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exame90

Os 2500 kms da costa moçambicana são novamente uma via de integração económica. A convergência para um mercado doméstico integrado permitirá uma redução das assimetrias existentes e tornar o país mais eficiente, levando produtos nacionais a mais consumidores nacionais, reduzindo assim a dependência das importações e fomentando a coesão nacional. E poderá, e deverá até, criar novos negócios. Potenciar o desenvolvimento de uma rede de transportes capilar, trará um desenvolvimento mais generalizado e mais inclusivo. E este processo inicia-se com o arranque do projecto de cabotagem. Nesta edição tratamos também, entre outros temas, da inovação em África. A inovação não é mais que a imaginação e a inteligência aplicadas ao serviço do homem. O continente já provou a sua capacidade para inovar de raiz, mas também para criar novas utilizações para as tecnologias já generalizadas, como o telemóvel, com benefícios para a população. Boas leituras e, acima de tudo, saúde

Os 2500 kms da costa moçambicana são novamente uma via de integração económica. A convergência para um mercado doméstico integrado permitirá uma redução das assimetrias existentes e tornar o país mais eficiente, levando produtos nacionais a mais consumidores nacionais, reduzindo assim a dependência das importações e fomentando a coesão nacional. E poderá, e deverá até, criar novos negócios. Potenciar o desenvolvimento de uma rede de transportes capilar, trará um desenvolvimento mais generalizado e mais inclusivo. E este processo inicia-se com o arranque do projecto de cabotagem.
Nesta edição tratamos também, entre outros temas, da inovação em África. A inovação não é mais que a imaginação e a inteligência aplicadas ao serviço do homem. O continente já provou a sua capacidade para inovar de raiz, mas também para criar novas utilizações para as tecnologias já generalizadas, como o telemóvel, com benefícios para a população.
Boas leituras e, acima de tudo, saúde

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GÁS ● Megaprojecto<br />

da Área 1 mantém calendário<br />

FORTUNAS ● Quem perde<br />

e quem ganha com a COVID-19<br />

Nº 90 v Julho 2020 v 200Mt v 5 Edição Moçambique<br />

INOVAÇÃO<br />

Os trunfos<br />

criativos<br />

de África<br />

CABOTAGEM<br />

TRANSPORTAR POR MAR<br />

O relançamento do transporte de mercadorias por mar, ao longo da extensa costa<br />

do país, permite reduzir preços na cadeia de fornecimento, facilita o acesso<br />

ao mercado e alivia a saturada rede viária. O objectivo último é conseguir<br />

pôr a funcionar uma cadeia intermodal de transporte “porta-a-porta”, de Maputo<br />

até Afungi, na província de Cabo Delgado


REVISTA MENSAL — ANO 7 — N O 90 — JULHO 2020<br />

TIRAGEM: 10 000 EXEMPLARES — CAPA: GETTY<br />

24<br />

SIMONE SANTI:<br />

Criar valor<br />

acrescentado<br />

utilizando tomate<br />

nacional<br />

NEGÓCIOS<br />

24 Empreendedor A Leonardo Green acaba de fazer um novo<br />

investimento na produção e processamento de tomate<br />

30 PME Estiveram em foco no Webinar organizado pela União Europeia<br />

em parceria com o Ministério da Indústria e Comércio e a EuroCam<br />

ECONOMIA<br />

34 Rubis A pandemia afecta este ano o desempenho da Montepuez<br />

Rubi Mining (MRM), mas a segurança, a manutenção e os serviços<br />

essenciais mantêm-se<br />

38 Algodão A fileira do algodão está pronta para agarrar a sua parte<br />

do desafio de uma nova fase da agricultura nacional<br />

ENERGIA<br />

42 Área 1 As obras do megaprojecto de exploração de gás natural<br />

na bacia do Rovuma avançam e o calendário mantém-se<br />

D.R.<br />

34<br />

SAMORA MACHEL<br />

JR: A MRM tem<br />

vindo a desenvolver<br />

esforços para tornar<br />

a sua produção<br />

mais eficiente<br />

58<br />

JEFF BEZOS:<br />

O dono da Amazon<br />

é um dos que<br />

mais ganha com<br />

a COVID-19<br />

EDILSON TOMÁS<br />

46 Mercado O preço do gás natural está a cair menos do que o do<br />

petróleo desde o início da crise, mas perdeu o mesmo valor, cerca<br />

de metade, no último ano<br />

50 Estudo A procura de gás natural poderá cair este ano 5% a 10% face<br />

aos níveis previstos antes da COVID-19, indica um documento da<br />

McKinsey<br />

GLOBAL<br />

54 OCDE As economias mais desenvolvidas colapsaram com a<br />

pandemia e a OCDE reviu as suas previsões, apresentando dois<br />

cenários sombrios<br />

58 Fortunas O património de alguns multimilionários ainda engordou<br />

mais com a crise, mas também há quem perca muitos milhões<br />

60 Cruzeiros A próspera indústria dos cruzeiros marítimos e as<br />

companhias aéreas são vítimas colossais da crise pandémica<br />

64 Tecnologia Entre as histórias milionárias do lockdown destaca-se<br />

as de Eric Yuan, engenheiro de software, pai da Zoom, um serviço<br />

de videoconferência<br />

DESPORTO<br />

66 Fórmula 1 Lewis Hamilton e a Mercedes partem superfavoritos<br />

no Mundial de F1 mais atípico dos últimos anos<br />

ESPECIAL<br />

72 África inova Os empreendedores do continente têm mostrado<br />

uma grande capacidade de inovar, a chave para um<br />

desenvolvimento próprio e sustentado<br />

D.R.<br />

SECÇÕES<br />

Editorial 6<br />

Primeiro Lugar 8<br />

Grandes Números 14<br />

Bazarketing 52<br />

Exame Final 82<br />

4 | Exame Moçambique


CAPA<br />

16 Cabotagem<br />

O relançamento da cabotagem em Moçambique, vinte<br />

e cinco anos após a sua suspensão, abre um novo<br />

capítulo no transporte de carga num país que possui<br />

mais de dois mil quilómetros de costa, tendo como<br />

horizonte baixar os preços nas cadeias de fornecimento


CARTADODIRECTOR<br />

IRIS DE BRITO<br />

DIRECTORA<br />

A CABOTAGEM<br />

COMO AGENTE<br />

DE INTEGRAÇÃO<br />

Em Agosto de 1940, um jovem de nome<br />

Philippe Peschaud (1915-2006) participou<br />

activamente em operações logísticas<br />

do exército francês, que se revelaram muito<br />

importantes para a derrota das forças nazis na<br />

Europa.<br />

Na 2.ª Grande Guerra, a criação e defesa<br />

de linhas de abastecimento com a frente e,<br />

simultaneamente, a destruição das instalações<br />

logísticas do inimigo, como por exemplo<br />

a destruição das reservas de combustível<br />

alemãs, fundamentais para a deslocação das<br />

forças motorizadas nazis, destacaram a importância<br />

da logística no plano militar. A guerra<br />

traz essencialmente grandes horrores mas também<br />

alguns avanços no conhecimento.<br />

A CABOTAGEM<br />

PODERÁ DAR<br />

UM IMPULSO<br />

DECISIVO AO<br />

MERCADO<br />

INTERNO<br />

A Peschaud, fundada por Philippe Peschaud, é hoje uma empresa especializada<br />

em logística, com destaque para os serviços de apoio à indústria<br />

de Oil & Gas. Foi a empresa escolhida para parceira do projecto de cabotagem<br />

em Moçambique, detendo uma participação de 75% na Sociedade<br />

Moçambicana de Cabotagem, sendo os restantes 25% detidos pela estatal<br />

Transmarítima.<br />

Para um país com o recorte geográfico de Moçambique, o esforço desenvolvido<br />

pelas autoridades para o recrudescimento da cabotagem é de louvar.<br />

Ainda mais quando cerca de 60% da população, segundo o UNDP,<br />

vive junto da linha de costa. E para que este projecto se concretizasse foi<br />

adoptado um conjunto de medidas, há muito exigidas pelo sector privado,<br />

desde a redução de taxas à liberalização de procedimentos alfandegários,<br />

que poderá ler em pormenor no tema de capa desta edição<br />

No país, as assimetrias de preços existentes ao nível regional são resultado<br />

das dificuldades de integração dos mercados, por exemplo de produtos<br />

agrícolas, face aos elevados custos de transporte rodoviário, inflacionados<br />

pela insegurança do transporte por esta via. A via aérea comporta custos<br />

que são muitas vezes incomportáveis para os operadores económicos.<br />

A cabotagem vem assim preencher uma importante lacuna em termos de<br />

transportes que, se acompanhada por uma maior interconectividade e capilaridade<br />

dos transportes terrestres, poderá dar um impulso decisivo à criação<br />

de um mercado interno com menores assimetrias.<br />

Mais que uma acção de carácter económico, a cabotagem poderá ser uma<br />

importante ferramenta para a aproximação dos habitantes das diversas regiões<br />

de Moçambique, estimulando a interdependência e a coesão nacional.b<br />

Edifício Rovuma, Rua da Sé, n.º 114,<br />

Escritório 109<br />

MAPUTO, MOÇAMBIQUE<br />

geral@examemocambique.co.mz<br />

Directora: Iris de Brito<br />

Director Executivo: Luis Faria<br />

(luis.faria@luisfaria.com)<br />

Arte: Pedro Bénard<br />

Colaboradores Regulares:<br />

Valdo Mlhongo,<br />

Thiago Fonseca (crónica),<br />

Edilson Tomás (fotografia),<br />

Colaboraram nesta edição:<br />

Almerinda Romeira, André Pipa, Estêvão Azarias<br />

Chavisso, Luís Fonseca, Mariam Umarji,<br />

Ricardo David Lopes.<br />

Direitos Internacionais:<br />

EXAME Brasil (texto e imagens),<br />

AFP, Graphic News e IStockPhoto<br />

Coordenação Geral: Marta Cordeiro (projecto),<br />

Inês Reis (arte)<br />

Multimédia e Internet: Plot.<br />

www.examemocambique.co.mz<br />

PUBLICIDADE<br />

+258 843 107 660<br />

comercial@examemocambique.co.mz<br />

Comercial: Gerson dos Santos<br />

ASSINATURAS<br />

Moçambique: Nádia Pene, +258 845 757 478<br />

Portugal: Ana Rute Sousa, +351 213 804 010<br />

assinaturas@examemocambique.co.mz<br />

REDACÇÃO<br />

+ 258 21 322 183<br />

redaccao@examemocambique.co.mz<br />

Produção: Ana Miranda<br />

Número de registo: 09/GABINFO - DEC/2012<br />

Tiragem: 10 mil exemplares<br />

Distribuição:<br />

Moçambique: Flotsan, Bairro Patrice Lumumba,<br />

Rua “A” Casa 242, Matola<br />

Tel.: +258 84 492 2014; +258 82 301 3211.<br />

e-mail: mozadmin@africandistribution.net<br />

Portugal: VASP, MLP Quinta do Grajal, Venda Seca<br />

2739-511 Agualva Cacém Tel.: +351 214 337 000<br />

Impressão: Minerva Print<br />

Av. Mohamed Siad Barre, n.º 365<br />

Maputo<br />

A revista EXAME (Moçambique) é um<br />

licenciamento internacional da revista EXAME<br />

(Brasil), propriedade da Editora Abril.<br />

Sociedade Moçambicana<br />

de Edições, Lda.<br />

Director-Geral<br />

Miguel Lemos<br />

Conselho de gerência<br />

Luís Penha e Costa<br />

Rui Borges<br />

António Domingues<br />

6 | Exame Moçambique


PRIMEIRO<br />

LUGAR<br />

MOÇAMBIQUE ESSENCIAL. PEQUENAS NOTÍCIAS SOBRE UM GRANDE PAÍS<br />

CRESCIMENTO: Moçambique é dos poucos países<br />

africanos que escapa à recessão este ano<br />

D.R.<br />

FMI<br />

MOÇAMBIQUE RESISTE AO COLAPSO AFRICANO<br />

Moçambique deverá crescer 1,4% em 2020, de acordo com as<br />

últimas projecções do Fundo Monetário Internacional (FMI), que<br />

agravou a sua perspectiva negativa para a evolução da economia<br />

africana este ano, a qual deverá, com as novas estimativas,<br />

contrair 3,2%, caindo mais 1,6 pontos percentuais do que o<br />

projectado em Abril e anulando dez anos de desenvolvimento.<br />

A anterior previsão para o andamento da economia nacional este<br />

ano, feita pelo FMI, andava a par com a estimativa governamental,<br />

apontando para um crescimento de 2,2%. Quanto a 2021, o<br />

Fundo antecipa agora que a economia do país cresça 4,2%, abaixo<br />

dos 4,7% anteriormente estimados.<br />

A verdade é que a pandemia está a devastar as economias<br />

da África Subsariana e poderá deixar um rasto de 39 milhões<br />

de pessoas a viverem na pobreza extrema, ou seja, com menos<br />

de 1,9 dólares por dia. Das 45 economias da região, 37 pioram a<br />

sua previsão de crescimento face ao projectado pelos analistas<br />

do FMI em Abril, e “o PIB da região vai ser 243 mil milhões de<br />

dólares menor que o projectado em Outubro de 2019”. A que-<br />

bra na economia é particularmente acentuada no caso dos países<br />

exportadores de petróleo, assim como dos que dependem do<br />

turismo. Angola prolongará a recessão, com a economia a afundar<br />

4%. Também a África do Sul registará uma queda muito significativa,<br />

com uma contracção de 8% da actividade económica.<br />

Em Angola, África do Sul e Nigéria, segundo a actualização da<br />

perspectiva do FMI sobre a economia subsariana, “o PIB real deverá<br />

regressar aos níveis de crescimento pré-crise (da COVID-19) só<br />

em 2023 ou 2024”. O relatório acrescenta que “a recuperação<br />

em 2021 será mais lenta que a recuperação da economia global<br />

porque os apoios políticos lançados pelos países da África Subsariana<br />

para facilitar a recuperação são consideravelmente mais<br />

pequenos do que aqueles que foram implementados em muitas<br />

economias emergentes”. “Prevê-se que o crescimento económico<br />

recupere para 3,4% em 2021, assumindo que o levantamento gradual<br />

das medidas de confinamento das últimas semanas se mantém<br />

e, mais importante, que a região consegue evitar as dinâmicas<br />

da epidemia noutros locais”, refere o relatório.<br />

8 | Exame Moçambique


O pior ainda está para vir.<br />

Tedros Ghebreyesus, director-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS).<br />

FINANCIAMENTO<br />

ÁFRICA PRECISA DE 100 MIL MILHÕES<br />

“Os países africanos ainda enfrentam<br />

necessidades de financiamento superiores<br />

a 110 mil milhões de dólares em<br />

2020, havendo 44 mil milhões por financiar”,<br />

afirma o FMI no seu último relatório<br />

sobre o continente, publicado no<br />

final de Junho sob o título revelador de<br />

“Cinco quadros que mostram a maior<br />

contracção económica da África Subsariana<br />

desde a década de 1970”, uma<br />

consequência da crise pandémica.<br />

O documento assinala que várias “instituições<br />

financeiras internacionais,<br />

incluindo o próprio FMI, já prestaram<br />

a extremamente necessária assistência<br />

à África Subsariana, mas não chega.<br />

Em 15 de Abril, o G20 anunciou a Iniciativa<br />

de Suspensão do Serviço da Dívida<br />

(DSSI), que permite que os países mais<br />

pobres do mundo — a maioria deles<br />

em África — suspendam 14 mil milhões<br />

de dólares de pagamentos do serviço<br />

da dívida com vencimento em 2020.<br />

O FMI destaca que o ambiente global é<br />

fortemente penalizador. “Desde Abril,<br />

a estimativa para o crescimento global<br />

em 2020 desce 1,9 pontos percentuais,<br />

antecipando-se agora uma quebra de<br />

4,9%, as viagens colapsaram e os fluxos<br />

turísticos estancaram, espera-se<br />

que as remessas caiam cerca de 20%,<br />

as condições de acesso ao financiamento<br />

externo mantêm-se apertadas,<br />

apesar de um certo alívio nas últimas<br />

semanas e o preço das matérias-primas<br />

mantém-se baixo”, assinala o relatório.<br />

SALA DE<br />

MERCADOS<br />

Maio<br />

68,80<br />

Maio<br />

1,73<br />

Maio<br />

33,25<br />

MOEDA<br />

(Meticais por USD)<br />

-2%<br />

GÁS NATURAL<br />

(USD/MMBtu)*<br />

-5%<br />

CRUDE<br />

(USD/barril)<br />

+21%<br />

Junho<br />

69,91<br />

Junho<br />

1,64<br />

Junho<br />

40,37<br />

PRIMEIRO TRIMESTRE<br />

IMPORTAÇÕES SOBEM<br />

O défice balança comercial moçambicana<br />

fixou-se em 908,3 milhões<br />

de dólares no primeiro trimestre<br />

deste ano, de acordo com a Síntese<br />

da Conjuntura Económica do Instituo<br />

Nacional de Estatística (INE).<br />

As exportações reduziram em cerca<br />

de 21,9% e as importações aumentaram<br />

cerca de 9%, em comparação<br />

DÉFICE: O saldo da balança comercial<br />

foi negativo no primeiro trimestre<br />

com o trimestre homólogo de 2019. Os principais parceiros comerciais de Moçambique<br />

continuam a ser a África do Sul, Índia e China. No período, a África do Sul recebeu<br />

23,3% das exportações do país, a Índia 12,3% e a China 4,3%. No que respeita às<br />

importações que fazemos, 23,1% são provenientes da África do Sul, 10,2% da Índia<br />

e 8,5% da China. “Dos principais produtos exportados no trimestre, o destaque vai<br />

para as barras e perfis de alumínio (23,1%), carvão mineral (hulha) (19,5%), energia<br />

eléctrica (15,5%) e gás natural (6,8%)”, refere o INE. De registar ainda que, no período,<br />

o volume de carvão vendido aumentou 113,7% face a igual período de 2019, e 3,8%<br />

em relação ao trimestre anterior. Já o volume de alumínio vendido foi menor, tanto<br />

em relação ao trimestre homólogo como ao anterior.<br />

D.R.<br />

Maio<br />

114,01<br />

Maio<br />

318,00<br />

Maio<br />

1753,50<br />

CARVÃO DE COQUE<br />

(USD/ton.)<br />

MILHO<br />

(USD/Bushel)**<br />

D.R.<br />

-1%<br />

+3%<br />

OURO<br />

(USD/t oz)***<br />

+2%<br />

Junho<br />

112,93<br />

Junho<br />

329,00<br />

Junho<br />

1782,00<br />

COTAÇÕES A 23/05/2020 E A 23/06/2020<br />

* MMBtu = milhões de British Thermal Unit<br />

(medida da capacidade térmica)<br />

** 1 bushel de milho = 25,4 Kg<br />

*** t oz = onças troy = 31,21 g.<br />

FONTES: BM, Bloomberg, CME Group.<br />

julho 2020 | 9


PRIMEIRO LUGAR<br />

INOVAÇÃO<br />

TRÊS STARTUPS<br />

REPRESENTAM<br />

MOÇAMBIQUE<br />

MobileCare, Pagalu e Zinwe foram as três<br />

startups escolhidas pelo júri para representar<br />

Moçambique na final regional do Desafio<br />

de Inovação da SADC, que teve lugar em<br />

finais de Junho. A MobileCare, startup orientada<br />

para a prestação de serviços de seguro<br />

a custos reduzidos, é vencedora na categoria<br />

acessos a serviços básicos. A Pagalu é vencedora<br />

na categoria identidade financeira digital.<br />

Por sua vez, na categoria financiamento<br />

a pequenas e médias empresas (PME), destaca-se<br />

a Zinwe, ideia de negócio que permite<br />

o crowdfunding, a obtenção de capital<br />

para iniciativas de interesse colectivo através<br />

da agregação de múltiplas fontes de financiamento,<br />

o que possibilita a ligação de investidores<br />

de PME, no âmbito do acesso aos<br />

serviços financeiros. Pela distinção nacional,<br />

as startups vencedoras receberão mil dólares,<br />

apoio de experts através de sessões de business<br />

advisory e “mentoria” para estarem mais<br />

bem preparadas para a final regional do desafio,<br />

onde poderão ganhar até 5 mil dólares e<br />

o acesso a um programa de incubação internacional.<br />

A nível nacional, o Financial Sector<br />

Deepening Moçambique (FSDMoç) e a Ideia-<br />

Lab são as entidades responsáveis por implementar<br />

este desafio, e garantiram a formação<br />

dos participantes para aprimorarem as suas<br />

ideias de negócio e trazerem soluções significativas<br />

para África no seu todo.<br />

SADC: Três startups nacionais participaram<br />

no Desafio de Inovação da organização<br />

D.R.<br />

DÍVIDA<br />

CHINA, MAIOR FINANCIADOR<br />

A China era o maior financiador de Moçambique no final de 2018, detendo 39% da<br />

dívida pública externa do país, o equivalente a cerca de 2,1 mil milhões de dólares,<br />

revelou o diário O País. Segundo um relatório do Ministério da Economia e Finanças,<br />

a dívida pública de Moçambique atingiu 12,1 mil milhões de dólares no final<br />

de 2018, um aumento de 11%, com a componente da dívida externa a subir 8%.<br />

Entre os principais credores externos de Moçambique contam-se ainda o banco<br />

suíço Credit Suisse (726,5 milhões de dólares) e Portugal (602,9 milhões de dólares),<br />

refere o diário moçambicano. Cerca de 90% da dívida pública externa estava<br />

contratada a taxas de juro fixas, mais 2 pontos percentuais do que em 2017, sublinha<br />

o relatório. O Presidente Filipe Nyusi revelou em Junho de 2018 que a China<br />

iria perdoar a dívida sem juros de Moçambique a expirar até ao final do ano, referiu<br />

na altura a agência AIM.<br />

GÁS<br />

ENH FINANCIA PARTICIPAÇÃO NA ÁREA 1<br />

A Empresa Nacional de<br />

Hidrocarbonetos (ENH) TOTAL: Lidera o consórcio em que participa a ENH<br />

pretende encontrar um<br />

financiamento mais barato<br />

do que aquele de que dispõe<br />

para pagar a sua participação<br />

no maior projecto<br />

de gás natural em construção<br />

no país, anunciou o<br />

governo. “Há um acordo”<br />

com os outros sócios<br />

da Área 1 (petrolíferas<br />

internacionais, lideradas<br />

pela Total) para que financiem a quota de 15% da ENH “na fase de construção”,<br />

explicou o ministro dos Recursos Minerais e Energia, Max Tonela, numa visita às<br />

obras na península de Afungi. “Mas, como empresa, a ENH tem o objectivo de<br />

maximizar o retorno do seu investimento e, nessa perspectiva, está a trabalhar<br />

com aconselhamento financeiro na perspectiva de encontrar alternativas de financiamento<br />

que permitam custos mais baixos da operação”, acrescentou o ministro,<br />

citado pela agência Lusa. “Este exercício está ainda em curso”, referiu. “Não<br />

há riscos para o projecto” devido a esta necessidade de a ENH procurar empréstimos<br />

para ter lugar na sociedade, destacou Max Tonela. “Há um exercício de refinanciamento<br />

da sua participação no projecto, com custos mais baixos.” A agência<br />

financeira Bloomberg divulgou que o aconselhamento financeiro está a ser prestado<br />

pelo banco Societe Generale por via de já prestar esse serviço ao megaprojecto<br />

Mozambique LNG — designação do consórcio da Área 1.<br />

Em Novembro do último ano, a captação de cerca de 1500 milhões de dólares<br />

para a participação da ENH na Área 1 foi o projecto mais caro apresentado num<br />

fórum de investimento organizado pelo Banco Africano de Desenvolvimento<br />

(BAD) em Joanesburgo, na África do Sul. Foi a primeira apresentação do Estado<br />

moçambicano perante a banca e investidores internacionais após a reestruturação<br />

da dívida soberana, acordada com credores em Outubro de 2019.<br />

D.R.<br />

10 | Exame Moçambique


COVID-19<br />

FACIM CANCELADA<br />

A 57.ª edição da FACIM, Feira Agropecuária, Comercial e Industrial de Moçambique,<br />

a maior e mais emblemática do país, foi cancelada devido ao novo coronavírus.<br />

“Não vai haver Facim este ano: não pode haver aglomerados de pessoas,<br />

segundo a lei”, disse Lourenço Sambo, director da Apiex, citado pela agência Lusa.<br />

Do total de 32 países que já tinham confirmado presença para a feira deste ano,<br />

14 cancelaram a sua participação, o que, além das restrições impostas pela pandemia,<br />

levou à anulação do evento, acrescentou. “Vimos que não valia a pena esperar<br />

que os restantes também cancelassem”, referiu Sambo. A principal feira de<br />

actividades económicas moçambicana, que decorre anualmente entre Agosto e<br />

Setembro, conta com a participação de cerca de 20 a 30 países e serve de “montra<br />

da economia moçambicana e porta de entrada de investimento estrangeiro”.<br />

“O impacto é enorme, há muito negócio e dinheiro perdido”, frisou. A Apiex avançou<br />

que, para 2021, há três moldes diferentes em estudo, dependendo da evolução<br />

da doença no país e no mundo: feira digital, presencial ou a combinação dos<br />

dois. “É provável que a feira perca o número de países e empresas participantes”,<br />

assim como visitantes, observou.<br />

O país vive em estado de emergência desde 1 de Abril devido à pandemia da<br />

COVID-19. O chefe de Estado anunciou no final de Junho a prorrogação do estado<br />

de emergência pela terceira vez — o máximo previsto na Constituição —, com levantamento<br />

faseado de algumas restrições.<br />

As escolas vão reabrir faseadamente, voltará a haver ligações aéreas internacionais<br />

com alguns países, será permitido mais pessoal nos locais de trabalho e os<br />

museus poderão reabrir.<br />

FACIM: Já pensa no formato em que se vai apresentar em 2021<br />

PORTO DA<br />

BEIRA: Já está<br />

a ser afectado<br />

pela pandemia<br />

HUAWEI: Em conjunto com a Universidade<br />

Pedagógica de Maputo criou uma academia<br />

TECNOLOGIA<br />

UNIVERSIDADE<br />

MOÇAMBICANA CRIA<br />

ACADEMIA<br />

A Universidade Pedagógica de Maputo (UP-<br />

-Maputo) vai criar uma Academia Huawei<br />

dedicada às Tecnologias de Informação e Comunicação<br />

(TIC), que deverá abrir na primeira<br />

metade de 2021. A novidade surgiu durante<br />

uma videoconferência que contou com a presença<br />

do reitor da UP-Maputo, Jorge Ferrão,<br />

e o director-executivo da gigante tecnológico<br />

chinês Huawei Technologies Co. Ltd. em<br />

Moçambique, Wu Ku. Segundo o Jornal Notícias,<br />

a Huawei doou à universidade na semana<br />

passada equipamento informático para a instalação<br />

de um laboratório de redes, como parte<br />

da futura Academia, explicou Jorge Ferrão.<br />

A criação da Academia surge no âmbito de<br />

uma parceria acordada em 2018 entre a UP-<br />

-Maputo e a Huawei, que inclui ainda a formação<br />

anual de pelo menos 20 estudantes<br />

na área das TIC, refere o diário moçambicano.<br />

A Huawei tem grandes expectativas quanto<br />

à instalação da Academia para ajudar a formar<br />

jovens moçambicanos em novas tecnologias,<br />

disse Wu Ku, citado pelo Jornal Notícias.<br />

D.R.<br />

D.R.<br />

julho 2020 | 11


DÍVIDAS OCULTAS<br />

MOÇAMBIQUE AVANÇA NOS TRIBUNAIS<br />

CREDIT SUISSE: Moçambique exige a anulação da dívida<br />

da ProIndicus e uma indemnização pelo escândalo das<br />

dívidas ocultas<br />

Um juiz britânico aceitou a<br />

alteração da denominação<br />

do grupo Privinvest num<br />

processo judicial sobre as<br />

“dívidas ocultas” a decorrer<br />

em Londres, desbloqueando<br />

os procedimentos abertos<br />

pela Procuradoria-Geral<br />

da República moçambicana<br />

contra o banco<br />

de investimento Credit<br />

Suisse. Os advogados<br />

do grupo naval libanês<br />

tinham posto em causa<br />

a referência do processo<br />

à Prinvinvest Shipbuilding<br />

SAL Abu Dhabi (Branch),<br />

uma subsidiária nos Emirados Árabes Unidos que surge na primeira página do<br />

contrato com a empresa pública moçambicana ProIndicus. Segundo o advogado<br />

da sociedade Essex Court Chambers, Nathan Pillow, citado pela Lusa, aquela<br />

empresa “simplesmente não existe” porque a licença foi transferida para outra<br />

subsidiária intitulada Privinvest Shipbuilding Investments LLC.<br />

Porém, o juiz do Tribunal Comercial de Londres, que faz parte do Tribunal Superior<br />

[High Court], aceitou o requerimento que pedia para o grupo passar a ser<br />

referido na queixa como Privinvest Shipbuilding SAL Holding, que é a empresa-<br />

-mãe de uma série de subsidiárias.<br />

“A meu ver, este é um caso de erro de nomenclatura e não um caso de erro de<br />

identificação”, disse o juiz David Waksman, numa audiência que se realizou em<br />

modo virtual devido às restrições relacionadas pela pandemia da COVID-19. Esta<br />

questão estava a impedir o avanço do processo iniciado em Março de 2019 contra<br />

múltiplos arguidos e entidades relacionado com o caso das “dívidas ocultas” do<br />

