não perdeu tempo a prevenir o<br />
futuro e fez aprovar, através do seu Conselho<br />
Mundial, um pacote de alterações<br />
aos regulamentos desportivos e técnicos<br />
da F1, sobressaindo a obrigatoriedade de<br />
redução em 2021 do limite de despesas<br />
O<br />
piloto inglês Lewis Hamilton<br />
e a Mercedes são as apostas<br />
mais seguras para os títulos<br />
de pilotos e construtores<br />
no Mundial de F1, cuja<br />
71.ª temporada fica desde já marcada pelos<br />
efeitos da pandemia COVID-19. Aquele<br />
que seria o campeonato com mais corridas<br />
da história (22) encontra-se, por ora,<br />
reduzido a uma primeira etapa europeia<br />
com oito grandes prémios confirmados<br />
até ao dia 13 Setembro, não se sabendo<br />
onde e quando se disputarão as restantes<br />
corridas — estão previstas mais sete,<br />
podendo, se a pandemia permitir, chegar<br />
a dez. Confirmados estão o GP da Áustria<br />
com dose dupla no Red Bull Ring de<br />
Spielberg, a 6 e 12 de Julho — este último<br />
levará a designação GP da Estíria; o GP<br />
da Hungria (Hungaroring), a 19 Julho; o<br />
GP da Grã-Bretanha, com nova dose dupla<br />
em Silverstone, a 2 e 9 Agosto, sendo que<br />
a segunda corrida comemora os 70 anos<br />
da Fórmula 1; o GP de Espanha na Catalunha,<br />
a 16 Agosto; o GP da Bélgica, em<br />
Spa-Francorchamps, a 30 Agosto; e o GP<br />
de Itália, em Monza, a 6 Setembro.<br />
por equipa e por temporada de 157 para<br />
130,8 milhões de euros. Nos anos seguintes<br />
esse limite será ainda mais restritivo.<br />
HEGEMÓNICOS<br />
Em termos desportivos, a potência e fiabilidade<br />
da Mercedes garantem a Lewis<br />
Hamilton a possibilidade de concretizar<br />
aquilo que se julgava “impossível”: igualar<br />
os sete títulos mundiais de Michael<br />
Schumacher e suplantar, de passagem, o<br />
recorde de vitórias (91) em grandes prémios<br />
do malogrado piloto alemão. Hamilton<br />
tem 84 triunfos e a única dúvida é<br />
julho 2020 | 67
DESPORTO FÓRMULA 1<br />
A MERCEDES CONTINUA<br />
INACESSÍVEL, A DESPEITO<br />
DA AMEAÇA QUE<br />
REPRESENTA MAX<br />
VERSTAPPEN (RED BULL)<br />
POKER DE ASES<br />
MERCEDES AMG PETRONAS<br />
Director: Toto Wolff<br />
Director técnico: James Allison<br />
Monolugar: F1 W11<br />
Motor: Mercedes F1 M11 EQ<br />
Pilotos:<br />
Lewis Hamilton (Grã-Bretanha),<br />
250 GP – 84 vitórias – 151 pódios<br />
Valtteri Bottas (Finlândia) - 139 GP<br />
– 7 vitórias – 45 pódios<br />
SCUDERIA FERRARI<br />
Director: Mattia Binotto<br />
Director técnico: Simone Resta<br />
Monolugar: SF1000<br />
Motor: Ferrari 065<br />
Pilotos:<br />
Sebastian Vettel (Alemanha),<br />
240 GP – 53 vitórias – 120 pódios<br />
Charles Leclerc (Mónaco) - 42 GP<br />
– 2 vitórias – 10 pódios<br />
RED BULL RACING<br />
Director: Christian Horner<br />
Director técnico: Pierre Wache<br />
Monolugar: RB16<br />
Motor: Honda RA620H<br />
Pilotos:<br />
Max Verstappen (Holanda), 120 GP<br />
8 vitórias – 31 pódios<br />
Alexander Albon (Tailândia) - 21 GP<br />
0 vitórias – 0 pódios (melhor res.<br />
6.º lugar)<br />
McLAREN<br />
Director: Andreas Seidl<br />
Director técnico: James Kay<br />
Monolugar: MCL35<br />
Motor: Renault E-Tech 20<br />
Pilotos:<br />
Carlos Sainz Jr. (Espanha), 102 GP<br />
0 vitórias – 1 pódio<br />
Lando Norris (Grã-Bretanha)<br />
21 GP – 0 vitórias – 0 pódios<br />
(melhor res. 6.º lugar)<br />
LEWIS HAMILTON:<br />
A possibilidade de igualar<br />
os sete títulos mundiais<br />
do Michael Schumacher<br />
saber em que corrida e em que circuito<br />
vai ultrapassar de vez a marca de Schumi.<br />
A superioridade de Lewis e da Mercedes<br />
tem sido de tal forma vincada e constante<br />
que nenhum outro cenário, como<br />
o eventual triunfo do vice finlandês Valtteri<br />
Bottas, é de equacionar... pelo menos<br />
em circunstâncias normais. Hamilton é<br />
a marca registada do gigante alemão e<br />
ninguém tem dúvidas sobre qual é o foco<br />
principal da equipa de Toto Wolff: a conquista<br />
do histórico duplo “hepta” — o do<br />
piloto e o da construtora que, a acontecer,<br />
seria o sétimo consecutivo (!), superando<br />
definitivamente o recorde (6) da<br />
rival Ferrari.<br />
Os treinos na Catalunha para o [posterioremente<br />
cancelado] GP da Austrália<br />
confirmaram a ideia de que a Mercedes<br />
continua inacessível, a despeito da ameaça<br />
que representa Max Verstappen (Red<br />
Bull), que surgiu bastante forte na recta<br />
final da temporada passada. O holandês<br />
Jan Lammers, antigo boss da A1 Team<br />
Netherlands (onde correu Jos Verstappen,<br />
pai de Max), considera que este<br />
pode ser o ano do compatriota: “Talvez<br />
Max esteja a começar aquilo que pode<br />
vir a ser a sua primeira campanha bem-<br />
-sucedida no Mundial. A Red Bull esteve<br />
fiável em Barcelona e a minha intuição é<br />
que eles estão bem melhor do que pensamos.<br />
Creio que a Mercedes descobrirá<br />
como é difícil conseguir sete títulos mundiais<br />
seguidos. Este pode ser o ano da Red<br />
Bull e de Max Verstappen”, disse Lammers.<br />
O próprio piloto, de 22 anos, acredita<br />
nessa possibilidade: “Estou ansioso<br />
para começar depois de uma pausa muito<br />
longa e vou tentar lutar pela vitória em<br />
todas as corridas”, declarou Max à cadeia<br />
RTL. “Toda a equipa tem como objectivo<br />
vencer o campeonato”, acrescentou Verstappen,<br />
