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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ<br />

JOSÉ AUGUSTO HARTMANN<br />

CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO<br />

JUSTINIANO FERREIRA BELLO<br />

CURITIBA<br />

2009


JOSÉ AUGUSTO HARTMANN<br />

CLERO SECULAR E ELITE LOCAL: O CASO DO VIGÁRIO LOURENÇO<br />

JUSTINIANO FERREIRA BELLO<br />

Monografia apresentada à disciplina de Estágio<br />

Supervisiona<strong>do</strong> em Pesquisa Histórica como<br />

requisito parcial à conclusão <strong>do</strong> Curso de História,<br />

Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,<br />

Universidade Federal <strong>do</strong> Paraná.<br />

CURITIBA<br />

2009<br />

Orienta<strong>do</strong>r: Profº Drº Carlos Alberto Medeiros Lima


AGRADECIMENTOS<br />

Ao professor Carlos A. M. Lima, pela orientação, pelos livros e apoio. Pelas<br />

aulas de História da América, que inspiraram a continuidade de estu<strong>do</strong> no tema.<br />

Aos professores pelas excelentes exposições.<br />

A minha esposa, Kelly, pelo incentivo e carinho.<br />

Aos meus pais e irmãos, Celso, Maria Ângela, Celso Maurício e César, pelo<br />

incentivo em minha vida.<br />

Aos meus colegas e amigos da turma de 2006, pelo harmonioso convívio<br />

nas aulas e apoio nos estu<strong>do</strong>s e na realização <strong>do</strong>s trabalhos.<br />

A to<strong>do</strong>s os meus amigos e familiares pelo incentivo.


Às vezes o carro parava para minha tia falar com as comadres, que vinham alegríssimas dar<br />

duas palavras com a senhora. E os meninos de camisa comprida toman<strong>do</strong> a bênção à<br />

madrinha.<br />

José Lins <strong>do</strong> Rego


ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES<br />

FIGURA 1 – GENEALOGIA DE LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO..66<br />

QUADRO 1 – QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO ENTRE 1857 E<br />

1868 NA IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO CAMPO<br />

LARGO..................................................................................................................69


SUMÁRIO<br />

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................7<br />

2. CAPÍTULO I: IGREJA E ESTADO NO BRASIL......................................14<br />

2.1. A FORMAÇÃO DA RELAÇÃO ENTRE IGREJA E ESTADO NO BRASIL<br />

..................................................................................................................................................15<br />

2.2. A QUESTÃO RELIGIOSA ............................................................................27<br />

3. CAPÍTULO II: A POSSE DA TERRA.........................................................39<br />

3.1. A LEGISLAÇÃO SOBRE TERRAS.............................................................49<br />

4. CAPÍTULO III: RELAÇÕES ENTRE O CLERO SECULAR<br />

BRASILEIRO E A SOCIEDADE. ...................................................................................... 60<br />

4.1. AS RELAÇÕES SOCIAIS DO VIGÁRIO LOURENÇO JUSTINIANO<br />

FERREIRA BELLO................................................................................................................62<br />

5. CONCLUSÃO ................................................................................................74<br />

6. FONTES..........................................................................................................76<br />

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................78


1. INTRODUÇÃO<br />

A Independência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro em relação à Portugal acabou por<br />

acarretar mudanças nas instituições que haviam na antiga América Portuguesa. Por<br />

outro la<strong>do</strong>, isso não significa que haverá, em todas essas instituições, uma drástica<br />

ruptura com suas organizações anteriores ao evento da Independência, ao menos<br />

de imediato. Um bom exemplo disso é a manutenção <strong>do</strong> regime monárquico, regi<strong>do</strong><br />

pelo herdeiro português. Outra característica da nova Coroa brasileira é a tentativa<br />

de manter sua ligação com a Igreja, instituição que mantinha uma próxima relação<br />

com a Coroa portuguesa, caracterizada, sobretu<strong>do</strong>, pelo regime <strong>do</strong> Padroa<strong>do</strong>. Mas<br />

se essa relação já trazia consigo alguns desajustes, após a Independência, a Coroa<br />

brasileira, apesar <strong>do</strong>s interesses que tal relação proporcionava para ambas<br />

instituições, travará graves conflitos com a Sé romana e mesmo com parte <strong>do</strong> <strong>clero</strong><br />

nacional.<br />

Aqui, buscar-se-á analisar essa relação que se desenvolveu após a<br />

Independência <strong>do</strong> novo Esta<strong>do</strong> americano, verifican<strong>do</strong> os conflitos diretos entre<br />

Coroa e Sé. Entretanto, não dever-se-á, neste trabalho, deixar de tomar cuida<strong>do</strong><br />

com a análise das relações <strong>do</strong> <strong>clero</strong> brasileiro com a Coroa e, também, com a Santa<br />

Sé. É o <strong>clero</strong> local que poderá nos apontar respostas para muitas das perguntas<br />

que formularemos.<br />

Transitaremos pelas relações desse <strong>clero</strong> com aquelas instituições, Sé e<br />

Esta<strong>do</strong>, para verificarmos como eram, aquelas, sustentadas em sua base. Pelo<br />

menos a princípio, porém, não nos interessamos por declarar o <strong>clero</strong> brasileiro como<br />

representante da Igreja romana ou <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro. Até porque, já inicialmente,<br />

surgirá uma aparente divisão <strong>do</strong> <strong>clero</strong> entre apoia<strong>do</strong>res de um ou outro. Buscar-se-á<br />

compreender esse <strong>clero</strong>, o Esta<strong>do</strong> e a Igreja, no que tange essas relações, nos<br />

conflitos <strong>do</strong> século XIX, em que se envolveram as duas instituições. Destacamos,<br />

entretanto, que tal <strong>clero</strong> pode não se encontrar como base de sustentação,<br />

unicamente, de um desses estabelecimentos. Para que possamos realizar esse<br />

trânsito, buscaremos num caso, <strong>do</strong> vigário da freguesia de Campo Largo, no Paraná,<br />