Estado moçambicano. Na acção, recorda a Lusa, Moçambique pretende anular<br />

a dívida de 622 milhões de dólares da ProIndicus ao Credit Suisse e requer uma<br />

indemnização que cubra todas as perdas do escândalo das “dívidas ocultas”.<br />

Além do Credit Suisse, o processo indicou como arguidos os antigos executivos<br />

do banco de investimento, Surjan Singh, Andrew James Pearse e Detelina<br />

Subeva, e várias empresas ligadas ao grupo naval Privinvest por suspeitas<br />

de suborno. A estes arguidos, Moçambique reivindica compensação financeira e<br />

o pagamento de qualquer dinheiro recebido no âmbito deste contrato. Em causa<br />

estão as “dívidas ocultas” do Estado moçambicano (de cerca de 2 mil milhões de<br />

dólares) contraídas entre 2013 a 2014 em forma de crédito junto das filiais britânicas<br />

dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB em nome das empresas<br />

estatais moçambicanas ProIndicus, EMATUM e MAM. O negócio acentuou<br />

uma crise financeira pública e levou Moçambique a entrar em incumprimento no<br />

pagamento aos credores internacionais.<br />

De acordo com a acusação, os empréstimos foram avalizados pelo então ministro<br />

das Finanças, Manuel Chang, mas o governo afirmou que ele “não tinha autoridade”<br />

para assinar as garantias soberanas, que eram inconstitucionais e ilegais<br />

porque o Parlamento não aprovou os empréstimos.<br />

INFLAÇÃO<br />

PREÇOS CONTROLADOS<br />

A inflação mantém-se baixa e controlada em<br />

Maio, segundo os últimos dados do Instituto<br />

Nacional de Estatística (INE). Há produtos<br />

significativos que descem menos de preço<br />

(deflação), mas mesmo os que mostram uma<br />

tendência contrária contribuem para uma variação<br />

média anual dos preços que não chega a<br />

3% e a uma variação homóloga dessa ordem.<br />

Contudo, há uma ligeira inversão de sentido na<br />

inflação aferida em termos médios e que vem<br />

caindo desde 2018. Em Abril era de 2,73% e em<br />

Maio foi de 2,78%, embora em Maio a tendência<br />

tenha sido mesmo de descida generalizada<br />

dos preços. Segundo o INE, “dados recolhidos<br />

nas cidades de Maputo, Beira e Nampula, ao<br />

longo do mês de Maio do ano em curso, indicam<br />

que o país registou, face ao mês anterior,<br />

uma deflação na ordem de 0,6%. As divisões<br />

de Educação e de Alimentação e bebidas não<br />

alcoólicas foram as de maior destaque, ao<br />

contribuírem no total da deflação mensal com<br />

cerca de 0,32 e 0,23 pontos percentuais (pp)<br />

negativos, respectivamente”.<br />

PREÇOS:<br />

O custo de vida em geral aumentou menos<br />

D.R.<br />

12 | Exame Moçambique


julho 2020 | 13


GRANDES<br />

NÚMEROS<br />

PARA SABER LER OS SINAIS DE UMA ECONOMIA EM MUDANÇA<br />

PANDEMIA<br />

OS GANHADORES<br />

As empresas tecnológicas foram as grandes beneficiárias da pandemia.<br />

E como são estas que estão entre as dez maiores empresas<br />

mundiais e os seus proprietários disputam entre si o título de<br />

pessoa mais rica do planeta, as bolsas mantêm-se em alta, com<br />

os investidores a procurarem activos seguros. O retalho digital<br />

bateu recordes, com Jeff Bezos, líder da Amazon, a aumentar<br />

o seu património para 150 mil milhões de dólares. Também<br />

as empresas farmacêuticas são ganhadoras, mas ainda longe<br />

dos ganhos obtidos pelos colossos digitais, a que se juntou um<br />

novo player, ao qual a pandemia assentou que nem uma luva no<br />

modelo de negócio: a Zoom, com serviços de videoconferência<br />

que se tornaram uma moderna infra-estrutura de negócios.<br />

As acções da empresa de S. José, na Califórnia, que se negociavam<br />

a perto dos 77 dólares em Janeiro, ultrapassaram os 242<br />

dólares em Junho, uma apreciação de mercado superior a 200%<br />

no semestre em que boa parte da economia mundial parou por<br />

decreto. O número de utilizadores móveis da Zoom Vídeo Communications<br />

foi, em Março, três vezes maior do que o registado<br />

pela rival Teams da Microsoft. O volume diário de utilizadores<br />

móveis da Zoom nos Estados Unidos atingiu o recorde de 4,84<br />

milhões, com as crianças a estudarem e os funcionários a trabalharem<br />

a partir de casa em todo o Ocidente. No entanto, a utilização<br />

do sistema de videoconferência da Zoom chegou a ser<br />

proibida por Musk, outro grande vencedor da vaga pandémica,<br />

aos funcionários da Tesla devido às alegadas falhas de segurança<br />

do sistema. Um problema que a Zoom já terá resolvido ao anunciar<br />

a encriptação dos dados que circulam nos seus servidores.<br />

Em plena pandemia, Musk colocou no espaço, em colaboração<br />

com a NASA, o primeiro foguetão privado. De início manifestou-se<br />

irado contra o confinamento, que denunciou como um<br />

abuso estatal. No entanto, ofereceu-se de imediato para produzir<br />

ventiladores que faltavam nos serviços de saúde norte-americanos.<br />

Musk acrescentou, com a pandemia, 15,3 mil milhões de<br />

dólares à sua fortuna. A sua Tesla, produtora de carros eléctricos,<br />

quase duplicou o valor em bolsa. Zuckerberg, a cara do universo<br />

Facebook, envolvido na polémica suscitada pela "censura"<br />

a posts do Presidente Donald Trump, não deixará de acrescentar<br />

este ano um ganho à sua fortuna de 87 400 milhões de dólares.<br />

Os mercados de capitais foram reanimando, após a queda inicial,<br />

com a valorização dos activos de grandes empresas e os<br />

trilionários pacotes de estímulos anunciados pelos governos.<br />

A abundância de liquidez e taxas de juro baixas estimulam a<br />

aquisição de activos. O índice Nasdaq, que agrega as chamadas<br />

empresas tecnológicas, bateu mesmo recordes, com todos<br />

os principais índices a subirem para os níveis anteriores à crise.<br />

O que está a fazer grandes números é a tecnologia, a saúde e a<br />

alimentação, surgindo, num segundo plano, a indústria, o retalho<br />

e os serviços.<br />

200% foi a valorização da Zoom, a fazedora de pontes de comunicação, desde Janeiro<br />

150 000 milhões de dólares é o património de Jeff Bezos, da Amazon, um ganhador da crise<br />

4 840 000 foi o volume diário recorde de utilizadores móveis da Zoom nos Estados Unidos<br />

no final de Março<br />

15 300 milhões de dólares foram acrescentados por Elon Musk à sua fortuna devido à crise<br />

pandémica<br />

9 000 milhões de dólares é quanto o líder do universo Facebook, Mark Zuckerberg,<br />

deverá arrecadar este ano<br />

14 | Exame Moçambique


A primeira vez que imaginei a Zoom era estudante universitário<br />

na China e levava dez horas de comboio para visitar a minha<br />

namorada, agora a minha esposa.<br />

Eirc Yuan, fundador da Zoom.<br />

BOLSAS EM CIMA<br />

Os triliões de estímulos governamentais<br />

e a valorização de grandes empresas põem<br />

as bolsas em alta no meio da crise pandémica<br />

DOW JONES<br />

O Dow teve a sua pontuação mais baixa<br />

a 23 de Março, quando se ficou nos 18 591,93 pontos<br />

28 462,14 22 327,48<br />

26 289,98<br />

O EMPURRÃO<br />

DAS TECNOLÓGICAS<br />

A forte valorização das acções das maiores<br />

empresas norte-americanas em capitalização<br />

de mercado, a que se juntam novas estrelas<br />

como a Zoom, fez subir os índices de acções<br />

nos Estados Unidos<br />

ZOOM<br />

A pandemia alavancou o valor da Zoom no mercado de capitais.<br />

Chegou a cotar acima de 243 dólares a 16 de Junho<br />

66,79 150,88 242,56<br />

12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />

S&P 500<br />

Em 23 de Março o índice chegou a cair para 218,26 durante a sessão<br />

321,08 261,5 312,96<br />

12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />

AMAZON<br />

Jeff Bezos, o líder da empresa, conseguiu acrescentar ao seu<br />

património, com a pandemia, 44 mil milhões de dólares<br />

1 846,89 1 936,95 2 615,27<br />

12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />

NASDAQ<br />

O Nasdaq atingiu novo recorde dada a capitalização<br />

das empresas tecnológicas que o compõem<br />

8 945,99 7 774,15 9 895,87<br />

12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />

FACEBOOK<br />

As acções do Facebook Inc também deslizaram até ao fim de<br />

Março, mas desde então já recuperaram acima do final de 2019<br />

204,41 165,95 235,65<br />

12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />

12/30/2019 3/30/2020 6/16/2020<br />

Fonte: Investia.<br />

Fonte: Investia.<br />

julho 2020 | 15


CAPA CABOTAGEM<br />

UM NOVO CAPÍTULO<br />

NO TRANSPORTE<br />

INTERNO DE CARGA<br />

16 | Exame Moçambique


Orelançamento da cabotagem em<br />

Moçambique, vinte e cinco anos após<br />

a sua suspensão, abre um novo capítulo<br />

no transporte de carga num país<br />

que possui mais de 2 mil quilómetros<br />

de costa. A localização geográfica de Moçambique,<br />

virada para o oceano Índico, foi o principal motivo<br />

que em 1980 levou o governo a criar a Navique,<br />

uma empresa estatal que garantiu o transporte de<br />

carga durante quase quinze anos. Segundo dados<br />

do Ministério dos Transportes e Comunicações,<br />

a frota de 22 navios da empresa transportava, em<br />

média, 220 mil toneladas de carga por ano, numa<br />

altura em que a ligação terrestre entre as diferentes<br />

regiões do país estava condicionada devido à<br />

guerra civil. “A frota da Navique, de forma gradual,<br />

foi envelhecendo e, com o fim da guerra, em<br />

1992, houve investimentos para a reabilitação das<br />

estradas e isso não foi acompanhado por investimentos<br />

no transporte marítimo”, explica Berlindo<br />

Fernando, coordenador do actual Projecto de Cabotagem<br />

no Ministério dos Transportes e Comunicações.<br />

Com a extinção da Navique, o transporte<br />

doméstico de mercadorias ficou dependente da<br />

O INVESTIMENTO INICIAL<br />

DO CONSÓRCIO QUE EXPLORA<br />

A CABOTAGEM FOI DE 6 MILHÕES<br />

DE DÓLARES<br />

A Sociedade Moçambicana de Cabotagem<br />

(SMC) faz-se ao mar. Após anos de estudos<br />

e debate sobre o que falhou no sector, o novo<br />

consórcio anuncia mudanças para o transporte<br />

doméstico marítimo costeiro regressar,<br />

com rapidez e preços atractivos<br />

ESTÊVÃO AZARIAS CHAVISSO *<br />

rodovia. Em 2019, segundo dados do Instituto<br />

Nacional de Estatística (INE), a quase totalidade<br />

da carga manuseada foi transportada por estrada<br />

ou via-férrea. Aliás, descontando a produção e<br />

exportação do carvão mineral em grande escala,<br />

que impulsionou o ramo ferroviário de carga, o<br />

transporte rodoviário é o principal meio de transporte<br />

de carga — responsável pela circulação, em<br />

média, de cerca de 48% da mercadoria doméstica<br />

nos últimos dez anos.<br />

“Actualmente, existe uma pressão enorme sobre as<br />

estradas e isso faz com que o pavimento se degrade<br />

com rapidez, sem falar no número de acidentes”,<br />

nota Berlindo. Para reverter o cenário e no âmbito<br />

do Programa Quinquenal (2020 -2024), o governo<br />

procurou um parceiro para relançar o serviço de<br />

cabotagem no país. Surge assim o consórcio Sociedade<br />

Moçambicana de Cabotagem (SMC), com um<br />

investimento inicial de 6 milhões de dólares. Uma<br />

parceria detida pelo grupo francês de logística Peschaud<br />

(75%) e pela estatal Transmarítima (25%).<br />

julho 2020 | 17


CAPA CABOTAGEM<br />

Além de reduzir a pressão nas estradas do país, a<br />

intenção do Executivo moçambicano ao relançar o<br />

serviço de cabotagem passa por garantir a redução<br />

dos custos de transporte de mercadorias e, consequentemente,<br />

os preços ao consumidor, a partir<br />

de um sistema de transporte integrado e complementar.<br />

“A visão que nós temos é de que este é um<br />

projecto nacional e, assim, todos os parceiros são<br />

chamados a abraçar o projecto”, diz Pedro Monjardino,<br />

gestor de projecto da SMC.<br />

O serviço passa a ligar a costa moçambicana de<br />

ponta a ponta. Do porto de Maputo, capital do país,<br />

no Sul, até Afungi, na província de Cabo Delgado,<br />

extremo norte, onde está a ser construído o maior<br />

investimento privado em África, liderado pela petrolífera<br />

francesa Total, para a exploração de gás natural.<br />

Numa fase inicial, a ligação será assegurada<br />

por dois navios: o Greta (com capacidade para 260<br />

contentores e duas gruas de 60 toneladas) e o Ylang<br />

(com capacidade para 450 toneladas e uma grua de<br />

30 toneladas). Estes navios da SMC vão ligar os dois<br />

portos e fazer escala na Beira, Quelimane, Nacala,<br />

Pemba e Mocímboa da Praia, em ambos os sentidos.<br />

O RELANÇAMENTO DO SERVIÇO<br />

DE CABOTAGEM TEM EM VISTA<br />

A REDUÇÃO DOS CUSTOS DE<br />

TRANSPORTE DE MERCADORIAS<br />

NOVO QUADRO NORMATIVO<br />

FAVORECE A CABOTAGEM<br />

Para a revitalização da cabotagem, Moçambique<br />

aprovou vários instrumentos para facilitar o processo,<br />

com destaque para regulamentos que reduzem<br />

a burocracia no manuseamento de mercadorias<br />

nos portos do país, uma queixa constante entre o<br />

empresariado local. “A razão pela qual a cabotagem<br />

não tinha sucessos em Moçambique estava ligada<br />

ao corpo normativo que vigorava”, salienta Pedro<br />

Monjardino. No novo quadro, o destaque vai para<br />

a aprovação do Regime Aduaneiro de Cabotagem<br />

Marítima. Isenta-se a necessidade de intervenção<br />

de despachante aduaneiro e o serviço de cabotagem<br />

será feito através da Janela Única, uma plataforma<br />

informática das Alfândegas de Moçambique. “São<br />

alterações estruturais que vão garantir maior rapidez.<br />

Tempo e custo são essenciais para o sucesso<br />

na cabotagem”, refere Luís Archer de Carvalho,<br />

director-geral da SMC.<br />

Mas além destas alterações para conquistar o<br />

empresariado, o Executivo moçambicano redu-<br />

CAPACIDADE DE OPERAÇÃO DA SMC<br />

A Sociedade Moçambicana de Cabotagem, detida pela Peschaud<br />

(75%) e pela estatal Transmarítima (25%), arrancou com a operação<br />

no início de Julho e, numa fase inicial, o projecto é assegurado por<br />

dois navios: o navio Greta, com capacidade para 260 contentores e<br />

duas gruas de 60 toneladas, e o navio Ylang, com capacidade para<br />

450 toneladas e uma grua de 30 toneladas. Segundo a empresa,<br />

além das operações com carga contentorizada e carga convencional<br />

(transporte de mercadorias a granel, ensacada, máquinas e outros<br />

equipamentos entre os portos de Moçambique), o projecto pretende<br />

garantir o serviço “porta-a-porta”, com a subcontratação de<br />

operadores de transporte rodoviário, garantindo um sistema complementar.<br />

Trata-se de assegurar a recolha e entrega de mercadoria<br />

em qualquer local do país.<br />

Em Julho deverá arrancar a primeira viagem de Maputo para a cidade<br />

da Beira, depois Nacala, Quelimane e Pemba. A viagem de Maputo<br />

a Pemba, com uma paragem na Beira, Quelimane, Nacala e Pemba,<br />

tem prazo estimado entre onze e quinze dias. No percurso inverso são<br />

nove dias. O processo começa com o pedido de frete, feito à Sociedade<br />

Moçambicana de Cabotagem através de e-mail ou no próprio<br />

site (www.smc.co.mz). A reserva é confirmada com um código que<br />

possibilitará o pré-registo na plataforma electrónica Janela Única<br />

(JUE), ao que se segue o início do processo aduaneiro.<br />

SMC: A estratégia inclui outras oportunidades, com a criação<br />

de uma cadeia de abastecimento de produtos agrícolas<br />

18 | Exame Moçambique


LUÍS ARCHER<br />

DE CARVALHO,<br />

DIRECTOR-GERAL<br />

DA SMC: “Tempo<br />

e custo são<br />

essenciais para<br />

o sucesso na<br />

cabotagem”<br />

PEDRO<br />

MONJARDINO:<br />

Para o gestor<br />

da SMC o<br />

relançamento<br />

da cabotagem<br />

é um projecto<br />

nacional<br />

ziu em 70% e 50% as taxas de ajuda à navegação e<br />

de estadia, que são cobradas pelo Instituto Nacional<br />

de Hidrografia e Navegação e pelo Instituto<br />

Nacional da Marinha, respectivamente. Por outro<br />

lado, foram conduzidas várias discussões com as<br />

concessionárias dos portos moçambicanos, o que<br />

culminou com reduções das taxas portuárias que<br />

variam entre 50% e 60%. Para a SMC, as alterações<br />

O SERVIÇO PASSA A LIGAR<br />

A COSTA MOÇAMBICANA<br />

DE PONTA A PONTA<br />

foram extremamente importantes, tendo deixado<br />

um ambiente favorável para o reinício da atividade.<br />

“Pensamos que estas alterações eliminaram os<br />

problemas que fizeram com que outros projectos<br />

anteriores não tivessem tido sucesso. Calculamos<br />

que, em função do diálogo que temos com as partes,<br />

qualquer dificuldade possa ser objecto rápido de<br />

concertação”, acrescenta Luís Archer de Carvalho.<br />

De acordo com este responsável, além de custos<br />

mais reduzidos para o transporte, a rapidez<br />

julho 2020 | 19


CAPA CABOTAGEM<br />

RELANÇAMENTO:<br />

O serviço passa a ligar<br />

a costa moçambicana<br />

de ponta a ponta<br />

em todos os processos administrativos e operacionais<br />

que consubstanciam a cabotagem é um factor<br />

essencial — com maior flexibilidade nas operações<br />

portuárias, nos processos aduaneiros e na capacidade<br />

de resposta de toda a cadeia logística.<br />

Do lado do Estado, as alterações adotadas procuram,<br />

além de criar um regime aduaneiro de<br />

cabotagem de processos simplificados, aumentar<br />

o controlo das receitas fiscais.<br />

EXPECTATIVAS DE<br />

UMA NAVEGAÇÃO INTENSA<br />

Os projectos de gás natural em construção no Norte<br />

de Moçambique devem colocar a economia do país<br />

a crescer a um ritmo acelerado a partir de 2024, até<br />

chegar a incrementos de 10% anualmente, segundo<br />

o Fundo Monetário Internacional e outras entidades.<br />

“Com o crescimento económico que vamos<br />

registar nos próximos anos, teremos uma navegabilidade<br />

intensa. Portanto, olhamos com muito<br />

optimismo para o relançamento da cabotagem e<br />

esperamos que o sector privado trabalhe com o<br />

governo no sentido de tirar proveito destas oportunidades”,<br />

destaca o coordenador do Projecto<br />

de Cabotagem no Ministério dos Transportes e<br />

Comunicações.<br />

Mas, para a SMC, a dinâmica da indústria de<br />

gás exige uma gestão de expectativas e, por isso, a<br />

estratégia inclui outras oportunidades no mercado<br />

MAPUTO E<br />

AFUNGI, NA<br />

PROVÍNCIA<br />

DE CABO<br />

DELGADO,<br />

PASSARÃO A<br />

ESTAR LIGADOS<br />

PELO SERVIÇO<br />

DE CABOTAGEM<br />

interno, com a criação de uma cadeia de abastecimento<br />

de produtos agrícolas. “Temos um navio<br />

em Pemba e estamos atentos a todas as informações<br />

que vão surgindo. Há interesse, mas para o<br />

processo de cabotagem não foi tida essa variável”,<br />

ligada unicamente aos projectos de gás, frisou o<br />

gestor de projeto na SMC.<br />

A província de Cabo Delgado vive dias de sobressalto<br />

devido aos ataques armados no extremo norte<br />

por grupos insurgentes, mas a situação não ensombra<br />

o projeto de cabotagem. “Neste momento,<br />

mesmo falando com outras linhas de navegação,<br />

não se tem abordado qualquer tipo de risco no que<br />

diz respeito a pirataria, pelo menos entre Maputo<br />

e Pemba. Temos a situação da insegurança em distritos<br />

do Norte de Cabo Delgado, mas esperamos<br />

que seja temporária. Estamos atentos a esta situação”,<br />

refere Luís Archer de Carvalho.<br />

O governo moçambicano garante que tudo está a<br />

ser feito para repor a estabilidade na região, considerando<br />

que a segurança no canal de Moçambique<br />

é um desafio regional. “O canal de Moçambique é<br />

calmo em termos de navegação.” Há outras zonas,<br />

mais a norte, “que estão afectadas pelo terrorismo<br />

marítimo, como por exemplo o Corno de África”,<br />

salienta Berlindo Fernando.b<br />

* Serviço especial da Lusa<br />

para a EXAME Moçambique.<br />

20 | Exame Moçambique


UM SERVIÇO<br />

“PORTA-A-PORTA”<br />

O grande objectivo é estruturar cadeias de abastecimento de modo a que forneçam<br />

um serviço integrado, uma cadeia de abastecimento mais barata e a CTA, a confederação<br />

empresarial, considera fundamental a ligação intermodal. Já se pensa em estender<br />

o serviço a passageiros<br />

ESTÊVÃO AZARIAS CHAVISSO<br />

D<br />

urante a cerimónia simbólica de relançamento<br />

do serviço de cabotagem em<br />

Maputo, a 10 de Junho, o chefe de Estado,<br />

Filipe Nyusi, defendeu que, além da<br />

redução de custos, a revitalização do<br />

transporte marítimo interno vai impor novo dinamismo<br />

na movimentação de mercadorias no país.<br />

“Moçambique tem potencial para reestruturar a<br />

sua logística, para que esta assente em sistemas de<br />

transportes integrados e complementares, explorando<br />

as vantagens competitivas de cada tipo”, disse<br />

Filipe Nyusi na altura. O dinamismo proposto pelo<br />

Presidente moçambicano poderá ser atingido com<br />

a adopção de um sistema integrado de transporte,<br />

através de uma entrega das mercadorias “porta-a-<br />

-porta”. A ideia é contratar serviços de empresas<br />

rodoviárias para levarem as mercadorias até aos<br />

portos e destes para os destinos finais, garantindo<br />

“um processo completo”.<br />

Segundo o gestor de projecto na Sociedade Moçambicana<br />

de Cabotagem, a ideia é garantir um sistema<br />

de transporte “colaborante”, conjugando o transporte<br />

marítimo e rodoviário, o que vai garantir o abastecimento<br />

de regiões do interior do país. “É necessário<br />

criar cadeias de abastecimento com empresas de<br />

transporte rodoviário locais e que permitam fazer<br />

com que o preço por tonelada dos produtos seja mais<br />

baixo”, disse Pedro Monjardino.<br />

Com o relançamento da cabotagem espera-se a criação<br />

de uma cadeia de abastecimento barata, garantindo<br />

que a produção agrícola do Norte e Centro<br />

(zonas tidas como mais produtivas) abasteça o Sul,<br />

que tem actualmente recorrido, em muitos casos,<br />

GRETA:<br />

Uns dois navios<br />

responsáveis<br />

pela nova fase<br />

da cabotagem<br />

à África do Sul. “Com este método, além de garantir<br />

um serviço completo, teremos impacto na criação<br />

de empregos”, acrescentou Pedro Monjardino.<br />

TAMBÉM PARA PASSAGEIROS?<br />

Além de mercadorias, a ambição do Executivo de<br />

Filipe Nyusi é garantir que a via marítima seja também<br />

uma alternativa face à crise nos transportes de<br />

passageiros, que tem afectado principalmente as capitais<br />

provinciais. “Se formos a verificar no mundo,<br />

julho 2020 | 21


CAPA CABOTAGEM<br />

o transporte marítimo de passageiros é mais usado<br />

para lazer. Mas nós temos um desafio aqui no país<br />

que é fortalecer o transporte de pessoas. Portanto,<br />

estamos a estudar esta opção”, declarou Berlindo<br />

Fernando, coordenador do projecto de cabotagem<br />

no Ministério dos Transportes e Comunicações.<br />

Para a Sociedade Moçambicana de Cabotagem,<br />

o transporte de passageiros é uma opção que também<br />

não está descartada, mas trata-se de uma “outra<br />

etapa”. “Para esse tipo de serviço são necessárias<br />

outras embarcações, mais rápidas e seguras, além<br />

de um estudo de viabilidade para tentar avaliar se<br />

há um número de clientes mínimo que estejam dispostos<br />

a pagar. É tudo uma questão de análise, mas<br />

a opção não está de todo fora do escopo do nosso<br />

projecto”, conclui Luís Archer de Carvalho.<br />

A AMBIÇÃO DO EXECUTIVO É<br />

GARANTIR QUE A VIA MARÍTIMA<br />

SEJA UMA ALTERNATIVA FACE<br />

À CRISE NOS TRANSPORTES<br />

DE PASSAGEIROS<br />

A REDE<br />

PORTA-<br />

-A-PORTA<br />

RECOLHA<br />

DE CARGA<br />

TRANSPORTE<br />

RODOVIÁRIO<br />

PORTO<br />

DE ORIGEM<br />

TRANSPORTE<br />

MARÍTIMO<br />

PORTO<br />

DE DESTINO<br />

TRANSPORTE<br />

RODOVIÁRIO<br />

ENTREGA<br />

DA CARGA<br />

MENOS RISCOS E MAIS<br />

OPORTUNIDADES<br />

A Confederação das Associações Económicas de<br />

Moçambique (CTA), a maior associação patronal<br />

do país, considera a cabotagem marítima “fundamental<br />

para o desenvolvimento da intermodalidade<br />

entre os meios de transporte, sobretudo para<br />

a carga”. Trata-se de um “facto positivo” tendo em<br />

consideração uma realidade em que as empresas<br />

se confrontam com a “degradação das vias terrestres”<br />

e outros riscos. A cabotagem potencia uma<br />

“redução dos acidentes de viação e de riscos inerentes<br />

à insegurança devido a tensão político-militar<br />

na região centro do país, bem como à insegurança<br />

devido aos ataques por insurgentes na província<br />

de Cabo Delgado”.<br />

A CTA acredita que a reactivação do transporte<br />

marítimo “contribuirá para a minimização dos custos<br />

de transporte de carga entre as várias regiões<br />

do país e aumentará a ligação entre os centros de<br />

produção e de consumo, bem como a melhoria da<br />

competitividade dos produtos locais em relação aos<br />

bens importados”.<br />

O tema da cabotagem tem merecido vários estudos<br />

da CTA. Num artigo de Novembro de 2019,<br />

publicado no portal da confederação, conclui-se que<br />

“o país poderá obter vários ganhos com a reactivação<br />

da cabotagem marítima, por se tratar de uma<br />

modalidade que confere maior segurança, economias<br />

de escala, menor impacto ambiental, baixo<br />

nível de consumo de combustível, entre outras”.<br />

No entanto, sublinha o documento, são necessárias<br />

medidas “para flexibilizar a acção dos operadores<br />

privados”, indo ao encontro das alterações que<br />

a SMC e o governo já anunciaram. A CTA defende<br />

uma “massificação da divulgação dos novos procedimentos<br />

nas entidades que intervêm no processo<br />

de cabotagem”.<br />

Os patrões consideram ainda importante manter<br />

um olho no que se passa no exterior, de maneira a<br />

adequar o quadro regulador e fiscal para a cabotagem<br />

às práticas “seguidas por países concorrentes,<br />

de modo a tornar o sector viável e fazer com que as<br />

indústrias passem a usar, para algumas mercadorias,<br />

os serviços da cabotagem e não os camiões”.<br />

Uma outra sugestão perdura há vários anos,<br />

constando já de um estudo publicado pela CTA em<br />

Agosto de 2014. A confederação patronal defende<br />

a criação de “uma autoridade reguladora independente<br />

capaz de assegurar e monitorar a implementação<br />

do quadro legal do sector”. A regulação<br />

englobaria “preços/taxas, acesso aos serviços e infra-<br />

-estruturas portuárias, cumprimento das normas<br />

do sector e ainda na auscultação de queixas e recursos<br />

a este submetidos. O regulador deve promover<br />

a transparência e a harmonização dos processos do<br />

sector”, lê-se no documento.<br />

OPORTUNIDADES DE NEGÓCIO<br />

Já no relatório de Agosto de 2014 eram antecipadas<br />

várias oportunidades de negócio que podem advir<br />

da reactivação da cabotagem. Desde logo, a criação<br />

de serviços de logística associados ao desenvolvimento<br />

dos megaprojectos — especialmente os<br />

que estão ligados ao gás, porque deverá “aumentar<br />

a demanda por serviços logísticos mais integrados”<br />

—, assim como a procura de serviços de embarcações<br />

menores como, por exemplo, lanchas, navios<br />

de abastecimento, rebocadores e batelões.<br />

Antecipava-se também uma oportunidade de<br />

desenvolvimento “do transporte nas águas interiores”,<br />

através de rios, para incentivar as ligações aos<br />

portos servidos com cabotagem. Seguindo o mesmo<br />

raciocínio, abrem-se portas para sistemas de transporte<br />

multimodais incorporando as estradas, vias-<br />

-férreas e o mar, “reduzindo ainda mais os custos<br />

para os clientes permitindo a prestação de melhores<br />

serviços pelas empresas de cabotagem” — em<br />

linha com o que a SMC já anunciou como serviço<br />

porta-a-porta.b<br />

22 | Exame Moçambique


julho 2020 | 23


NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />

TOMATE QUE É CÁ<br />

PROCESSADO<br />

A Leonardo Green é uma empresa do grupo Leonardo, que possui uma rede de negócios<br />

em diversos sectores de actividade, acaba de fazer um novo investimento na produção<br />