que se estreia a correr em casa —<br />
dois GP seguidos no Red Bull Ring de<br />
Spielberg. O holandês diz que a ausência<br />
de público “não prejudica o meu verdadeiro<br />
objectivo: vencer as duas corridas”.<br />
Voltando à favorita Mercedes, o facto<br />
de ambos os pilotos terminarem contrato<br />
no final deste ano, aliado à anunciada<br />
saída de Sebastian Vettel da Ferrari<br />
(será substituído pelo espanhol Carlos<br />
Sainz Jr.) tem sido fonte de mexericos de<br />
vária ordem mas, daquilo que se sabe, a<br />
Mercedes vai apostar forte na continuidade<br />
do hexacampeão mundial, estando<br />
preparada para, se for caso disso, deixar<br />
sair Bottas. O próprio futuro da Mercedes<br />
68 | Exame Moçambique
na Fórmula 1 tem sido fonte de rumores,<br />
não faltando no “circo” quem acredite que<br />
a marca alemã está a pensar na retirada<br />
a breve prazo. Um deles é Eddie Jordan.<br />
O proprietário da antiga escuderia britânica,<br />
em declarações ao site F1-Inside, previu<br />
que a Mercedes “vai deixar a F1 dentro<br />
de dois anos” e que “Lewis Hamilton vai<br />
para a Ferrari”. Disse Jordan: “O mundo<br />
mudou completamente por causa do coronavírus.<br />
Os valores das pessoas mudaram<br />
e a consciência ambiental tornou-se uma<br />
prioridade. Para os responsáveis deste desporto<br />
isso significa que chegou a hora de<br />
repensar o futuro. Tenho certeza de que<br />
construtoras como a Mercedes, a Honda<br />
e talvez a Renault vão romper contratos<br />
e encerrar os seus compromissos na F1<br />
dentro dos próximos dois anos”, disse<br />
Jordan, sublinhando que “a Mercedes<br />
já não tem mais nada para fazer: conquistou<br />
tudo, não pode ir mais além...”<br />
Sobre Hamilton, Eddie Jordan disse que<br />
o futuro do britânico passa por Itália:<br />
“Lewis vai para a Ferrari. Somente os italianos<br />
podem pagar o seu salário [cerca<br />
de 44 milhões euros/ano] e até sabem que<br />
o investimento vale a pena. Verstappen<br />
ficará na Red Bull e tentará vencer Lewis,<br />
mas será muito difícil.”<br />
Há quem avance que o director da Mercedes,<br />
Toto Wolff, está a considerar a possibilidade<br />
de contratar Sebastian Vettel<br />
(Ferrari) em 2021. Sabe-se que a Daimler<br />
[proprietária da Mercedes] veria com<br />
muitos bons olhos ter novamente um<br />
piloto alemão na equipa, o que não acontece<br />
desde o abandono de Nico Rosberg<br />
em 2016. Juntar no mesmo team Hamilton<br />
e Vettel, uma superdupla destinada a<br />
arrasar — juntos valem neste momento<br />
dez títulos, 137 vitórias e 271 pódios —,<br />
garantiria mais um ano ou dois de hegemonia<br />
à marca alemã. Antes de, quem<br />
sabe, deixar as pistas com um recorde<br />
de triunfos dificilmente alcançável. Lembre-se<br />
que desde o início da era híbrida<br />
na F1 (na Austrália-2014) com a adop-<br />
julho 2020 | 69
DESPORTO FÓRMULA 1<br />
ção dos motores V6 1.6 Turbo assistidos<br />
electricamente, correram-se 121 Grandes<br />
Prémios, sendo 89 deles ganhos pela<br />
Mercedes (uma incrível percentagem de<br />
êxito de 73,55%), contra apenas 17 vitórias<br />
da Ferrari e 15 da Red Bull.<br />
FERRARI A VÊ-LOS PASSAR<br />
Dezassete triunfos em 121 GP é uma estatística<br />
desanimadora para a mítica escuderia<br />
italiana, que não ganha um Mundial de<br />
Pilotos desde 2007 (com Kimi Räikkonen)<br />
e o título de Construtores desde 2008. São<br />
muitos anos de jejum para o emblema mais<br />
carismático do circuito, mas a verdade é<br />
que dificilmente a Ferrari conseguirá este<br />
ano aproximar-se da Mercedes a ponto<br />
de discutir a primazia. No ano passado a<br />
Ferrari somou 504 pontos contra 739 da<br />
equipa alemã (e 417 da Red Bull) e viu os<br />
seus dois pilotos — o monegasco Charles<br />
Leclerc (264 pontos) e o alemão Vettel (264)<br />
— terminarem atrás de Max Verstappen<br />
(278), Valtteri Bottas (326) e Lewis Hamilton<br />
(413). É verdade que o jovem Leclerc<br />
(22 anos) foi a grande revelação da temporada<br />
— duas vitórias, dez pódios e seis<br />
poles no ano de estreia pela Ferrari (tinha<br />
sido piloto de testes da escuderia em 2016 e<br />
2017) —, tendo inclusivamente superado o<br />
colega tetracampeão do mundo; mas, tudo<br />
somado, não deverá chegar para suplantar<br />
o padrão da época passada, que é demasiado<br />
curto para uma marca com o peso<br />
e as ambições da Cavallino Rampante.<br />
O antigo patrão da F1, Bernie Ecclestone,<br />
foi curto e seco quando comentou para o<br />
diário alemão Blick os resultados dos testes<br />
de Inverno: “O carro [Ferrari] obviamente<br />
não é bom. Mas, como milhões de<br />
fãs dos [monolugares] vermelhos, estou à<br />
espera de ser surpreendido...”<br />
Como se não bastasse a crónica falta<br />
de fiabilidade dos Ferrari (sobretudo<br />
quando comparados com os flechas de<br />
prata), as relações entre Vettel e o emergente<br />
Leclerc não são as melhores, o que<br />
dificulta o trabalho de equipa. Fricções,<br />
ciúmes e desentendimentos não constituem<br />
novidade num mundo tão egocêntrico<br />
e “umbiguista” como o dos pilotos de<br />
F1, mas o pior é quando os jornais tomam<br />
partido na guerra, como parece ter acontecido<br />
quando se soube, pela imprensa italiana,<br />
que Sebastian Vettel, ao contrário<br />
de Leclerc, não aceitou reduzir o seu salário<br />
durante a fase mais dura da pandemia,<br />
