"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro
"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro
"CCONFISSÕES DA CONDESSA BEATRIZ DE DIA" (pdf) - guido viaro
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
50<br />
Mas esse defeito no que chamam amizade, me entristece. Sonho<br />
com um coro de vozes onde não haja dissonâncias, as mesmas<br />
que me viram crescer eu veria envelhecer, enxergaríamos nos<br />
olhos umas das outras todas as cores da vida, eu encontraria<br />
toda a solidariedade nos momentos de sombras e pariria seus<br />
filhos, companheiras para sempre... mas parece que há algo mais<br />
forte, e que para fazer sobreviver o indivíduo, é preciso que seja<br />
sacrificada a comunhão entre eles.<br />
Vamos em frente, as gerações se empurram em busca do sol<br />
de existir, quem cai no chão vai sendo deixado para trás, perde<br />
importância, vira sombra, e é isso que aconteceu, a folha foi ar-<br />
rancada do galho, e ele cortado da árvore, não há vida nem san-<br />
gue, se replantados não haverá broto, as que me olhavam com<br />
esperança agora só espalham complacência, e é isso. Ponto final.<br />
Que venham outras, e que possamos trocar alguns instantes<br />
de solidariedade, dividirmos a mortuária eternidade, até que in-<br />
teresses menores do que deveriam, nos separem. Acolho em meu<br />
ventre as pétalas sopradas pelo acaso, e já tenho em meus braços<br />
o estranho par de olhos que ainda não existe, e, em posse deles,<br />
comparo-os, exibo-os, eles representam minha suprema virtude,<br />
a homenagem e servidão que presto aos dias, para que eles pros-<br />
sigam sendo observados. O pôr do sol precisa de testemunhas, e<br />
talvez a vida não seja nada além da tentativa de fabricá-las.<br />
Em meus quatorze anos encontrei estranhos pontos ilumi-<br />
nados, descobri as sombras nos quais eles flutuavam mas não<br />
identifiquei qual era a regra e qual a exceção. Tudo me parece<br />
tão estranho. Se as águas do rio são meu porto, então não preciso<br />
de margens. O que acontece é alheio aos meus sentidos, mas eles<br />
mesmos, os sentidos, procuram chão firme para ser pisado, tenha<br />
ele qualquer consistência. E meus pés, pequenos descobridores de<br />
texturas, precisam perder o medo de se afogar, tenho de aprender<br />
a caminhar com minha cabeça. Nessa falta de relevâncias, onde o