"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro
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Não existe nada tão essencial quanto o farfalhar da noite de<br />
verão, os muitos ruídos distantes empilhando-se em busca de al-<br />
guém que os escute, o calor nebuloso soprando arbustos até que<br />
a gota de suor no rosto de quem dorme molhe o lençol, e deixe de<br />
existir quando for manhã. Distante, há um horizonte iluminado<br />
por réstias de lua, a terra parece continuação das nuvens pesadas<br />
do céu, que se tivesse olhos, seriam tão repletos e exauridos quan-<br />
to os de um afogado. Além do som, da temperatura, das cores e<br />
do movimento, outra variável espalha-se pelo mundo, essa noite,<br />
a de hoje, possui uma camada sem nome que desce do céu e ele-<br />
va-se da terra, sinto-a, não há palavras, só um existir maciço feito<br />
dele mesmo, e que é tanto imagem quanto reflexo. Nessa noite<br />
o que foi desejo está realizado, e uma grande fatia de mim mes-<br />
ma se vê transformada na escuridão salpicada de raios lunares, e<br />
que acabam revelando o contorno solitário de flores, que agora,<br />
e é isso que importa, são escuras. De mim emanam vontades que<br />
não precisam de luzes, aqui mesmo, embaixo dessas ondas mis-<br />
teriosas do existir, formulam-se minhas verdades e, alheias a elas<br />
prossigo, durante o dia, sendo o que sou. Não encontro restos<br />
sólidos da essência que perturba os intervalos que separam a mo-<br />
bília da noite, no desassossego cada sombra é uma declaração, e<br />
para cada ausência de dia tenho novas cores em meus olhos.<br />
Guillem, gostaria poder-te falar sobre essas coisas. E que<br />
teus ouvidos fossem tão pacientes quanto o lírio que aguenta<br />
ventanias sem reclamar. Que teus olhos pudessem aceitar aquilo<br />
que os meus calam. Mas suspeito de ti, meu futuro marido. Des-<br />
de minha tenra infância acompanhei meus pais em visitas a ou-<br />
tros condados, convivi com a pompa da nobreza dos jantares de<br />
boas vindas organizados por meu pai em homenagem a longín-<br />
quos soberanos, atravessada a pequena infância, onde as cores e<br />
rituais embriagam os sentidos, tudo aquilo passou a me parecer,<br />
primeiramente um gigante desprovido de razão, que com seu