quando toda a Itália estava confinada em<br />
casa. “Falei com Charles [Leclerc] sobre os<br />
testes de Fiorano para o GP da Áustria e<br />
agradeci-lhe o seu apoio espontâneo ao<br />
nosso programa de redução de custos”,<br />
disse, num tom aparentemente casual, o<br />
director da escuderia Matias Binotto em<br />
entrevista ao jornal La Stampa, de Turim.<br />
Binotto não mencionou Vettel especificamente,<br />
mas deixou explícito que Leclerc,<br />
que tem contrato até 2024, concordou com<br />
uma redução de 25% do seu salário de<br />
12 milhões de euros/ano. A imprensa alemã<br />
levou a história a peito e saiu em defesa do<br />
“seu” piloto, noticiando que Vettel “doou<br />
muito dinheiro não só em Itália como noutros<br />
lugares da Europa para ajudar a minorar<br />
os efeitos da pandemia”. “Vettel quer<br />
ajudar, mas prefere decidir onde e como,<br />
em vez de deixar essa decisão para a Ferrari...”,<br />
escreveu um jornalista do diário<br />
Bild, Lennart Wermke. Não se sabe se este<br />
conflito ítalo-germânico é para continuar,<br />
como não se sabe se o fogoso Leclerc vai<br />
ter de ajoelhar-se perante o estatuto do<br />
colega alemão de equipa, que tem um<br />
tetracampeonato no currículo. Sabe-se é<br />
que Lewis Hamilton tenciona ajoelhar-se<br />
na pista durante a entoação do hino austríaco<br />
no primeiro GP da época, num gesto<br />
de solidariedade com o movimento mundial<br />
Black Lives Matter. O campeão conta<br />
com o apoio do presidente da FIA, Jean<br />
Todt (“tenho o maior respeito por Lewis<br />
Hamilton e pelo seu trabalho nas redes<br />
sociais. A FIA também é muito activa em<br />
questões de direitos humanos”, disse o<br />
dirigente francês), mas ninguém é profeta<br />
na sua terra, a julgar pela opinião do político<br />
britânico Nigel Farage, líder do partido<br />
Brexit, sobre o famoso compatriota:<br />
“Hamilton tem aplaudido a demolição de<br />
estátuas e apelado à remoção de todos os<br />
símbolos racistas do mundo. Mas depois<br />
recebe 40 milhões de libras [cerca de 44<br />
milhões de euros] por ano da Mercedes,<br />
uma escuderia que tem lucrado bastante<br />
com a escravidão.b<br />
CAMPEÕES NOS ÚLTIMOS 15 ANOS<br />
Ano Pilotos Construtores<br />
2019 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />
2018 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />
2017 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />
2016 Nico Rosberg (Mercedes) Mercedes<br />
2015 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />
2014 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />
2013 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />
2012 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />
2011 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />
2010 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />
2009 Jenson Button (Brawn-Mercedes) Brawn GP Formula 1<br />
2008 Lewis Hamilton (McLaren-Mercedes) Ferrari<br />
2007 Kimi Räikkonen (Ferrari) Ferrari<br />
2006 Fernando Alonso (Renault) Renault F1 Team<br />
2005 Fernando Alonso (Renault) Renault F1 Team<br />
70 | Exame Moçambique
julho 2020 | 71
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
72 | Exame Moçambique
COM O APOIO DE:<br />
ÁFRICA É<br />
MUITO<br />
CRIATIVA<br />
O continente tem poucos recursos,<br />
mas não lhe falta capacidade de inovação,<br />
com respostas a problemas concretos que<br />
surpreendem o mundo. As startups<br />
africanas têm atraído investimento<br />
externo e serão decisivas na definição<br />
de um padrão de desenvolvimento<br />
próprio e sustentável<br />
74 TALENTO<br />
Em África não<br />
faltam exemplos<br />
78 EY<br />
Apoiar projectos<br />
inovadores<br />
julho 2020 | 73
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
Apesar de não ser fértil em<br />
recursos financeiros, África<br />
possui matérias-primas e<br />
mostra ser capaz de surpreender<br />
o mundo em<br />
matéria de inovação. Por todo o continente,<br />
provas de criatividade e capacidade<br />
para concretizar projectos inovadores<br />
não faltam. A utilização do telemóvel é<br />
elevada e a dispersão populacional em<br />
várias zonas tem impulsionado invenções<br />
associadas à inovação. Estas inovações<br />
têm-se mostrado uma forma de<br />
alargar acessos de comunidades isoladas<br />
a serviços, proporcionando em especial a<br />
inclusão financeira. São ainda surpreendentes<br />
as soluções encontradas no plano<br />
dos serviços de comunicação. Também<br />
onde existem problemas muito sérios,<br />
como os que respeitam ao acesso a utilities<br />
básicas como água e energia, não têm<br />
faltado respostas criativas.<br />
Muitos dos exemplos inovadores que o<br />
continente exibe com sucesso não beneficiam,<br />
contudo, como deviam dos benefícios<br />
a retirar dos direitos de propriedade<br />
intelectual (PI). Os sistemas de PI são hoje<br />
decisivos para o êxito dos processos de<br />
inovação. Lá voltaremos.<br />
AS ECONOMIAS AFRICANAS<br />
TERÃO DE DIVERSIFICAR-SE<br />
E ADOPTAR UM PADRÃO DE<br />
DESENVOLVIMENTO ASSENTE<br />
NA CAPACIDADE DE INOVAÇÃO<br />
África, nomeadamente a Subsariana,<br />
vem apresentando taxas de crescimento<br />
globais acima da média mundial, assim<br />
como uma elevada taxa de crescimento<br />
da sua população. A população do continente<br />
deverá duplicar em 2050, passando<br />
dos actuais 1,2 mil milhões de habitantes<br />
