13.04.2013 Views

Entrevista com o presidente da - AMARN

Entrevista com o presidente da - AMARN

Entrevista com o presidente da - AMARN

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

nambás e tupiniquins, todos sucumbiram.<br />

Antes de seu último suspiro, diz a len<strong>da</strong>, o pajé de nossa tribo,<br />

já vencido e mortalmente ferido, perguntou a um dos bárbaros:<br />

- O que é tudo isso?<br />

E ele respondeu:<br />

- É a moderni<strong>da</strong>de.<br />

Viciado é<br />

o Distante -<br />

uma história<br />

A audiência demorava, mas já se aproximava do fim. O caso:<br />

réu que havia subtraído seis barras de chocolate, avalia<strong>da</strong>s em<br />

R$ 31,80, e as trocado por crack. Era a vez <strong>da</strong>s alegações finais<br />

<strong>da</strong> defesa. o defensor público pediu a aplicação do princípio <strong>da</strong><br />

insignificância. O acusado, um jovem mulato magricela e tatuado,<br />

trajando roupas surra<strong>da</strong>s, ouvia tudo de cabeça baixa e olhar<br />

perdido. Algemas.<br />

- Bira, é um idiota esse defensor público. Você tá vendo? Por<br />

isso que esse país não vai pra frente. Levanta a cabeça, vagabundo!<br />

Com esses bandidos não se pode alisar. - <strong>com</strong>entou em voz<br />

baixa um colega acadêmico de direito que assistia à audiência<br />

para efeito de prática judiciária. - E Bira sussurrou, reforçando:<br />

- É um bandido safado, Miguel. Já pensou? Furtar chocolates<br />

pra trocar por crack? O negócio dele é tirar as coisas dos outros.<br />

Mas largar o vício que é bom, na<strong>da</strong>! Viciado sem-vergonha! -<br />

Logo depois, Bira olhou para o relógio. Faria isso umas dez vezes<br />

em poucos minutos. Começou a bater <strong>com</strong> a caixinha em uma<br />

<strong>da</strong>s pernas. olhou para o maço e salivou. Mas não podia sair <strong>da</strong><br />

sala no meio <strong>da</strong> audiência, sob pena do juiz não assinar sua ficha<br />

de <strong>com</strong>parecimento.<br />

Alguns minutos depois, a sentença. Já era hora. Condenação<br />

por furto. o juiz disse que “a consideração isola<strong>da</strong> do valor <strong>da</strong><br />

res furtiva não é suficiente para não se aplicar a lei penal, pois<br />

o fato típico existiu, embora envolvendo seis barras de chocolate<br />

que seriam vendi<strong>da</strong>s para <strong>com</strong>prar drogas (o que afasta o furto<br />

famélico) e porque se trata de réu useiro e vezeiro na prática de<br />

furtos, o que impede o reconhecimento <strong>da</strong> bagatela para não se<br />

estimular a profissão de furtador contumaz.”.<br />

- isso é que é Justiça. só assim esse país tem jeito. - <strong>com</strong>emorou<br />

Bira, enquanto batia a caixinha <strong>com</strong>pulsivamente na coxa.<br />

Colhi<strong>da</strong> a rubrica do juiz na ficha de <strong>com</strong>parecimento <strong>da</strong><br />

prática forense <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de, Bira saiu apressa<strong>da</strong>mente. Ain<strong>da</strong><br />

no corredor, finalmente pôde matar o desejo. Abriu a caixinha<br />

de Free, pegou o isqueiro e acendeu um. Deu um trago longo.<br />

olhos fechados por uns segundos. Alívio... trajeto até o estacionamento.<br />

Entrou no carro. Ligou o rádio. Jingle de uma marca<br />

de cerveja. Ao final, a famosa frase, dita apressa<strong>da</strong>mente, “beba<br />

<strong>com</strong> moderação”.<br />

- Beba <strong>com</strong> moderação, beba <strong>com</strong> moderação... - Bira balbuciou.<br />

Riu de tudo aquilo, afinal, era quinta-feira. Happy hour<br />

<strong>com</strong> amigos <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de.<br />

Na mesa do bar, assuntos triviais. observaram um homem<br />

de meia-i<strong>da</strong>de bêbado que quase caiu por sobre a mesa. Foi-se,<br />

trôpego, amparado por um constrangido garçom.<br />

Assuntos do papo: mulheres, próximas provas <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de e<br />

fatos engraçados <strong>da</strong> última bala<strong>da</strong>. Como eram todos amigos de<br />

longas <strong>da</strong>tas, lembraram momentos bons vividos juntos, e outros<br />

nem tanto:<br />

- E o Marcelo Pezão? Dona Dora ligou lá pra casa e pediu<br />

que fôssemos vê-lo. Amigos, temos que visitá-lo. É <strong>com</strong>o irmão,<br />

cara. irmão é irmão. - apontou Lucas. Bira acendeu outro cigarro.<br />

- Caraca! Nunca fui numa clínica de reabilitação de dependentes<br />

químicos. - exclamou Joaquim.<br />

- quinho, Pezão precisa é de apoio. E amigo é pra essas<br />

coisas, não é? Soube que ele fumou até aquele violão que tanto<br />

amava. Fumou quase to<strong>da</strong>s as roupas. Fumou até jóias de Dona<br />

Dora e um relógio de seu Rafael. o crack não perdoa, amigos.<br />

ou interna ou morre. - lastimou Bira.<br />

- Pobre Pezão. Pobre Pezão... - lamentavam. De repente, uma<br />

angústia, uma dor. o abismo. silêncio na mesa. Bira, de mãos<br />

sua<strong>da</strong>s, rapi<strong>da</strong>mente acende outro cigarro. Lucas - consternado<br />

- acena ao garçom:<br />

- Por favor, traz mais uma cerveja.<br />

o próximo é dependente químico. Viciado é o distante. sem-<br />

-vergonha é sempre o outro.<br />

58 Ritos www.amarn.<strong>com</strong>.br

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!