e processamento de tomate e quer expandir o negócio<br />

VALDO MLHONGO<br />

Cerca de cinco mil dólares é o<br />

capital investido pelo grupo<br />

Leonardo Green no início<br />

de um novo negócio de processamento<br />

de tomate produzido<br />

no mercado nacional. A decisão<br />

de investimento surge para fazer face a<br />

uma quantidade de tomate produzido<br />

localmente e que tem sido pouco aproveitado.<br />

“A ideia é criar um valor acrescentado<br />

e utilizar o tomate nacional”,<br />

refere Simone Santi, director-geral de<br />

Leonardo Green e líder da Leonardo<br />

Business Consulting. O processo de produção<br />

começa pela aquisição do próprio<br />

tomate no mercado Zimpeto ou directamente<br />

junto dos próprios produtores em<br />

Boane. “Na verdade, nós preferimos comprar<br />

junto dos camponeses pois o preço<br />

é acessível e eles (camponeses) ganham<br />

mais”, confessa à EXAME. Semanalmente,<br />

em média, “compramos 10 sacos<br />

de 20 quilos. “É 100% tomate nacional”,<br />

sublinha o empresário com satisfação.<br />

A qualidade do tomate conta muito<br />

para o produto final. “Não pode ser muito<br />

maduro, nem muito verde”, esclarece, revelando<br />

os passos que se seguem no processamento.<br />

“O tomate é limpo e depois<br />

é cortado manualmente”. Após isso, “o<br />

OS CAMPONESES FAZEM<br />

UM PREÇO ACESSÍVEL E<br />

GANHAM MAIS QUANDO<br />

VENDEM DIRECTAMENTE<br />

O TOMATE<br />

tomate vai para a máquina e aí, separa-<br />

-se a casca e a semente fora e fica apenas<br />

a polpa de tomate, que por sua vez vai<br />

ser cozida, tratada e misturada com diferentes<br />

tipos de molhos, desde o napolitano,<br />

o bolonhês, puttanesca, mexicano,<br />

atum do Índico, entre outros”, detalha.<br />

Enquanto decorre este processo, “há uma<br />

outra equipa que está a limpar e esterilizar<br />

as garrafas para o enchimento”.<br />

Santi refere que o processo mais complicado<br />

é a preparação das garrafas. “As<br />

garrafas devem ser 100% esterilizados. E<br />

isso pode levar-nos um dia inteiro”. De<br />

momento, há uma equipa que faz a recolha<br />

das garrafas, mas, num futuro próximo,<br />

isso poderá mudar. “Estamos agora<br />

a fechar um acordo com uma empresa<br />

que nos irá fornecer as garrafas”, diz.<br />

Actualmente, o processo de processamento,<br />

que conta com uma equipa de<br />

dez trabalhadores, abarca 150 garrafas<br />

de 330 ml por dia. Com o novo equipamento<br />

vindo da Itália a capacidade vai<br />

aumentar muito substancialmente: “agora<br />

temos a capacidade de triplicar a nossa<br />

produção diária”, acrescenta Santi. Mas,<br />

estrategicamente, “não é neste momento<br />

necessário, pois estamos agora a entrar<br />

no mercado”, esclarece.<br />

EDILSON TOMÁS<br />

24 | Exame Moçambique


BI<br />

A Leonardo Green é a<br />

empresa do Leonardo<br />

Group que actua no sector<br />

agroalimentar, energético e<br />

ambiental. Entre os<br />

serviços que presta<br />

contam-se a mecanização<br />

agrícola, airrigação e<br />

saneamento de água, o<br />

desenvolvimento de<br />

projectos de energia<br />

renovável, o<br />

desenvolvimento rural e<br />

investimentos sustentáveis.<br />

O Leonardo Group é um<br />

centro que integra<br />

empresas dos sectores<br />

comercial, jurídico, turismo<br />

e imobiliário, agroalimentar<br />

e energia.<br />

SIMONE SANTI:<br />

O director-geral do grupo<br />

Leonardo Green espera<br />

recuperar num ano o<br />

investimento e expandir a<br />

actividade


NEGÓCIOS EMPREENDEDORISMO<br />

PROCESSAMENTO:<br />

O tomate é primeiro<br />

limpo e cortado<br />

manualmente<br />

FICHA DO NEGÓCIO<br />

A Leonardo Green vai contar<br />

com o fornecimento de garrafas<br />

por uma empresa e adquiriu<br />

equipamento em Itália que lhe<br />

permitirá triplicar a produção<br />

COMPRAS<br />

10 sacos de tomate de 20 quilos<br />

semanalmente<br />

QUALIDADE:<br />

É garantida a 100%<br />

pelo tomate<br />

nacional<br />

PRODUÇÃO<br />

150 garrafas de 330 ml diariamente<br />

(com possibilidade de triplicar)<br />

PREÇO<br />

120 meticais por garrafa de 330 ml<br />

EDILSON TOMÁS<br />

VENDAS<br />

Actualmente 100 garrafas por dia<br />

em média com tendência a crescer<br />

DE OLHOS NO MERCADO<br />

O preço do tomate é de 120 meticais por<br />

garrafa de 330ml. As vendas ainda não<br />

atingiram os níveis desejados. “Como<br />

iniciámos há pouco tempo, cerca de dois<br />

meses, a actividade temos estado a vender<br />

em média 100 garrafas por dia. Ainda<br />

estamos a vender um pouco na zona semi-<br />

-urbana e em grande medida a pessoas<br />

singulares. O nosso objectivo é expandir<br />

e popularizar o nosso tomate”, diz.<br />

E por falar em expandir, adianta que o<br />

A EMPRESA TEM AGORA<br />

A POSSIBILIDADE DE<br />

TRIPLICAR A PRODUÇÃO<br />

DIÁRIA<br />

grupo está “agora a pensar em iniciar o<br />

nosso processamento em Pemba e em<br />

Tete”. “Acho que isso vai acontecer dentro<br />

de dois meses”, adianta.<br />

A IDEIA É INSTALAR A<br />

FÁBRICA NO BAIRRO<br />

EDUARDO MONDLANE<br />

Para garantir que haja sempre tomate<br />

para processar, Simone Santi diz que já<br />

existe um projecto de produção de tomate<br />

no bairro de Eduardo Mondlane. “Sim,<br />

estamos a iniciar uma produção agrícola,<br />

no bairro Eduardo Mondlane, para alimentar<br />

o nosso processamento”. “Estamos<br />

agora a fazer as valas para o terreno.<br />

É um espaço de 17 hectares”, precisa. E<br />

é por lá também que Santi pretende instalar<br />

a fábrica, no futuro próximo. “Por<br />

agora, neste momento, estamos a trabalhar<br />

aqui na cidade, mas a nossa ideia é<br />

instalar a fábrica na Eduardo Mondlane.<br />

Isso irá acontecer após a COVID-19. Com<br />

o negócio a fluir, Santi acredita que dentro<br />

de um ano será capaz de recuperar<br />

o valor investido, sendo que há “outros<br />

projectos de processamento que estão<br />

na manga”. b<br />

26 | Exame Moçambique


julho 2020 | 27


PUBLIREPORTAGEM<br />

EDILSON TOMÁS<br />

ELISHA<br />

CHIRAU JÚNIOR:<br />

O director geral<br />

da Imperial<br />

Insurance assume<br />

uma forma<br />

diferente de estar<br />

no mercado<br />

28 | Exame Moçambique


“Queremos ser uma<br />

das seguradoras preferidas<br />

do mercado”<br />

No mercado moçambicano desde 2016, a Imperial Insurance está a desenvolver<br />

a actividade seguradora no país de uma forma diferente, com inovação e novos<br />

serviços, mais centrada nas necessidades dos clientes<br />

O<br />

novo director-geral da Imperial Insurance, Elisha<br />

Chirau Júnior, aposta numa nova forma de fazer<br />

seguros no mercado, centrada no cliente. “Queremos<br />

inovar a forma de fazer o seguro no mercado,<br />

identificando os problemas e trazendo soluções”, refere. Chirau<br />

Júnior acrescenta que, até 2023, a Imperial Insurance será<br />

uma marca conhecida em todo o país.<br />

Que novidades, no que respeita a produtos de seguro, podem<br />

os clientes esperar da Imperial Insurance, que tem uma nova<br />

liderança?<br />

Uma maneira diferente de estar na actividade seguradora, mais<br />

alinhada com a inovação. Queremos identificar os problemas<br />

que realmente os clientes têm e, em função disso, desenharmos<br />

os produtos de seguros orientados para os problemas que<br />

o mercado possui. Criamos uma relação de parceria com os<br />

nossos clientes.<br />

Que vantagens os clientes podem ter ao aderirem aos vossos<br />

produtos?<br />

A primeira vantagem é a paz de espírito. Queremos que os nossos<br />

clientes se sintam seguros relativamente ao bem segurado.<br />

A Imperial Insurance estará sempre aí para oferecer uma solução,<br />

uma ajuda para repor o seu bem, e isso traz essa segurança,<br />

tranquilidade, aos nossos clientes.<br />

Qual é o público que pretendem atingir?<br />

Queremos atingir todas as classes sociais, queremos que todos<br />

tenha acesso ao seguro. Agora decidimos introduzir os seguros<br />

de saúde e de funeral para pessoas de baixo rendimento. No ano<br />

passado, por exemplo, lançámos um novo produto para os camponeses.<br />

Observámos que muitos camponeses não têm acesso<br />

ao crédito devido ao risco que a sua actividade representa para<br />

a banca. Isso levou-nos a conceber um produto que irá facilitar<br />

o acesso ao crédito por parte dos camponeses- Seguro Agrícola.<br />

Como será desenvolvido esse seguro?<br />

Trata-se de um produto dirigido à agricultura. Já temos um acordo<br />

de parceria com Câmara do Comércio, com a qual estamos a trabalhar.<br />

Identificámos alguns projectos agrícolas que realmente<br />

precisam de financiamento. Temos vários bancos disponíveis para<br />

financiarem esses projectos, mas sem seguro não podem avançar.<br />

Os bancos precisam de seguro para que, caso aconteça algo,<br />

o dinheiro do banco esteja assegurado, e é aí que nós entramos,<br />

como Imperial, para dar, primeiro, uma possibilidade de inclusão<br />

financeira aos camponeses e, depois, a protecção do investimento<br />

que o banco irá fazer.<br />

O que vos distingue da concorrência?<br />

O nosso maior factor diferenciador é a inovação. Nós criamos realmente<br />

os produtos para darmos uma solução aos problemas que o<br />

mercado enfrenta. Só para ter uma ideia, lançámos recentemente<br />

produtos de despesas legais que estamos a vender ao mercado.<br />

Importa referir que é o único produto deste tipo que existe no mercado.<br />

Estamos a trazer inovação ao mercado para encontrar soluções<br />

que permitam segurar todas as coisas que precisam de ser seguras.<br />

A médio e longo prazo até onde quer ir a Imperial Insurance?<br />

A nossa visão é sermos a seguradora preferida no mercado em que<br />

operamos. Preferida no sentido em que a pessoa que pensa fazer um<br />

seguro pensa na Imperial Insurance. Isso poderá acontecer através<br />

de serviços excelentes que oferecemos aos nossos clientes, devido<br />

à rapidez com que realizamos os pagamentos de sinistros, à celeridade<br />

no que respeita à documentação que entregamos aos nossos<br />

clientes... não estamos nos seguros somente para vender seguros,<br />

estamos no negócio para criar parcerias com os nossos clientes. Um<br />

outro objectivo que queremos alcançar a longo prazo é integrar o<br />

Top 6 no ranking das maiores seguradoras da praça. Até 2023 queremos<br />

ser uma marca bem conhecida no mercado ao nível de todas<br />

as províncias do país. A Imperial insurance estará sempre disponível<br />

para oferecer uma solução.<br />

julho 2020 | 29


NEGÓCIOS PME<br />

EMPRESAS DEVEM<br />

REINVENTAR-SE<br />

O segundo Webinar organizado pela União Europeia, em parceria com o Ministério<br />

da Indústria e Comércio e a EuroCam, debateu a sobrevivência das empresas no contexto<br />

da crise causada pela pandemia da COVID-19<br />

VALDO MLHONGO<br />

DESAFIOS ANUNCIADOS:<br />

As empresas têm de se reinventar, identificar<br />

oportunidades e acelerar a digitalização<br />

30 | Exame Moçambique


Apandemia da COVID-19<br />

trouxe impactos severos ao<br />

sector empresarial moçambicano,<br />

e de um modo particular<br />

às pequenas e médias<br />

empresas (PME), que representam mais<br />

de 90% do tecido empresarial nacional.<br />

Tendo como pano de fundo este cenário,<br />

e com o objectivo de debater e criar soluções<br />

face à crise enfrentada pelas PME,<br />

a União Europeia, em parceria com o<br />

Ministério da Indústria e Comércio e a<br />

EuroCam, organizaram o segundo Webinar<br />

no âmbito do projecto EU Moz Talks,<br />

que integra a plataforma de comunicação<br />

estabelecida entre os parceiros Delegação<br />

da União Europeia, Ministério da Indústria<br />

e Comércio e a EuroCam e o sector<br />

privado. O foco incidiu no sector privado.<br />

Na sua intervenção inicial, António Sanchéz-Benedito<br />

Gaspar, embaixador da<br />

União Europeia, começou por dizer que a<br />

sobrevivência das empresas vai depender de<br />

um conjunto de medidas de índole política<br />

e exige-lhes uma maior capacidade de se<br />

reinventarem. Do lado da União Europeia,<br />

Sanchéz disse estar em curso uma resposta<br />

global e abrangente. “Estamos a mobilizar<br />

mais de 30 mil milhões de euros de ajuda<br />

juntamente com os nossos Estados-membros.<br />

Para Moçambique vamos mobilizar<br />

200 milhões de euros e a primeira prioridade<br />

será o fornecimento de equipamento<br />

ao sector da saúde”, referiu o embaixador,<br />

acrescentando que “sobretudo estamos a<br />

fortalecer o Estado moçambicano com o<br />

foco e a atenção nos serviços sociais básicos”.<br />

No âmbito do programa da energia,<br />

o embaixador revelou a existência de um<br />

programa de assistência e assessoria envolvendo<br />

um pacote até 25 milhões de euros<br />

destinado a financiar incrementos na organização<br />

das pequenas e médias empresas.<br />

“Isso está a ser feito através da Fundação<br />

para o Desenvolvimento da Comunidade<br />

e com a cooperação alemã”, salientou.<br />

NOVAS OPORTUNIDADES<br />

EM TEMPOS DE CRISE<br />

Também para Luísa Diogo, presidente<br />

do conselho de administração do Absa<br />

Bank Moçambique, o momento impõe que<br />

as empresas consigam reinventar-se.<br />

“As empresas devem redefinir as suas estratégias<br />

e ver as possibilidades que têm pela<br />

frente”, disse a presidente do Absa Bank<br />

durante a sua intervenção. Numa primeira<br />

fase, Luísa Diogo referiu que “é preciso<br />

olhar para o mercado local e para mundo<br />

inteiro e, na base disso, ver as diferentes<br />

dificuldades, os desafios e depois ver as<br />

oportunidades também”.<br />

A presidente do Absa Bank lembrou ao<br />

sector privado a importância da parceria<br />

com a União Europeia, assinalando que<br />

a União Europeia é um parceiro privilegiado<br />

de Moçambique. “É um parceiro<br />

que actua em Moçambique nos diferentes<br />

sectores de actividade, desde o sector primário<br />

até ao sector industrial, mineiro”,<br />

avançou. Na verdade, as PME precisam<br />

de se restruturar muito rapidamente para<br />

terem acesso às oportunidades de negócio<br />

num mercado cada vez mais digital e com<br />

enormes desafios.<br />

Eduardo Sengo, director-executivo da<br />

Confederação das Associações Económicas<br />

de Moçambique (CTA), reconhece os<br />

desafios e adianta que, com a COVID-19,<br />

os processos de negócios começam a exigir<br />

cada vez mais digitalização. Segundo<br />

Sengo, os modelos de negócios das PME<br />

ainda se baseiam nos processos manuais.<br />

“Esta é a etapa que estamos a seguir, procurar<br />

encontrar os mecanismos de apoiar<br />

as PME a digitalizarem os seus processos<br />

de negócios de tal forma que continuem<br />

com as suas actividades”, avançou.<br />

NEM TUDO É MAU<br />

Mas nem tudo está mal para as empresas.<br />

Há alguns avanços. No sector da saúde,<br />

por exemplo, onde a procura de material e<br />

equipamento atingiu o pico, Sengo diz que<br />

houve o envolvimento de algumas PME<br />

para satisfazer a procura. Sim, “algumas<br />

empresas puderam fazer o seu reposicionamento,<br />

restruturar-se para responder às<br />

oportunidades abertas com a COVID-19”.<br />

Mariam Umarji, presidente da Associação<br />

das Mulheres Empresárias e Empreendedoras<br />

de Moçambique (FEMME), acentuou<br />

que as mulheres souberam procurar<br />

soluções perante um contexto que exige<br />

cada vez mais inovações. “Da parte das<br />

mulheres que fazem parte da nossa associação<br />

temos verificado que começaram<br />

a procurar formas alternativas de continuar<br />

no mercado e com diferentes soluções”,<br />

explica. “Para as mulheres que estão<br />

nas zonas urbanas, o que verificamos é que<br />

rapidamente conseguiram encontrar formas<br />

de passar o seu serviço para alguma<br />

das opções digitais”, diz, acrescentando<br />

que “a maior parte das empresas que passou<br />

para o trabalho remoto utilizando as<br />

novas plataformas, sobretudo na área dos<br />

serviços, conseguiu continuar a prestar os<br />

seus serviços, não obstante os custos inerentes”.<br />

Paulo Oliveira, vice-presidente do<br />

pelouro financeiro da CTA e administrador<br />

do grupo Salvador Caetano, diz que a<br />

confederação tem estado a apresentar um<br />

conjunto de medidas fiscais, aduaneiras,<br />

financeiras e laborais ao governo com o<br />

objectivo único de assegurar a sobrevivência<br />

das empresas e a manutenção dos postos<br />

de trabalho. “Estas medidas que temos<br />

apresentado têm a ver com o adiamento<br />

de pagamentos de impostos, isenção de<br />

direitos aduaneiros, diferimentos de pagamentos<br />

de obrigação para a banca e apoio<br />

aos pagamentos de salários, entre outras.”<br />

Enquanto, segundo Oliveira, as medidas<br />

do governo não forem suficientemente<br />

“abrangentes”, os apoios ao sector privado<br />

vão chegando através de várias parcerias.<br />

APOIOS<br />

200 MILHÕES<br />

de euros é quanto a União<br />

Europeia vai disponibilizar<br />

a Moçambique<br />

12,5 MILHÕES<br />

de dólares é o fundo de apoio<br />

à tesouraria das PME avançado<br />

pela cooperação portuguesa<br />

600 MILHÕES<br />

de meticais integram uma linha<br />

de assistência financeira às PME<br />

em estruturação<br />

julho 2020 | 31


NEGÓCIOS PME<br />

RECURSOS: Devem<br />

ser centrados no apoio<br />

financeiro às PME<br />

que digitalizam os<br />

processos de negócio<br />

Existe, no entanto, um fundo de apoio à<br />

tesouraria para as PME, avançado pela<br />

cooperação portuguesa, no valor total de<br />

12,5 milhões de dólares. “É um fundo que<br />

se destina às empresas de direito moçambicano,<br />

e cerca de 3,4 milhões de meticais<br />

são destinados ao apoio à tesouraria<br />

e com reembolso de cinco anos”, revela o<br />

vice-presidente do pelouro financeiro da<br />

CTA. O fundo está disponível através da<br />

banca comercial. Ainda sobre o financiamento<br />

às PME, que atravessam dificuldades<br />

face à crise causada pela pandemia da<br />

COVID-19, o director-executivo da CTA<br />

diz que está em restruturação uma linha<br />

de 600 milhões de meticais para a assistência<br />

às empresas. Mas também “há outras<br />

linhas que ainda estamos a trabalhar com<br />

o Banco Africano de Desenvolvimento e<br />

esperamos que o mais cedo possível haja<br />

novidades”.<br />

EU MOZ TALKS<br />

A plataforma EU Moz Talks tem<br />

como objectivo contribuir<br />

decisivamente para a melhoria<br />

sustentada das condições de<br />

vida de todos os moçambicanos.<br />

A 6 de Maio de 2019 realizou-se<br />

a Primeira Mesa-Redonda<br />

Moçambique-União Europeia,<br />

sob o tema “Nova parceria para<br />

o investimento e o emprego<br />

sustentável”. A 29 de Maio deste ano<br />

realizou-se o Webinar “Queda do<br />

preço das commodities: impacto no<br />

continente africano”. Considerando os<br />

resultados e o feedback positivo dos<br />

participantes, terá lugar uma segunda<br />

mesa-redonda após o regresso das<br />

condições sanitárias à normalidade<br />

e estando garantidas as condições de<br />

segurança de todos os participantes.<br />

A EXAME é a media partner das<br />

iniciativas.<br />

OS CRITÉRIOS DOS APOIOS<br />

Que critérios podem ser usados no apoio às<br />

PME? Sobre esta questão, Eduardo Sengo<br />

considera que o ideal é recorrer aos mecanismos<br />

de mercado. Ou seja, usar as instituições<br />

já existentes, o que reduziria os<br />

custos administrativos. “Obviamente deve<br />

criar-se uma espécie de comité de selecção<br />

de projectos que permita que as associações<br />

empresarias e sectoriais possam participar<br />

de perto e acompanhar este processo.”<br />

Para Gerry Marketos, vice-presidente da<br />

EuroCam, a actual fase que o país atravessa<br />

constitui uma oportunidade ímpar<br />

para fortalecer o investimento europeu em<br />

Moçambique. Deu como exemplo o avanço<br />

do projecto da Área 1, liderada pela empresa<br />

francesa Total, no desenvolvimento de um<br />

dos maiores investimentos na extracção de<br />

gás natural a partir de 2024. “Tudo isso, a<br />

meu ver, demonstra que, apesar das dificuldades<br />

e desafios existentes na província<br />

de Cabo Delgado, a presença europeia<br />

na bacia do Rovuma continua firme.” Mas<br />

também, segundo Marketos, há aspectos<br />

que precisam de ser melhorados de modo a<br />

atrair mais investimentos estrangeiros para<br />

o país. “Acho pertinente usar a oportunidade<br />

deste Webinar para propor ao nosso<br />

governo e à delegação da União Europeia<br />

o lançamento de um estudo sobre a revisão<br />

da Lei de Investimento em Moçambique”<br />

pois, considera Gerry Marketos,<br />

a legislação precisa de ser revista e adaptada<br />

“em conformidade com a realidade<br />

socioeconómica pós-COVID-19, com<br />

vista a facilitar a atracção de novo investimento<br />

estrangeiro”. Mateus Matusse,<br />

director nacional de Apoio ao Desenvolvimento<br />

do Sector Privado no Ministério<br />

da Indústria e Comércio, disse, no<br />

encerramento de debate, que a natureza<br />

da crise exige respostas inovadoras, criativas,<br />

robustas e tempestivas, daí a importância<br />

do Webinar. b<br />

32 | Exame Moçambique


julho 2020 | 33


ECONOMIA RUBIS<br />

“OS RUBIS<br />

PERTENCEM<br />

A MOÇAMBIQUE”<br />

Samora Machel Jr.,<br />

PCA da Montepuez Rubi Mining,<br />

antecipa um leilão no quarto<br />

trimestre, num ano marcado<br />

pela incerteza da pandemia<br />

da COVID-19. Projectos de<br />

carácter social são para manter,<br />

mas a expansão, para já, está<br />

fora dos planos da empresa<br />

RICARDO DAVID LOPES<br />

SAMORA MACHEL JR.:<br />

Maximizar valores de venda<br />

para que as pedras preciosas<br />

tragam riqueza ao país<br />

34 | Exame Moçambique


A<br />

pandemia afecta este ano<br />

o desempenho da Montepuez<br />

Rubi Mining (MRM),<br />

mas a segurança, a manutenção<br />

e os serviços essenciais<br />

mantêm-se para assegurar que a<br />

empresa, o maior contribuinte fiscal em<br />

Cabo Delgado, “retome as operações com<br />

normalidade assim que seja seguro e praticável”,<br />

diz Samora Machel Jr., o seu presidente.<br />

As pedras preciosas compradas<br />

a bom preço, lembra, apontando a crise<br />

de 2008, são activos de valor e de refúgio<br />

em tempos de incerteza. Activos resilientes<br />

que deverão ter um leilão de fixação<br />

de preços no último trimestre do ano.<br />

Como tem evoluído a produção<br />

em Moçambique?<br />

Desde o início das operações, em 2012, que<br />

a MRM tem vindo a desenvolver esforços<br />

para tornar a sua produção mais eficiente.<br />

Um dos investimentos mais recentes foi<br />

na nova casa de selecção e classificação de<br />

rubis. Trata-se da primeira infra-estrutura<br />

do género na indústria de pedras<br />

preciosas coloridas e estará ao nível das<br />

melhores unidades diamantíferas do<br />

mundo. Resulta de um investimento<br />

de 900 milhões de meticais (15 milhões<br />

de dólares), que visa aumentar significativamente<br />

a capacidade de produção<br />

e as skills (aptidões) dos colaboradores.<br />

O ano de 2019 foi de investimento e crescimento<br />

significativos na MRM. Além da<br />

casa de selecção e classificação de rubis,<br />

implementámos um novo espessante na<br />

fábrica de lavagem, aumentando a capacidade<br />

para 150 toneladas/hora. E temos<br />

mais desenvolvimentos previstos, com a<br />

introdução de duas unidades de pré-triagem<br />

de alto desempenho para a remoção<br />

de partículas mais finas antes da entrada<br />

na linha de lavagem, o que irá resultar<br />

em maior concentração do produto<br />

desejado, dando assim mais capacidade<br />

a esta unidade.<br />

Balanço positivo, portanto...<br />

Temos a convicção de que os rubis pertencem<br />

a Moçambique e cabe-nos estruturar<br />

a indústria de pedras preciosas para<br />

que estes recursos tragam o máximo<br />

de rendimento ao país. O nosso papel é<br />

“custodiar” estes rubis, explorando-os de<br />

forma responsável, fazer a sua promoção<br />

e venda ao preço mais alto possível, para<br />

depois trazer o dinheiro de volta. Estamos<br />

focados em contínuas melhorias operacionais<br />

e da performance da empresa,<br />

e continuamos a avançar promovendo a<br />

transparência, confiança e práticas responsáveis<br />

de mineração.<br />

“OS INVESTIMENTOS<br />

PREVISTOS LIGADOS<br />

AO REASSENTAMENTO<br />

MANTÊM-SE”<br />

Quais são os principais mercados<br />

de exportação?<br />

Historicamente, os parceiros de leilão tailandeses<br />

tendem a dominar nos rubis, e<br />

a Tailândia mantém-se como o principal<br />

centro de corte e polimento, mas temos<br />

assistido a um interesse crescente de<br />

outros mercados, como a China.<br />

Como estão a olhar para o futuro?<br />

A nossa visão de longo prazo é sermos<br />

líder mundial nas pedras preciosas coloridas,<br />

promovendo a transparência, a<br />

confiança e práticas de mineração responsáveis.<br />

A nossa abordagem foi sempre<br />

progressiva e não convencional. Somos<br />

uma empresa jovem e dinâmica que apoia<br />

talentos em potência. Procuramos fazer<br />

as coisas de forma diferente, mantendo<br />

um equilíbrio entre as pessoas, o lucro e<br />

INDÚSTRIA EXTRACTIVA<br />

valores em milhões USD<br />

2018 2019<br />

128,2 121,9<br />

Rubis, safiras<br />

e esmeraldas<br />

Areias<br />

pesadas<br />

Fonte: Banco de Moçambique.<br />

1 752,8<br />

1 257,3<br />

263,8 321,7 312,3 273,7<br />

Carvão<br />

mineral<br />

Gás<br />

natural<br />

o ambiente. Excluindo os efeitos da pandemia<br />

da COVID-19, os objectivos da<br />

MRM para 2020 passam por aumentar<br />

a produção de 2260,7 quilates, em 2019,<br />

para 5400 quilates este ano, participar<br />

em mais leilões, aumentar o número de<br />

colaboradores, de 609 em Dezembro de<br />

2019, para 709 em Dezembro deste ano,<br />

e investir mais na zona da mina.<br />

Em quê?<br />

Na construção de uma segunda fábrica<br />

de tratamento que processe minério de<br />

outras áreas de exploração, na substituição<br />

e expansão da nossa frota, na conclusão<br />

do Plano de Acção de Reassentamento<br />

(PAR) e em novos desenvolvimentos.<br />

Quantos colaboradores têm no país?<br />

A MRM assegura o emprego, entre efectivos<br />

e contratados, a 1455 pessoas, das<br />

quais 95% moçambicanas. Ao nível de<br />

Cabo Delgado, empregamos cerca de 700<br />

pessoas, das quais 300 das comunidades<br />

em torno da empresa.<br />

“O NOSSO PAPEL É<br />

‘CUSTODIAR’ ESTES<br />

RUBIS, EXPLORANDO-OS<br />

DE FORMA<br />

RESPONSÁVEL”<br />

A pandemia teve impacto na vossa<br />

actividade, nomeadamente com a<br />

suspensão dos leilões. Como lidam<br />

com esta situação?<br />

A pandemia vai afectar a nossa performance<br />

este ano por várias razões: generalização<br />

das restrições a viagens e os leilões de qualidade<br />

mista agendados para Julho serão<br />

remarcados, o que pode resultar na existência<br />

de apenas um leilão no último trimestre<br />

do ano. A MRM suspendeu todas<br />

as operações não críticas a 22 de Abril, e<br />

o bem-estar dos colaboradores e comunidades<br />

continua a ser a principal prioridade.<br />

A segurança, a manutenção e outros<br />

serviços essenciais mantêm-se, para assegurar<br />

que a MRM está bem posicionada<br />

para retomar as operações com norma-<br />

julho 2020 | 35


ECONOMIA RUBIS<br />

“A NOSSA VISÃO DE<br />

LONGO PRAZO É SERMOS<br />

LÍDER MUNDIAL NAS<br />

PEDRAS PRECIOSAS<br />

COLORIDAS”<br />

lidade assim que tal seja seguro e praticável.<br />

Entretanto, suspendemos, até ver,<br />

o investimento de capital em expansão,<br />

incluindo a segunda unidade que lhe referi,<br />

que teria um valor de 12 milhões de dólares.<br />

No entanto, os investimentos previstos<br />

ligados ao reassentamento mantêm-se,<br />

com o objectivo de alojar as populações<br />

no mês de Julho. Temos acompanhado as<br />

medidas preventivas implementadas pelo<br />

governo no sentido da redução do risco<br />

de importação da COVID-19 e contaminação<br />

no âmbito do projecto.<br />

O preço dos rubis e esmeraldas tem<br />

sido afectado pela pandemia?<br />

O preço é fixado em leilões — o próximo<br />

deverá ser no último trimestre. Pedras<br />

preciosas compradas a bom preço foram<br />

sempre consideradas activos de valor e<br />

refúgio em períodos de incerteza económica<br />

e política. Isso foi evidente durante a<br />

crise financeira de 2008, quando as pedras<br />

preciosas se revelaram marcadamente resilientes<br />

face às quedas significativas nos<br />

principais índices. O Gemval Aggregate<br />

Index (GVA), um benchmark de referência<br />

na fixação de preços da indústria de<br />

jóias, mostra igualmente que as pedras<br />

preciosas superaram o desempenho do<br />

FSTE 100 desde Maio de 2008. São notórias<br />

as recentes quebras nos mercados de<br />

capitais desencadeadas pela COVID-19, e<br />

os próximos meses deverão demonstrar a<br />

resiliência relativa da GVA face ao FSTE<br />

100, S&P 500 e DJIA.<br />

O que seria necessário para este<br />

sector ganhar peso no PIB e nas<br />

O QUE A MRM PAGOU AO ESTADO<br />

mil milhões MTC<br />

2,06<br />

2017<br />

Fonte: Empresa.<br />

A INDÚSTRIA EXTRACTIVA NO PIB<br />

6,86%<br />

2017<br />

2,359<br />

2018<br />

7,35%<br />

2018<br />

exportações?<br />

De acordo com o 8.º relatório da Iniciativa<br />

de Transparência na Indústria Extractiva<br />

[EITI, 2020, no acrónimo inglês],<br />

baseado na conciliação entre pagamentos<br />

declarados pelas empresas e receitas<br />

declaradas por instituições governamentais,<br />

a MRM foi a segunda empresa de<br />

indústria mineira que mais pagamentos<br />

efectuou ao Estado moçambicano em<br />

2017 e 2018. De acordo com os valores<br />

declarados pelo governo, a MRM pagou<br />

“ESTAMOS FOCADOS EM<br />

CONTÍNUAS MELHORIAS<br />

OPERACIONAIS E DA<br />

PERFORMANCE”<br />

2 060 428 675,78 meticais em 2017, e<br />

2 359 428 866,43 meticais em 2018. Nos<br />

últimos anos, a MRM evidenciou-se pelo<br />

seu contributo ao país, mas sobretudo a<br />

nível provincial. Fomos novamente reconhecidos<br />

como o maior contribuinte fiscal<br />

em Cabo Delgado pelo quinto ano consecutivo<br />

(2014, 2015, 2016, 2017 e 2018).<br />

Segundo o relatório da EITI, a “contribuição<br />

da indústria extractiva para o PIB<br />

foi de cerca de 6,86% em 2017, e 7,35%<br />

em 2018, o que demonstra um aumento<br />

do contributo deste sector ao longo dos<br />

anos. Em termos de contribuições para<br />

o Tesouro Nacional, o total das receitas<br />

ascendeu a 213 222,9 e 213 032,2 milhões<br />

de meticais, respectivamente. O contributo<br />

das empresas que operam na indústria<br />

extractiva para o Estado nestes anos<br />

foi de 35 426,09 e 19 071,27 milhões<br />

de meticais, o que corresponde<br />

a 17% e 9% do total da receita<br />

captada nesses anos. b<br />

RUBIS E ESMERALDAS:<br />

Activos que resistem<br />

a períodos de incerteza<br />

36 | Exame Moçambique


julho 2020 | 37


ECONOMIA ALGODÃO<br />

FRANCISCO FERREIRA<br />

DOS SANTOS: O sector<br />

do algodão é estruturante<br />

para o país<br />

“O SECTOR<br />

DO ALGODÃO É MUITO<br />

TRANSPARENTE”<br />

A fileira do algodão está pronta para agarrar a sua parte do desafio de uma nova fase<br />

da agricultura nacional, garante o presidente da Associação Algodoeira de Moçambique<br />