7


as relações que travava. Não realizaremos uma análise da trajetória desse vigário,<br />

porém, trataremos de atingir a rede social em que se envolvia ou criava.<br />

Logo, o seguinte trabalho parte <strong>do</strong> objetivo de apresentar um panorama de<br />

relações sociais no Império brasileiro a partir de uma análise local. Sua<br />

fundamentação é depositada na análise de um processo movi<strong>do</strong> pelo vigário da<br />

freguesia de Nossa Senhora da Piedade <strong>do</strong> Campo Largo, Lourenço Justiniano<br />

Ferreira Bello, na recente província <strong>do</strong> Paraná, criada em 1853, contra a mora<strong>do</strong>ra,<br />

<strong>do</strong>na Joaquina Vieira de Souza, pela legitimação da propriedade de um terreno<br />

anexo à Igreja Matriz da freguesia. O processo decorre no início da década de 1870,<br />

perío<strong>do</strong> de disputas entre a Sé e o Esta<strong>do</strong> brasileiro que serão analisadas ao longo<br />

dessa pesquisa 1 .<br />

Ao pensarmos sobre um caso envolven<strong>do</strong> um vigário de uma pequena<br />

freguesia na província <strong>do</strong> Paraná e uma mora<strong>do</strong>ra da mesma freguesia, podemos<br />

perceber as exigências e interesses da Sé e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro para exercer<br />

pre<strong>do</strong>mínio de autoridade sobre tal sociedade. Ao mesmo tempo, pode-se verificar<br />

como as intenções de exercer tal pre<strong>do</strong>mínio de autoridade não transcorrem, na<br />

prática das relações sociais, de maneira coesa. Verificamos que o <strong>clero</strong> divide-se no<br />

Brasil. De um la<strong>do</strong>, aqueles que apóiam a influência estatal. São pessoas<br />

relacionadas às ideias “reformistas”. Desejam liberdade de participação política, as<br />

vezes o fim <strong>do</strong> celibato, ou liberdade para participar de organizações não<br />

eclesiásticas, como a maçonaria. Por outro, o <strong>clero</strong> “europeiza<strong>do</strong>” ou “romaniza<strong>do</strong>”.<br />

Alinha<strong>do</strong>s com as normas “conserva<strong>do</strong>ras” da Santa Sé. Combatem os “erros<br />

modernos”, isto é, todas as formas de aproximação de clérigos com assuntos<br />

seculares. Há, ainda, a possibilidade de encontrar um <strong>clero</strong> que não se adeque a<br />

nenhuma dessas duas posições. Isto foi verifica<strong>do</strong> neste trabalho. Assim, dentro da<br />

própria Igreja no Brasil, encontraremos clérigos afina<strong>do</strong>s com os <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s<br />

contenciosos, a Igreja romana e o Esta<strong>do</strong> brasileiro, ou, ainda, a nenhum deles<br />

exatamente. É mesmo possível que não se consiga perceber um <strong>clero</strong> brasileiro que<br />

seja totalmente submisso ao Padroa<strong>do</strong> régio ou à “romanização”.<br />

1 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Curitiba, 1870. Arquivo Público <strong>do</strong> Paraná, PB045<br />

PI6939 266. p.2.<br />

8


Meto<strong>do</strong>logicamente buscou-se não seguir pauta que previamente<br />

direcionasse as conclusões. Ao se tratar <strong>do</strong> Império Ultramarino Português, e, tão<br />

logo, <strong>do</strong> Brasil Colônia, António Manuel Hespanha apontou para o desajuste <strong>do</strong><br />

centralismo como méto<strong>do</strong> historiográfico, analisa<strong>do</strong> por alguns historia<strong>do</strong>res, que<br />

viam em categorias como a de “Esta<strong>do</strong>” um centro de transmissão geral e coeso de<br />

suas estratégias, renuncian<strong>do</strong>, que estavam então, à categorias de “redes” 2 . Nesse<br />

texto, o jurista e historia<strong>do</strong>r português, defende uma análise em que não se limite à<br />

uma interpretação onde grandes categorias expliquem todas as relações. A<br />

formação de práticas sociais ocorre em um âmbito complexo, que envolve vários<br />

autores.<br />

Em senti<strong>do</strong> pareci<strong>do</strong>, a abordagem microhistórica também questionava<br />

grandes categorias para pautar explicações sobre formações de práticas sociais e<br />

culturais. Em livro organiza<strong>do</strong> pelo historia<strong>do</strong>r francês Jacques Revel, a partir de um<br />

seminário para analisar o tema, realiza<strong>do</strong> em 1991, pensou-se sobre a abordagem<br />

microhistórica, iniciada na Itália desde o final <strong>do</strong>s anos 1970. Revel foi responsável<br />

pelo estu<strong>do</strong> “Microanálise e construção <strong>do</strong> social”, o primeiro capítulo <strong>do</strong> livro 3 .<br />

Nesse texto o historia<strong>do</strong>r aponta para essa nova abordagem epistemológica como<br />

um questionamento da História Social realizada até então, vista, pelo autor, como<br />

um conjunto de trabalhos monográficos que seriam como que peças que se<br />

completam de um quebra-cabeças de uma História totalizante. Para Revel a<br />

abordagem microhistórica, em oposição a isso, realizaria uma análise que negaria<br />

critérios em “termos simples, de força/fraqueza, autoridade/resistência,<br />

centro/periferia, [...] [para] deslocar a análise para os fenômenos de circulação, de<br />

negociação, de apropriação em to<strong>do</strong>s os níveis” 4 . Logo, essa nova abordagem,<br />

aponta o historia<strong>do</strong>r, mostrou-se mais eficaz na construção <strong>do</strong> objeto, em sua forma,<br />

pois “a experiência mais elementar, a <strong>do</strong> grupo restrito, e até mesmo <strong>do</strong> indivíduo, é<br />

2 HESPANHA, António Manuel. A constituição <strong>do</strong> Império Português: revisão de alguns<br />

enviesamentos correntes. In: BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA.(org.). O<br />

Antigo Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 2001.<br />

3 REVEL, Jacques (org.). Microanálise e construção <strong>do</strong> social. In: ______. Jogos de escala: a<br />

experiência da microanálise. Trad.: Dora Rocha. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p.<br />