para 2,4 mil milhões, dos quais mais<br />
de 60% terão menos de 25 anos. Acontece<br />
que, apesar dos bons desempenhos<br />
conseguidos em alguns países africanos,<br />
IHUB: Em Nairobi,<br />
estende-se por sete mil<br />
metros quadrados<br />
o crescimento não foi acompanhado pelo<br />
emprego de uma população extremamente<br />
jovem e que representa uma oportunidade,<br />
mas também um enorme desafio. A taxa<br />
de desemprego em África supera muito a<br />
média mundial. O sector agrícola, os serviços<br />
financeiros e as telecomunicações<br />
ocupam a maior parte do emprego, mas<br />
a indústria só emprega 6,5% das pessoas<br />
que trabalham.<br />
A queda do preço das matérias-primas<br />
exportadas pelo continente e as restrições<br />
no acesso ao financiamento, em<br />
consequência da crise global originada<br />
pela pandemia, irão tornar mais premente<br />
a diversificação da economia e a<br />
adopção de um padrão de desenvolvimento<br />
próprio, tal como o fizeram países<br />
como o Japão, a China e a Coreia do<br />
Sul. A Coreia do Sul, um dos "dragões<br />
asiáticos", é uma demonstração de que<br />
as políticas públicas dirigidas à inovação<br />
podem gerar processos de desenvolvimento<br />
sustentados.<br />
INTERNET É BEM-VINDA<br />
Na África Subsariana o aumento do acesso<br />
à Internet é visto como positivo para<br />
a sociedade e economia<br />
Impacto da Internet (em %)<br />
Educação<br />
Economia<br />
Relações<br />
pessoais<br />
Política<br />
Ética<br />
Boa influência<br />
45<br />
52<br />
63<br />
62<br />
79 5<br />
Não Influencia<br />
10<br />
8<br />
16<br />
Má influência<br />
Nota: Média de seis países com base na amostra recolhida no Gana,<br />
Nigéria, Senegal, África do Sul e Tanzânia<br />
Fonte: PEW Research Center.<br />
11<br />
12<br />
22<br />
27<br />
13<br />
39<br />
74 | Exame Moçambique
Ao mesmo tempo que o continente tem<br />
cada vez mais dificuldade em captar investimento<br />
directo estrangeiro para os sectores<br />
tradicionais, o qual agora se retraiu<br />
drasticamente com a crise pandémica,<br />
não tem deixado de chegar dinheiro de<br />
fora dirigido às iniciativas mais criativas.<br />
Segundo a gestora Partech Ventures, só<br />
em 2016 as startups africanas captaram<br />
financiamentos de 367 milhões de dólares,<br />
quatro vezes mais que quatro anos<br />
antes. Os desafios são tantos e a produtividade<br />
tão baixa que é sempre possível<br />
melhorar, e melhorar bastante, se houver<br />
imaginação.<br />
INOVAÇÃO FEBRIL<br />
Os empresários africanos têm encontrado<br />
respostas inovadoras para os problemas<br />
mais imediatos e mostrado um<br />
elevado pragmatismo. Em grande parte<br />
dos países africanos há mais telemóveis<br />
do que habitantes, que deles passaram a<br />
depender para aceder a muitos serviços e<br />
mesmo às suas contas bancárias. A questão<br />
é que os telemóveis têm de ser carregados<br />
e a energia, principalmente em<br />
zonas mais afastadas, é um bem escasso.<br />
No Ruanda, Henry Nyakarundi criou<br />
uma plataforma que funciona como um<br />
quiosque móvel, que pode carregar até<br />
dezasseis telemóveis ao mesmo tempo.<br />
As baterias da plataforma são carregadas<br />
por painéis solares ou mesmo por um sistema<br />
de pedale. Os engarrafamentos são<br />
o dia-a-dia nas grandes cidades africanas.<br />
No Quénia, uma aplicação para telemóvel<br />
permite enviar mensagens aos motoristas<br />
para evitar engarrafamentos em Nairobi.<br />
A aplicação informa os utilizadores<br />
sobre as condições de tráfego, enviando a<br />
recomendação de rotas que evitem congestionamentos.<br />
Assenta as suas recomendações<br />
num sistema central que utiliza<br />
algoritmos de reconhecimento das imagens<br />
captadas pelas câmaras<br />
existentes na cidade.<br />
Em matéria de geração<br />
de energia há<br />
mais inovação<br />
que brilha no<br />
continente.<br />
É o caso da<br />
turbina eólica<br />
sem pás, inspirada<br />
nos<br />
barcos à vela,<br />
desenvolvida<br />
p o r u m a<br />
startup tunisina.<br />
A inovação<br />
deve-se a Hassine<br />
Labaied e Anis Aouini,<br />
da Saphon Energy. A turbina, que<br />
recebeu uma patente internacional em<br />
Março de 2013, assenta na conversão,<br />
primeiro, da energia eólica em energia<br />
mecânica, recorrendo à utilização de pistões<br />
e energia hidráulica, e finalmente em<br />
electricidade. O kit de teste antimalária<br />
é uma contribuição da criatividade do<br />
continente para o combate a um dos seus<br />
maiores flagelos de saúde pública. O kit<br />
de diagnóstico médico rápido (20 minutos)<br />
antimalária do sul-africano Ashley<br />
Uys é um dos nove desenvolvidos a nível<br />
mundial. Para repelir os mosquitos, causadores<br />
da malária, dois estudantes do<br />
CONTINENTE<br />
DIGITALIZA-SE<br />
África já possui:<br />
942 milhões<br />
de telemóveis<br />
498 milhões<br />
de smartphones<br />
60% de penetração<br />
e utilização de wi-fi
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
M PESA: Criado<br />
para reembolsar<br />
microcréditos,<br />
passou a<br />
permitir<br />
transferir<br />
dinheiro<br />
O CASO DA M-PESA<br />
Lançado em 2007 pela Vodafone para<br />
a Vodacom e a Safaricom, a empresa<br />
nacional de telecomunicações do Quénia,<br />
a M-Pesa (M referencia o telemóvel<br />
e Pesa significa dinheiro em Swahili) foi<br />