(AMM), Francisco Ferreira dos Santos<br />

RICARDO DAVID LOPES<br />

38 | Exame Moçambique


F<br />

rancisco Ferreira dos Santos<br />

elogia a “consistência” do<br />

desempenho da indústria algodoeira<br />

nacional e acredita que<br />

a atribuição de apoios a outros<br />

sectores estratégicos, em linha com os<br />

concedidos ao algodão-caroço, traria<br />

ganhos no curto prazo ao país. Para o<br />

presidente da Associação Algodoeira de<br />

Moçambique (AMM), o sector do algodão<br />

é um sector estruturante para o país,<br />

que envolve, em média, cerca de 200 mil<br />

famílias, representa uma fonte de sustento<br />

para um milhão de pessoas e garante cerca<br />

de 20 mil empregos directos e indirectos.<br />

Acentua ainda que se trata de um sector<br />

muito transparente no qual o preço ao<br />

produtor é controlado.<br />

O preço do algodão tem, no entanto,<br />

vindo a ressentir-se da guerra comercial<br />

entre os Estados Unidos e a China,<br />

da pandemia com o lockdown da indústria<br />

têxtil asiática, da quebra nos mercados<br />

financeiros, o que afecta a cotação do<br />

produto, e da queda do preço do petróleo,<br />

que torna as fibras sintéticas muito<br />

mais competitivas.<br />

“PRECISAMOS DE CRIAR<br />

MECANISMOS DE GESTÃO<br />

DE CHOQUES E CRISES”<br />

As exportações de algodão tiveram<br />

um forte aumento em valor em 2019,<br />

face aos anos anteriores. Como se<br />

explica este desempenho?<br />

A produção de 2019/20 foi semelhante<br />

à da campanha anterior. Essa diferença<br />

poderá decorrer do facto de, por vezes,<br />

o momento da exportação variar de ano<br />

para ano, consoante a dinâmica dos mercados.<br />

Em regra, a sementeira ocorre em<br />

Dezembro, a colheita em Maio, o processamento<br />

entre Junho e Dezembro,<br />

em função do volume, e a exportação a<br />

partir de Julho, também de acordo com<br />

a produção e a dinâmica dos mercados.<br />

Quais os principais clientes?<br />

A indústria têxtil mundial ainda se encontra<br />

muito localizada na Ásia. Alguns<br />

países africanos, nomeadamente as Maurícias,<br />

tiveram muito sucesso em cativar<br />

o investimento nesta indústria, tendo<br />

vindo a tornar-se importantes clientes<br />

para o nosso algodão.<br />

Como tem evoluído a produção?<br />

A média de produção anual dos últimos<br />

dez anos situa-se em torno das 70 mil<br />

toneladas de algodão-caroço, com um<br />

pico de produção, em 2012, de 185 mil<br />

toneladas, que se deveu ao aumento exponencial<br />

do preço do algodão em 2011 — o<br />

que levou a uma enorme adesão de produtores<br />

à cultura no ano seguinte. Este<br />

ano estimamos cerca de 45 mil toneladas.<br />

Tanto este ano e como em 2019 tivemos<br />

várias adversidades a nível do clima<br />

que conduziram à perda de áreas e rendimentos.<br />

Qual a importância deste sector,<br />

actualmente, em termos de emprego,<br />

e quais as perspectivas futuras?<br />

Mesmo com as dificuldades que se verificaram<br />

nos últimos dois anos, continua<br />

a ser um sector estruturante para o<br />

país. Está em sétimo lugar no ranking das<br />

exportações nacionais e em quarto dos<br />

produtos agrícolas. Envolve, em média,<br />

cerca de 200 mil famílias, representando,<br />

portanto, uma fonte de sustento para<br />

um milhão de pessoas, e garante cerca<br />

de 20 mil postos de emprego directo e<br />

indirecto. É um sector muito transparente,<br />

onde o preço ao produtor é controlado,<br />

garantindo-se que este recebe,<br />

pelo menos, cerca de 60% do valor total<br />

da receita de exportação das empresas.<br />

É, sem dúvida, um veículo de desenvolvimento<br />

rural e de distribuição de rendimento<br />

no meio rural.<br />

O preço do algodão tem sofrido<br />

variações<br />

ou mantém-se estável?<br />

O preço do algodão vinha tendo um<br />

comportamento relativamente estável<br />

até à intensificação da guerra comercial<br />

entre os EUA e a China, a partir de Maio<br />

de 2019, e, agora, com o despoletar da<br />

pandemia. O algodão tem sido dos produtos<br />

agrícolas mais afectados pela pandemia<br />

e pela crise económica, com uma<br />

redução de preço nos últimos meses em<br />

cerca de 30%.<br />

O que provoca essa queda?<br />

Deve-se a vários factores que estão relacionados<br />

entre si: queda do consumo dos produtos<br />

têxteis nesta fase de crise, lockdown<br />

severo nos países asiáticos, onde se situa uma<br />

grande parte da indústria têxtil (quebra da<br />

procura), queda dos mercados financeiros,<br />

o que também pressiona a cotação internacional,<br />

e a redução do preço do petróleo,<br />

que, além de afectar os mercados e a<br />

confiança, torna as fibras sintéticas, derivadas<br />

do petróleo e concorrentes do algodão,<br />

muito mais competitivas.<br />

NÚMEROS DO SECTOR<br />

200 mil famílias estão envolvidas<br />

na produção algodoeira<br />

1 milhão de pessoas têm<br />

a produção de algodão fonte<br />

de sustento<br />

20 mil empregos directos<br />

e indirectos são gerados no sector<br />

60% do valor total da receita<br />

de exportação das empresas cabe<br />

aos produtores<br />

Como está a evoluir a produção e a<br />

exportação nestes primeiros meses<br />

do ano?<br />

A exportação do algodão da presente campanha<br />

começa em Julho, mas ainda existe<br />

algum em stock da anterior, fundamentalmente<br />

devido à queda do preço decorrente<br />

da guerra comercial EUA-China,<br />

que dificultou a colocação externa do<br />

produto nacional.<br />

Quais os impactos da COVID-19?<br />

O primeiro grande impacto da pandemia<br />

está na redução abrupta do preço, conforme<br />

expliquei, além, naturalmente, de<br />

junho 2020 | 39


ECONOMIA ALGODÃO<br />

todos os constrangimentos decorrentes<br />

das diversas medidas de prevenção internas<br />

e nos países nossos clientes.<br />

Quais são os principais players deste<br />

sector?<br />

Em Moçambique temos, neste momento,<br />

seis empresas, sendo três detidas por<br />

capital nacional e três por capital estrangeiro.<br />

As nacionais são a JFS (Niassa), a<br />

SANAM (Nampula) e a SAM (Nampula).<br />

As estrangeiras são a PLEXUS (Cabo Delgado),<br />

a OLAM (Nampula) e a CHINA AC<br />

(Sofala). Sem desprezar o esforço de ninguém,<br />

notamos que, de um modo geral, as<br />

empresas nacionais têm tido um desempenho<br />

mais consistente.<br />

O governo deu luz verde ao subsídio<br />

“O ALGODÃO TEM SIDO<br />

DOS PRODUTOS MAIS<br />

AFECTADOS PELA<br />

PANDEMIA”<br />

ao algodão-caroço nesta campanha.<br />

Sem subsídios o sector não tem<br />

sustentação?<br />

O algodão é uma cultura muito antiga no<br />

país. Nunca parou a respectiva actividade,<br />

mesmo nos momentos mais difíceis,<br />

o que é um sinal indiscutível do compromisso<br />

e da resiliência das empresas e das<br />

centenas de milhar de produtores que,<br />

com muito esforço e dedicação, mantêm<br />

esta actividade, com enorme impacto na<br />

criação de emprego, na geração de divisas<br />

e no desenvolvimento rural. Como tal,<br />

acredito que o algodão conseguisse sobreviver<br />

a esta crise, como já o fez no<br />

passado, mas sairia dela muito amolgado<br />

e penalizando enormemente o rendimento<br />

dos produtores, o desenvolvimento<br />

rural e o programa nacional em geral.<br />

Mais do que lutar por sobrevivência, o<br />

país deve lutar para promover e desenvolver<br />

a sua agricultura, de uma forma<br />

sólida e consistente.<br />

Neste momento, a situação é<br />

especial...<br />

Moçambique precisa de criar mecanismos<br />

de gestão de choques e crises, à semelhança<br />

do que fazem todos os outros principais<br />

produtores de algodão, sem excepção,<br />

SUBSÍDIO<br />

AO ALGODÃO-CAROÇO:<br />

Beneficia directamente<br />

os produtores de algodão<br />

40 | Exame Moçambique


desde os países de produção comercial/<br />

empresarial, como os Estados Unidos, o<br />

Brasil e a Austrália, aos de produção de<br />

base familiar, como a China, a Índia e<br />

os países da África Oeste que são uma<br />

referência no algodão, nomeadamente<br />

o Burkina Faso, o Chade e o Togo. Não<br />

se trata de uma questão de subsídio pelo<br />

subsídio, muito menos um subsídio ao<br />

consumo: é um mecanismo de suporte<br />

à produção nacional e à economia rural,<br />

com sustentabilidade social e económica,<br />

para ser accionado em momentos de choque,<br />

como aquele que agora vivemos.<br />

É um investimento...<br />

Exacto, não se trata de um custo, mas sim<br />

um investimento – e um investimento com<br />

retorno directo, imediato e muito tangível.<br />

O subsídio é direccionado apenas para<br />

os produtores de algodão e não para as<br />

empresas. Ou seja, o ganho das empresas<br />

será indirecto, pelo facto de conseguirem<br />

aumentar e estabilizar os volumes de produção<br />

nos anos seguintes, condição fundamental<br />

para a sustentabilidade do seu<br />

“A CULTURA DE<br />

ALGODÃO NUNCA<br />

PAROU, MESMO<br />

NOS MOMENTOS<br />

MAIS DIFÍCEIS”<br />

negócio. A estrutura actual do subsector<br />

algodoeiro oferece condições para a aplicação<br />

deste apoio, sem qualquer gasto adicional<br />

de controlo ou distribuição dos valores,<br />

garantindo-se que cada metical investido<br />

chegará ao produtor. É uma medida inteligente<br />

e necessária, não apenas para o<br />

algodão, mas para as outras culturas estratégicas<br />

que justifiquem e que tenham condições<br />

para a sua aplicação.<br />

“O SUBSÍDIO AO<br />

ALGODÃO-CAROÇO<br />

NÃO É UM CUSTO,<br />

É UM INVESTIMENTO”<br />

Estão previstos novos investimentos<br />

no sector?<br />

Mesmo com as dificuldades de mercado<br />

sentidas em 2019 e 2020, que tiveram<br />

impactos especialmente relevantes em<br />

algumas das empresas, o subsector continua<br />

a investir e a inovar. A título de<br />

exemplo, temos o nosso parque industrial<br />

perfeitamente mantido e preparado, e<br />

estamos a investir em fábricas de óleo alimentar<br />

para processar o caroço do algodão<br />

e outras oleaginosas. Também temos<br />

diversas inovações e investimentos em<br />

várias áreas do desenvolvimento rural,<br />

que são necessárias a qualquer agricultor.<br />

Quais?<br />

Por exemplo, novas técnicas e ferramentas<br />

de produção, agricultura de conservação<br />

e certificação da produção, serviços<br />

de mecanização agrária, acesso a serviços<br />

financeiros, incluindo o seguro agrícola,<br />

redes de distribuição de insumos e<br />

comercialização agrícola, entre outros.<br />

Além disso, também estamos a trabalhar<br />

com o governo para se conseguir utilizar<br />

a estrutura do algodão para o desenvolvimento<br />

de outras culturas estratégicas<br />

NO TOP<br />

O algodão foi, em 2019, o terceiro produto agrícola<br />

nacional em valor de exportação<br />

Top produtos agrícolas<br />

milhões USD<br />

2018 2019<br />

Fonte: Banco de Moçambique.<br />

do país, em particular o milho e a soja,<br />

procurando alcançar a optimização dos<br />

recursos e a integração das cadeias de<br />

valor, sempre tendo por base o aumento<br />

do rendimento do produtor, a estabilização<br />

do negócio das empresas e o desenvolvimento<br />

nacional. Acreditamos que<br />

estamos, por isso, a entrar num grande<br />

momento da agricultura nacional e o<br />

algodão está preparado para desempenhar<br />

o respectivo papel nesse processo.<br />

Quais têm sido os principais<br />

constrangimentos à actividade?<br />

Como referi, o estabelecimento de um<br />

mecanismo de gestão de choques de mercado<br />

sempre foi uma grande prioridade<br />

para o subsector e isso foi conseguido este<br />

ano. É um marco histórico, sem dúvida.<br />

Além disso, estamos a trabalhar activamente<br />

em várias prioridades, como<br />

a produção e tratamento de semente de<br />

qualidade, a industrialização e aproveitamento<br />

de produtos e subprodutos e a optimização<br />

do protocolo de produção, com<br />

a introdução de novas técnicas, pequenas<br />

ferramentas e tecnologias. Também<br />

estamos a apostar na diversificação de<br />

culturas e na optimização da operação<br />

de logística, entre outros aspectos. b<br />

82,2<br />

219,8<br />

230,4<br />

36,1<br />

30,2<br />

26,1<br />

8,6 9,8<br />

0,5<br />

2,8<br />

Amendoim Castanha-de-caju Algodão Legumes e hortÍcolas Tabaco<br />

junho 2020 | 41


GÁS MEGAPROJECTOS<br />

AERÓDROMO:<br />

Novo aeródromo<br />

de Afungi, dentro<br />

da zona<br />

de implantação<br />

do projecto<br />

OBRAS DO CAIS:<br />

Um cais já está<br />

operacional e tem<br />

recebido<br />

carregamentos do<br />

projecto, além<br />

de apoios à circulação<br />

de mercadorias<br />

e apoio humanitário<br />

às populações locais<br />

PENÍNSULA DO GÁS JÁ GANHA<br />

FORMA EM CABO DELGADO<br />

Na primeira visita ao recinto de obras em Afungi já foi possível ver infra-estruturas<br />

do megaprojecto a funcionar e movimentação de terras que mostram para onde<br />

está projectado tudo o resto<br />

LUÍS FONSECA *<br />

42 | Exame Moçambique


Este projecto é<br />

sólido”, afirmou<br />

Ronan Bescond,<br />

director-geral<br />

da Total em<br />

Moçambique, ao mostrar em que ponto<br />

estão as obras do megaprojecto de exploração<br />

de gás natural da Área 1 da bacia<br />

do Rovuma. É o maior investimento privado<br />

em curso em África, no valor de<br />

20 mil milhões de dólares. Apesar dos<br />

desafios impostos pela COVID-19 e pelos<br />

ataques armados classificados como terrorismo<br />

que acontecem nas zonas em<br />

redor, 2024 continua a ser o prazo previsto<br />

para encher o primeiro navio cargueiro<br />

no cais de Afungi com gás natural<br />

liquefeito. Gás puxado para terra a partir<br />

de jazidas sob o fundo oceânico e que<br />

será transformado em líquido no complexo<br />

industrial em construção.<br />

A assinatura do projecto financeiro com<br />

banco e agências de exportação, que vão<br />

emprestar a quase totalidade do valor em<br />

causa, “confirma que este projecto é sólido,<br />

porque há pessoas dispostas a investirem<br />

16 mil milhões de dólares. Confiam no<br />

operador [a Total], no consórcio, confiam<br />

que temos os empreiteiros certos e que há<br />

uma boa colaboração entre este grupo e<br />

o governo para alcançar as expectativas”,<br />

especificou. O projecto financeiro vai ser<br />

assinado com uma combinação de bancos<br />

e agências de crédito à exportação<br />

sedeadas em países que estão a produzir<br />

componentes para o empreendimento.<br />

À hora de fecho desta edição, a assinatura<br />

estava presa por pormenores burocráticos.<br />

“Já recebemos a aprovação de todas<br />

as agências de exportação e estamos na<br />

ronda final de [processamento da] documentação”,<br />

referiu Bescond.<br />

Conseguir fechar o project finance para<br />

a Área 1 nesta altura desafia algumas análises<br />

que nos últimos meses colocaram o<br />

empreendimento sob pressão acrescida<br />

depois do abrandamento económico provocado<br />

pela COVID-19, de proporções e<br />

duração ainda imprevisíveis. Ainda mais<br />

quando o vizinho consórcio da Área 4,<br />

liderado pela ExxonMobil e a Eni, adiou<br />

a decisão final de investimento justificando-se<br />

com o novo contexto adverso.<br />

O MAIOR INVESTIMENTO<br />

PRIVADO EM CURSO EM<br />

ÁFRICA (20 MIL MILHÕES<br />

DE DÓLARES) MINIMIZA<br />

RISCOS DO PRESENTE<br />

(COMO A COVID-19)<br />

E EXPLICA QUE O<br />

OBJECTIVO ESTÁ<br />

NO LONGO PRAZO<br />

O consórcio da Área 4 vai explorar reservas<br />

contíguas às da Área 1 e partilhar áreas<br />

do empreendimento industrial em terra.<br />

Adiaram as obras para data a definir.<br />

Mas o director-geral da Total minimizou<br />

a queda do preço do petróleo (da casa<br />

dos 60 dólares por barril de Brent para<br />

cerca de 40 dólares, desde há um ano).<br />

TOTAL RESPONDE A QUESTÕES SENSÍVEIS<br />

A província de Cabo Delgado, onde está<br />

a ser implantado o megaprojecto de gás,<br />

não é um território qualquer. A nível<br />

internacional tem tido mediatismo por ser<br />

alvo de terrorismo associado a grupos<br />

“jihadistas”. Mas o investimento no gás<br />

tem permanecido fora da mira dos<br />

agressores. “A situação de insegurança<br />

não está directamente ligada ao projecto<br />

de gás”, referiu Ronan Bescond.<br />

“O governo colocou recursos de forma<br />

a mitigar a situação e a proteger a<br />

população”, porque nos últimos dois<br />

anos e meio já houve confrontos a poucos<br />

quilómetros. “Há um protocolo com o<br />

Ministério do Interior e o Ministério da<br />

Defesa que será ajustado, dependendo do<br />

avanço das actividades.” Esta colaboração<br />

tem sido alvo de críticas da sociedade<br />

civil, que questionam: será que os<br />

investimentos privados estão acima das<br />

populações? Ronan Bescond refere que<br />

o protocolo abrange “um plano de base<br />

comunitária. O projecto assume<br />

É uma das variáveis que define a sustentabilidade<br />

do projecto, mas Bescond sublinhou<br />

que este é um empreendimento para<br />

o longo prazo. A exploração das reservas<br />

Golfinho e Atum, que começa em<br />

2024, deverá durar vinte e cinco anos e<br />

há outras jazidas na Área 1 por desenvolver.<br />

Mais: o director-geral da Total aponta<br />

o gás natural como um “combustível de<br />

transição” no cenário de mudança energética<br />

e abandono dos recursos fósseis.<br />

“FEITO MEMORÁVEL”<br />

O recinto de obras do empreendimento,<br />

em Afungi, foi em Abril e Maio o local<br />

com maior concentração de casos (96) de<br />

COVID-19 em Moçambique, obrigando<br />

à paralisação quase total dos trabalhos.<br />

As operações estão a ser retomadas gradualmente<br />

desde o início de Junho, depois<br />

do espaço ter sido declarado livre do novo<br />

coronavírus. Mas só lá para Novembro<br />

deverá estar retomada a velocidade de<br />

cruzeiro por perdurarem ainda restrições<br />

a responsabilidade de associar estas<br />

forças de segurança na área para proteger<br />

as comunidades locais e regionais”.<br />

As questões humanitárias, sociais e de<br />

investimento na economia local ocuparam<br />

boa parte da apresentação de Bescond aos<br />

jornalistas, centrada em duas apostas: no<br />

conteúdo local e na criação de emprego.<br />

Em Janeiro havia 5500 moçambicanos<br />

a trabalhar nas obras do megaprojecto<br />

da Área 1 e prevê-se que esse número<br />

se mantenha, sendo que, depois de<br />

terminada a construção, em 2024, o<br />

consórcio prevê criar 1500 empregos de<br />

longa duração. E 699 milhões de dólares já<br />

foram aplicados em aquisições a empresas<br />

moçambicanas até ao segundo trimestre<br />

de 2020: “Investimos muito tempo<br />

no conteúdo local”, garante Bescond.<br />

Por outro lado, a cidade do gás, associada<br />

ao empreendimento, vai começar a ser<br />

construída em 2021, com capacidade para<br />

albergar 150 mil pessoas atraídas pelas<br />

oportunidades criadas em Afungi.<br />

julho 2020 | 43


GÁS MEGAPROJECTOS<br />

à mobilidade internacional. Seja como for,<br />

o cronograma do empreendimento não<br />

foi afectado porque a fase actual abrange<br />

sobretudo tarefas de engenharia e aquisições.<br />

A construção física vai ter o grande<br />

impulso a partir de 2021.<br />

Bescond minimizou também os ataques<br />

armados que há dois anos e meio afectam<br />

a província de Cabo Delgado, sublinhando<br />

que nunca visaram o recinto de construção<br />

do empreendimento. Mas somando<br />

todos os riscos, o director-geral da Total<br />

em Moçambique classificou como “um<br />

feito memorável” conseguir fechar, na<br />

conjuntura actual, o projecto financeiro<br />

para o megaprojecto de gás que lidera em<br />

Moçambique.<br />

APESAR DA COVID-19,<br />

PLENA PRODUÇÃO EM 2025<br />

A primeira visita aberta às obras de Afungi<br />

ocorreu um ano depois da decisão final<br />

de investimento para a Área 1 da bacia<br />

do Rovuma, anunciada numa cerimónia<br />

em Maputo a 18 de Junho de 2019. Desta<br />

vez, a visita decorreu com muitas regras<br />

de desinfecção, distanciamento social e<br />

movimentos limitados no recinto onde<br />

houve, como notámos, o maior surto de<br />

INSTALAÇÕES: Um dos portões de entrada<br />

nas zonas de serviço do projecto<br />

EM JANEIRO HAVIA<br />

5500 MOÇAMBICANOS A<br />

TRABALHAR NAS OBRAS<br />

DO MEGAPROJECTO<br />

DA ÁREA 1<br />

COVID-19 no país, entre Abril e Maio, que<br />

chegou a 96 casos entre 880 trabalhadores.<br />

O projecto já foi declarado livre do novo<br />

coronavírus e as equipas estão a regressar<br />

gradualmente ao trabalho, devendo<br />

este retomar o ritmo que tinha antes da<br />

pandemia, com cerca de 6500 trabalhadores,<br />

no final do ano, com o fim das restrições<br />

globais de transporte. O surto de<br />

COVID-19 não terá influência no cronograma<br />

da obra: Estamos dentro dos prazos<br />

“para que a primeira entrega de gás<br />

natural liquefeito seja feita em 2024 e a<br />

plena produção (13,12 milhões de toneladas/ano)<br />

em 2025”, garantiu Bescond.<br />

GOVERNO “ORGULHOSO”<br />

“Sentimo-nos orgulhosos como país por<br />

podermos ter em Moçambique o maior<br />

investimento em África”, referiu o ministro<br />

dos Recursos Minerais e Energia, Max<br />

Tonela, na visita a Afungi, a 19 de Junho.<br />

Este é também “o maior investimento no<br />

país pós-independência” e o governante<br />

acrescentou que o objectivo é que seja “um<br />

projecto transformador”, ou seja, “não permitir<br />

que Moçambique só exporte”, mas<br />

alimentar novas indústrias e empreendimentos.<br />

“Estamos preocupados em criar<br />

condições que promovam à volta do projecto<br />

o desenvolvimento de outros sectores<br />

na nossa economia.” b<br />

* Trabalho especial da Lusa para a EXAME.<br />

NOVOS ESPAÇOS<br />

EM AFUNGI<br />

Além de estradas, estaleiros,<br />

alojamento e outros espaços de apoio<br />

às obras, estão já em funcionamento<br />

em Afungi um cais marítimo e um<br />

aeródromo e foi criada a nova vila de<br />

Quitunda. Já aí habitam 186 famílias<br />

(cerca de 1200 pessoas), transferidas<br />

de povoados dos terrenos de<br />

implantação do projecto, e novas fases<br />

de expansão estão previstas para o<br />

total a acolher chegar às 556 famílias.<br />

No lugar de uma povoação rural<br />

de construções precárias, agora há<br />

uma vila com infra-estruturas (água,<br />

electricidade, saneamento, acesso)<br />

como não existe em mais lado<br />

nenhum da província.<br />

Na avaliação feita em 2018, meses<br />

depois de iniciadas as obras, as<br />

organizações da sociedade civil<br />

moçambicanas deram nota positiva<br />

ao dossier de reassentamento das<br />

populações que viviam na área das<br />

obras, apesar das preocupações<br />

relativas à deslocalização de<br />

comunidades piscatórias e à<br />

disponibilização de terras para cultivo.<br />

Em resposta, o consórcio de<br />

petrolíferas e o Estado moçambicano<br />

garantem dar ouvidos às preocupações<br />

e estar abertos ao escrutínio.<br />

44 | Exame Moçambique


julho 2020 | 45


ENERGIA MERCADO<br />

GÁS E PETRÓLEO:<br />

APARENTE<br />

“DESCOMPASSO”<br />

O preço do gás natural está a cair menos do que o do petróleo desde o início da crise,<br />

mas perdeu o mesmo valor, cerca de metade, no último ano. Há razões que explicam este<br />

