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"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro

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dos limites da música que escrevo. Mas não consigo.<br />

O que escutava nos sonhos parecia muito mais real do que<br />

o que vivia durante o dia. Esses desapontamentos já me fizeram<br />

planejar todos os tipos de escapatória, inclusive atirar-me do alto<br />

da torre do castelo, para ver se poderia em vez de viver, sonhar.<br />

Mas tudo, no final, parecia fuga fácil, seria como repetir a fór-<br />

mula de sucesso de uma canção. Se a morte libertasse, nobreza e<br />

mediocridade se igualariam, o sono eterno seria o refúgio seguro<br />

daquele que nada ousou e apenas obedeceu, ou só desobedeceu<br />

a ordens. Para que houvesse justiça era preciso que a morte fosse<br />

inexorável, aniquilando qualquer perspectiva futura. Só então,<br />

liberta de todas as esperanças, eu poderia cantar sombras e ser<br />

todos os pedaços do que não fui.<br />

Mas a coragem é feita de dor e se quiser naufragar minhas<br />

penas, preciso experimentar aquilo que não está ao alcance de<br />

minhas mãos. As paredes do castelo, os tapetes desenhados com<br />

arabescos, o luxo e as refeições fartas, são maneiras de me manter<br />

encerrada em um mundo onde a esperança no futuro é sobera-<br />

na, e daí vem desejo e frustração. No eterno presente as fronteiras<br />

se dissolvem, e é contraditório almejar a esse estado sabendo que<br />

qualquer esperança futura é o contrário dessa mesma condição.<br />

Mas a música que percebi, talvez seja esse o termo mais ade-<br />

quado, durante meu sonho, era cheia dessa falta de coerência, e<br />

talvez essa fosse sua grande força. Os flocos de neve têm cada um<br />

sua marca matemática, e logo que derretem abandonam sem pie-<br />

dade as mais complexas formas geométricas voltando a ser água.<br />

As flores de lavanda aceitam a perda de contornos e esperanças,<br />

“que venha a noite, o sol, a lama”, nada mais é preciso, os séculos<br />

dissolverão as paredes de meu castelo e os ossos de gerações se-<br />

carão, depois virá o orvalho, então eles desaparecerão junto com<br />

todo o resto, o acaso fará uma criança apanhar no chão um pedaço<br />

de mim, e eu acabarei servindo de brinquedo para seus amigos.<br />

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