originalmente concebida para permitir<br />
o reembolso de dívidas de microcrédito<br />
por telemóvel, com a promessa de reduzir<br />
os custos relacionados com a gestão de<br />
dinheiro cash (transportes, risco…) e de<br />
poder aplicar uma taxa de juro mais baixa<br />
e tornar possível a transferência de<br />
cêntimos.<br />
O lançamento de uma versão piloto<br />
permitiu medir a apetência da população<br />
por um serviço do género e encorajou<br />
a Safaricom a alargar a sua oferta a um<br />
sistema de transferência de dinheiro.<br />
O sistema alavancou-se numa rede de<br />
pequenos comerciantes, dispersa por todo<br />
o país e de fácil acesso para os utilizadores<br />
que pretendem depositar ou levantar<br />
dinheiro.<br />
Um serviço que facilitou os pagamentos<br />
entre particulares, facilitando o<br />
afastamento das famílias entre as zonas<br />
rurais e urbanas, bem como facilitando as<br />
transacções comerciais, sem esquecer que<br />
se tornou também uma alternativa mais<br />
segura para os comerciantes. Em poucos<br />
anos, este sistema de pagamento virtual<br />
substituiu quase por completo o dinheiro<br />
em cash no comércio e nas repartições.<br />
Hoje, permite que 70% da população<br />
tenha acesso a serviços bancários básicos<br />
e é responsável por 9 milhões de<br />
transacções diárias, representando<br />
25% do PIB nacional.<br />
Os benefícios da M-Pesa estendem-se<br />
a todo o país. Um estudo demonstrou<br />
recentemente que as famílias rurais com<br />
M-Pesa aumentaram os seus rendimentos<br />
entre 5% e 30%. Além disso, o sistema<br />
permitiu o surgimento de um grande<br />
número de startups que basearam o seu<br />
modelo de receita na plataforma de<br />
pagamento. Actualmente, a M-Pesa até<br />
acolhe algumas delas na sua incubadora<br />
em Nairobi.<br />
O sistema da M-Pesa assenta numa rede<br />
de comerciantes independentes que<br />
rapidamente ultrapassou o número de<br />
agências bancárias. Em 2010, três anos<br />
após o seu lançamento, a rede contava<br />
com 17 600 parceiros contra 840 agências<br />
bancárias. Com este modelo, adicionar um<br />
novo comerciante à rede representa um<br />
custo marginal igual a zero, enquanto<br />
construir uma nova agência já representa<br />
um investimento. A M-Pesa é<br />
uma empresa infinita.<br />
Abderrahmane Chaoui, Senior Project Analyst na<br />
FABERNOVEL<br />
76 | Exame Moçambique
Instituto Internacional de Engenharia de<br />
Água e Meio Ambiente (2iE) de Burkina<br />
Faso desenvolveram um sabão especial.<br />
O cheiro do produto afasta os insectos.<br />
Um dos seus ingredientes também mata<br />
as larvas de Anopheles, impedindo a sua<br />
proliferação em águas estagnadas. Composto<br />
de citronela, calêndula, karité e<br />
outros ingredientes mantidos em segredo,<br />
o sabão Faso foi projectado para ser acessível<br />
a todos, produzido exclusivamente<br />
com recursos locais. Também no campo<br />
da telemedicina, agora mais popularizado<br />
com a pandemia, deram-se passos<br />
significativos. O Cardiopad é um tablet<br />
que permite fazer remotamente, sobretudo<br />
em zonas rurais, electrocardiogramas.<br />
Foi desenvolvido pelo camaronês<br />
Arthur Zang para fazer face ao precário<br />
rácio existente de 30 cardiologistas para 20<br />
milhões de pessoas com que o país conta.<br />
Através de SMS, Internet e call center,<br />
a plataforma Mlouma oferece aos<br />
produtores a oportunidade de comunicarem<br />
com os clientes sobre os seus<br />
produtos, indicando os preços, quantidades<br />
e locais de produção. A Mlouna,<br />
criada em 2012 pelo senegalês Abubakar<br />
Sidy Sonko, permite que 3 mil produtores<br />
se mantenham em contacto com os<br />
retalhistas. No Gana, a Ghanéen Bright<br />
Simons lançou a amPedigree em 2007,<br />
uma solução móvel que autentica medicamentos<br />
e reúne as principais operadoras<br />
de rede móvel em África, a indústria<br />
farmacêutica e as autoridades de saúde.<br />
Há muitos mais exemplos da capacidade<br />
inovadora dos africanos. Moçambique<br />
também oferece vários. A EXAME<br />
tem dedicado um espaço especial em cada<br />
uma das suas edições ao espírito empreendedor.<br />
Na sand box (caixa de areia), a<br />
incubadora que o Banco de Moçambique<br />
e o FSD Moçambique lançaram em<br />
Maio de 2018, têm participado empresas<br />
que se afirmam no mercado. É o caso da<br />
Paytec, uma fintech que opera na digitalização<br />
financeira e que João Gaspar,<br />
o seu CEO, disse nestas páginas, em entrevista,<br />
estar a desenvolver “uma solução<br />
de integração para o utilizador, permitindo<br />
que este efectue transacções de<br />
pagamento em lojas, compra de produtos<br />
ou serviços como pré-pagos, pacotes<br />
de TV, etc., a partir de uma única APP<br />
ou canal USSD, podendo funcionar com<br />
qualquer banco, com vários em simultâneo<br />
e/ou também com carteiras móveis”.<br />
BERÇOS CRIATIVOS<br />
Os países africanos mais inovadores são<br />
também aqueles que dedicam espaço de<br />
incubação e regulação própria às iniciativas<br />
disruptoras. No Quénia, o iHub<br />
tornou-se uma referência. Dispõe actualmente<br />
de um espaço moderno, que se<br />
estende por 7 mil metros quadrados, para<br />
acolher as empresas incubadas. Também<br />
a África do Sul e a Nigéria se têm destacado<br />
na atracção do investimento<br />