aparente “descompasso” entre as duas matérias-primas nesta fase<br />

RICARDO DAVID LOPES<br />

PETRÓLEO: A quebra no<br />

preço do crude vai afectar<br />

a produção de gás associado<br />

46 | Exame Moçambique


Se os projectos de gás natural<br />

previstos para a bacia do<br />

Rovuma, em Cabo Delgado,<br />

já estivessem em operação,<br />

Moçambique sentiria de forma<br />

mais pesada o impacto da baixa das cotações<br />

internacionais desta matéria-prima nas<br />

suas exportações. As crises anteriores à da<br />

pandemia de COVID-19 que agora vivemos<br />

mostram que o preço desta commodity<br />

oscila menos do que o do seu “irmão” petróleo.<br />

Mas desde Janeiro — e no último ano<br />

— a cotação do gás acumula perdas superiores<br />

às dos outros produtos que são, por<br />

agora, o grosso das exportações moçambicanas,<br />

como o carvão e o alumínio.<br />

Desde o início do ano, a cotação internacional<br />

do gás natural caiu cerca de 23%,<br />

essencialmente devido ao impacto da pandemia<br />

do novo coronavírus, que compara<br />

com 47% no caso do petróleo (brent<br />

e crude). Os preços do gás, ainda assim,<br />

podem vir a subir, o que é uma boa notícia,<br />

sobretudo a pensar no médio prazo,<br />

quando entrarem em operação os projectos<br />

da Total, na Área 1, e da Exxon-<br />

Mobil e Eni, na Área 4 — ainda que haja<br />

agora dúvidas sobre o futuro do que é liderado<br />

pela companhia norte-americana.<br />

SEPARAÇÃO DE PREÇOS<br />

Em entrevista à EXAME, o advogado<br />

especialista em assuntos petrolíferos, Rui<br />

Amendoeira, explica que nos últimos anos<br />

“temos assistido a uma progressiva desconexão<br />

entre o preço do petróleo e o do gás<br />

natural, sobretudo porque este tem vindo<br />

a desenvolver um mercado com características<br />

próprias cada vez mais independente<br />

de petróleo”.<br />

“O mercado do gás natural foi evoluindo<br />

de um contexto predominantemente doméstico<br />

ou regional para um mercado global,<br />

devido ao aumento da produção e exportação<br />

de gás natural liquefeito (GNL).<br />

Embora os dois produtos continuem a<br />

‘concorrer’ em certa medida, sobretudo<br />

na utilização industrial, a correlação entre<br />

os respectivos preços tem vindo a diminuir”,<br />

assinala o jurista. A procura de gás<br />

natural está também a cair menos nesta<br />

fase da pandemia em relação ao petróleo,<br />

que é “afectado pela drástica diminuição<br />

de mobilidade e consequente redução do<br />

consumo no sector dos transportes”. “Por<br />

outro lado, uma parte do mercado do gás<br />

natural ainda assenta em contratos de<br />

longo prazo entre produtores e compradores,<br />

o que oferece maior estabilidade<br />

de preço”, acrescenta Rui Amendoeira,<br />

que destaca que “a recente guerra comercial<br />

entre a Arábia Saudita e a Rússia teve<br />

maior impacto no aumento da produção<br />

de petróleo, tendo essa circunstância sido<br />

amplificada pela especulação financeira<br />

com os contratos de futuros de petróleo”.<br />

A conjugação destes factores, entre outros,<br />

explica, tem “protegido em alguma medida<br />

A COTAÇÃO DO GÁS<br />

NATURAL JÁ CAIU<br />

23% ESTE ANO, QUE<br />

COMPARA COM 47%<br />

DO PETRÓLEO<br />

o preço do gás natural em comparação<br />

com o do petróleo”, sendo que a produção<br />

de ambas as commodities está interligada.<br />

“A produção de gás natural está, em<br />

certa medida, interligada e dependente<br />

da produção de petróleo, nomeadamente<br />

em relação ao designado ‘gás associado’ —<br />

produzido em conjunto com o petróleo e<br />

como by product deste. A queda abrupta<br />

do preço do petróleo está a provocar uma<br />

redução da produção e um forte desinvestimento<br />

na exploração, e isso vai inevitavelmente<br />

afectar a produção de gás<br />

associado”, diz Rui Amendoeira, que prevê<br />

uma diminuição da produção de gás “no<br />

horizonte próximo e, a prazo, esse factor<br />

irá pôr pressão para a subida do preço”.<br />

Entretanto, quando chegarmos ao próximo<br />

Inverno no Hemisfério Norte, poderemos<br />

ter “a convergência do natural<br />

aumento sazonal de procura para electricidade<br />

e aquecimento com um contexto<br />

de redução acentuada da produção. Nesse<br />

sentido, antecipo uma possível recuperação<br />

do preço nos próximos meses”.<br />

O especialista reforça que “no horizonte<br />

próximo, o baixo preço do petróleo<br />

tem sempre alguma correlação com<br />

a redução do preço do gás, ainda que esses<br />

movimentos tenham algum desfasamento<br />

temporal. No longo prazo, será possível<br />

argumentar que um cenário duradouro de<br />

preços baixos (de petróleo) poderá fazer<br />

com o que os investidores se desloquem<br />

para o mercado do gás natural, incluindo<br />

no investimento em projectos de GNL”.<br />

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA<br />

ACELERA<br />

“É um cenário possível, porém os investimentos<br />

em projectos de GNL exigem<br />

recursos financeiros consideráveis, logo<br />

qualquer benefício demorará tempo a concretizar-se<br />

na prática”, alerta Rui Amendoeira,<br />

que vê no processo da chamada<br />

transição energética, no sentido da descarbonização<br />

da economia, algo que a<br />

pandemia poderá acelerar — um outro<br />

ponto a favor do gás, sobretudo no médio<br />

e longo prazo.<br />

“A violenta disrupção do mercado do<br />

petróleo dos últimos meses vai ter um efeito<br />

negativo nas condições futuras de investimento<br />

no sector. A pandemia colocou a<br />

nu os riscos do investimento na actividade<br />

petrolífera, sobretudo no petróleo mais<br />

caro ou de mais difícil extracção. É certo<br />

que o mercado petrolífero está habituado<br />

à volatilidade do preço, mas os acontecimentos<br />

de Março e Maio foram extremos<br />

na sua dimensão”, assinala o responsável.<br />

É que, recorda, o nível de destruição<br />

de preço, de perda de receita, de quebra<br />

de investimentos e de postos de trabalho,<br />

entre outros prejuízos, assumiu contornos<br />

de algo “extraordinário mesmo para<br />

os padrões da indústria petrolífera, e nem<br />

tudo ficou a dever-se à pandemia, porque<br />

há problemas estruturais do sector que<br />

foram ‘destapados’ pela COVID-19”. Em<br />

causa, afirma, está o facto de já antes da<br />

pandemia haver um “permanente excesso<br />

de produção — sobretudo do shale oil<br />

(óleo de xisto) — que torna difícil manter<br />

o preço elevado numa altura em que o<br />

aumento estrutural da procura tem sido<br />

mais limitado”.<br />

Este problema estrutural — de desajuste<br />

entre a procura e a oferta — vai<br />

continuar a existir nos próximos anos,<br />

com muito petróleo a ser extraído e uma<br />

julho 2020 | 47


ENERGIA MERCADO<br />

GÁS: Pode gerar receitas<br />

públicas de 3 mil milhões<br />

de dólares por ano a partir<br />

de 2030<br />

NOS ÚLTIMOS ANOS<br />

TEM HAVIDO “UMA<br />

PROGRESSIVA<br />

DESCONEXÃO ENTRE<br />

O PREÇO DO PETRÓLEO<br />

E O DO GÁS” NATURAL<br />

procura limitada por causa da transição<br />

energética, electrificação dos transportes,<br />

etc. “É natural que este acontecimento<br />

extremo faça acelerar o processo futuro<br />

de desinvestimento no sector do petróleo<br />

bruto em benefício do gás natural e das<br />

energias renováveis”, admite o advogado.<br />

A quebra de preços — e a incerteza quando<br />

ao futuro — tem vindo a causar adiamentos<br />

e suspensões de investimentos, e também<br />

muitas falências no sector do Oil &<br />

Gas, assinala Rui Amendoeira. “O investimento<br />

na nova exploração de petróleo e<br />

gás já está a diminuir e de um modo significativo.<br />

Todas as companhias do sector<br />

anunciaram recentemente cortes importantes<br />

nos seus orçamentos de exploração<br />

e investimento para 2020”, lembra. É que,<br />

explica, num contexto de crise “os investimentos<br />

de capital são os primeiros a serem<br />

sacrificados” e, por outro lado, o investimento<br />

em novos projectos de GNL, ou<br />

expansão dos actuais, poderá ser “posto em<br />

causa também, pois são projectos de capital<br />

intensivo que dependem da existência<br />

de contratos de longo prazo com os compradores<br />

para poderem ser financiados”.<br />

Num cenário em que existe incerteza<br />

sobre o nível de procura futuro, é mais<br />

difícil assegurar esses contratos e/ou convencer<br />

os bancos a financiarem os respectivos<br />

projectos. No entanto, num horizonte<br />

de médio/longo prazo, continuo optimista<br />

em relação ao potencial de crescimento do<br />

mercado GNL”, conclui.<br />

DECISÃO DA EXXON<br />

COM IMPACTO ELEVADO<br />

Moçambique não poderia ser excepção.<br />

O anunciado adiamento da decisão final<br />

de investimento (FID, no acrónimo inglês)<br />

do projecto da ExxonMobil tem efeitos<br />

colaterais profundos em vários sectores<br />

e empresas, alerta o partner da Vieira de<br />

Almeida, Guilherme Daniel. “Este adiamento<br />

tem um impacto muito significativo<br />

junto de diversos fornecedores,<br />

moçambicanos e estrangeiros” que iriam<br />

estar associados ao projecto da Área 4 da<br />

bacia do Rovuma, avaliado em cerca de<br />

25 mil milhões de dólares, quase o dobro<br />

do PIB do país.<br />

Entretanto, felizmente, assinala o jurista,<br />

o projecto Coral Sul, liderado pela italiana<br />

Eni e orçado em perto de 5 mil milhões<br />

de dólares, mantém-se no calendário,<br />

assim como o da Área 1, da francesa Total,<br />

Moçambique LNG, avaliado em cerca de<br />

23 mil milhões de dólares, que já teve decisão<br />

de investimento.<br />

Em meados de Abril, recorde-se, o Gabinete<br />

de Estudos Económicos do Standard<br />

GOLPE QUE O SECTOR<br />

DO PETRÓLEO SOFREU<br />

PODE ACELERAR A<br />

TRANSIÇÃO ENERGÉTICA,<br />

COM BENEFÍCIO PARA<br />

O GÁS NATURAL<br />

Bank considerou que o adiamento da decisão<br />

final de investimento pela Exxon — justificado<br />

com os efeitos da COVID-19 na<br />

economia mundial — poderá também dificultar<br />

o financiamento do país nos mercados<br />

internacionais, afectar o crescimento<br />

do PIB e prejudicar a balança de pagamentos.<br />

“A pandemia vai provavelmente pressionar<br />

a balança de pagamentos devido<br />

aos baixos preços das matérias-primas,<br />

48 | Exame Moçambique


possivelmente adiar a implementação dos<br />

projectos de GNL na bacia do Rovuma e<br />

[causar] perturbações na actividade económica”,<br />

refere o documento, citado pela<br />

agência Lusa.<br />

A opção da companhia norte-americana<br />

— que já havia adiado a decisão final de<br />

investimento no ano passado — também<br />

mereceu uma nota da S&P Global Platts<br />

Analytics, para a qual este passo atrás pode<br />

mesmo atrasar a primeira exportação de<br />

gás natural de 2025 para 2030.<br />

“O risco à volta dos investimentos no projecto<br />

é exagerado pelo facto de não serem<br />

conhecidos receptores da capacidade, com<br />

a capacidade de exportação a contrair-se”,<br />

alertou o analista Like Cottell, que acrescentou<br />

que “a ExxonMobil deverá suspender<br />

este projecto até que a economia seja<br />

mais favorável, com a produção a ser prevista<br />

apenas em 2030”.<br />

A petrolífera justificou a decisão com as<br />

“difíceis condições de operação decorrentes<br />

do abrandamento da economia a nível<br />

mundial e a redução do preço das matérias-primas<br />

devido à descida da procura”,<br />

no seguimento das medidas decretadas<br />

para conter a propagação da pandemia.<br />

“A ExxonMobil continua a trabalhar activamente<br />

com os seus parceiros e o governo<br />

para optimizar os planos de desenvolvimento,<br />

melhorando as sinergias e explorando<br />

as oportunidades relacionadas com<br />

o ambiente actual de baixos preços”, garantiu<br />

a empresa norte-americana no comunicado<br />

em que anunciou o adiamento — e<br />

no qual não indicou novos prazos para<br />

a decisão.<br />

O analista da Platts, por seu turno, alertou<br />

para que “a queda na oferta de GNL<br />

e a recente e abrupta queda nos preços<br />

do petróleo aumentaram os riscos de um<br />

projecto que já era financeiramente desafiante”,<br />

o que constitui um “revés para<br />

Moçambique”.<br />

UM NOVO FÔLEGO?<br />

Ainda assim, quando arrancarem, os projectos<br />

vão trazer um novo fôlego à fragilizada<br />

economia do país — pelo menos<br />

a acreditar que a “normalidade” de preços<br />

regressará. Em meados do ano passado,<br />

recorde-se, a Bloomberg estimou<br />

em cerca de 95 mil milhões de dólares<br />

até 2045 o impacto, em receitas, dos projectos<br />

de gás em Moçambique. A agência<br />

financeira explicou que os 95 mil milhões<br />

DECISÃO DE ADIAMENTO<br />

DA EXXONMOBIL<br />

AFECTA VÁRIOS<br />

FORNECEDORES DE<br />

PRODUTOS E SERVIÇOS<br />

de dólares resultam da soma de 46 mil<br />

milhões de dólares do consórcio liderado<br />

pela ExxonMobil, com os 49 mil milhões<br />

de dólares estimados com os restantes —<br />

no entanto, estes números já foram revistos<br />

em alta noutras previsões... feitas antes<br />

da pandemia.<br />

EXPORTAÇÕES EM BAIXA<br />

Variação anual<br />

O preço das matérias-primas mais importantes<br />

das exportações de Moçambique caiu nos últimos<br />

12 meses<br />

Gás<br />

natural<br />

-30,9<br />

Carvão<br />

(USD/<br />

tonelada)<br />

-22,69<br />

Fonte: Trading Economics (25/06).<br />

Alumínio<br />

(USD/<br />

tonelada)<br />

-12,53<br />

Açúcar<br />

(USD/libra)<br />

-2,33<br />

Algodão<br />

(USD/libra)<br />

-4,19<br />

À EXAME, Tiago Dionísio, economista-<br />

-chefe da Eaglestone Securities, com escritórios<br />

em Moçambique, Lisboa, Luanda e<br />

Joanesburgo, entre outros, destaca os efeitos<br />

positivos destes projectos, ainda que<br />

haja riscos associados ao facto de o país<br />

passar a depender mais de uma matéria-<br />

-prima para as suas receitas em divisas.<br />

“O gás natural vai trazer enormes benefícios<br />

para Moçambique, apesar de haver<br />

o risco de, no longo prazo, tornar o país<br />

mais dependente desta commodity. Em<br />

primeiro lugar, os actuais investimentos<br />

no sector do gás vão beneficiar também<br />

outras áreas da economia moçambicana,<br />

como a construção, o imobiliário e o retalho.<br />

E, em segundo, o sector do gás vai<br />

trazer importantes receitas para o país.”<br />

O responsável da Eaglestone, que opera<br />

nos segmentos de assessoria financeira, private<br />

equity e mercado de capitais, recorda<br />

que há estimativas que apontam para que<br />

as receitas públicas provenientes do sector<br />

do gás possam rondar os 3 mil milhões de<br />

dólares por ano a partir de 2030. E não tem<br />

dúvidas. “Trata-se de um montante muito<br />

significativo para uma economia como a de<br />

Moçambique, onde o PIB nominal de 2019<br />

era de cerca de 15 mil milhões de dólares.”b<br />

julho 2020 | 49


ENERGIA ESTUDO<br />

MUDAR<br />

OU MORRER<br />

A procura de gás natural poderá cair<br />

este ano 5% a 10% face aos níveis<br />

previstos antes da COVID-19, indica<br />

um documento da McKinsey sobre<br />

o sector do Oil & Gas, a que a<br />

EXAME teve acesso. As perspectivas<br />

para o gás natural são boas<br />

RICARDO DAVID LOPES<br />

OIL&GAS:<br />

O sector tem de<br />

introduzir<br />

mudanças<br />

estruturais para<br />

manter o<br />

desempenho<br />

50 | Exame Moçambique


Não é a primeira vez que o<br />

sector do Oil & Gas está em<br />

crise. Mas esta é diferente,<br />

garante um documento<br />

da McKinsey & Company<br />

sobre o impacto da COVID-19 nesta indústria,<br />

que está agora obrigada a mudar de<br />

vida e a focar-se em alterações profundas<br />

a vários níveis — sob pena de haver mortos<br />

e feridos pelo caminho.<br />

O documento lembra que este é “o terceiro<br />

colapso nos preços nos últimos doze<br />

anos”, mas “é diferente” dos anteriores.<br />

“O contexto actual combina um choque do<br />

lado da oferta com uma quebra na procura<br />

e uma crise humanitária sem precedentes”,<br />

refere o documento, divulgado em Maio.<br />

A saúde financeira da maior parte das<br />

empresas do sector e o advento do petróleo<br />

e do gás de xisto são dois outros factores<br />

que os executivos da indústria têm<br />

agora de ter em conta, refere a McKinsey,<br />

para quem as mudanças que devem ser<br />

aceleradas teriam de ser feitas de qualquer<br />

forma, também a pensar na descarbonização<br />

da economia.<br />

“Sem mudanças fundamentais, será difícil<br />

voltarmos a assistir ao bom desempenho<br />

do sector a que estamos habituados”,<br />

diz o research da consultora, que antecipa<br />

fusões e aquisições em grande escala na<br />

maior parte da cadeia de valor do Oil &<br />

Gas, que tem vindo a sofrer perdas de<br />

rentabilidade nos últimos anos.<br />

A McKinsey — que aponta para uma<br />

recuperação do preço do petróleo para<br />

os níveis pré-COVID entre 2021 e 2022<br />

— refere a “posição favorável” em que<br />

podem ficar o gás natural e o gás natural<br />

liquefeito (GNL) no contexto da transição<br />

energética, que pode “ser acelerada” por<br />

causa dos efeitos da pandemia.<br />

TUDO NOVO, OU QUASE<br />

O documento sublinha que serão “críticos”<br />

para o futuro da indústria factores como<br />

a disciplina financeira, alocação adequada<br />

de capitais, gestão prudente de risco e na<br />

própria governance das empresas.<br />

“Mudar estratégias e modelos de negócio<br />

é imperativo”, sustenta a consultora,<br />

que aponta exemplos de sectores que tiveram<br />

de reinventar-se também no passado<br />

O QUE A INDÚSTRIA<br />

DEVE FAZER:<br />

,REAVALIAR O PORTEFÓLIO<br />

,AFECTAR CAPITAL A PROJECTOS<br />

DE ELEVADO RETORNO<br />

,SER OUSADA PERANTE<br />

OPORTUNIDADES DE FUSÕES<br />

E AQUISIÇÕES<br />

,MUDAR O MODELO<br />

OPERACIONAL PARA CONSEGUIR<br />

MAIS DESEMPENHO E<br />

COMPETITIVIDADE POR VIA DOS<br />

CUSTOS<br />

,GARANTIR A RESILIÊNCIA<br />

DA CADEIA DA OFERTA COM<br />

NOVAS PARCERIAS<br />

,CRIAR A ORGANIZAÇÃO<br />

DO FUTURO, QUER EM TALENTO<br />

QUER EM ESTRUTURA<br />

— como o do aço, automóvel e financeiro,<br />

entre outros.<br />

A crise actual, sublinha a McKinsey,<br />

traz também “novas oportunidades de<br />

liderança, na regulação e na resiliência e<br />

balanço das empresas”, sendo que o foco<br />

dos gestores de muitas destas empresas<br />

— sobretudo as que se endividaram para<br />

desenvolver projectos de óleo de xisto —<br />

deve estar em cinco pontos.<br />

As empresas devem reavaliar o seu portefólio<br />

e alterar “radicalmente a alocação<br />

de capital para projectos e oportunidades<br />

de elevado retorno”; devem ser “ousadas<br />

perante oportunidades de fusões e aquisições”;<br />

alterar o modelo operacional de<br />

forma a conseguirem atingir um novo<br />

patamar de performance e competitividade<br />

por via dos custos; garantir a resiliência<br />

da cadeia da oferta redefinindo<br />

novas parcerias estratégicas; e criar “a<br />

organização do futuro, quer em talento<br />

quer em estrutura”. b<br />

ESCRITÓRIOS DA MCKINSEY: A consultora<br />

analisou o impacto da COVID-19 no<br />

petróleo e no gás<br />

julho 2020 | 51


BAZARKETING<br />

THIAGO FONSECA<br />

Sócio e director de Criação da Agência GOLO.<br />

PCA Grupo LOCAL de Comunicação SGPS, Lda<br />

MUDANDO DE ASSUNTO<br />

O assunto sempre muda. Mas se<br />

há uma coisa que não muda, é que<br />

há sempre assunto. Há sempre algo<br />

para falar. E, já diz a sabedoria popular, a<br />

falar é que a gente se entende.<br />

Falar é comunicar. E a comunicação é<br />

das coisas mais importantes em todos os<br />

aspectos da nossa vida.<br />

O mundo parece ter-se virado do avesso<br />

em 2020. E ainda vamos a meio do ano.<br />

E sem saber o fim. Por isso, a pergunta:<br />

a comunicação é importante neste momento?<br />

OS VERDADEIROS<br />

LÍDERES COMUNICAM<br />

DIARIAMENTE COM OS<br />

MEMBROS DA SUA<br />

EQUIPA. E AS MARCAS<br />

QUE QUISEREM LIDERAR<br />

TÊM DE FAZER O MESMO<br />

COM O PÚBLICO<br />

Com a pandemia, é importante reflectir<br />

na importância da comunicação.<br />

E não apenas da comunicação das marcas.<br />

A comunicação considerada no seu<br />

todo. Porque nunca foi publicidade o que<br />

fazemos. Foi sempre comunicação com<br />

um propósito.<br />

A comunicação continua. Sempre.<br />

O que se comunica muda sempre também.<br />

A história tem as evidências.<br />

Já foi há mais de mil anos a propagação<br />

da fé, da Igreja Católica pelo mundo<br />

inteiro.<br />

Daí o termo propaganda.<br />

A humanidade já passou, em meados<br />

do século xx, por uma era em que se comunicou<br />

a “importância” de fumar tabaco.<br />

O ASSUNTO MUDOU<br />

Agora mudou quase tudo. Estamos na<br />

era do novo coronavírus. Nunca houve<br />

tanto assunto como agora.<br />

E quando a pandemia começou, reflecti<br />

muito sobre as marcas. E o que deveriam<br />

fazer.<br />

As marcas sempre estiveram presentes<br />

nas nossas vidas. Nas vidas dos consumidores.<br />

Será que por motivos racionais de<br />

equações de vendas, ou outras decisões<br />

de gestão, as marcas devem sair das nossas<br />

vidas agora? Ou deverão continuar<br />

ao nosso lado mais do que nunca.<br />

A resposta é simples. Uma marca é<br />

mais forte do que um produto. É uma relação<br />

que é construída. E as relações são<br />

construídas com base em comunicação.<br />

Os consumidores são muito mais do<br />

que esse título atribuído pelo marketing.<br />

São pessoas.<br />

E mais do que relações com os produtos,<br />

estabelecem relações de confiança<br />

com as marcas.<br />

E se as empresas que gerem as marcas<br />

cortarem essas relações, parando a comunicação<br />

mais do que parecer, vão parecer<br />

interesseiras. Porque só aparecem<br />

quando é para vender.<br />

E qualquer pessoa repara. A marca que<br />

fizer isso pode não ter reparo.<br />

O propósito de todos tem de ser maior.<br />

Comunicar não é apenas anunciar. Na sua<br />

forma mais simples, comunicar é falar.<br />

É informação também. E nunca o mundo<br />

esteve tão atento à informação como agora.<br />

Nem nunca se partilhou tanto como<br />

estamos a fazer neste momento.<br />

Por isso, a mensagem para todos os<br />

anunciantes, numa linguagem muito<br />

popular, só pode ser uma. Vá para o ar<br />

para não ir ao ar. Mesmo os negócios<br />

que estejam a sofrer impacto neste momento.<br />

ENQUANTO AS MARCAS<br />

SALVAM VIDAS,<br />

AS EMPRESAS ESTÃO<br />

A SALVAR A VIDA<br />

DESSAS MARCAS<br />

O que devem fazer é mudar o que comunicam.<br />

Mas estarem presentes.<br />

E é com agradável surpresa que vemos<br />

que a maior parte dos anunciantes está a<br />

fazer isso.<br />

O que comprova que a comunicação é<br />

importante.<br />

Agora comunicamos para salvar vidas.<br />

Mensagens sobre o uso da máscara.<br />

Do distanciamento social.<br />

Enquanto as marcas salvam vidas, as<br />

empresas estão a salvar a vida dessas<br />

marcas.<br />

52 | Exame Moçambique


UM BEM ESSENCIAL<br />

A COVID-19 veio revelar que a comunicação<br />

faz parte da lista principal dos essential<br />

goods para a humanidade.<br />

As marcas que mostram empatia, que<br />

aparecem a cuidar, conquistam a simpatia<br />

do público. E isso é importante neste<br />

momento. Mas é mais importante a longo<br />

prazo.<br />

Há uma urgente necessidade de mudar<br />

o que é preciso. De aprender. De investir<br />

e vender os bens essenciais. De as empresas<br />

se transformarem e se adaptarem.<br />

Porque não estamos apenas numa mudança.<br />

Estamos numa evolução.<br />

Charles Darwin, que formulou a teoria<br />

da evolução, disse: “Não é o mais forte,<br />

nem o mais inteligente, que sobrevive.<br />

É o mais disposto à mudança.”<br />

As empresas também estão a adaptar-<br />

-se. A mudar e evoluir. E nessa adaptação<br />

a comunicação interna dentro das<br />

empresas desempenha um papel fundamental.<br />

Os trabalhadores precisam de trabalhar<br />

de novas maneiras. E comunicar internamente<br />

é essencial para a continuidade<br />

saudável de qualquer organização.<br />

As empresas e as marcas de sucesso<br />

têm características positivas bem definidas.<br />

Uma delas é, sem dúvida, serem<br />

boas a comunicar.<br />

Os verdadeiros líderes fazem isso diariamente<br />

com os membros da sua equipa.<br />

E as marcas que quiserem liderar têm<br />

de fazer o mesmo com o público.<br />

Ao contrário do que a “lógica” pode<br />

levar a pensar, a oportunidade é maior<br />

agora.<br />

Já passam mais de seis meses de inundação<br />

de notícias sobre a COVID-19. Todos<br />

os dias e a toda a hora.<br />

As pessoas procuram algo para se distraírem.<br />

E recebem com agrado os anúncios<br />

que têm entretenimento e emoção.<br />

Que nos tocam, nos dão esperança e nos<br />

fazem sentir humanos.<br />

Agora que todas as pessoas estão mais<br />

do que atentas aos telemóveis e se sentam<br />

à frente da televisão para saberem das últimas<br />

do assunto do momento, aqui fica<br />

uma ideia: mude de assunto.b<br />

julho 2020 | 53


GLOBAL OCDE<br />

O GRANDE<br />

COLAPSO<br />

CRISE:<br />

Qualquer dos<br />

cenários traçados<br />

pela OCDE<br />

é muito<br />

preocupante<br />

As economias mais desenvolvidas colapsaram com<br />

a pandemia e a OCDE reviu as suas previsões, apresentando<br />

dois cenários sombrios, um dos quais admite a possibilidade<br />

de um segundo surto antes de 2020 acabar. Caso em que<br />

a economia global se afunda 7,6%<br />

LUÍS FARIA<br />

S<br />

e a crise sanitária que o mundo<br />

vive com o alastramento da<br />

COVID-19 só encontra paralelo<br />

na gripe espanhola do<br />

início do século passado, também<br />

o colapso económico por esta provocado<br />

deverá ultrapassar, em amplitude,<br />

as recessões de que há memória, a última<br />

delas ocorrida em 2008 com a insustentável<br />

valorização de títulos imobiliários<br />

a causar a derrocada do sistema financeiro.<br />

No caso da actual pandemia, a<br />

última projecção é sempre a pior. E a mais<br />

recente é a da OCDE, a Organização para<br />

a Cooperação e o Desenvolvimento Económico,<br />

que agrupa os países mais desenvolvidos,<br />

e faz do seu relatório de Junho<br />

deste ano um extenso apanhado sobre a<br />

crise e as suas consequências. A OCDE<br />

havia feito as suas últimas previsões no<br />

início de Março. Desde então, os surtos<br />

de vírus evoluíram para uma epidemia<br />

global. Os governos tiveram de decretar<br />

o encerramento de grande parte da actividade<br />

económica para conter a pandemia<br />

e salvaguardar os sistemas de saúde,<br />

ganhando tempo para reforçá-los. “A actividade<br />

económica entrou em colapso em<br />

toda a OCDE durante as paralisações, de<br />

20% a 30% em alguns países, um choque<br />

extraordinário. As fronteiras foram fechadas<br />

e o comércio ruiu. Simultaneamente,<br />

os governos implementaram medidas rápidas<br />

de apoio, grandes e inovadoras, para<br />

amortecer o golpe, subsidiando trabalhadores<br />

e empresas. As redes de segurança<br />

NO CURSO DA ACTUAL<br />

PANDEMIA A ÚLTIMA<br />

PROJECÇÃO É SEMPRE<br />

A PIOR<br />

REUTERS<br />

social e financeira foram reforçadas a uma<br />

velocidade recorde. À medida que o stress<br />

financeiro aumentava, os bancos centrais<br />

tomaram medidas contundentes e oportunas,<br />

implementando uma série de políticas<br />

convencionais e não convencionais<br />

acima e além das usadas na Crise Financeira<br />

Global, impedindo que à crise sanitária<br />

e económica se juntasse uma crise<br />

financeira”, refere o editorial do Outlook<br />

da OCDE de Junho, assinado por Laurence<br />

Boone, economista-chefe da organização.<br />

Rastreamentos, distanciamento físico e<br />

isolamento são os principais instrumentos<br />

para combater o vírus e factores indispensáveis<br />

para retomar as actividades<br />

económicas e sociais. Mas não só poderão<br />

ser insuficientes para impedir uma<br />

segunda vaga da infecção, como alguns<br />

sectores, como a aviação, o turismo, os<br />

serviços de alimentação (restaurantes e<br />

outros) e os serviços de entretenimento<br />