15-38.<br />

4 Ibid., pp. 29-30.<br />

9


a mais esclarece<strong>do</strong>ra porque é a mais complexa e porque se inscreve no maior<br />

número de contextos diferentes”. 5 Neste trabalho não realizaremos um estu<strong>do</strong><br />

específico de microhistória. Não analisaremos aqui trajetórias de indivíduos ou<br />

grupo. Entretanto, desejamos não realizar uma explicação por via de grandes<br />

modelos. Receberá pre<strong>do</strong>minância, neste estu<strong>do</strong>, as relações locais <strong>do</strong> <strong>clero</strong>,<br />

verifica<strong>do</strong> pela figura <strong>do</strong> vigário Lourenço Justiniano. Buscaremos perceber se há<br />

existência de relações em alguma rede social que caracterize relações de alguma<br />

elite local.<br />

No que se refere à abordagem meto<strong>do</strong>lógica, no Brasil também presenciou-<br />

se a relativização de termos totalizantes. Em 2001 publicou-se o livro de organização<br />

de João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria de Fátima Gouvêa, “O Antigo<br />

Regime nos Trópicos”, que reuniu artigos de vários historia<strong>do</strong>res 6 . Na “Introdução”,<br />

os historia<strong>do</strong>res que organizaram tal trabalho, da Universidade Federal <strong>do</strong> Rio de<br />

Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, expõem que:<br />

“O que este livro propõe de diferente é uma rediscussão – a partir de novos<br />

parâmetros conceituais e de novas perspectivas teóricas – de algumas<br />

teses acerca das relações econômicas e das práticas políticas, religiosas e<br />

administrativas imperiais. Ele busca responder a algumas questões que<br />

Vêm sen<strong>do</strong> colocadas pelas pesquisas e pela experiência <strong>do</strong>cente de seus<br />

autores: como desfazer uma interpretação fundada na irredutível dualidade<br />

econômica entre metrópole e a colônia? Como esquecer que, ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong>s –<br />

e, às vezes, simultaneamente aos – conflitos entre colonos e a Coroa,<br />

inúmeras foram as negociações (grifo nosso) que estabeleceram e<br />

ajudaram a dar vida e estabilidade ao Império? Como tecer um novo ponto<br />

de vista, ou um novo arcabouço teórico e conceitual que, ao dar conta da<br />

lógica <strong>do</strong> poder no Antigo Regime, possa explicitar práticas e instituições<br />

presentes na sociedade colonial?” 7<br />

Essa abordagem, que culminou nesse livro, pensan<strong>do</strong> o Império Atlântico<br />

Português, trouxe uma maneira de construir a história <strong>do</strong> Brasil que privilegiou as<br />

relações locais e suas redes relacionais, em detrimento de uma abordagem<br />

5 Ibid., p. 32.<br />

6 BICALHO, Maria Fernanda; FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo<br />

Regime nos Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII). Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira, 2001.<br />

7 Ibid., pp. 21-22.<br />

10


totalizante, onde grandes categorias se sobrepõem às relações <strong>do</strong>s sujeitos, reais<br />

forma<strong>do</strong>res <strong>do</strong> objeto historiográfico.<br />

No contexto dessas novas abordagens, Maria Fernanda Martins, em texto<br />

publica<strong>do</strong> em 2007, analisou as relações na Corte brasileira <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Império por<br />

redes de relações locais 8 . A historia<strong>do</strong>ra defende que a sustentação <strong>do</strong> poder<br />

central, no Império <strong>do</strong> Brasil, estava estabelecida em relações familiares e de poder<br />

nas províncias. Assim, explica que “além das relações que se estabeleciam na<br />

Corte, a análise dessas redes [de poder local] demonstra ainda como a alta cúpula<br />

<strong>do</strong> poder imperial encontrava-se ligada às oligarquias regionais, fosse por linhagem<br />

direta ou por uma eficiente política de casamentos (grifo nosso)” 9 .<br />

Com base nessas importantes formas de construção de um objeto<br />

historiográfico para o Brasil, o seguinte trabalho abordará esses registros na<br />

formulação de sua problemática. Inician<strong>do</strong> com uma análise institucional de Igreja e<br />

Esta<strong>do</strong> no Brasil, seguin<strong>do</strong> com uma verificação de problemas envolven<strong>do</strong> a posse<br />

da terra no Brasil pós-Independência e, finalmente, deparan<strong>do</strong>-se com as relações<br />

entre o <strong>clero</strong> secular brasileiro e a sociedade, len<strong>do</strong>-se, aqui, uma possível relação<br />

de elite local.<br />

Os objetivos deste trabalho são os de abordar as relações locais <strong>do</strong> poder<br />

estatal e eclesiástico, contu<strong>do</strong>, não definin<strong>do</strong> os envolvi<strong>do</strong>s como unicamente<br />

pertencentes a tais grupos, mas indivíduos que tramitam entre grupos sociais<br />

diversos e têm interesses particulares. Ainda assim, esses interesses particulares<br />

são desenvolvi<strong>do</strong>s dentro <strong>do</strong>s grupos com os quais dialogam, o que pode, então,<br />

contribuir, também, na construção de um objeto de uma história das relações<br />

Esta<strong>do</strong>-Igreja-Sociedade.<br />

O enfoque temporal da<strong>do</strong> ao Segun<strong>do</strong> Império pretende analisar as relações<br />

abordadas de um Esta<strong>do</strong> e <strong>clero</strong> pós-Independência, apoia<strong>do</strong>s em idiossincrasias<br />

dessas duas instituições que culminariam na Questão Religiosa. Pretende-se saber<br />

como essas instituições, o Esta<strong>do</strong> e a Igreja, desenrolavam suas práticas através de<br />

8 MARTINS, Maria Fernanda Vieira. A grande família e a dinâmica das redes: as relações de<br />

sociabilidade e parentesco. In:______. A velha arte de governar: um estu<strong>do</strong> sobre política e elites a<br />

partir <strong>do</strong> Conselho de Esta<strong>do</strong> (1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007. p. 167-252.<br />

