"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro

que sejam decifrados os sentimentos, escorrerão pelos poros do
mundo todas suas necessidades. Escandidos os instantes ama-
relados, sobrará a fruta fanada e o pássaro saciado, e por esses,
todos, que são, estão, sopra o amadurecimento, a flor acontece
comigo, meu grito invade todos os ouvidos, e não encontro raio
de sol que não me turve as vistas.
Com meu pranto vítreo confundirei lagoas, ensinando chu-
vas mentirosas aos peixes, e nessa substância aquosa fecho meus
olhos para respirar, espero tons e toques, mas o que recebo é
memória. A vida morta solidifica seu mármore, e eu sou apenas
aquilo que ainda não endureceu, mas que também não se for-
mou, nem existe, a mistura de uma promessa com o resultado
destruído de um sonho acabado, por isso sou a mulher de olhos
sem cor, que suspira em busca de ar, mesmo quando o vento so-
pra meus cabelos. Nessa encruzilhada perco as certezas em meu
sexo, mas vou além, desconheço a pessoa que me faz abrir os
olhos e mastigar comida, difícil dizer isso, mas suspeito que ela
não seja eu. E não existe nada pior do que isso para quem acredi-
ta ser alguém. Entre o que está por vir e o que já foi, há sombras
e restos de pedra, relva que cresce em desalinho e o som noturno
de animais escondidos, e é nesse ambiente hostil que devemos
fincar as estacas da vida, e por ali permanecermos, até que as
promessas desapareçam, a brisa acabe e nos tornemos memória
de outra pessoa, que terá outro nome e viverá em outra época,
mas nem por isso deixará de ser suspeita, de ser eu mesma.
Sobre os séculos atravessam folhas desprendidas de gran-
des galhos negros, de lá de cima observam gerações esticando o
novelo da vida. Visto das alturas o processo é isento de dramas.
Mas eu tenho dúvidas. Quem desenrola novelos não é pessoa
com qualidades suficientes para descobrir o que existe entre
os passos, portanto, o espaço delimitado pelos pés, e também
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