não retomarão enquanto não se estancar<br />

a pandemia, que continua a somar casos<br />

confirmados e mortes em todo o planeta.<br />

54 | Exame Moçambique


GETTY<br />

A OCDE sublinha que, com a pandemia,<br />

a grande integração global dissolveu-se<br />

num cenário de fragmentação. As<br />

economias divergem, o seu nível de actividade<br />

depende de quando foram atingidas<br />

pelo surto, as cadeias de valor falham.<br />

O preço das matérias-primas caiu, com a<br />

economias emergentes a serem também<br />

fortemente afectadas pela crise. Assiste-<br />

-se a grandes saídas de capital e a uma<br />

queda substancial das remessas. O largo<br />

contingente de trabalhadores informais e<br />

o acesso à protecção social dificulta ainda<br />

mais o combate ao vírus nestes países.<br />

Os governos, mesmo os dos países mais<br />

ricos, reconhece a OCDE, não conseguirão<br />

“defender a actividade e os salários<br />

do sector privado por um período<br />

DESAFIOS<br />

As economias dos mercados<br />

emergentes e países<br />

em desenvolvimento<br />

permanecem altamente<br />

vulneráveis à recessão<br />

global e à pandemia do novo<br />

coronavírus:<br />

,ELEVADO<br />

ENDIVIDAMENTO<br />

,FORTE DEPENDÊNCIA<br />

DA PROCURA DAS<br />

ECONOMIAS AVANÇADAS<br />

E DA CHINA<br />

,ESTABILIZADORES<br />

FISCAIS AUTOMÁTICOS<br />

MAIS FRACOS<br />

prolongado. Capital e trabalhadores de<br />

sectores e empresas prejudicados terão<br />

de avançar para a expansão. Tais transições<br />

são difíceis e raramente se dão<br />

com a rapidez suficiente para impedir<br />

que aumente o número de empresas falidas,<br />

assim como o desemprego, por um<br />

período sustentável”.<br />

DOIS CENÁRIOS<br />

É perante o que classifica como “extraordinária<br />

incerteza” que a OCDE apresenta<br />

dois cenários, que considera “igualmente<br />

prováveis”, na formulação das suas previsões.<br />

Num deles assume-se que ocorre<br />

uma segunda vaga epidémica em todas as<br />

economias até ao final deste ano. Qualquer<br />

dos cenários é preocupante, em qualquer<br />

julho 2020 | 55


GLOBAL OCDE<br />

LAGARDE,<br />

DO BCE:<br />

A reacção à crise<br />

pelos bancos<br />

centrais foi<br />

notável, diz<br />

a OCDE<br />

deles a actividade económica não volta ao<br />

normal pois o surto pandémico mantém-<br />

-se, com menor ou maior intensidade. No<br />

que é classificado como “duplo impacto”,<br />

a economia global deve cair 7,6% este ano,<br />

não conseguindo atingir o nível pré-crise<br />

no final de 2021. No cenário mais benévolo,<br />

em que se admite que o pico da epidemia<br />

não se repita, o PIB mundial deve cair 6%<br />

este ano, fechando 2021 num nível próximo<br />

do que era registado antes da crise. O relatório<br />

observa que, no caso de ocorrer novo<br />

surto até ao final do ano, a produção global<br />

deverá cair 4,5% no quarto trimestre,<br />

ficando 11% abaixo do nível registado em<br />

idêntico período de 2019, o que se traduzirá<br />

num colapso da actividade económica<br />

que só encontra precedentes na Grande<br />

Recessão de 1928.<br />

Os governos e as autoridades monetárias<br />

reagiram de forma “notável” à crise,<br />

adoptando as medidas que se impunham,<br />

considera a OCDE, mas, em resultado,<br />

VÍRUS INCERTO<br />

Dados incompletos e conhecimentos<br />

insuficientes sobre a natureza do<br />

novo vírus tornam incerta a evolução<br />

da pandemia, acentua a OCDE:<br />

O vírus da COVID-19 é altamente contagioso,<br />

mas a extensão da sua infecciosidade é<br />

incerta. O consenso é que a taxa de<br />

reprodução (ou seja, o número de pessoas<br />

susceptíveis que cada pessoa com o patógeno<br />

infecta, o R0) se situa entre 2 e 3 na ausência<br />

de medidas de contenção, sendo, no entanto,<br />

admitidos números de magnitude superior.<br />

Na ausência de medidas para controlar o<br />

surto, suprimindo as taxas de contacto —<br />

factor não biológico da taxa de reprodução<br />

—, tais números elevados implicariam altas<br />

taxas de infecção das populações. Quando<br />

há rigor nos relatórios, a baixa incidência<br />

de casos confirmados acumulados sugere que<br />

os bloqueios e outras medidas de contenção<br />

conseguiram trazer a taxa de reprodução<br />

efectiva abaixo da unidade, sendo que<br />

o contágio pode voltar a aumentar<br />

acentuadamente quando as medidas<br />

de contenção são relaxadas. No entanto,<br />

se houver uma subnotificação generalizada,<br />

o levantamento das restrições será<br />

acompanhado por um aumento menor<br />

das taxas de infecção.<br />

De facto, a verdadeira extensão da infecção<br />

da população, e quão perto ela está dos níveis<br />

necessários para a imunidade colectiva, é<br />

controversa. Evidências recolhidas em países<br />

com alta intensidade de testagem (por<br />

exemplo, a Islândia e o Luxemburgo) e<br />

estudos nacionais recentes (por exemplo,<br />

os provindos de França e da República Checa)<br />

indicam que apenas cerca de 6% da<br />

população nacional foi infectada, o que<br />

está bem abaixo do nível necessário para<br />

a imunidade colectiva. Além disso,<br />

o grau e duração da imunidade obtidos<br />

através da infecção, a premissa para a<br />

imunidade colectiva, ainda são incertos.<br />

As estimativas da taxa de letalidade tendem<br />

a aumentar com o tempo à medida que as<br />

infecções se espalham globalmente. A ampla<br />

gama de estimativas sugere a importância<br />

de factores biológicos, como as doenças<br />

crónicas, e possíveis factores não biológicos,<br />

como a capacidade dos sistemas de saúde,<br />

na determinação das taxas de mortalidade<br />

do vírus.<br />

A possível sazonalidade do vírus ainda não foi<br />

confirmada. Como as temperaturas quentes<br />

e a humidade o enfraquecem, as infecções<br />

devem diminuir no Hemisfério Norte nos<br />

próximos meses, verificando-se o inverso no<br />

Hemisfério Sul. Mas a sazonalidade também<br />

implicaria que um novo surto ocorresse no<br />

Hemisfério Norte no final do ano.<br />

O momento da descoberta da vacina é, por<br />

definição, incerto, sendo incerto o momento<br />

em que o vírus deixará de constituir uma<br />

ameaça à vida. A vacina para a COVID-19<br />

poderá ser desenvolvida num tempo recorde,<br />

entre doze e dezoito meses, dados os<br />

extraordinários esforços globais que a<br />

comunidade científica e as empresas<br />

farmacêuticas estão a fazer com esse<br />

objectivo.<br />

56 | Exame Moçambique


os défices orçamentais dispararam, a<br />

dívida pública deverá subir para níveis<br />

“excepcionalmente elevados”, as taxas de<br />

juro foram reduzidas a zero ou passaram<br />

mesmo a ser negativas e os balanços dos<br />

bancos centrais ampliaram-se drasticamente.<br />

Os instrumentos utilizados pela<br />

política monetária para enfrentar os efeitos<br />

do surto, como a compra de activos pelos<br />

bancos centrais, não tem, contudo, mais<br />

margem de flexibilização caso ocorra novo<br />

surto ou a recuperação se mostrar especialmente<br />

débil. Cabe, na perspectiva da<br />

OCDE, à política fiscal fornecer estímulos<br />

adicionais. O que não dispensa as autoridades<br />

monetárias de impulsionarem programas<br />

para garantir crédito e liquidez,<br />

assim como de conservar baixas as taxas<br />

de juro. Ou seja, a política monetária deve<br />

ser “acomodatícia”. Se 2021 deverá repor<br />

algum equilíbrio nas finanças públicas, com<br />

melhoria do saldo orçamental e atenuação<br />

das medidas de emergência, estas últimas<br />

não deverão ser abandonadas repentinamente<br />

pelos governos, podendo ser substituídas<br />

por outras que impulsionem mais<br />

a economia.<br />

LONGA SOMBRA<br />

“A crise lançará uma longa sombra sobre<br />

o mundo e as economias da OCDE. Até<br />

2021 terá levado o rendimento per capita<br />

na maioria dos países da OCDE de regresso<br />

aos níveis de 2013 no cenário de duplo<br />

impacto e aos níveis de 2016 no cenário<br />

de um único surto”, refere o relatório,<br />

que realça o impacto da crise na produção<br />

potencial e no emprego. Ao interromper<br />

as cadeias de valor, a crise deverá levar as<br />

empresas a reforçarem a sua resiliência,<br />

encurtando a distância para os seus fornecedores,<br />

preterindo assim os mais longínquos<br />

mesmo que mais eficientes. A OCDE<br />

reconhece que a reformulação das cadeias<br />

de valor poderá prejudicar a eficiência e o<br />

rendimento globais. É um custo da travagem<br />

da globalização.<br />

A aversão ao risco nos mercados financeiros,<br />

que aumentou substancialmente<br />

no início do surto pandémico, tem vindo,<br />

entretanto, a diminuir, nota o documento.<br />

A rápida disseminação da pandemia e as<br />

medidas de contenção adoptadas pelos<br />

CRESCIMENTO<br />

DA ECONOMIA GLOBAL<br />

(em %)<br />

3,3 3,4 2,7 -7,6 -6 2,8 5,2<br />

2012-2019<br />

(média)<br />

2018 2019 2020<br />

com<br />

2.ª vaga<br />

2020<br />

única<br />

vaga<br />

2021<br />

com<br />

2.ª vaga<br />

2021<br />

única<br />

vaga<br />

diferentes países provocaram quedas maciças<br />

no preço dos activos financeiros e o<br />

aumento da volatilidade, com as acções a<br />

caírem, em alguns países, entre 30% e 50%<br />

e ao ritmo mais rápido desde 1987. As respostas<br />

“rápidas e abrangentes” dos bancos<br />

centrais ajudaram a que se restabelecesse<br />

alguma estabilidade, com a reversão parcial<br />

nos movimentos dos activos financeiros<br />

e menor volatilidade. Mesmo assim,<br />

em muitas grandes economias o preço das<br />

acções situa-se entre 10% e 20% abaixo dos<br />

níveis do final de 2019.<br />

Sendo global, a pandemia produz um<br />

choque assimétrico pelo mundo fora.<br />

É certo que, num mundo fortemente interligado<br />

por cadeias de fornecimento, fluxos<br />

turísticos internacionais e investimentos,<br />

todas as economias são afectadas pelas<br />

interrupções na oferta e na procura, mas<br />

os países que já enfrentavam vulnerabilidades,<br />

no plano da dívida, por exemplo,<br />

terão mais dificuldade em recuperar do<br />

que outros que puderam adoptar medidas<br />

fiscais e monetárias de combate à propagação<br />

do vírus mais poderosas. Ora, os<br />

países em desenvolvimento e os de baixo<br />

e médio rendimento apresentam dívidas<br />

elevadas. O esforço financeiro exigido<br />

para combater a pandemia pressiona fortemente<br />

as contas públicas, num contexto<br />

de forte densidade populacional, dificuldades<br />

em assegurar o distanciamento<br />

social devido às condições de alojamento<br />

e transporte de largas camadas da população<br />

e sistemas de saúde que não dispõem<br />

das condições necessárias para responder<br />

com eficácia. O amplo sector informal<br />

da economia condiciona as medidas<br />

de confinamento. Além do esforço financeiro<br />

extraordinário, os países de médio<br />

e baixo rendimento confrontam-se com<br />

a retracção do investimento no mercado<br />

internacional. “É provável que uma incerteza<br />

considerável também prevaleça por<br />

um longo período, impedindo o investimento,<br />

mesmo que uma nova onda da pandemia<br />

possa ser evitada”, assinala a OCDE.<br />

O comércio, tanto o fronteiriço como o<br />

de longa distância, deverá retrair-se substancialmente,<br />

com a pandemia a ditar o<br />

esfumar da confiança da procura e a interrupção<br />

nas cadeias de fornecimento, o que<br />

levará à sua reformulação. Mas o crescimento<br />

das transacções globais já vinha<br />

abrandando e experimentado episódios<br />

como a guerra de tarifas entre os Estados<br />

Unidos e a China e o Brexit. A pandemia<br />

destapou vulnerabilidades da economia<br />

internacional. E os custos elevadíssimos<br />

associados a estas fragilidades, quando<br />

ainda não se descortina no horizonte o<br />

termo da crise sanitária, podem ser duradouros.<br />

b<br />

DESENVOLVIDOS<br />

ENDIVIDAM-SE<br />

pontos percentuais do PIB<br />

A OCDE faz as projecções para a dívida<br />

pública nas principais economias no período<br />

2019-2021<br />

Apenas um surto<br />

8,2<br />

18,61<br />

OCDE<br />

6,83<br />

24,49<br />

Estados<br />

Unidos<br />

Com nova vaga<br />

10,37<br />

16,98<br />

Zona<br />

Euro<br />

9,17<br />

22,43<br />

Japão<br />

0,88<br />

4,93<br />

Coreia<br />

Fonte: OCDE.<br />

julho 2020 | 57


GLOBAL FORTUNAS<br />

QUEM GANHA E QUEM<br />

PERDE COM A PANDEMIA<br />

Lojas físicas e comércio electrónico são duas faces da mesma moeda. Jeff Bezos e Bernard<br />

Arnault os antagonistas: o primeiro ganhou com a valorização da Amazon o que o segundo<br />

perdeu com a desvalorização do grupo LVMH<br />

ALMERINDA ROMEIRA<br />

GETTY<br />

58 | Exame Moçambique


C<br />

ara ou coroa? Bernard Arnault,<br />

o francês que define o gosto<br />

dos milionários, a segunda<br />

pessoa mais rica do mundo<br />

em 2019 de acordo com a Forbes,<br />

não precisa de jogar a moeda ao ar<br />

para saber que, por agora, perde. A pandemia<br />

obrigou ao confinamento de 4,5<br />

mil milhões de pessoas entre meados de<br />

Março e início de Maio de 2020, e encerrou-lhe<br />

as cerca de 5 mil boutiques de<br />

luxo, emagrecendo em milhões de dólares<br />

as receitas da divisão de negócios mais<br />

rentável do LVMH — Louis Vuitton Moët<br />

Hennessy, um império de 75 insígnias,<br />

das bebidas à moda, dos perfumes e cosméticos<br />

aos relógios e jóias. Arnault não<br />

só não facturou em loja, o que se reflecte,<br />

já, nas receitas do primeiro trimestre, que<br />

caíram 15%, como, em consequência, as<br />

acções na bolsa chegaram a deslizar 20%.<br />

Dono da Fendi, Givenchy, Marc Jacobs,<br />

Bvlgari, TAG Heuer, Dom Pérignon, Moët<br />

& Chandon e um dos maiores accionistas<br />

do supermercado Carrefour e da rede<br />

de hotéis Belmond, dona do mítico Copacabana<br />

Palace, o empresário opera negócios<br />

com margens superiores a 20%.<br />

O número permite-lhe aguentar a moeda<br />

no ar enquanto não chegam melhores dias,<br />

o que (inevitavelmente) acabará por suceder.<br />

Não há realidade mais dinâmica do<br />

que a da bolsa de valores e o LVMH integra<br />

o CAC 40, principal índice da Euronext<br />

Paris.<br />

Nos trinta e cinco anos que leva na alta<br />

voltagem, nunca antes, porém, o francês<br />

enfrentou uma tão grande tormenta.<br />

Engenheiro de profissão, geria o negócio<br />

de construção da família quando tropeçou<br />

na falência do grupo Boussac, detentor<br />

da maison Christian Dior. A partir daí, a<br />

história faz-se de aquisições, fusões, reestruturações<br />

e rasgo. O cimento é o marketing<br />

tradicional em contracorrente com as<br />

tendências modernas. De Arnault conta-<br />

-se que, um dia, terá perguntado a outro<br />

mago do marketing, Steve Jobs, fundador<br />

da Apple, que o admirava profundamente,<br />

se sabia onde estaria o iphone daí<br />

a vinte anos — é que ele tinha a certeza<br />

que o Moët & Chandon continuaria a ser<br />

bebido trinta ou cinquenta anos depois.<br />

DE LIVRARIA<br />

DE GARAGEM A UM TRILIÃO<br />

Jeff Bezos é hoje o homem com mais<br />

motivos para erguer a taça do precioso<br />

néctar. Tal como Arnault, construiu um<br />

mega-império na época da globalização,<br />

o paradigma em que se move o mundo<br />

desde a viragem do milénio, mas na moeda<br />

do comércio optou pela coroa: a loja on-<br />

-line. Durante o lockdown, o seu património<br />

líquido engordou o que o património<br />

líquido do dono das lojas de luxo emagreceu,<br />

à volta de uns 25 mil milhões de<br />

dólares. O número escreve-se com nove<br />

zeros, tem uma magnitude equivalente ao<br />

produto interno bruto da Letónia e quase<br />

duplica o de Moçambique.<br />

As medidas de isolamento social para<br />

conter o contágio do novo coronavírus<br />

restringiram a circulação das pessoas<br />

numa dimensão planetária. Com lojas,<br />

livrarias, restaurantes, bares e centros<br />

comerciais fechados, muitas necessidades<br />

e desejos só puderam ser satisfeitos<br />

por via do comércio on-line. A Amazon<br />

foi as pernas de muita gente e ganhou<br />

(ainda) mais músculo. Contratou 175 mil<br />

pessoas nos Estados Unidos e priorizou<br />

a entrega de produtos essenciais de margens<br />

mais estreitas. No primeiro trimestre<br />

do ano, as suas vendas aumentaram<br />

cerca de um quarto, mas o accionista diz<br />

que não foram suficientes para impedir a<br />

queda das receitas. A sua imagem também<br />

foi salpicada por denúncias sobre o<br />

tratamento dado aos trabalhadores nos<br />

centros de distribuição, onde vários terão<br />

testado positivo ao vírus. Wall Street foi<br />

indiferente a isso. O aumento do valor das<br />

acções chegou a atingir a fasquia dos 30%,<br />

impulsionando o património líquido de<br />

Bezos — o visionário que, com a mulher<br />

MacKenzie (outra ganhadora da pandemia)<br />

fundou, nos anos 90, a primeira<br />

livraria on-line do mundo na garagem da<br />

casa onde viviam.<br />

A lista anual de bilionários da Forbes,<br />

publicada em 7 de Abril último, assinala<br />

que o impacto devastador do coronavírus<br />

e a queda no número reflecte, já, o<br />

impacto da pandemia. Ainda assim, e<br />

de acordo com o Bloomberg Billionaire<br />

Index, oito bilionários tinham, até 10 de<br />

JEFF BEZOS: O valor<br />

das acções da<br />

Amazon disparou<br />

em Wall Street<br />

COMO<br />

DISPAROU<br />

A RIQUEZA<br />

Cerca de uma dezena de<br />

bilionários viu aumentar o<br />

património líquido em mais de<br />

mil milhões (MM) de dólares<br />

entre o início do ano e 10 de Abril,<br />

segundo o Bloomberg Billionaire<br />

Index.<br />

▸Jeff Bezos, fundador e CEO<br />

da Amazon: 10 MM de dólares<br />

(25 MM até 15 de Abril)<br />

▸Elon Musk, CEO da Tesla e<br />

fundador e CEO da SpaceX: 5 MM<br />

▸MacKenzie Bezos, filantropa,<br />

ex-mulher de Bezos: 3,5 MM<br />

(8,6 MM até 15 de Abril)<br />

▸Eric Yuan, Fundador e CEO<br />

da Zoom: 2,58 MM<br />

▸Steve Ballmer, Ex-CEO da Microsoft<br />

e dono dos Los Angeles Clippers: 2,2<br />

MM<br />

▸John Albert Sobrato, magnata do<br />

imobiliário de Silicon Valley: 2,07 MM<br />

▸Joshua Harris, co-fundador do<br />

fundo Apollo Global Management:<br />

1,72 MM<br />

▸Rocco Commisso, fundador e CEO<br />

do Mediacom Communications:<br />

1,09 MM<br />

Abril, enchido os bolsos em mais de mil<br />

milhões.<br />

Na realidade, a valorização das acções<br />

acelera em contramão com a economia,<br />

um paradoxo difícil de entender quando<br />

todos os indicadores reais são negativos.b<br />

julho 2020 | 59


GLOBAL FORTUNAS<br />

CRUZEIROS AFUNDAM<br />

NO MAR ALTO<br />

A próspera indústria dos cruzeiros foi ao fundo e as<br />

companhias de aviação despenharam-se, o que não impediu<br />

o alemão Heinz Hermann Thiele de se tornar, em três meses,<br />

o maior accionista da Lufthansa<br />

ALMERINDA ROMEIRA<br />

A<br />

Scarlet Lady não vai levantar<br />

âncora tão cedo. O barco de<br />

277 metros de comprimento,<br />

construído nos estaleiros da<br />

Fincantieri em Génova, Itália,<br />

marca(va) a estreia de Richard Branson<br />

no negócio dos cruzeiros. A viagem inaugural,<br />

prevista para Abril de 2020, não chegou<br />

a realizar-se devido à COVID-19, adiando,<br />

não se sabe para quando, as esperanças do<br />

excêntrico bilionário inglês de começar a<br />

rentabilizar o investimento de 600 milhões<br />

de dólares. Com um império construído na<br />

aviação, media e fitness, o entusiasta das<br />

viagens espaciais é o último milionário a<br />

entrar no negócio das “aldeias flutuantes”.<br />

Arne Wilhelmsen é o grande capitão<br />

desta indústria. O milionário norueguês<br />

A INDÚSTRIA DOS<br />

CRUZEIROS VALE CERCA<br />

DE 150 MIL MILHÕES DE<br />

DÓLARES E DEVERIA<br />

ESTAR A VIVER EM 2020<br />

O SEU MELHOR ANO<br />

DE SEMPRE<br />

que, em 1968, antecipando a altura em<br />

que as férias se democratizavam, ajudou<br />

a fundar a Royal Caribbean Cruises e a<br />

quem o sector deve a sua visão moderna.<br />

A empresa é hoje cabeça do segundo maior<br />

grupo de cruzeiros do mundo. O terceiro<br />

é o Norwegian Cruise Line e o primeiro, o<br />

grupo Carnival, que opera uma dezena de<br />

marcas (entre as quais Princess Cruises,<br />

Seabourn, Costa, AIDA e Cunard) e uma<br />

frota de mais de 100 navios, que escalam<br />

em 700 portos. Ironia do destino: como se<br />

não lhe fosse suportável ver o que o futuro<br />

lhe reserva, Arne Wilhelmsen despediu-se<br />

da vida aos 90 anos, na segunda semana<br />

de Abril, em pleno lockdown. Em Palma<br />

de Maiorca, capital das ilhas Baleares, em<br />

Espanha, não foi revelada a causa da morte.<br />

A indústria dos cruzeiros está avaliada em<br />

cerca de 150 mil milhões de dólares e deveria<br />

estar a viver em 2020 o seu melhor ano<br />

de sempre. O boom. Os números compreendiam<br />

um reforço de 19 novas embarcações<br />

60 | Exame Moçambique


do género Scarlet Lady, um investimento<br />

total de 9 mil milhões de dólares, e um<br />

total de 32 milhões de passageiros estimados<br />

pela Associação Internacional de<br />

Linhas de Cruzeiros. Naturalmente, tudo<br />

isso foi anunciado antes do novo coronavírus<br />

surgir na cidade chinesa de Wuhan,<br />

no final de 2019, e vir alterar o curso normal<br />

da vida na Terra.<br />

Nesta altura do ano, em que é Verão no<br />

Hemisfério Norte e a maioria das pessoas<br />

goza férias, a frota de 340 navios que deveria<br />

estar em alto mar afundou. A caixa<br />

registadora deixou de facturar e as empresas<br />

enfrentam agora custos de manutenção<br />

elevados para evitar o deteriorar dos equipamentos,<br />

pedidos de reembolso pelas viagens<br />

não realizadas e processos judiciais de<br />

GETTY<br />

passageiros que perderam parentes e tripulantes<br />

que adoeceram. Só resta mesmo<br />

aguentar o barco. É o que tentam fazer,<br />

recorrendo ao crédito e colocando activos<br />

no prego. O jornal inglês Financial Times<br />

noticiou, recentemente, mais de 12 “bis” de<br />

empréstimos. Em Maio, a Norwegian entregou<br />

dois navios e duas ilhas como colateral<br />

a troco de 2,4 biliões de dólares. Numa<br />

operação idêntica, a Carnival levantou<br />

6,4 biliões e a Royal Caribbean, cujo rating<br />

de crédito foi despromovido ao nível do lixo<br />

pelas agências de notação S&P e Moody’s,<br />

captou 3,3 mil milhões.<br />

No jogo da moeda ao ar, os cruzeiros são<br />

o sector que mais perde com a crise sanitária<br />

e económica provocada pela COVID-19.<br />

A coroa da tecnologia, a sua antítese. Terão,<br />

porventura, também a recuperação mais<br />

difícil, embora as principais companhias<br />

se tenham apressado a garantir que o nível<br />

de reservas para 2021 atinge níveis anteriores<br />

à pandemia. Restabelecer a confiança é<br />

um factor crítico. Não será fácil. Na memória<br />

do mundo estão frescas ainda as imagens<br />

do Diamond Princess de quarentena,<br />

ao largo da costa de Yokohama, no Japão,<br />

ainda em Fevereiro. O navio da Princess<br />

Cruises, onde se verificou o primeiro surto<br />

a bordo, tinha na altura o maior número<br />

de casos de contágio de COVID-19 fora da<br />

China e, de acordo com dados da Universidade<br />

Johns Hopkins, 13 dos 712 infectadas<br />

a bordo morreram. Durante semanas,<br />

as televisões brindaram o mundo com o<br />

espectáculo de navios obrigados a saltar de<br />

porto em porto, com país após país a recusar<br />

autorização de acostagem devido às restrições<br />

para travar a COVID-19. O jornal<br />

Miami Herald, que acompanha o sector,<br />

fez recentemente as contas: 82 óbitos em<br />

consequência do vírus contraído nos cruzeiros,<br />

número que, apesar de tudo, fica<br />

diluído no mais de meio milhão de vítimas<br />

da COVID-19 registadas até início de<br />

Julho em todo o mundo.<br />

O VOO DE HERMANN THIELE<br />

Com registo nas Bahamas, nas Bermudas,<br />

no Panamá e até na Libéria, os cruzeiros<br />

estão, à partida, excluídos dos resgates<br />

que alguns governos de países ricos estão<br />

a fazer em alguns sectores. Por exemplo, o<br />

da aviação, outro grande perdedor da crise.<br />

Em Junho, a International Air Transport<br />

Association (IATA) anunciou perdas estimadas<br />

de 84 mil milhões de dólares para<br />

este ano. Em 2020, as receitas deverão rondar<br />

os 419 mil milhões, isto é, metade de<br />

2019, o equivalente ao PIB da Noruega.<br />

Enquanto governos, empresas e empresários<br />

discutem pacotes de ajuda estatal<br />

e alguns, como Michael O’Leary, dono da<br />

Ryanair, consideram que são um atropelo<br />

à livre concorrência, os aviões começam<br />

aos poucos a regressar aos céus. A União<br />

Europeia reabriu o espaço aéreo no dia<br />

1 de Julho a 15 países. De fora ficaram os<br />

Estados Unidos, Brasil e Rússia por não<br />

oferecerem ainda garantias no controlo<br />

do surto.<br />

HEINZ HERMANN THIELE:<br />

Num surpreendente golpe relâmpago<br />

tornou-se o maior accionista da Lufthansa<br />

RICHARD BRANSON:<br />

O excêntrico milionário teve uma estreia<br />

desastrosa no negócio dos cruzeiros<br />

julho 2020 | 61


GLOBAL FORTUNAS<br />

A transportadora aérea alemã Lufthansa,<br />

que há dois meses e meio tinha toda a frota<br />

em pista, acaba salva por um resgate de<br />

9 mil milhões de euros, o equivalente a 10,1<br />

mil milhões de dólares, do Estado e será<br />

reestruturada. Porém, a ironia tem destas<br />

coisas: a crise que arrasou este gigante dos<br />

céus deu ao mundo o mais novo multimilionário<br />

da aviação. Chama-se Heinz Hermann<br />

Thiele e tem 79 anos. Nascido durante<br />

a Segunda Guerra Mundial, na Alemanha de<br />

Hitler, self made man, fez fortuna nos negócios.<br />

Actualmente, é accionista maioritário<br />

e administrador honorário da Knorr-Bremse,<br />

líder mundial em sistemas de travagem<br />

para veículos ferroviários e comerciais<br />

e tem, segundo a Forbes, uma fortuna estimada<br />

em 15,3 mil milhões de dólares.<br />

Em Março, quando o tráfego aéreo começou<br />

a abrandar devido ao coronavírus e as<br />

acções da Lufthansa vieram por aí abaixo,<br />

Thiele viu a oportunidade de multiplicar<br />

os cifrões. Num surpreendente golpe<br />

relâmpago, tornou-se o maior accionista<br />

com 15,2%. Primeiro comprou 3%, passou<br />

para 5%, depois para 10, até chegar à actual<br />

posição. Embora contrário ao resgate decidido<br />

pelo governo liderado pela chanceler<br />

Angela Merkel, que lhe vai encurtar a posição,<br />

votou a favor. Há razões para acreditar<br />

que depois da reestruturação a companhia<br />

ficará mais forte, que o mesmo quererá dizer<br />

mais valiosa. Genial.<br />

O encerramento do espaço aéreo mundial,<br />

que obrigou os aviões a ficarem em terra,<br />

custa à Ibéria 7 milhões de euros por dia.<br />

Contas de Luis Gallego, CEO da transportadora,<br />

que integra o grupo IAG, que inclui<br />

a British Airways, ao jornal El País. O plano<br />

de reestruturação para tentar vencer a sangria<br />

da espanhola será gradual. “Seremos<br />

mais pequenos mas estaremos vivos, o que<br />

ainda não está claro que outras companhias<br />

aéreas possam dizer”, acrescentou.<br />

Olhando para o ar, a IATA não prevê que<br />

a procura do transporte aéreo regresse aos<br />

níveis em que estava antes da COVID-19<br />

antes de 2023 ou 2024. Sir Richard Branson,<br />

número 565 da Forbes, com cerca de<br />

4 biliões de património líquido, que já perdeu<br />

nos cruzeiros, enfrenta nos céus a principal<br />

tempestade. Numa tentativa de evitar o<br />

colapso financeiro da Virgin Atlantic, com<br />

sede no Reino Unido, e da Virgin Australia,<br />

sediada na Austrália, e salvar 70 mil empregos,<br />

não hesitou em oferecer a ilha Necker<br />

nas Caraíbas, onde vive, como garantia para<br />

empréstimos. Caso para dizer que também<br />

os ricos levam à letra a máxima “vão-se os<br />

anéis, fiquem os dedos”. b<br />

NA DISNEY FOI MESMO CARA E COROA<br />

Isto de ganhar e perder nem sempre é óbvio. A pandemia obrigou o gigante de entretenimento norte-americano, Disney, a<br />

encerrar os parques de diversões quando o confinamento se tornou obrigatório, o que, segundo o CEO, Bob Chapek, custou<br />