9 Ibid., p. 185.<br />

11


seus membros, que não necessariamente são duros em relação às orientações<br />

superiores, em contato com outros personagens sociais.<br />

Buscar-se-á, através <strong>do</strong> processo de autoria <strong>do</strong> vigário, informações a<br />

respeito das transferências de bens para a instituição eclesiástica, o que, neste<br />

trabalho, é li<strong>do</strong> como informação que permite análise a respeito das relações entre<br />

instituição eclesiástica e elites locais. As primeiras informações que constam são de<br />

autoria <strong>do</strong> vigário, que informa que o terreno em questão foi devoluto e, então,<br />

“concedi<strong>do</strong> a elle [...] por carta de data passada pela Camara Municipal desta Capital<br />

[Curitiba] em 1º de Maio de 1860”. 10 Em oposição, a ré irá apresentar sua defesa<br />

indican<strong>do</strong> que o terreno é de sua propriedade, por posse da família de seu mari<strong>do</strong>.<br />

Nesse ponto a questão é em relação a qual é o tema da legislação citada pelas<br />

partes. Será questiona<strong>do</strong> e analisa<strong>do</strong> como o terreno da igreja vai ser trata<strong>do</strong> no<br />

âmbito da legislação. Logo que era recente a legislação a respeito de bens de mão-<br />

morta.<br />

Outras informações pertinentes, que puderam ser verificadas pela fonte<br />

principal analisada, dizem respeito ao mo<strong>do</strong> como a formação da freguesia era vista<br />

na época <strong>do</strong> processo. Tal da<strong>do</strong> tornou-se fundamental à análise <strong>do</strong> tratamento para<br />

o terreno, uma vez que as terras onde fora edificada a freguesia <strong>do</strong> Campo Largo<br />

eram <strong>do</strong>ação de uma única pessoa para a exata função de formação de uma<br />

freguesia. Há bibliografia a respeito da inserção socioespacial das paróquias, e, na<br />

execução <strong>do</strong> trabalho, serão coleta<strong>do</strong>s os posicionamentos toma<strong>do</strong>s em relação a<br />

isso.<br />

Serão analisadas as relações <strong>do</strong> Autor <strong>do</strong> processo com outros agentes<br />

sociais, uma vez que isso aparece nos róis de testemunhas e procura<strong>do</strong>res, e serve,<br />

no âmbito desta pesquisa, para verificar o tipo de apoio social que os membros da<br />

instituição estavam conseguin<strong>do</strong> angariar nessa época. Existin<strong>do</strong> a possibilidade de<br />

compreender aspectos <strong>do</strong> papel atribuí<strong>do</strong> ao padre pelas elites locais, buscou-se<br />

verificar as relações que travava. Procurou-se verificar se há referências à hierarquia<br />

eclesiástica no processo e, logo, se o padre é referi<strong>do</strong> como alguém que fala pela<br />

comunidade paroquial. Quan<strong>do</strong> se refere às relações locais <strong>do</strong> vigário, são as<br />

10 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.<br />

12


testemunhas e procura<strong>do</strong>res em Curitiba que delega. Entre eles a figura de<br />

Generoso Marques <strong>do</strong>s Santos, seu advoga<strong>do</strong> nesse processo, eleito como<br />

deputa<strong>do</strong> provincial pela primeira vez em 1866, pelo Parti<strong>do</strong> Liberal, que continuará<br />

influente na política <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Paraná já após a proclamação da República,<br />

sen<strong>do</strong>, após tal mudança de regime, sete vezes sena<strong>do</strong>r. 11<br />

A pesquisa também objetiva entender as relações entre Sé e Império <strong>do</strong><br />

Brasil no que tange as questões <strong>do</strong>s “erros modernos”, das relações sociopolíticas<br />

de clérigos, através da figura <strong>do</strong> padre Lourenço Justiniano, mas, também, da<br />

maçonaria; o que levará ao ápice <strong>do</strong> conflito entre o Império brasileiro e a Sé. O que<br />

se busca é entender como se situava a relação entre essas Instituições, não<br />

igualan<strong>do</strong> simplesmente a Sé e a Igreja no Brasil. Esse aspecto iniciará o trabalho,<br />

afim de que se possa situar a pesquisa em um terreno seguro, ou seja, esclarecidas<br />

as posições institucionais que são privilegiadas neste trabalho.<br />

Por fim, construir uma história <strong>do</strong> Brasil Imperial, repleto de disputas,<br />

contradições e especificidades que teve, sem entende-lo como algo uno, coeso e de<br />

instituições que se sobrepunham aos homens que o davam senti<strong>do</strong>.<br />

11 TOURINHO, Luis Carlos Pereira. Toiro Passante III: tempo de República Velha. Curitiba: Rocha,<br />

1990. p. 409-419.<br />

13


2. CAPÍTULO I: IGREJA E ESTADO NO BRASIL<br />

Muitos autores, de grande influência na historiografia, miraram a formação<br />

da sociedade brasileira através de impressões marcantes para sua constituição.<br />

Temas como a escravidão, sua importância para a formação social, econômica e<br />

cultural; <strong>do</strong> latifúndio, da formação de elites locais, da ação da Igreja e <strong>do</strong> Império<br />

português ou brasileiro, são fundamentais na construção de uma história <strong>do</strong> Brasil.<br />

O texto inicia<strong>do</strong> visará recolher parte de algumas dessas exposições para<br />

que possam ser observadas com a contribuição da análise que segue, empenhada,<br />

que está, no tratamento de relações que envolveram pessoas de uma freguesia na<br />

recém formada província <strong>do</strong> Paraná a partir de um processo judicial. Isto pois, essas<br />

relações envolveram não somente o vigário local e uma mora<strong>do</strong>ra, autor e ré desse<br />

processo, mas, também, outras figuras, que poderão enriquecer nosso estu<strong>do</strong>.<br />

O vigário da freguesia e, posteriormente, vila de Nossa Senhora da Piedade<br />

<strong>do</strong> Campo Largo, Lourenço Justiniano Ferreira Bello, assumiu a paróquia, de acor<strong>do</strong><br />

com o Livro Tombo da mesma, em 8 de março de 1848 12 , designa<strong>do</strong> pelo Bispo de<br />