externo dirigido a projectos<br />
inovadores. Aliás,<br />
o primeiro “tricórnio”<br />
(startup cujo<br />
valor atinge<br />
mil milhões<br />
de dólares)<br />
africano<br />
é da Nigéria,<br />
a Jumia.<br />
O continente<br />
está não apenas<br />
a gerar<br />
empresas inovadoras,<br />
como<br />
também a torná-<br />
-las um ecossistema<br />
que inclui o iHub e outras incubadoras<br />
do Quénia, Wennovation e Co-Creation<br />
Hub, em Lagos, na Nigéria, blueMoon,<br />
em Adis-Abeba, na Etiópia, e Bandwidth<br />
Barn, na Cidade do Cabo, África do Sul.<br />
A maior oportunidade que se coloca<br />
à inovação em tempo de pandemia é o<br />
anúncio da descoberta de uma vacina.<br />
Uma inovação que move milhões e um<br />
marketing frenético. Anuncia-se algo<br />
minimamente preparado e a cotação em<br />
bolsa dispara, como aconteceu à antes<br />
desconhecida farmacêutica Moderna<br />
e aos parceiros da Oxford, a AstraZeneca.<br />
Os grandes negócios de laboratório<br />
não têm, no entanto, a exclusividade em<br />
matéria de inovação. A pandemia abre<br />
várias oportunidades na oferta de soluções<br />
inovadoras para os problemas que<br />
causa, sobretudo num continente onde<br />
os recursos orçamentais para responder<br />
ao surto são magros.<br />
O continente africano ao sul do Sara<br />
terá de assentar o seu desenvolvimento<br />
nas respostas concretas, adequadas, inovadoras,<br />
que os seus melhores talentos<br />
encontrem para os graves problemas que<br />
persistem e que tendem a avolumar-se<br />
com a explosão de uma população muito<br />
jovem e cada vez mais urbanizada.b
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
"A NECESSIDADE<br />
AGUÇA O ENGENHO"<br />
Os empreendedores africanos foram movidos pela necessidade, diz Bruno Dias, Partner<br />
de Consulting da EY em Moçambique, que invoca, a propósito, a expressão de Nelson<br />
Mandela: "Parece sempre impossível até ser feito"<br />
BRUNO DIAS:<br />
A EY apoia os<br />
seus clientes<br />
no lançamento<br />
de modelos<br />
de negócios<br />
inovadores<br />
78 | Exame Moçambique
Q<br />
ue oportunidades é que<br />
a inovação disruptiva<br />
pode trazer ao desenvolvimento<br />
em África?<br />
A inovação disruptiva<br />
é, e continuará a ser, uma realidade em<br />
África geradora de oportunidades de<br />
aceleração do seu desenvolvimento. Há<br />
vários exemplos de transformação disruptiva<br />
por introdução de simplicidade<br />
e acessibilidade, aproveitando novas tecnologias,<br />
mas também desenvolvendo<br />
novos modelos de negócios e explorando<br />
tecnologias antigas de novas maneiras.<br />
A KickStart é um exemplo deste tipo de<br />
inovação em África, produzindo equipamentos<br />
de baixo custo para cidadãos no<br />
Quénia, Tanzânia e Mali. Conseguiu criar<br />
as cadeias logísticas e adapta equipamentos<br />
às preferências do mercado.<br />
Uma das suas inovações é a bomba de<br />
irrigação accionada com o pé MoneyMaker,<br />
que aumenta radicalmente a produtividade<br />
no trabalho agrícola no campo. A bomba<br />
permite multiplicar por dez a receita anual<br />
do agricultor típico. A despesa inicial do<br />
agricultor é geralmente custeada por um<br />
microcrédito, em geral a ser pago entre<br />
três e seis meses.<br />
Os empresários e empreendedores africanos<br />
revelam um pragmatismo especial?<br />
Há um conhecido provérbio que diz que “a<br />
necessidade aguça o engenho”. Penso que<br />
é muito válido em África e está presente<br />
nos exemplos de inovação mais emblemáticos.<br />
Os empreendedores africanos<br />
conseguiram, por exemplo, substituir serviços<br />
financeiros tradicionais, fazendo-<br />
-os assentar em plataformas disruptivas<br />
assentes em serviços móveis inovadores,<br />
ou aproveitar energias de fontes renováveis<br />
onde a rede eléctrica não está disponível.<br />
Mais do que serem pragmáticos, os<br />
empreendedores africanos foram movidos<br />
pela necessidade e, parafraseando<br />
Mandela, “it always seems impossible<br />
until it is done”.<br />
A crescente utilização do telemóvel e a<br />
digitalização abrem portas à inovação<br />
num continente onde faltam infra-estruturas<br />
físicas?<br />
É um lugar comum dizer que África é o<br />
continente do futuro. Estima-se que em<br />
2050 mais de 50% da população em África<br />
terá menos de 25 anos. Um crescimento<br />
populacional a esta velocidade coloca o<br />
continente sob enorme pressão, nomeadamente<br />
no desemprego jovem, mas abre<br />
uma enorme oportunidade de capacitação<br />
nos paradigmas inerentes ao digital<br />
e à criação de emprego próprio. Exemplo<br />
disso é o programa da Google — “Digital<br />
skills for Africa”— que, em onze meses,<br />
capacitou gratuitamente um milhão de<br />
jovens em 27 países do continente com<br />
ferramentas digitais. Obviamente que é<br />
fundamental os governos continuarem<br />
a apostar na promoção dos sectores com<br />
potencial de aceleração do desenvolvimento<br />
económico-social e na melhoria das infra-<br />
-estruturas para acelerar este desígnio de<br />
inovação. Mas os empresários africanos<br />
já deram provas em contexto adverso e<br />
continuarão, seguramente, a dar provas<br />
do seu engenho.<br />
Em que tipo de projectos e processos<br />
inovadores mais tem participado a EY<br />
no continente?<br />
A EY tem apoiado clientes no lançamento<br />