à bilheteira 1,4 mil milhões de dólares. Em simultâneo, porém, a procura de serviços de streaming explodiu. A plataforma<br />

Disney+, lançada em Novembro, contabiliza 55 milhões de assinantes, número que a Netflix levou cinco anos a alcançar.<br />

O entretenimento doméstico é um dos vencedores da quarentena, reforçando a tendência crescente que vinha de trás.<br />

Já as empresas de entretenimento que dependem de grandes multidões estão entre as primeiras vítimas do coronavírus.<br />

O Cirque du Soleil, por exemplo, avançou no fim de Junho com um pedido de protecção para evitar a falência devido aos<br />

efeitos da pandemia.<br />

DISNEY:<br />

A COVID-19 custou<br />

ao gigante<br />

do entretenimento<br />

1,4 mil milhões<br />

de dólares<br />

62 | Exame Moçambique


julho 2020 | 63


GLOBAL FORTUNAS<br />

OS NOVOS BILIONÁRIOS<br />

DA TECNOLOGIA<br />

Entre as histórias milionárias do lockdown destacam-se as de Eric Yuan, engenheiro<br />

de software, pai da Zoom, que ganhou perto de três “bis”, e de Tobias Lütke, da Shopify,<br />

que se tornou a empresa mais valiosa do Canadá<br />

ELON MUSK:<br />

Conseguiu que os<br />

investidores<br />

atribuam mais valor<br />

à sua Tesla que à<br />

Toyota<br />

REUTERS<br />

64 | Exame Moçambique


Tobias Lütke, o alemão naturalizado<br />

canadiano, gosta que<br />

comparem os seus escritórios<br />

aos melhores hotéis-boutique<br />

de Otava. Não faltam chesterfields,<br />

máquinas de cerveja e salas de<br />

ioga. Este programador autodidacta, que<br />

na juventude quis montar uma loja virtual<br />

de equipamentos para a prática de<br />

snowboard e, não a encontrando, acabou<br />

por desenvolver a sua própria solução,<br />

é a estrela que mais brilha na galáxia<br />

fervilhante da bolsa mais poderosa do<br />

mundo. Em Wall Street, este ano, a Shopify,<br />

empresa que fundou em 2004, acumula<br />

ganhos superiores a 100%.<br />

Aos 39 anos, o entrepreneur não tem<br />

(ainda) a fama nem a fortuna de Jeff Bezos<br />

ou Mark Zuckerberg, mas durante a crise<br />

a sua empresa e, por consequência, a sua<br />

fortuna, teve um ritmo de crescimento<br />

superior ao dos seus antagonistas. O valor<br />

de mercado da Shopify superou os 100 mil<br />

milhões de dólares, bateu o Royal Bank of<br />

Canadá e tornou-se a empresa mais valiosa<br />

da 16.ª economia do mundo, o Canadá.<br />

Lütke anunciou, recentemente, acordos<br />

com a Walmart e o Facebook, que dão<br />

aos comerciantes que utilizam a sua plataforma<br />

on-line a possibilidade de vender<br />

pelo Facebook Shop e Instagram. Ou seja,<br />

impulsionou o crescimento da empresa e<br />

a sua conta pessoal, que, na altura em que<br />

investigávamos para este artigo, ascendia<br />

a 6,6 mil milhões.<br />

A tecnologia é o sector que mais valorizou<br />

nestes meses de crise sanitária, que<br />

encontrou no home office a saída possível.<br />

Que o diga Eric Yuan, engenheiro de software,<br />

pai da Zoom. O papel da sua “mina<br />

de ouro”, a plataforma de videoconferências,<br />

ultrapassou os 223 dólares, cinco vezes<br />

mais do que o preço da oferta pública inicial<br />

(IPO, na sigla inglesa) com que entrou<br />

no mercado há apenas catorze meses.<br />

Chinês de nascimento, Yuan emigrou<br />

com alguma dificuldade para os Estados<br />

Unidos, onde obteve a dupla nacionalidade.<br />

Fez carreira na WebEx, empresa comprada<br />

pela Cisco, em 2007, da qual levou tampa<br />

quando apresentou um projecto de videoconferências,<br />

o que o levou a bater com a<br />

porta, sacudir a frustração e fundar, em<br />

2011, a empresa sem a qual teria sido mais<br />

difícil ao mundo empresarial colocar os<br />

trabalhadores em teletrabalho.<br />

Eric Yuan é hoje um dos 300 homens<br />

mais ricos do mundo. Um bilionário,<br />

com uma fortuna idêntica à de Tobias<br />

Lütke. Vive o sonho americano na plenitude<br />

e agradece ao novo coronavírus os<br />

300 milhões de utilizadores conquistados<br />

durante o lockdown. As videoconferências<br />

revelaram-se um filão tão proveitoso<br />

que a Microsoft e a Cisco, que, não o ouviram<br />

quando Yuan lhes propôs o negócio,<br />

estão-lhe no encalço.<br />

MARCAS<br />

CONTRA O ÓDIO<br />

MEXEM NO<br />

BOLSO DE<br />

ZUCKERBERG<br />

As grandes marcas da indústria<br />

estão a tomar posição contra o<br />

ódio, deixando os bolsos de Mark<br />

Zuckerberg um tudo nada menos<br />

cheios. O movimento que está a<br />

cavalgar a onda acontece durante a<br />

crise da COVID-19, que ainda assola<br />

o mundo, mas vai muito para além<br />

dela. À medida que se aproximam<br />

as eleições presidenciais nos<br />

Estados Unidos, o discurso na rede<br />

social polariza-se e gigantes como<br />

a Unilever, Verizon e Coca-Cola<br />

decidiram cortar a publicidade<br />

no Facebook. Em bolsa, o papel<br />

veio por aí abaixo e a fortuna do<br />

fundador e CEO da empresa sofreu<br />

um golpe de 7 mil milhões de<br />

dólares. É cedo para avaliar<br />

a extensão do estrago<br />

de Zuckerberg, que terá sido um<br />

dos que mais ganhou com<br />

o confinamento global.<br />

TRAVÕES A FUNDO<br />

COM EXCEPÇÃO DE MUSK<br />

Na frota da indústria automóvel mundial,<br />

apenas uma fortuna acelerou nos<br />

últimos meses, a de Elon Musk. O accionista<br />

maioritário da Tesla “pesa” agora<br />

uns módicos 38,2 mil milhões de dólares,<br />

segundo a Business Insider. O facto<br />

não terá directamente a ver com a crise,<br />

mas tão simplesmente com a lógica das<br />

expectativas que faz mover Wall Street,<br />

onde a fabricante está cotada. Um e-mail<br />

em que Musk dizia aos colaboradores que<br />

está tudo a postos para iniciar a produção<br />

em série do camião Semi, o primeiro<br />

da empresa, terá transpirado para o mercado<br />

e provocado a euforia dos investidores.<br />

Seja como for, as acções da Tesla,<br />

que há um ano, sim, há um ano, valiam<br />

170 dólares, atingiram no dia 10 de Junho<br />

os mil dólares por acção, elevando a capitalização<br />

bolsista para a casa dos 190 mil<br />

milhões de dólares.<br />

O papel Tesla, por norma, sobe e desce,<br />

qual carrossel, sempre que o excêntrico<br />

empresário sul- africano-canadiano fala<br />

ou “tuita”. Ignora-se, portanto, em que<br />

sentido irá a sua evolução nos próximos<br />

tempos, contudo não deixa de ser<br />

impressionante que os investidores atribuam<br />

mais valor a uma empresa que, em<br />

2019, vendeu menos de 400 mil carros do<br />

que à japonesa Toyota, que comercializou<br />

10 milhões.<br />

Durante a pandemia, a generalidade<br />

da indústria automóvel travou a fundo,<br />

parando a produção e colocando linhas<br />

de montagem ao serviço da comunidade<br />

— em Espanha, a Seat produziu ventiladores,<br />

e na Alemanha a Mercedes-Benz pôs<br />

as impressoras 3D a fabricar componentes<br />

individuais para equipamentos médicos.<br />

Nos stands fechados, as vendas foram ao<br />

zero. Só o grupo Volkswagen, maior fabricante<br />

do mundo, produziu menos 23% entre<br />

Janeiro e Março, com o volume de negócios<br />

a recuar 8,3% para 61,8 mil milhões<br />

de dólares (55,1 mil milhões de euros).<br />

Menos produção, menos vendas, menos<br />

lucros — este é o retrato de um sector que<br />

vive actualmente uma fase complexa de<br />

transição rumo a um futuro mais ecológico.<br />

A.R. b<br />

julho 2020 | 65


DESPORTO FÓRMULA 1<br />

EM MODO<br />

CURTO-CIRCUITO<br />

CIRCO: Está de volta em versão<br />

condensada devido à crise pandémica<br />

Lewis Hamilton e a Mercedes partem superfavoritos no Mundial<br />

de F1 mais atípico dos últimos anos, já que a pandemia reduziu o calendário original<br />