São Paulo, Dom Antonio Joaquim de Mello, considera<strong>do</strong> o primeiro bispo brasileiro<br />

da dioscese. Conduzia a paróquia a vários anos quan<strong>do</strong>, em 1870, iniciou uma<br />

disputa judicial com <strong>do</strong>na Joaquina Vieira de Souza, mora<strong>do</strong>ra da freguesia, e seu<br />

mari<strong>do</strong>, Francisco Borges de Sampaio, ausente, havia vários anos, na freguesia de<br />

Soledade, no extremo Sul <strong>do</strong> país, pela posse de um terreno em frente à Igreja.<br />

Essa disputa foi encerrada no mesmo ano, após a decisão <strong>do</strong> Juiz Municipal da<br />

cidade de Curitiba, Augusto Lobo de Moura. Porém, antes de aprofundarmo-nos<br />

nesse caso, temos por necessidade, verificar alguns relatos historiográficos acerca<br />

da formação <strong>do</strong> <strong>clero</strong> brasileiro e suas relações com a Sé, com o Esta<strong>do</strong> e com a<br />

sociedade.<br />

12 Livro Tombo da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade. Campo Largo. Vol. 2, p. 13.<br />

14


2.1. A Formação da Relação entre Igreja e Esta<strong>do</strong> no Brasil<br />

O <strong>clero</strong> secular no Brasil esteve como braço <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> na organização de<br />

uma burocracia de registros de nascimentos, casamentos, óbitos e outros registros,<br />

como os de posse. Decorrência de um processo de aproximação realiza<strong>do</strong> pelo<br />

Esta<strong>do</strong> português ao adequar a antiga Ordem <strong>do</strong>s Templários em Portugal aos<br />

interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. 13 Essa relação entre o Esta<strong>do</strong> português e a Igreja é abalada<br />

no decorrer <strong>do</strong> século XIX. Por um la<strong>do</strong>, o processo de “romanização”, analisa<strong>do</strong><br />

nesses termos pela exposição <strong>do</strong> sociólogo Sérgio Miceli 14 , combateu aquilo que<br />

chamou de “erros modernos”; o liberalismo, o racionalismo, a liberdade de religião, a<br />

maçonaria, a separação entre Igreja e Esta<strong>do</strong> e outras secularizações. De acor<strong>do</strong><br />

com Ivan Apareci<strong>do</strong> Manoel, a Igreja, nesse processo, visava recuperar um prestígio<br />

perdi<strong>do</strong> após a Idade Média:<br />

“A reconquista da condição de centro de referência para a humanidade<br />

indica o senti<strong>do</strong> reacionário da política católica daquele perío<strong>do</strong>. Recuperar<br />

o lugar central <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> significava que o vetor <strong>do</strong> movimento católico não<br />

era em direção a um futuro que suplantasse o momento presente, mas um<br />

futuro que readquirisse as características da Idade Média, mais<br />

especificamente entre os séculos VIII e XIV.” 15<br />

Esse “centro de referência” referir-se-ia a um projeto de “recristianização”<br />

que a Sé notava como necessário perante a uma descristianização decorrente <strong>do</strong>s<br />

“erros modernos”. Tal tarefa privilegiaria, segun<strong>do</strong> o autor, “(...) uma estratégia<br />

centrada apenas na própria Igreja, assentan<strong>do</strong> no trabalho discursivo a maior parte<br />

da responsabilidade pela recristianização da humanidade.” 16 Pode-se verificar,<br />

então, segun<strong>do</strong> Manoel, que no perío<strong>do</strong> de “(...) 1800 a 1903 - pontificaram papas<br />

13 Sobre a Ordem <strong>do</strong>s Templários em Portugal ver: TORRES-LONDOÑO, Fernan<strong>do</strong>. Paróquia e<br />

comunidade na representação <strong>do</strong> Sagra<strong>do</strong> na Colônia. Paróquia e comunidade no Brasil:<br />

perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 51-90. p. 55.<br />

14 MICELI, Sérgio. A elite eclesiástica brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1988<br />

15 MANOEL, Ivan Apareci<strong>do</strong>. A Ação Católica brasileira: notas para estu<strong>do</strong>. Acta Scientiarum, Human and<br />

Social Sciences. Franca, v. 21, p. 207-215, 1999. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

24/05/2009.<br />

16 Ibid., p. 209.<br />

15


como Gregório XVI e Pio IX, cuja direção pastoral foi fechar a possibilidade de<br />

qualquer contato entre a Igreja e o 'século'.” 17<br />

Por outro la<strong>do</strong>, a Independência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro conotou uma mudança<br />

naquilo que havia si<strong>do</strong> firma<strong>do</strong> para a adequação da Ordem <strong>do</strong>s Templários ao<br />

Esta<strong>do</strong> português e as práticas <strong>do</strong> Padroa<strong>do</strong>. O Esta<strong>do</strong> brasileiro não representava<br />

aquele que havia abarca<strong>do</strong> a antiga Ordem; o português. Assim, as tentativas de<br />

reafirmação <strong>do</strong> pacto entre o Esta<strong>do</strong> brasileiro e a Sé tornam-se conflituosas e,<br />

finalmente, infrutíferas, pelo menos no primeiro momento após a independência.<br />

Isso, pois, a Sé não aceitou legitimar a Coroa brasileira como sucessora da<br />

portuguesa, em relação a proteção da Ordem de Cristo. Decorre disso, porém, que<br />

mantém-se o Padroa<strong>do</strong> no Brasil, apesar da Santa Sé. Somente em 1827 Roma<br />

confirmaria a manutenção <strong>do</strong> padroa<strong>do</strong> no Brasil. 18<br />

