"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro
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nada, para onde estaria indo esse navio? A rota já me parece<br />
um naufrágio.<br />
Enquanto olho para meu marido e filhas almoçando, sinto<br />
algo muito estranho, a palavra “estranho” talvez não seja sufi-<br />
ciente, e desconheço outra que signifique o mesmo, só que mul-<br />
tiplicada pelo número de peixes em todos os mares, mas por um<br />
instante... tive a impressão de que, tanto ele quanto elas, muito<br />
disfarçadamente, e não sei com qual objetivo, estariam fingindo<br />
ser quem são. Minha filha mais velha sorri, o que só aumenta mi-<br />
nha desconfiança, o mundo inteiro seria apenas uma encenação<br />
com o objetivo de me fazer crer em sua existência. Meu marido<br />
terminou de almoçar e diverte-se jogando dados, tento enxergar<br />
as combinações de números, não consigo, escuto a música que<br />
parece a resultante de toda essa encenação, ela não vem de lugar<br />
algum, mas é mais real que minhas filhas ou que a dor que sen-<br />
tiria se queimasse minha mão com uma vela. A flauta sopra uma<br />
voz que foge e persegue, sinto o gosto da comida que também<br />
parece musical, essa plenitude é ácida porque não aceita perma-<br />
nência, o grito vem de mim, sou eu, e também é corrida deses-<br />
perada. Sorrio como resposta a uma cena familiar, mas continuo<br />
procurando a palavra que descreveria o que de mais obscuro a<br />
natureza humana poderia criar, a manipulação suprema, vou<br />
fingir que você existe para convencê-la dessa mentira. Que tam-<br />
bém poderia ser verdade, isso passa a não ter mais importância.<br />
Vou naufragar teus sentidos, arrancar do solo tuas raízes e<br />
fazê-las boiar até que você mesma se convença de que elas não<br />
servem para nada, e que tanto faz tê-las ou não. A palavra inefá-<br />
vel se esconde, fingindo não ser possível tamanha farsa. Esverde-<br />
ada, jaz escondida no coração da alma do homem desesperado,<br />
que são todos. Mais fundo, no poço obscuro donde nascem to-<br />
das as ideias, germina a razão das coisas, sobre o caldo borbu-<br />
lhante, denso, que cheira a todas as essências, brotam os liquens<br />
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