e trouxe alguma incerteza ao circuito<br />

ANDRÉ PIPA<br />

66 | Exame Moçambique


A FIA, FACE AOS EFEITOS<br />

DA PANDEMIA, FEZ<br />

APROVAR UM PACOTE<br />

DE ALTERAÇÕES AOS<br />

REGULAMENTOS DA F1<br />

Os adeptos europeus perderam três GP<br />

clássicos por causa do vírus — Holanda<br />

(Zandvoort), França (Paul Ricard) e, sobretudo,<br />

Mónaco, mais o seu inigualável circuito<br />

citadino de Monte Carlo. Os fãs da<br />

modalidade podem, entretanto, ter um<br />

inesperado jackpot se a Federação Internacional<br />

do Automóvel (FIA) confirmar<br />

a notícia que corre com insistência nos<br />

bastidores: a realização de um Grande<br />

Prémio no Autódromo Internacional do<br />

Algarve (AIA), em Portimão, Portugal,<br />

(será o 26.º Grande Prémio de Portugal),<br />

possivelmente a 27 Setembro. Recentemente<br />

reclassificado pela FIA com a nota<br />

máxima para circuitos (grau 1), a pista da<br />

Mexilhoeira Grande — tem 4,684 quilómetros,<br />

16 curvas e todas as infra-estruturas<br />

de apoio exigidas pelo “circo” — poderá,<br />

à semelhança da Áustria e da Grã-Bretanha,<br />

acolher uma segunda corrida a 4 de<br />

Outubro sob a designação Grande Prémio<br />

do Algarve. A confirmar-se, é uma grande<br />

notícia para os fãs portugueses, que não<br />

vêem um Grande Prémio em Portugal<br />

desde que o Estoril acolheu a última corrida<br />

em Setembro de 1996 (vitória de Jacques<br />

Villeneuve em Williams-Renault).<br />

A F1 movimenta milhões e é um dos poucos<br />

desportos verdadeiramente globais,<br />

garantindo por isso um impacto mediático/promocional<br />

nessa escala de grandeza.<br />

Além dos GP da Austrália (que abrem a<br />

temporada), Holanda, Mónaco e França,<br />

também foram cancelados os GP do Azerbaijão,<br />

Singapura e Japão. O director desportivo<br />

e técnico da Fórmula 1, Ross Brawn,<br />

já garantiu que a recta final do campeonato<br />

decorrerá no Médio Oriente — Bahrain e<br />

Abu Dhabi estão confirmados — e afirmou<br />

que não está “descartada a possibilidade<br />

de algumas corridas poderem contar com<br />

público se a situação da pandemia evoluir<br />

favoravelmente”.<br />

Preocupado com o efeito devastador<br />

do coronavírus no desporto automóvel<br />

em geral e na F1 em particular — nem<br />

todas as escuderias têm o músculo financeiro<br />

da Ferrari, Mercedes ou Red Bull<br />

—, a FIA não perdeu tempo a prevenir o<br />

futuro e fez aprovar, através do seu Conselho<br />

Mundial, um pacote de alterações<br />

aos regulamentos desportivos e técnicos<br />

da F1, sobressaindo a obrigatoriedade de<br />

redução em 2021 do limite de despesas<br />

O<br />

piloto inglês Lewis Hamilton<br />

e a Mercedes são as apostas<br />

mais seguras para os títulos<br />

de pilotos e construtores<br />

no Mundial de F1, cuja<br />

71.ª temporada fica desde já marcada pelos<br />

efeitos da pandemia COVID-19. Aquele<br />

que seria o campeonato com mais corridas<br />

da história (22) encontra-se, por ora,<br />

reduzido a uma primeira etapa europeia<br />

com oito grandes prémios confirmados<br />

até ao dia 13 Setembro, não se sabendo<br />

onde e quando se disputarão as restantes<br />

corridas — estão previstas mais sete,<br />

podendo, se a pandemia permitir, chegar<br />

a dez. Confirmados estão o GP da Áustria<br />

com dose dupla no Red Bull Ring de<br />

Spielberg, a 6 e 12 de Julho — este último<br />

levará a designação GP da Estíria; o GP<br />

da Hungria (Hungaroring), a 19 Julho; o<br />

GP da Grã-Bretanha, com nova dose dupla<br />

em Silverstone, a 2 e 9 Agosto, sendo que<br />

a segunda corrida comemora os 70 anos<br />

da Fórmula 1; o GP de Espanha na Catalunha,<br />

a 16 Agosto; o GP da Bélgica, em<br />

Spa-Francorchamps, a 30 Agosto; e o GP<br />

de Itália, em Monza, a 6 Setembro.<br />

por equipa e por temporada de 157 para<br />

130,8 milhões de euros. Nos anos seguintes<br />

esse limite será ainda mais restritivo.<br />

HEGEMÓNICOS<br />

Em termos desportivos, a potência e fiabilidade<br />

da Mercedes garantem a Lewis<br />

Hamilton a possibilidade de concretizar<br />

aquilo que se julgava “impossível”: igualar<br />

os sete títulos mundiais de Michael<br />

Schumacher e suplantar, de passagem, o<br />

recorde de vitórias (91) em grandes prémios<br />

do malogrado piloto alemão. Hamilton<br />

tem 84 triunfos e a única dúvida é<br />

julho 2020 | 67


DESPORTO FÓRMULA 1<br />

A MERCEDES CONTINUA<br />

INACESSÍVEL, A DESPEITO<br />

DA AMEAÇA QUE<br />

REPRESENTA MAX<br />

VERSTAPPEN (RED BULL)<br />

POKER DE ASES<br />

MERCEDES AMG PETRONAS<br />

Director: Toto Wolff<br />

Director técnico: James Allison<br />

Monolugar: F1 W11<br />

Motor: Mercedes F1 M11 EQ<br />

Pilotos:<br />

Lewis Hamilton (Grã-Bretanha),<br />

250 GP – 84 vitórias – 151 pódios<br />

Valtteri Bottas (Finlândia) - 139 GP<br />

– 7 vitórias – 45 pódios<br />

SCUDERIA FERRARI<br />

Director: Mattia Binotto<br />

Director técnico: Simone Resta<br />

Monolugar: SF1000<br />

Motor: Ferrari 065<br />

Pilotos:<br />

Sebastian Vettel (Alemanha),<br />

240 GP – 53 vitórias – 120 pódios<br />

Charles Leclerc (Mónaco) - 42 GP<br />

– 2 vitórias – 10 pódios<br />

RED BULL RACING<br />

Director: Christian Horner<br />

Director técnico: Pierre Wache<br />

Monolugar: RB16<br />

Motor: Honda RA620H<br />

Pilotos:<br />

Max Verstappen (Holanda), 120 GP<br />

8 vitórias – 31 pódios<br />

Alexander Albon (Tailândia) - 21 GP<br />

0 vitórias – 0 pódios (melhor res.<br />

6.º lugar)<br />

McLAREN<br />

Director: Andreas Seidl<br />

Director técnico: James Kay<br />

Monolugar: MCL35<br />

Motor: Renault E-Tech 20<br />

Pilotos:<br />

Carlos Sainz Jr. (Espanha), 102 GP<br />

0 vitórias – 1 pódio<br />

Lando Norris (Grã-Bretanha)<br />

21 GP – 0 vitórias – 0 pódios<br />

(melhor res. 6.º lugar)<br />

LEWIS HAMILTON:<br />

A possibilidade de igualar<br />

os sete títulos mundiais<br />

do Michael Schumacher<br />

saber em que corrida e em que circuito<br />

vai ultrapassar de vez a marca de Schumi.<br />

A superioridade de Lewis e da Mercedes<br />

tem sido de tal forma vincada e constante<br />

que nenhum outro cenário, como<br />

o eventual triunfo do vice finlandês Valtteri<br />

Bottas, é de equacionar... pelo menos<br />

em circunstâncias normais. Hamilton é<br />

a marca registada do gigante alemão e<br />

ninguém tem dúvidas sobre qual é o foco<br />

principal da equipa de Toto Wolff: a conquista<br />

do histórico duplo “hepta” — o do<br />

piloto e o da construtora que, a acontecer,<br />

seria o sétimo consecutivo (!), superando<br />

definitivamente o recorde (6) da<br />

rival Ferrari.<br />

Os treinos na Catalunha para o [posterioremente<br />

cancelado] GP da Austrália<br />

confirmaram a ideia de que a Mercedes<br />

continua inacessível, a despeito da ameaça<br />

que representa Max Verstappen (Red<br />

Bull), que surgiu bastante forte na recta<br />

final da temporada passada. O holandês<br />

Jan Lammers, antigo boss da A1 Team<br />

Netherlands (onde correu Jos Verstappen,<br />

pai de Max), considera que este<br />

pode ser o ano do compatriota: “Talvez<br />

Max esteja a começar aquilo que pode<br />

vir a ser a sua primeira campanha bem-<br />

-sucedida no Mundial. A Red Bull esteve<br />

fiável em Barcelona e a minha intuição é<br />

que eles estão bem melhor do que pensamos.<br />

Creio que a Mercedes descobrirá<br />

como é difícil conseguir sete títulos mundiais<br />

seguidos. Este pode ser o ano da Red<br />

Bull e de Max Verstappen”, disse Lammers.<br />

O próprio piloto, de 22 anos, acredita<br />

nessa possibilidade: “Estou ansioso<br />

para começar depois de uma pausa muito<br />

longa e vou tentar lutar pela vitória em<br />

todas as corridas”, declarou Max à cadeia<br />

RTL. “Toda a equipa tem como objectivo<br />

vencer o campeonato”, acrescentou Verstappen,<br />

que se estreia a correr em casa —<br />

dois GP seguidos no Red Bull Ring de<br />

Spielberg. O holandês diz que a ausência<br />

de público “não prejudica o meu verdadeiro<br />

objectivo: vencer as duas corridas”.<br />

Voltando à favorita Mercedes, o facto<br />

de ambos os pilotos terminarem contrato<br />

no final deste ano, aliado à anunciada<br />

saída de Sebastian Vettel da Ferrari<br />

(será substituído pelo espanhol Carlos<br />

Sainz Jr.) tem sido fonte de mexericos de<br />

vária ordem mas, daquilo que se sabe, a<br />

Mercedes vai apostar forte na continuidade<br />

do hexacampeão mundial, estando<br />

preparada para, se for caso disso, deixar<br />

sair Bottas. O próprio futuro da Mercedes<br />

68 | Exame Moçambique


na Fórmula 1 tem sido fonte de rumores,<br />

não faltando no “circo” quem acredite que<br />

a marca alemã está a pensar na retirada<br />

a breve prazo. Um deles é Eddie Jordan.<br />

O proprietário da antiga escuderia britânica,<br />

em declarações ao site F1-Inside, previu<br />

que a Mercedes “vai deixar a F1 dentro<br />

de dois anos” e que “Lewis Hamilton vai<br />

para a Ferrari”. Disse Jordan: “O mundo<br />

mudou completamente por causa do coronavírus.<br />

Os valores das pessoas mudaram<br />

e a consciência ambiental tornou-se uma<br />

prioridade. Para os responsáveis deste desporto<br />

isso significa que chegou a hora de<br />

repensar o futuro. Tenho certeza de que<br />

construtoras como a Mercedes, a Honda<br />

e talvez a Renault vão romper contratos<br />

e encerrar os seus compromissos na F1<br />

dentro dos próximos dois anos”, disse<br />

Jordan, sublinhando que “a Mercedes<br />

já não tem mais nada para fazer: conquistou<br />

tudo, não pode ir mais além...”<br />

Sobre Hamilton, Eddie Jordan disse que<br />

o futuro do britânico passa por Itália:<br />

“Lewis vai para a Ferrari. Somente os italianos<br />

podem pagar o seu salário [cerca<br />

de 44 milhões euros/ano] e até sabem que<br />

o investimento vale a pena. Verstappen<br />

ficará na Red Bull e tentará vencer Lewis,<br />

mas será muito difícil.”<br />

Há quem avance que o director da Mercedes,<br />

Toto Wolff, está a considerar a possibilidade<br />

de contratar Sebastian Vettel<br />

(Ferrari) em 2021. Sabe-se que a Daimler<br />

[proprietária da Mercedes] veria com<br />

muitos bons olhos ter novamente um<br />

piloto alemão na equipa, o que não acontece<br />

desde o abandono de Nico Rosberg<br />

em 2016. Juntar no mesmo team Hamilton<br />

e Vettel, uma superdupla destinada a<br />

arrasar — juntos valem neste momento<br />

dez títulos, 137 vitórias e 271 pódios —,<br />

garantiria mais um ano ou dois de hegemonia<br />

à marca alemã. Antes de, quem<br />

sabe, deixar as pistas com um recorde<br />

de triunfos dificilmente alcançável. Lembre-se<br />

que desde o início da era híbrida<br />

na F1 (na Austrália-2014) com a adop-<br />

julho 2020 | 69


DESPORTO FÓRMULA 1<br />

ção dos motores V6 1.6 Turbo assistidos<br />

electricamente, correram-se 121 Grandes<br />

Prémios, sendo 89 deles ganhos pela<br />

Mercedes (uma incrível percentagem de<br />

êxito de 73,55%), contra apenas 17 vitórias<br />

da Ferrari e 15 da Red Bull.<br />

FERRARI A VÊ-LOS PASSAR<br />

Dezassete triunfos em 121 GP é uma estatística<br />

desanimadora para a mítica escuderia<br />

italiana, que não ganha um Mundial de<br />

Pilotos desde 2007 (com Kimi Räikkonen)<br />

e o título de Construtores desde 2008. São<br />

muitos anos de jejum para o emblema mais<br />

carismático do circuito, mas a verdade é<br />

que dificilmente a Ferrari conseguirá este<br />

ano aproximar-se da Mercedes a ponto<br />

de discutir a primazia. No ano passado a<br />

Ferrari somou 504 pontos contra 739 da<br />

equipa alemã (e 417 da Red Bull) e viu os<br />

seus dois pilotos — o monegasco Charles<br />

Leclerc (264 pontos) e o alemão Vettel (264)<br />

— terminarem atrás de Max Verstappen<br />

(278), Valtteri Bottas (326) e Lewis Hamilton<br />

(413). É verdade que o jovem Leclerc<br />

(22 anos) foi a grande revelação da temporada<br />

— duas vitórias, dez pódios e seis<br />

poles no ano de estreia pela Ferrari (tinha<br />

sido piloto de testes da escuderia em 2016 e<br />

2017) —, tendo inclusivamente superado o<br />

colega tetracampeão do mundo; mas, tudo<br />

somado, não deverá chegar para suplantar<br />

o padrão da época passada, que é demasiado<br />

curto para uma marca com o peso<br />

e as ambições da Cavallino Rampante.<br />

O antigo patrão da F1, Bernie Ecclestone,<br />

foi curto e seco quando comentou para o<br />

diário alemão Blick os resultados dos testes<br />

de Inverno: “O carro [Ferrari] obviamente<br />

não é bom. Mas, como milhões de<br />

fãs dos [monolugares] vermelhos, estou à<br />

espera de ser surpreendido...”<br />

Como se não bastasse a crónica falta<br />

de fiabilidade dos Ferrari (sobretudo<br />

quando comparados com os flechas de<br />

prata), as relações entre Vettel e o emergente<br />

Leclerc não são as melhores, o que<br />

dificulta o trabalho de equipa. Fricções,<br />

ciúmes e desentendimentos não constituem<br />

novidade num mundo tão egocêntrico<br />

e “umbiguista” como o dos pilotos de<br />

F1, mas o pior é quando os jornais tomam<br />

partido na guerra, como parece ter acontecido<br />

quando se soube, pela imprensa italiana,<br />

que Sebastian Vettel, ao contrário<br />

de Leclerc, não aceitou reduzir o seu salário<br />

durante a fase mais dura da pandemia,<br />

quando toda a Itália estava confinada em<br />

casa. “Falei com Charles [Leclerc] sobre os<br />

testes de Fiorano para o GP da Áustria e<br />

agradeci-lhe o seu apoio espontâneo ao<br />

nosso programa de redução de custos”,<br />

disse, num tom aparentemente casual, o<br />

director da escuderia Matias Binotto em<br />

entrevista ao jornal La Stampa, de Turim.<br />

Binotto não mencionou Vettel especificamente,<br />

mas deixou explícito que Leclerc,<br />

que tem contrato até 2024, concordou com<br />

uma redução de 25% do seu salário de<br />

12 milhões de euros/ano. A imprensa alemã<br />

levou a história a peito e saiu em defesa do<br />

“seu” piloto, noticiando que Vettel “doou<br />

muito dinheiro não só em Itália como noutros<br />

lugares da Europa para ajudar a minorar<br />

os efeitos da pandemia”. “Vettel quer<br />

ajudar, mas prefere decidir onde e como,<br />

em vez de deixar essa decisão para a Ferrari...”,<br />

escreveu um jornalista do diário<br />

Bild, Lennart Wermke. Não se sabe se este<br />

conflito ítalo-germânico é para continuar,<br />

como não se sabe se o fogoso Leclerc vai<br />

ter de ajoelhar-se perante o estatuto do<br />

colega alemão de equipa, que tem um<br />

tetracampeonato no currículo. Sabe-se é<br />

que Lewis Hamilton tenciona ajoelhar-se<br />

na pista durante a entoação do hino austríaco<br />

no primeiro GP da época, num gesto<br />

de solidariedade com o movimento mundial<br />

Black Lives Matter. O campeão conta<br />

com o apoio do presidente da FIA, Jean<br />

Todt (“tenho o maior respeito por Lewis<br />

Hamilton e pelo seu trabalho nas redes<br />

sociais. A FIA também é muito activa em<br />

questões de direitos humanos”, disse o<br />

dirigente francês), mas ninguém é profeta<br />

na sua terra, a julgar pela opinião do político<br />

britânico Nigel Farage, líder do partido<br />

Brexit, sobre o famoso compatriota:<br />

“Hamilton tem aplaudido a demolição de<br />

estátuas e apelado à remoção de todos os<br />

símbolos racistas do mundo. Mas depois<br />

recebe 40 milhões de libras [cerca de 44<br />

milhões de euros] por ano da Mercedes,<br />

uma escuderia que tem lucrado bastante<br />

com a escravidão.b<br />

CAMPEÕES NOS ÚLTIMOS 15 ANOS<br />

Ano Pilotos Construtores<br />

2019 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />

2018 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />

2017 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />

2016 Nico Rosberg (Mercedes) Mercedes<br />

2015 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />

2014 Lewis Hamilton (Mercedes) Mercedes<br />

2013 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />

2012 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />

2011 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />

2010 Sebastian Vettel (Red Bull-Renault) Red Bull Racing<br />

2009 Jenson Button (Brawn-Mercedes) Brawn GP Formula 1<br />

2008 Lewis Hamilton (McLaren-Mercedes) Ferrari<br />

2007 Kimi Räikkonen (Ferrari) Ferrari<br />

2006 Fernando Alonso (Renault) Renault F1 Team<br />

2005 Fernando Alonso (Renault) Renault F1 Team<br />

70 | Exame Moçambique


julho 2020 | 71


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

72 | Exame Moçambique


COM O APOIO DE:<br />

ÁFRICA É<br />

MUITO<br />

CRIATIVA<br />

O continente tem poucos recursos,<br />

mas não lhe falta capacidade de inovação,<br />

com respostas a problemas concretos que<br />

surpreendem o mundo. As startups<br />

africanas têm atraído investimento<br />

externo e serão decisivas na definição<br />

de um padrão de desenvolvimento<br />

próprio e sustentável<br />

74 TALENTO<br />

Em África não<br />

faltam exemplos<br />

78 EY<br />

Apoiar projectos<br />

inovadores<br />

julho 2020 | 73


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

Apesar de não ser fértil em<br />

recursos financeiros, África<br />

possui matérias-primas e<br />

mostra ser capaz de surpreender<br />

o mundo em<br />

matéria de inovação. Por todo o continente,<br />

provas de criatividade e capacidade<br />

para concretizar projectos inovadores<br />

não faltam. A utilização do telemóvel é<br />

elevada e a dispersão populacional em<br />

várias zonas tem impulsionado invenções<br />

associadas à inovação. Estas inovações<br />

têm-se mostrado uma forma de<br />

alargar acessos de comunidades isoladas<br />

a serviços, proporcionando em especial a<br />

inclusão financeira. São ainda surpreendentes<br />

as soluções encontradas no plano<br />

dos serviços de comunicação. Também<br />

onde existem problemas muito sérios,<br />

como os que respeitam ao acesso a utilities<br />

básicas como água e energia, não têm<br />

faltado respostas criativas.<br />

Muitos dos exemplos inovadores que o<br />

continente exibe com sucesso não beneficiam,<br />

contudo, como deviam dos benefícios<br />

a retirar dos direitos de propriedade<br />

intelectual (PI). Os sistemas de PI são hoje<br />

decisivos para o êxito dos processos de<br />

inovação. Lá voltaremos.<br />

AS ECONOMIAS AFRICANAS<br />

TERÃO DE DIVERSIFICAR-SE<br />

E ADOPTAR UM PADRÃO DE<br />

DESENVOLVIMENTO ASSENTE<br />

NA CAPACIDADE DE INOVAÇÃO<br />

África, nomeadamente a Subsariana,<br />

vem apresentando taxas de crescimento<br />

globais acima da média mundial, assim<br />

como uma elevada taxa de crescimento<br />

da sua população. A população do continente<br />

deverá duplicar em 2050, passando<br />

dos actuais 1,2 mil milhões de habitantes<br />

para 2,4 mil milhões, dos quais mais<br />

de 60% terão menos de 25 anos. Acontece<br />

que, apesar dos bons desempenhos<br />

conseguidos em alguns países africanos,<br />

IHUB: Em Nairobi,<br />

estende-se por sete mil<br />

metros quadrados<br />

o crescimento não foi acompanhado pelo<br />

emprego de uma população extremamente<br />

jovem e que representa uma oportunidade,<br />

mas também um enorme desafio. A taxa<br />

de desemprego em África supera muito a<br />

média mundial. O sector agrícola, os serviços<br />

financeiros e as telecomunicações<br />

ocupam a maior parte do emprego, mas<br />

a indústria só emprega 6,5% das pessoas<br />

que trabalham.<br />

A queda do preço das matérias-primas<br />

exportadas pelo continente e as restrições<br />

no acesso ao financiamento, em<br />

consequência da crise global originada<br />

pela pandemia, irão tornar mais premente<br />

a diversificação da economia e a<br />

adopção de um padrão de desenvolvimento<br />

próprio, tal como o fizeram países<br />

como o Japão, a China e a Coreia do<br />

Sul. A Coreia do Sul, um dos "dragões<br />

asiáticos", é uma demonstração de que<br />

as políticas públicas dirigidas à inovação<br />

podem gerar processos de desenvolvimento<br />

sustentados.<br />

INTERNET É BEM-VINDA<br />

Na África Subsariana o aumento do acesso<br />

à Internet é visto como positivo para<br />

a sociedade e economia<br />

Impacto da Internet (em %)<br />

Educação<br />

Economia<br />

Relações<br />

pessoais<br />

Política<br />

Ética<br />

Boa influência<br />

45<br />

52<br />

63<br />

62<br />

79 5<br />

Não Influencia<br />

10<br />

8<br />

16<br />

Má influência<br />

Nota: Média de seis países com base na amostra recolhida no Gana,<br />

Nigéria, Senegal, África do Sul e Tanzânia<br />

Fonte: PEW Research Center.<br />

11<br />

12<br />

22<br />

27<br />

13<br />

39<br />

74 | Exame Moçambique


Ao mesmo tempo que o continente tem<br />

cada vez mais dificuldade em captar investimento<br />

directo estrangeiro para os sectores<br />

tradicionais, o qual agora se retraiu<br />

drasticamente com a crise pandémica,<br />

não tem deixado de chegar dinheiro de<br />

fora dirigido às iniciativas mais criativas.<br />

Segundo a gestora Partech Ventures, só<br />

em 2016 as startups africanas captaram<br />

financiamentos de 367 milhões de dólares,<br />

quatro vezes mais que quatro anos<br />

antes. Os desafios são tantos e a produtividade<br />

tão baixa que é sempre possível<br />

melhorar, e melhorar bastante, se houver<br />

imaginação.<br />

INOVAÇÃO FEBRIL<br />

Os empresários africanos têm encontrado<br />

respostas inovadoras para os problemas<br />

mais imediatos e mostrado um<br />

elevado pragmatismo. Em grande parte<br />

dos países africanos há mais telemóveis<br />

do que habitantes, que deles passaram a<br />

depender para aceder a muitos serviços e<br />

mesmo às suas contas bancárias. A questão<br />

é que os telemóveis têm de ser carregados<br />

e a energia, principalmente em<br />

zonas mais afastadas, é um bem escasso.<br />

No Ruanda, Henry Nyakarundi criou<br />

uma plataforma que funciona como um<br />

quiosque móvel, que pode carregar até<br />

dezasseis telemóveis ao mesmo tempo.<br />

As baterias da plataforma são carregadas<br />

por painéis solares ou mesmo por um sistema<br />

de pedale. Os engarrafamentos são<br />

o dia-a-dia nas grandes cidades africanas.<br />

No Quénia, uma aplicação para telemóvel<br />

permite enviar mensagens aos motoristas<br />

para evitar engarrafamentos em Nairobi.<br />

A aplicação informa os utilizadores<br />

sobre as condições de tráfego, enviando a<br />

recomendação de rotas que evitem congestionamentos.<br />

Assenta as suas recomendações<br />

num sistema central que utiliza<br />

algoritmos de reconhecimento das imagens<br />

captadas pelas câmaras<br />

existentes na cidade.<br />

Em matéria de geração<br />

de energia há<br />

mais inovação<br />

que brilha no<br />

continente.<br />

É o caso da<br />

turbina eólica<br />

sem pás, inspirada<br />

nos<br />

barcos à vela,<br />

desenvolvida<br />

p o r u m a<br />

startup tunisina.<br />

A inovação<br />

deve-se a Hassine<br />

Labaied e Anis Aouini,<br />

da Saphon Energy. A turbina, que<br />

recebeu uma patente internacional em<br />

Março de 2013, assenta na conversão,<br />

primeiro, da energia eólica em energia<br />

mecânica, recorrendo à utilização de pistões<br />

e energia hidráulica, e finalmente em<br />

electricidade. O kit de teste antimalária<br />

é uma contribuição da criatividade do<br />

continente para o combate a um dos seus<br />

maiores flagelos de saúde pública. O kit<br />

de diagnóstico médico rápido (20 minutos)<br />

antimalária do sul-africano Ashley<br />

Uys é um dos nove desenvolvidos a nível<br />

mundial. Para repelir os mosquitos, causadores<br />

da malária, dois estudantes do<br />

CONTINENTE<br />

DIGITALIZA-SE<br />

África já possui:<br />

942 milhões<br />

de telemóveis<br />

498 milhões<br />

de smartphones<br />

60% de penetração<br />

e utilização de wi-fi


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

M PESA: Criado<br />

para reembolsar<br />

microcréditos,<br />

passou a<br />

permitir<br />

transferir<br />

dinheiro<br />

O CASO DA M-PESA<br />

Lançado em 2007 pela Vodafone para<br />

a Vodacom e a Safaricom, a empresa<br />

nacional de telecomunicações do Quénia,<br />

a M-Pesa (M referencia o telemóvel<br />

e Pesa significa dinheiro em Swahili) foi<br />

originalmente concebida para permitir<br />

o reembolso de dívidas de microcrédito<br />

por telemóvel, com a promessa de reduzir<br />

os custos relacionados com a gestão de<br />

dinheiro cash (transportes, risco…) e de<br />

poder aplicar uma taxa de juro mais baixa<br />

e tornar possível a transferência de<br />

cêntimos.<br />

O lançamento de uma versão piloto<br />

permitiu medir a apetência da população<br />

por um serviço do género e encorajou<br />

a Safaricom a alargar a sua oferta a um<br />

sistema de transferência de dinheiro.<br />

O sistema alavancou-se numa rede de<br />

pequenos comerciantes, dispersa por todo<br />

o país e de fácil acesso para os utilizadores<br />

que pretendem depositar ou levantar<br />

dinheiro.<br />

Um serviço que facilitou os pagamentos<br />

entre particulares, facilitando o<br />

afastamento das famílias entre as zonas<br />

rurais e urbanas, bem como facilitando as<br />

transacções comerciais, sem esquecer que<br />

se tornou também uma alternativa mais<br />

segura para os comerciantes. Em poucos<br />

anos, este sistema de pagamento virtual<br />

substituiu quase por completo o dinheiro<br />

em cash no comércio e nas repartições.<br />

Hoje, permite que 70% da população<br />

tenha acesso a serviços bancários básicos<br />

e é responsável por 9 milhões de<br />

transacções diárias, representando<br />

25% do PIB nacional.<br />

Os benefícios da M-Pesa estendem-se<br />

a todo o país. Um estudo demonstrou<br />

recentemente que as famílias rurais com<br />

M-Pesa aumentaram os seus rendimentos<br />

entre 5% e 30%. Além disso, o sistema<br />

permitiu o surgimento de um grande<br />

número de startups que basearam o seu<br />

modelo de receita na plataforma de<br />

pagamento. Actualmente, a M-Pesa até<br />

acolhe algumas delas na sua incubadora<br />

em Nairobi.<br />

O sistema da M-Pesa assenta numa rede<br />

de comerciantes independentes que<br />

rapidamente ultrapassou o número de<br />

agências bancárias. Em 2010, três anos<br />

após o seu lançamento, a rede contava<br />

com 17 600 parceiros contra 840 agências<br />

bancárias. Com este modelo, adicionar um<br />

novo comerciante à rede representa um<br />

custo marginal igual a zero, enquanto<br />

construir uma nova agência já representa<br />

um investimento. A M-Pesa é<br />

uma empresa infinita.<br />

Abderrahmane Chaoui, Senior Project Analyst na<br />

FABERNOVEL<br />

76 | Exame Moçambique


Instituto Internacional de Engenharia de<br />

Água e Meio Ambiente (2iE) de Burkina<br />

Faso desenvolveram um sabão especial.<br />

O cheiro do produto afasta os insectos.<br />

Um dos seus ingredientes também mata<br />

as larvas de Anopheles, impedindo a sua<br />

proliferação em águas estagnadas. Composto<br />

de citronela, calêndula, karité e<br />

outros ingredientes mantidos em segredo,<br />

o sabão Faso foi projectado para ser acessível<br />

a todos, produzido exclusivamente<br />

com recursos locais. Também no campo<br />

da telemedicina, agora mais popularizado<br />

com a pandemia, deram-se passos<br />

significativos. O Cardiopad é um tablet<br />

que permite fazer remotamente, sobretudo<br />

em zonas rurais, electrocardiogramas.<br />

Foi desenvolvido pelo camaronês<br />

Arthur Zang para fazer face ao precário<br />

rácio existente de 30 cardiologistas para 20<br />

milhões de pessoas com que o país conta.<br />

Através de SMS, Internet e call center,<br />

a plataforma Mlouma oferece aos<br />

produtores a oportunidade de comunicarem<br />

com os clientes sobre os seus<br />

produtos, indicando os preços, quantidades<br />

e locais de produção. A Mlouna,<br />

criada em 2012 pelo senegalês Abubakar<br />

Sidy Sonko, permite que 3 mil produtores<br />

se mantenham em contacto com os<br />

retalhistas. No Gana, a Ghanéen Bright<br />

Simons lançou a amPedigree em 2007,<br />

uma solução móvel que autentica medicamentos<br />

e reúne as principais operadoras<br />

de rede móvel em África, a indústria<br />

farmacêutica e as autoridades de saúde.<br />

Há muitos mais exemplos da capacidade<br />

inovadora dos africanos. Moçambique<br />

também oferece vários. A EXAME<br />

tem dedicado um espaço especial em cada<br />

uma das suas edições ao espírito empreendedor.<br />

Na sand box (caixa de areia), a<br />

incubadora que o Banco de Moçambique<br />

e o FSD Moçambique lançaram em<br />

Maio de 2018, têm participado empresas<br />

que se afirmam no mercado. É o caso da<br />

Paytec, uma fintech que opera na digitalização<br />

financeira e que João Gaspar,<br />

o seu CEO, disse nestas páginas, em entrevista,<br />

estar a desenvolver “uma solução<br />

de integração para o utilizador, permitindo<br />

que este efectue transacções de<br />

pagamento em lojas, compra de produtos<br />

ou serviços como pré-pagos, pacotes<br />

de TV, etc., a partir de uma única APP<br />

ou canal USSD, podendo funcionar com<br />

qualquer banco, com vários em simultâneo<br />

e/ou também com carteiras móveis”.<br />

BERÇOS CRIATIVOS<br />

Os países africanos mais inovadores são<br />

também aqueles que dedicam espaço de<br />

incubação e regulação própria às iniciativas<br />

disruptoras. No Quénia, o iHub<br />

tornou-se uma referência. Dispõe actualmente<br />

de um espaço moderno, que se<br />

estende por 7 mil metros quadrados, para<br />

acolher as empresas incubadas. Também<br />

a África do Sul e a Nigéria se têm destacado<br />

na atracção do investimento<br />

externo dirigido a projectos<br />

inovadores. Aliás,<br />

o primeiro “tricórnio”<br />

(startup cujo<br />

valor atinge<br />

mil milhões<br />

de dólares)<br />

africano<br />

é da Nigéria,<br />

a Jumia.<br />

O continente<br />

está não apenas<br />

a gerar<br />

empresas inovadoras,<br />

como<br />

também a torná-<br />

-las um ecossistema<br />

que inclui o iHub e outras incubadoras<br />

do Quénia, Wennovation e Co-Creation<br />

Hub, em Lagos, na Nigéria, blueMoon,<br />

em Adis-Abeba, na Etiópia, e Bandwidth<br />

Barn, na Cidade do Cabo, África do Sul.<br />

A maior oportunidade que se coloca<br />

à inovação em tempo de pandemia é o<br />

anúncio da descoberta de uma vacina.<br />

Uma inovação que move milhões e um<br />

marketing frenético. Anuncia-se algo<br />

minimamente preparado e a cotação em<br />

bolsa dispara, como aconteceu à antes<br />

desconhecida farmacêutica Moderna<br />

e aos parceiros da Oxford, a AstraZeneca.<br />

Os grandes negócios de laboratório<br />

não têm, no entanto, a exclusividade em<br />

matéria de inovação. A pandemia abre<br />

várias oportunidades na oferta de soluções<br />

inovadoras para os problemas que<br />

causa, sobretudo num continente onde<br />

os recursos orçamentais para responder<br />

ao surto são magros.<br />

O continente africano ao sul do Sara<br />

terá de assentar o seu desenvolvimento<br />

nas respostas concretas, adequadas, inovadoras,<br />

que os seus melhores talentos<br />

encontrem para os graves problemas que<br />

persistem e que tendem a avolumar-se<br />

com a explosão de uma população muito<br />

jovem e cada vez mais urbanizada.b


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

"A NECESSIDADE<br />

AGUÇA O ENGENHO"<br />

Os empreendedores africanos foram movidos pela necessidade, diz Bruno Dias, Partner<br />

de Consulting da EY em Moçambique, que invoca, a propósito, a expressão de Nelson<br />

Mandela: "Parece sempre impossível até ser feito"<br />

BRUNO DIAS:<br />

A EY apoia os<br />

seus clientes<br />

no lançamento<br />

de modelos<br />

de negócios<br />

inovadores<br />

78 | Exame Moçambique


Q<br />

ue oportunidades é que<br />

a inovação disruptiva<br />

pode trazer ao desenvolvimento<br />

em África?<br />

A inovação disruptiva<br />

é, e continuará a ser, uma realidade em<br />

África geradora de oportunidades de<br />

aceleração do seu desenvolvimento. Há<br />

vários exemplos de transformação disruptiva<br />

por introdução de simplicidade<br />

e acessibilidade, aproveitando novas tecnologias,<br />

mas também desenvolvendo<br />

novos modelos de negócios e explorando<br />

tecnologias antigas de novas maneiras.<br />

A KickStart é um exemplo deste tipo de<br />

inovação em África, produzindo equipamentos<br />

de baixo custo para cidadãos no<br />

Quénia, Tanzânia e Mali. Conseguiu criar<br />

as cadeias logísticas e adapta equipamentos<br />

às preferências do mercado.<br />

Uma das suas inovações é a bomba de<br />

irrigação accionada com o pé MoneyMaker,<br />

que aumenta radicalmente a produtividade<br />

no trabalho agrícola no campo. A bomba<br />

permite multiplicar por dez a receita anual<br />

do agricultor típico. A despesa inicial do<br />

agricultor é geralmente custeada por um<br />

microcrédito, em geral a ser pago entre<br />

três e seis meses.<br />

Os empresários e empreendedores africanos<br />

revelam um pragmatismo especial?<br />

Há um conhecido provérbio que diz que “a<br />

necessidade aguça o engenho”. Penso que<br />

é muito válido em África e está presente<br />

nos exemplos de inovação mais emblemáticos.<br />

Os empreendedores africanos<br />

conseguiram, por exemplo, substituir serviços<br />

financeiros tradicionais, fazendo-<br />

-os assentar em plataformas disruptivas<br />

assentes em serviços móveis inovadores,<br />

ou aproveitar energias de fontes renováveis<br />

onde a rede eléctrica não está disponível.<br />

Mais do que serem pragmáticos, os<br />

empreendedores africanos foram movidos<br />

pela necessidade e, parafraseando<br />

Mandela, “it always seems impossible<br />

until it is done”.<br />

A crescente utilização do telemóvel e a<br />

digitalização abrem portas à inovação<br />

num continente onde faltam infra-estruturas<br />

físicas?<br />

É um lugar comum dizer que África é o<br />

continente do futuro. Estima-se que em<br />

2050 mais de 50% da população em África<br />

terá menos de 25 anos. Um crescimento<br />

populacional a esta velocidade coloca o<br />

continente sob enorme pressão, nomeadamente<br />

no desemprego jovem, mas abre<br />

uma enorme oportunidade de capacitação<br />

nos paradigmas inerentes ao digital<br />

e à criação de emprego próprio. Exemplo<br />

disso é o programa da Google — “Digital<br />

skills for Africa”— que, em onze meses,<br />

capacitou gratuitamente um milhão de<br />

jovens em 27 países do continente com<br />

ferramentas digitais. Obviamente que é<br />

fundamental os governos continuarem<br />

a apostar na promoção dos sectores com<br />

potencial de aceleração do desenvolvimento<br />

económico-social e na melhoria das infra-<br />

-estruturas para acelerar este desígnio de<br />

inovação. Mas os empresários africanos<br />

já deram provas em contexto adverso e<br />

continuarão, seguramente, a dar provas<br />

do seu engenho.<br />

Em que tipo de projectos e processos<br />

inovadores mais tem participado a EY<br />

no continente?<br />

A EY tem apoiado clientes no lançamento<br />

de modelos de negócio inovadores em vários<br />

países do continente africano. Exemplos<br />

disso são o suporte ao lançamento de um<br />

“banco digital”, a implementação de soluções<br />

de automação inteligente de processos<br />

ou de analítica avançada que permitem<br />

conhecer melhor o cliente e a decisão empresarial<br />

mais sustentada. Outra área de foco<br />

em que publicámos recentemente um estudo<br />

foi a de inovação em inclusão financeira.<br />

Em Moçambique temos trabalhado nos<br />

últimos anos para criar competências nos<br />

vários domínios associados ao digital e temos<br />

alguns projectos activos de implementação<br />

tecnológica, de simplificação de processos<br />

e de concepção de soluções inovadoras.<br />

As utilities e os serviços públicos do continente<br />

terão de se inovar rapidamente<br />

face às mudanças induzidas nos ecossistemas<br />

pela tecnologia?<br />

Nas utilities existe já um grau de inovação<br />

muito interessante, nomeadamente ao nível<br />

dos meios e canais de pagamento, de que<br />

o Credelec é um exemplo em Moçambique.<br />

A evolução para novos paradigmas de<br />

inovação, como os smart grids ou micro-<br />

-grids, depende muito da capacitação da<br />

infra-estrutura. Haverá que fazer o business<br />

case em cada caso da sua manutenção<br />

progressiva vis-à-vis um salto disruptivo<br />

para o uso mais alargado de IoT e outros<br />

paradigmas digitais. No que se refere aos<br />

serviços públicos, e falando no caso específico<br />

de Moçambique, existe um longo<br />

caminho a percorrer, principalmente na eficiente<br />

simplificação e digitalização de processos<br />

e capacitação dos agentes públicos,<br />

em particular nas províncias e nos distritos.<br />

A simplificação e a desmaterialização dos<br />

processos e o uso de tecnologia na criação<br />

de serviços públicos eficientes e transparentes<br />

são imperativas e estão na agenda<br />

quer de vários governos em África, quer<br />

dos principais doadores e multilaterais.<br />

Países como a Nigéria, o Quénia e a África<br />

do Sul apresentam vários sucessos de<br />

inovação. Moçambique segue no mesmo<br />

caminho?<br />

Existe em Moçambique potencial e vontade<br />

para seguir este caminho. Este facto<br />

é particularmente visível numa geração de<br />

jovens empreendedores na área do digital<br />

e iniciativas como a incubadora Sandbox,<br />

lançada pelo Banco de Moçambique e o<br />

FSD Moçambique. Faltam ainda peças-<br />

-chave no ecossistema, como o acesso célere<br />

ao financiamento para um projecto nas<br />

suas várias fases — é importante o acesso<br />

a seed capital e a angel investors — assim<br />

como a formação e capacitação em gestão<br />

dos empresários. b<br />

julho 2020 | 79


ESPECIAL INOVAÇÃO<br />

TÊNDENCIAS GLOBAIS<br />

Redes de incubação de empresas têm gerado inovação<br />

em África, captando recursos para as startups<br />

45 milhões de pessoas<br />

Utilizam no Quénia o M-Pesa, o sistema de pagamento digital<br />

da Safaricon. O país foi pioneiro em matéria de pagamentos<br />

e transferências por telemóvel<br />

SILICON VALLEY QUENIANO<br />

Na parte alta de Nairobi, o novo e envidraçado “Upper Hill”, o bairro<br />

da moda no que toca a negócios, alberga cada vez mais startups<br />

bem-sucedidas. Por aí já passaram 170 startups, gerando-se uma rede<br />

que mantém ligados 17 mil profissionais. Num desses edifícios fica<br />

o iHub, que funciona como coworking e incubadora.<br />

100<br />

milhões<br />

de dólares<br />

é quanto a IBM prevê<br />

investir até 2024<br />

2<br />

milhões<br />

de dólares<br />

foi quanto o iHub recebeu da<br />

Invested Development, uma<br />

gestora de recursos dos<br />

Estados Unidos<br />

80<br />

mil<br />

empréstimos<br />

são feitos diariamente<br />

no Quénia através<br />

de telemóvel<br />

250<br />

mil<br />

produtores<br />

do Gana são associados do<br />

Tratror Tractor, uma aplicação<br />

de aluguer<br />

ALÉM DE SER UMA<br />

OPORTUNIDADE<br />

SEM PARALELO<br />

PARA A GERAÇÃO<br />

DE EMPREGOS<br />

JOVENS, A<br />

INOVAÇÃO É UMA<br />

FORMA EFICIENTE<br />

DE REDUZIR O<br />

HIATO DE INFRA-<br />

-ESTRUTURA<br />

DO CONTINENTE<br />

AFRICANO"<br />

Christine Lagarde<br />

governadora do Banco<br />

Central Europeu<br />

INOVAÇÃO SOCIAL<br />

No continente africano a orientação das inovações<br />

para o preenchimento de lacunas ao nível de<br />

infra-estruturas tem resultado numa melhoria<br />

da qualidade de vida das populações, que passam<br />

assim muitas vezes a aceder a serviços fundamentais<br />

através de soluções que não foram<br />

testadas noutras geografias. Resultam de aplicações<br />

criadas especificamente para responder às<br />

características do continente africano. É o bem<br />

conhecido caso da banca móvel, que leva os serviços<br />

bancários aos locais mais remotos, bastando<br />

para o efeito a existência de rede móvel.<br />

Chakanetsa Mavhunga é Professor Associado<br />

do MIT e Tech Strategist. No seu livro What do<br />

Science, Technology and Innovation mean from<br />

Africa, defende a tradição da cultura de inovação<br />

africana e afirma que a África não é apenas<br />

beneficiária da tecnologia mas consegue<br />

dar-lhe novas aplicações, novas funções, que a<br />

reinventam. Para o efeito apresenta o exemplo<br />

das funcionalidades que o telemóvel ganhou<br />

no continente.<br />

A necessidade de generalizar o uso das inovações<br />

faz com que estas assentem muitas<br />

vezes em tecnologias que são conhecidas ou<br />

estão disseminadas pela população. E o engenho<br />

estende-se, por exemplo, a novas formas<br />

de distribuição de produtos ou serviços já existentes.<br />

A venda de electricidade em pré-pagamento<br />

permite reduzir o risco de operadoras<br />

como a EDM mas não é regra nos países europeus.<br />

O desenvolvimento de soluções tão simples<br />

mas eficazes como esta, ou como a banca que<br />

vendia borrifadelas individuais de perfume no<br />

Mercado do Roque Santeiro em Angola, mostram<br />

o pragmatismo e a vertente social da inovação<br />

em África.b<br />

80 | Exame Moçambique


Todos os meses Moçambique vai estar em Exame.<br />

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Moçambique:<br />

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Ana Rute Sousa<br />

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EXAME FINAL<br />

MARIAM UMARJI<br />

MANAGING PARTNER DA MB CONSULTING/<br />

ACADEMIA DE GESTÃO & FINANÇAS PÚBLICAS<br />

PRECISAMOS<br />

DE CONTEÚDO LOCAL<br />

O conteúdo local é necessário,<br />

agora mais do que nunca, em todos<br />

os sectores<br />

D.R.<br />

Um estudo feito pela CTA — Confederação das Associações<br />

Económicas de Moçambique estima que, por conta<br />

da COVID-19, o sector empresarial moçambicano poderá<br />

registar perdas entre 234 e 375 milhões de dólares, sendo<br />

que o sector do turismo é o mais afectado, com perdas estimadas<br />

entre 53 e 71 milhões de dólares.<br />

Muito se tem falado sobre o chamado conteúdo local ou nacional<br />

em virtude do gradual estabelecimento e potencial sucesso das<br />

novas indústrias de petróleo e gás em Moçambique. Uma realidade<br />

ainda distante do empresariado nacional nas mais diversas dimensões.<br />

Uma proposta de lei, chamada lei de conteúdo nacional, foi<br />

divulgada e debatida até finais de 2019 e, desde então, aguarda-<br />

-se por uma versão final e consensualizada da legislação. Várias<br />

versões já circularam e não têm merecido consenso entre proponentes<br />

e sector privado. Será que assegurar uma percentagem de<br />

participação das empresas nacionais, independentemente do seu<br />

tamanho, deve circunscrever-se a este sector? Basta definir a participação<br />

apenas como a capacidade de prestar o serviço ou fornecer<br />

ou produzir um bem sob regimes de certificação internacional?<br />

E basta que a empresa se registe em Moçambique para ser local?<br />

Mas será que é só a indústria do petróleo e gás que contrata em<br />

Moçambique? Então e o Estado, as empresas públicas e participadas,<br />

os fundos e institutos autónomos, etc., etc.? E a panóplia<br />

dos chamados parceiros de cooperação bilaterais e multilaterais?<br />

Apesar de termos um Regulamento de Aquisições do Estado<br />

(Decreto 5, de 8 de Março de 2016), onde estão detalhadas as regras<br />

e procedimentos de aquisição de bens e serviços pelo Estado, será<br />

que o mesmo prevê ou privilegia a aquisição através de fornecedores<br />

e prestadores de serviços moçambicanos? A iniciativa “Made<br />

in Mozambique”, a definição de micro, pequena e média empresa<br />

e outros aspectos que poderiam contribuir para o fomento e uso<br />

de conteúdo local e nacional não estão previstos nesta versão do<br />

regulamento, ao contrário de versões anteriores. Não estão enunciados<br />

no decreto nem são, na prática, verificados.<br />

O que é nacional é bom e disponível em muitos casos. Não<br />

é perfeito, pode ser melhorado, pode ser certificado... Pode, mas<br />

é preciso usar (dando acesso e oportunidade) e é preciso construtivamente<br />

melhorar (dando feedback construtivo). Se outras geografias<br />

fazem isto de forma propositada e intencional, o que nos<br />

impede, a nós, de tomarmos a mesma atitude? E porque não pode o<br />

Estado tomar o exemplo e dianteira, quando a maior parte da despesa<br />

pública é gasta na aquisição de bens e serviços? E onde ficam<br />

os parceiros de cooperação ou de desenvolvimento e a importante<br />

indústria do desenvolvimento? Muitos ficarão incomodados com<br />

estes questionamentos, mas agora, mais do que nunca, precisamos<br />

de nos confrontar com isto.<br />

Considerando que quer o Estado, quer os seus parceiros de cooperação,<br />

são actores ainda críticos para o desenvolvimento de um<br />

sector privado nacional, não será que a lei que se pretende aprovar<br />

deve ser o mais abrangente possível? E incluir também estes actores?<br />

É uma realidade que com a crise das dívidas ocultas o volume<br />

de recursos externos oriundos destes parceiros reduziu, tendo<br />

ainda, no entanto, uma expressão importante na nossa economia.<br />

Mas qual foi o papel do sector empresarial nacional, sobretudo<br />

as MPME, em despoletar tal crise? Nenhum, a meu ver. Fomos,<br />

contudo, dos primeiros a sofrer na pele as consequências de todas<br />

as decisões e sanções, escritas e não escritas, que esta crise criou.<br />

Pelo mal de uns pagam todos. Proliferam as compras quase em<br />

exclusividade às empresas estrangeiras e a adjudicação de contratos<br />

de prestação de serviços a consultores internacionais que<br />

frequentemente não conhecem o contexto e a realidade do país.<br />

As organizações da sociedade civil hoje concorrem aos recursos<br />

dos parceiros prestando os serviços que antes as MPME nacionais<br />

estavam a prestar. Um outro exemplo da problemática em mãos.<br />

O recurso a estes fundos tem de ser mais justo e equitativo<br />

para com as empresas nacionais. Se somos suficientemente bons<br />

para sermos subcontratados, porque não podemos ser apoiados<br />

para sermos suficientemente bons para sermos contratados? b<br />

82 | Exame Moçambique

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