Posta, a situação, desse mo<strong>do</strong>, o conflito estava gera<strong>do</strong> nesse momento em<br />

que, após um envolvimento direto entre o <strong>clero</strong> e a Coroa portuguesa no perío<strong>do</strong><br />

colonial, em decorrência <strong>do</strong> Padroa<strong>do</strong>, o Esta<strong>do</strong>, a que a Igreja deveria aceitar as<br />

indicações de seus representantes sobre tal jurisdição, já não era mais o mesmo<br />

após as Independências, não somente no Brasil, mas nos países americanos de<br />

origem Ibérica. Isso abria um espaço para uma nova organização, o que, ao final,<br />

não acabou com o Padroa<strong>do</strong> no Brasil e nem caracterizou uma ruptura radical com<br />

aquela organização. Porém, mesmo com a manutenção desse sistema, as<br />

mudanças internas na Igreja e no Esta<strong>do</strong> geraram esse conflito.<br />

Na América Latina, as independências acarretaram um conflito quanto a<br />

orientação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nas práticas da Igreja. O historia<strong>do</strong>r Leslie Bethell afirma que,<br />

na América espanhola:<br />

“Ambos os conten<strong>do</strong>res nas lutas de independência [a coroa ibérica e os<br />

separatistas americanos] (...) (1808-1825) sempre se preocuparam em<br />

buscar o apoio ideológico e econômico da Igreja católica. [Porém,] Desde o<br />

início a maior parte da hierarquia da Igreja defendeu a causa realista. O<br />

patronato real, deriva<strong>do</strong> das concessões pontifícias aos Habsburgos no<br />

século XVI, reforçadas pelo regalismo <strong>do</strong>s Bourbons no século XVIII,<br />

17 Ibid., p. 208.<br />

18 BETHELL, Leslie. A Igreja e a Independência da América Latina. In: ______. História da América<br />

Latina: da Independência a 1870. 2ªed. Trad.: Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da<br />

Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.3. p. 267-273. p. 273.<br />

16


concedia à coroa o direito de nomear bispos que se tornavam dependentes<br />

dela e ficavam subordina<strong>do</strong>s ao poder real. Seja como for, a esmaga<strong>do</strong>ra<br />

maioria desses bispos eram peninsulares e se identificavam com os<br />

interesses da Espanha. Além disso, tinham consciência da ameaça que a<br />

revolução e a ideologia liberal representavam para a posição estabelecida<br />

da Igreja.” 19<br />

Desta maneira, assim como no Brasil, o <strong>clero</strong> <strong>do</strong>s demais países latino-<br />

americanos foi, no perío<strong>do</strong> colonial, geri<strong>do</strong> pelo Esta<strong>do</strong>. Nesses países, expõe o<br />

autor, o “baixo <strong>clero</strong>, especialmente o secular, era constituí<strong>do</strong>, pre<strong>do</strong>minantemente,<br />

de criollos e, portanto, embora apresentasse divisões, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que o<br />

conjunto da elite criolla, se mostrou mais inclina<strong>do</strong> a apoiar a causa de um governo<br />

autônomo hispano-americano e até mesmo a independência.” 20 Enquanto isso, a<br />

posição da Sé é de apoio à Coroa ibérica. Nesse perío<strong>do</strong> “o papa<strong>do</strong> manteve sua<br />

tradicional aliança com a coroa espanhola – e sua oposição à revolução liberal.” 21<br />

Cabe lembrar que nos países de colonização espanhola da América Latina o sistema<br />

a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> após suas independências foi a república, e não outra monarquia, como no<br />

caso brasileiro. Entretanto, a ascensão de um governo liberal na Espanha tornou-se<br />

um <strong>do</strong>s principais fatores para que a Igreja tomasse “uma postura política mais<br />

neutra”. 22 Após as independências um conflito de alçadas sobreveio:<br />

19 Ibid., p. 267.<br />

20 Id.<br />

21 Ibid., p. 268.<br />

22 Id.<br />

23 Ibid., p. 271.<br />

“O desejo de muitos liberais, além de afirmar a supremacia <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

secular e defender a liberdade de pensamento, era em grande parte reduzir<br />

o poder temporal e a influência da Igreja, que consideravam o principal<br />

obstáculo à modernização política, social, econômica <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> pósindependência.<br />

As propriedades da Igreja, seu capital, renda, influência<br />

educacional e privilégios jurídicos, tu<strong>do</strong> foi objeto de ataque. De seu la<strong>do</strong>, a<br />

Igreja, à medida que sofria a influência das idéias ultramontanas, sobretu<strong>do</strong><br />

no papa<strong>do</strong> de Pio IX, resistiu cada vez mais, mobilizan<strong>do</strong> em sua própria<br />

defesa as forças conserva<strong>do</strong>ras da sociedade hispano-americana, inclusive<br />

forças populares. Em conseqüência, o conflito entre o Esta<strong>do</strong> liberal e a<br />

Igreja Católica passou a ser, nas décadas intermediárias <strong>do</strong> século XIX – e<br />

durante algum tempo depois –, uma questão política central em toda a<br />

América espanhola, sobretu<strong>do</strong> no México, onde, na década de 1850 e na de<br />

1860, deu origem a violento confronto e a uma guerra civil de grandes<br />

proporções.” 23<br />

17


No Brasil, aponta Bethell, “a maioria <strong>do</strong> <strong>clero</strong> [...] apoiou a facção brasileira<br />

contra os portugueses [...] [encontrava-se, ainda, a presença de padres] entre os<br />

republicanos e os liberais extrema<strong>do</strong>s”. 24 Mas a principal característica <strong>do</strong> processo<br />

de independência sobre o <strong>clero</strong> no Brasil, foi a grande participação política <strong>do</strong>s<br />

membros da Igreja após tal evento. Por esse caráter, Leslie Bethell escreveu que:<br />

“A transição <strong>do</strong> Brasil de colônia portuguesa a império independente foi<br />

marcada pela continuidade tanto nas questões eclesiásticas quanto nas<br />

outras de qualquer tipo. A natureza relativamente pacífica <strong>do</strong> movimento em<br />

favor da independência e a sobrevivência da monarquia permitiram que, ao<br />

contrário da América espanhola, a Igreja <strong>do</strong> Brasil – seu pessoal, seus bens<br />

e seu prestígio – emergisse relativamente pouco prejudicada, embora,<br />

mesmo no Brasil, as primeiras décadas <strong>do</strong> século XIX tenham<br />

testemunha<strong>do</strong> uma diminuição no número de membros <strong>do</strong> <strong>clero</strong> secular e<br />

mais particularmente <strong>do</strong> regular, quan<strong>do</strong> as ordens religiosas entraram num<br />

perío<strong>do</strong> de declínio.” 25<br />

Em oposição destacavam-se os planos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e Sé no Brasil na década<br />

de 1860. Enquanto a Santa Sé realizava um projeto de afirmação da autoridade<br />

papal em contraposição aos “erros modernos”, o poder imperial <strong>do</strong> novo Esta<strong>do</strong>, no<br />