de modelos de negócio inovadores em vários<br />
países do continente africano. Exemplos<br />
disso são o suporte ao lançamento de um<br />
“banco digital”, a implementação de soluções<br />
de automação inteligente de processos<br />
ou de analítica avançada que permitem<br />
conhecer melhor o cliente e a decisão empresarial<br />
mais sustentada. Outra área de foco<br />
em que publicámos recentemente um estudo<br />
foi a de inovação em inclusão financeira.<br />
Em Moçambique temos trabalhado nos<br />
últimos anos para criar competências nos<br />
vários domínios associados ao digital e temos<br />
alguns projectos activos de implementação<br />
tecnológica, de simplificação de processos<br />
e de concepção de soluções inovadoras.<br />
As utilities e os serviços públicos do continente<br />
terão de se inovar rapidamente<br />
face às mudanças induzidas nos ecossistemas<br />
pela tecnologia?<br />
Nas utilities existe já um grau de inovação<br />
muito interessante, nomeadamente ao nível<br />
dos meios e canais de pagamento, de que<br />
o Credelec é um exemplo em Moçambique.<br />
A evolução para novos paradigmas de<br />
inovação, como os smart grids ou micro-<br />
-grids, depende muito da capacitação da<br />
infra-estrutura. Haverá que fazer o business<br />
case em cada caso da sua manutenção<br />
progressiva vis-à-vis um salto disruptivo<br />
para o uso mais alargado de IoT e outros<br />
paradigmas digitais. No que se refere aos<br />
serviços públicos, e falando no caso específico<br />
de Moçambique, existe um longo<br />
caminho a percorrer, principalmente na eficiente<br />
simplificação e digitalização de processos<br />
e capacitação dos agentes públicos,<br />
em particular nas províncias e nos distritos.<br />
A simplificação e a desmaterialização dos<br />
processos e o uso de tecnologia na criação<br />
de serviços públicos eficientes e transparentes<br />
são imperativas e estão na agenda<br />
quer de vários governos em África, quer<br />
dos principais doadores e multilaterais.<br />
Países como a Nigéria, o Quénia e a África<br />
do Sul apresentam vários sucessos de<br />
inovação. Moçambique segue no mesmo<br />
caminho?<br />
Existe em Moçambique potencial e vontade<br />
para seguir este caminho. Este facto<br />
é particularmente visível numa geração de<br />
jovens empreendedores na área do digital<br />
e iniciativas como a incubadora Sandbox,<br />
lançada pelo Banco de Moçambique e o<br />
FSD Moçambique. Faltam ainda peças-<br />
-chave no ecossistema, como o acesso célere<br />
ao financiamento para um projecto nas<br />
suas várias fases — é importante o acesso<br />
a seed capital e a angel investors — assim<br />
como a formação e capacitação em gestão<br />
dos empresários. b<br />
julho 2020 | 79
ESPECIAL INOVAÇÃO<br />
TÊNDENCIAS GLOBAIS<br />
Redes de incubação de empresas têm gerado inovação<br />
em África, captando recursos para as startups<br />
45 milhões de pessoas<br />
Utilizam no Quénia o M-Pesa, o sistema de pagamento digital<br />
da Safaricon. O país foi pioneiro em matéria de pagamentos<br />
e transferências por telemóvel<br />
SILICON VALLEY QUENIANO<br />
Na parte alta de Nairobi, o novo e envidraçado “Upper Hill”, o bairro<br />
da moda no que toca a negócios, alberga cada vez mais startups<br />
bem-sucedidas. Por aí já passaram 170 startups, gerando-se uma rede<br />
que mantém ligados 17 mil profissionais. Num desses edifícios fica<br />
o iHub, que funciona como coworking e incubadora.<br />
100<br />
milhões<br />
de dólares<br />
é quanto a IBM prevê<br />
investir até 2024<br />
2<br />
milhões<br />
de dólares<br />
foi quanto o iHub recebeu da<br />
Invested Development, uma<br />
gestora de recursos dos<br />
Estados Unidos<br />
80<br />
mil<br />
empréstimos<br />
são feitos diariamente<br />
no Quénia através<br />
de telemóvel<br />
250<br />
mil<br />
produtores<br />
do Gana são associados do<br />
Tratror Tractor, uma aplicação<br />
de aluguer<br />
ALÉM DE SER UMA<br />
OPORTUNIDADE<br />
SEM PARALELO<br />
PARA A GERAÇÃO<br />
DE EMPREGOS<br />
JOVENS, A<br />
INOVAÇÃO É UMA<br />
FORMA EFICIENTE<br />
DE REDUZIR O<br />
HIATO DE INFRA-<br />
-ESTRUTURA<br />
DO CONTINENTE<br />
AFRICANO"<br />
Christine Lagarde<br />
governadora do Banco<br />
Central Europeu<br />
INOVAÇÃO SOCIAL<br />
No continente africano a orientação das inovações<br />
para o preenchimento de lacunas ao nível de<br />
infra-estruturas tem resultado numa melhoria<br />
da qualidade de vida das populações, que passam<br />
assim muitas vezes a aceder a serviços fundamentais<br />
através de soluções que não foram<br />
testadas noutras geografias. Resultam de aplicações<br />
criadas especificamente para responder às<br />
características do continente africano. É o bem<br />
conhecido caso da banca móvel, que leva os serviços<br />
bancários aos locais mais remotos, bastando<br />
para o efeito a existência de rede móvel.<br />
Chakanetsa Mavhunga é Professor Associado<br />
do MIT e Tech Strategist. No seu livro What do<br />
Science, Technology and Innovation mean from<br />
Africa, defende a tradição da cultura de inovação<br />
africana e afirma que a África não é apenas<br />
beneficiária da tecnologia mas consegue<br />
dar-lhe novas aplicações, novas funções, que a<br />
reinventam. Para o efeito apresenta o exemplo<br />
das funcionalidades que o telemóvel ganhou<br />
no continente.<br />
A necessidade de generalizar o uso das inovações<br />