Brasil, reafirmava a autoridade sobre a Igreja, já conquistada pela Coroa portuguesa.<br />

Ocorria que as relações políticas dentro desse Esta<strong>do</strong> apresentavam elementos,<br />

como o liberalismo e a maçonaria, que iam a desencontro com o projeto eclesiástico<br />

romano. Logo, deve-se ter em vista as diferenças entre a Sé e a Igreja brasileira. O<br />

novo contexto, em que se deu as relações entre Igreja e Esta<strong>do</strong> no Brasil<br />

independente, teve fundamentais bases na nova posição da Igreja. Segun<strong>do</strong> o<br />

sociólogo Sérgio Miceli:<br />

24 Ibid., p. 272.<br />

25 Ibid., pp. 272-273.<br />

26 MICELI, Sérgio. Op. Cit.<br />

“A postura <strong>do</strong>utrinária da Santa Sé [no século XIX] se consoli<strong>do</strong>u através<br />

das encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum (1864) que condenaram<br />

drasticamente os chama<strong>do</strong>s ‘erros modernos’, a saber, o racionalismo, o<br />

socialismo, o comunismo, a maçonaria, a separação entre a Igreja e o<br />

Esta<strong>do</strong>, as liberdades de imprensa, de religião, em suma ‘o progresso, o<br />

liberalismo e a civilização moderna’”. 26<br />

18


Em 1870 já havia 24 anos <strong>do</strong> papa<strong>do</strong> de Pio IX 27 , caracteriza<strong>do</strong> pelo<br />

combate aos “erros modernos”. Foi nesse contexto que “os órgãos centrais da Igreja<br />

não pouparam esforços na promoção <strong>do</strong> papa, chegan<strong>do</strong> ao extremo de proclamar o<br />

<strong>do</strong>gma da infabilidade papal por ocasião <strong>do</strong> primeiro Concílio Vaticano (1870)” 28 .<br />

Essa promoção esteve inserida no movimento de “romanização”. Segun<strong>do</strong> Marcelo<br />

<strong>do</strong>s Reis Tavares, em sua dissertação de mestra<strong>do</strong>,<br />

“[...] o catolicismo pratica<strong>do</strong> fora <strong>do</strong>s círculos de <strong>do</strong>mínio da Santa Sé, não<br />

era, ou pelo menos não era considera<strong>do</strong> pela hierarquia católica, como<br />

plenamente romano. Esse fato explica o conjunto de ações concretas da<br />

Igreja no decorrer <strong>do</strong> século XIX, no senti<strong>do</strong> de resguardar os seus direitos<br />

e transmutar as práticas católicas tanto no Velho, quanto no Novo Mun<strong>do</strong>,<br />

eivadas que estavam de um espírito nacional e liberal” 29 .<br />

Contribuin<strong>do</strong> para essa impressão, expõe o historia<strong>do</strong>r Kenneth Serbin que a<br />

participação política <strong>do</strong> <strong>clero</strong> secular, que já era muito importante no perío<strong>do</strong><br />

colonial, ganhou mais destaque após 1822. Escreve esse historia<strong>do</strong>r que:<br />

“Os padres continuavam essenciais na sociedade. Depois da<br />

independência, alcançaram grande poder político regional, especialmente<br />

no interior. As paróquias faziam os registros de propriedade da terra, a base<br />

<strong>do</strong> poder no campo. Para o brasileiro médio, Deus era o supremo juiz<br />

regula<strong>do</strong>r da sociedade. Os padres ainda intervinham como árbitros morais<br />

nos assuntos mais pessoais e delica<strong>do</strong>s. A administração pública baseavase<br />

em divisões territoriais eclesiásticas, e as eleições, realizadas nas igrejas<br />

paroquiais, eram eventos sagra<strong>do</strong>s cuida<strong>do</strong>samente regula<strong>do</strong>s pelo <strong>clero</strong>.<br />

Padres participavam <strong>do</strong> registro <strong>do</strong>s eleitores e das juntas eleitorais, da<br />

coleta de estatísticas e <strong>do</strong> aconselhamento de juízes de paz novatos ou<br />

ineptos. O Brasil era uma sociedade elitista, distante da democracia. Ainda<br />

assim, o <strong>clero</strong> desempenhou um papel democratizante, ajudan<strong>do</strong> a<br />

introduzir os brasileiros em novos conceitos como Constituição, leis,<br />

parti<strong>do</strong>s políticos e voto.” 30<br />

27 Biografia <strong>do</strong> Papa Pio IX. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

06/04/2009.<br />

28 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p. 12.<br />

29 TAVARES, Marcelo <strong>do</strong>s Reis. Entre a Cruz e o Esquadro: o debate entre a Igreja Católica e a<br />

Maçonaria na imprensa francana (1882-1901). 136f. Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em História) – Faculdade<br />

de História, Direito e serviço Social, Universidade Estadual Paulista, Franca, 2006. p. 14.<br />