faz com que estas assentem muitas<br />
vezes em tecnologias que são conhecidas ou<br />
estão disseminadas pela população. E o engenho<br />
estende-se, por exemplo, a novas formas<br />
de distribuição de produtos ou serviços já existentes.<br />
A venda de electricidade em pré-pagamento<br />
permite reduzir o risco de operadoras<br />
como a EDM mas não é regra nos países europeus.<br />
O desenvolvimento de soluções tão simples<br />
mas eficazes como esta, ou como a banca que<br />
vendia borrifadelas individuais de perfume no<br />
Mercado do Roque Santeiro em Angola, mostram<br />
o pragmatismo e a vertente social da inovação<br />
em África.b<br />
80 | Exame Moçambique
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O conteúdo local é necessário,<br />
agora mais do que nunca, em todos<br />
os sectores<br />
D.R.<br />
Um estudo feito pela CTA — Confederação das Associações<br />
Económicas de Moçambique estima que, por conta<br />
da COVID-19, o sector empresarial moçambicano poderá<br />
registar perdas entre 234 e 375 milhões de dólares, sendo<br />
que o sector do turismo é o mais afectado, com perdas estimadas<br />
entre 53 e 71 milhões de dólares.<br />
Muito se tem falado sobre o chamado conteúdo local ou nacional<br />
em virtude do gradual estabelecimento e potencial sucesso das<br />
novas indústrias de petróleo e gás em Moçambique. Uma realidade<br />
ainda distante do empresariado nacional nas mais diversas dimensões.<br />
Uma proposta de lei, chamada lei de conteúdo nacional, foi<br />
divulgada e debatida até finais de 2019 e, desde então, aguarda-<br />
-se por uma versão final e consensualizada da legislação. Várias<br />
versões já circularam e não têm merecido consenso entre proponentes<br />
e sector privado. Será que assegurar uma percentagem de<br />
participação das empresas nacionais, independentemente do seu<br />
tamanho, deve circunscrever-se a este sector? Basta definir a participação<br />
apenas como a capacidade de prestar o serviço ou fornecer<br />
ou produzir um bem sob regimes de certificação internacional?<br />
E basta que a empresa se registe em Moçambique para ser local?<br />
Mas será que é só a indústria do petróleo e gás que contrata em<br />
Moçambique? Então e o Estado, as empresas públicas e participadas,<br />
os fundos e institutos autónomos, etc., etc.? E a panóplia<br />
dos chamados parceiros de cooperação bilaterais e multilaterais?<br />
Apesar de termos um Regulamento de Aquisições do Estado<br />
(Decreto 5, de 8 de Março de 2016), onde estão detalhadas as regras<br />
e procedimentos de aquisição de bens e serviços pelo Estado, será<br />
que o mesmo prevê ou privilegia a aquisição através de fornecedores<br />
e prestadores de serviços moçambicanos? A iniciativa “Made<br />
in Mozambique”, a definição de micro, pequena e média empresa<br />
e outros aspectos que poderiam contribuir para o fomento e uso<br />
de conteúdo local e nacional não estão previstos nesta versão do<br />
regulamento, ao contrário de versões anteriores. Não estão enunciados<br />
no decreto nem são, na prática, verificados.<br />
O que é nacional é bom e disponível em muitos casos. Não<br />
é perfeito, pode ser melhorado, pode ser certificado... Pode, mas<br />
é preciso usar (dando acesso e oportunidade) e é preciso construtivamente<br />
melhorar (dando feedback construtivo). Se outras geografias<br />
fazem isto de forma propositada e intencional, o que nos<br />
impede, a nós, de tomarmos a mesma atitude? E porque não pode o<br />
Estado tomar o exemplo e dianteira, quando a maior parte da despesa<br />
pública é gasta na aquisição de bens e serviços? E onde ficam<br />
os parceiros de cooperação ou de desenvolvimento e a importante<br />
indústria do desenvolvimento? Muitos ficarão incomodados com<br />
estes questionamentos, mas agora, mais do que nunca, precisamos<br />
de nos confrontar com isto.<br />
Considerando que quer o Estado, quer os seus parceiros de cooperação,<br />
são actores ainda críticos para o desenvolvimento de um<br />
sector privado nacional, não será que a lei que se pretende aprovar<br />
deve ser o mais abrangente possível? E incluir também estes actores?<br />
É uma realidade que com a crise das dívidas ocultas o volume<br />
de recursos externos oriundos destes parceiros reduziu, tendo<br />
ainda, no entanto, uma expressão importante na nossa economia.<br />
Mas qual foi o papel do sector empresarial nacional, sobretudo<br />
as MPME, em despoletar tal crise? Nenhum, a meu ver. Fomos,<br />
contudo, dos primeiros a sofrer na pele as consequências de todas<br />
as decisões e sanções, escritas e não escritas, que esta crise criou.<br />
Pelo mal de uns pagam todos. Proliferam as compras quase em<br />
exclusividade às empresas estrangeiras e a adjudicação de contratos<br />
de prestação de serviços a consultores internacionais que<br />
frequentemente não conhecem o contexto e a realidade do país.<br />
As organizações da sociedade civil hoje concorrem aos recursos<br />
dos parceiros prestando os serviços que antes as MPME nacionais<br />
estavam a prestar. Um outro exemplo da problemática em mãos.<br />
O recurso a estes fundos tem de ser mais justo e equitativo<br />
para com as empresas nacionais. Se somos suficientemente bons<br />
para sermos subcontratados, porque não podemos ser apoiados<br />
para sermos suficientemente bons para sermos contratados? b<br />
82 | Exame Moçambique