30 SERBIN, Kenneth P. Padres, Celibato e Conflito social: uma história da Igreja Católica no Brasil.<br />

Trad.: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. pp. 65-66.<br />

19


Assim, que nos eventos que levaram à independência <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro<br />

em relação ao português:<br />

“Padres encabeçaram a agitação política [...]. A mudança política e os<br />

sentimentos nacionalistas instigaram-nos a agir. Brechas no sistema colonial<br />

permitiam que o debate sobre cidadania, a abolição da escravidão e a<br />

liberdade de imprensa surgisse na arena política pela primeira vez. A<br />

literatura abor<strong>do</strong>u temas políticos, e as tensões étnicas e sociais entraram<br />

em ebulição. Leitores ávi<strong>do</strong>s, os padres acumulavam livros e absorviam<br />

idéias polêmicas. A avassala<strong>do</strong>ra influência da Revolução Francesa e da<br />

ideologia liberal, o exemplo <strong>do</strong> <strong>clero</strong> pró-revolucionário na França, atritos<br />

com os portugueses e a resistência a atitudes autoritárias de <strong>do</strong>m Pedro I<br />

levaram muitos padres a rebelar-se contra a coroa portuguesa e depois<br />

contra o governo imperial. Inspira<strong>do</strong>s pelo Iluminismo, inimigos da tirania,<br />

esses clérigos deram liderança ideológica a movimentos políticos. A<br />

maçonaria, que em muitos aspectos se assemelhava às irmandades, foi um<br />

canal para disseminar a dissidência e formar movimentos. A idéia de<br />

ascensão social vista na república norte-americana agra<strong>do</strong>u aos clérigos<br />

brasileiros. Muitos dentre os padres rebeldes tinham a menor remuneração<br />

e o menor prestígio no <strong>clero</strong>. Como outros desprivilegia<strong>do</strong>s mas talentosos<br />

membros da sociedade, eles estavam frustra<strong>do</strong>s com a falta de<br />

oportunidades de progredir. Muitos padres acabaram pegan<strong>do</strong> em armas.” 31<br />

Em novembro de 1875, escreveu o vigário da Candelária, no Rio de Janeiro,<br />

que o Brasil, um país nascente, “[...] subjuga<strong>do</strong> pelas ordens régias tardias e<br />

contraditorias, de uma metropole milhares de leguas distante, que não tinha nem<br />

podia obter pleno conhecimento das necessidades <strong>do</strong>s povos sujeitos á sua tutella,<br />

soffria sempre as contrariedades das urgentes necessidades [...]”, 32 reforçan<strong>do</strong> o<br />

raciocínio <strong>do</strong> apoio de clérigos à independência, ainda que já passa<strong>do</strong>s mais de<br />

cinquenta anos, porém, ainda, nos desenlaces da Questão Religiosa. Mas, para<br />

além das relações, apresentadas pelo autor, de padres com os movimentos pela<br />

independência, a participação de clérigos em ordens maçônicas e na política parece<br />

que foi bastante disseminada. Serbin explica que a participação de padres na<br />

política “começou nas cortes portuguesas (corpo representativo) de 1821-22. [Onde<br />

<strong>do</strong>s] [...] oitenta deputa<strong>do</strong>s eleitos, 23 eram bispos ou padres. Na assembléia<br />

Constituinte brasileira de 1822-23, <strong>do</strong>s cem representantes 22 eram padres [...]. Nas<br />

31 Ibid., p. 66-67.<br />

32 HONORATO, Manoel da Costa. Memoria Historica da Igreja Matriz de Nossa Senhora da<br />

Candelaria D'Esta Côrte. Revista Trimestral <strong>do</strong> Instituto Historico Geograpfico Ethnographico <strong>do</strong><br />

Brasil. Rio de Janeiro. Tomo XXXIV. B.I.Guarnier, 1876. p. 5-96. p. 54.<br />

20


vinte legislaturas eleitas <strong>do</strong> Império, duzentas cadeiras foram ocupadas por padres<br />

na Câmara <strong>do</strong>s Deputa<strong>do</strong>s.” 33 O mal-estar entre aqueles que se relacionavam tão<br />

diretamente na política e aqueles que defendiam o projeto aqui chama<strong>do</strong> de<br />

“romanização”, que exigia a não-separação entre Esta<strong>do</strong> e Igreja ao mesmo tempo<br />

que uma preocupação <strong>do</strong>s clérigos para com, somente, o campo espiritual, pode ser<br />

verifica<strong>do</strong> na figura <strong>do</strong> padre e regente Feijó. Sobre esse influente padre, Serbin<br />

retrata que:<br />

“Feijó trabalhou como professor e, como outros membros <strong>do</strong> <strong>clero</strong>, fun<strong>do</strong>u<br />

um jornal. Em 1821, foi eleito representante nas cortes de Lisboa. Cinco<br />

anos depois, elegeram-no para a Assembléia Geral, onde comparecia em<br />

trajes laicos [em desacor<strong>do</strong> com as normas tridentinas]. Como ministro da<br />

Justiça (1831-32), Feijó estabilizou o clima político na esteira da abdicação<br />

de <strong>do</strong>m Pedro I crian<strong>do</strong> a Guarda Nacinal. Em 1833, foi nomea<strong>do</strong> sena<strong>do</strong>r.<br />

Feijó recusou a indicação <strong>do</strong> governo para tornar-se bispo de Mariana em<br />

1835. Atingiu o ápice <strong>do</strong> poder político como regente de 1835 a 1837,<br />

governan<strong>do</strong> em nome <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r menino <strong>do</strong>m Pedro II durante um <strong>do</strong>s<br />

mais turbulentos perío<strong>do</strong>s da história brasileira. Feijó é lembra<strong>do</strong> como um<br />

<strong>do</strong>s heróis da unidade nacional brasileira. Em 1842, ele participou de uma<br />

malograda rebelião contra o governo central que lhe impôs fim à carreira<br />

política.” 34<br />

Serbin situa o regente Feijó como representante <strong>do</strong> <strong>clero</strong> reforma<strong>do</strong>r, em<br />

oposição ao <strong>clero</strong> conserva<strong>do</strong>r, sustenta<strong>do</strong> nas regras <strong>do</strong> Concílio de Trento e<br />

“romaniza<strong>do</strong>r”. Entre as posições de Feijó e, em alguma medida, <strong>do</strong> <strong>clero</strong><br />

reforma<strong>do</strong>r, ele “queria [...] que o governo brasileiro nomeasse bispos e que os<br />

presidentes das províncias escolhessem os vigários e os padres paroquiais. Todas<br />

essas idéias não condiziam com a centralização e a uniformidade ultramontanas.” 35<br />

Dessa maneira, podemos verificar, como afirma Kenneth Serbin, que:<br />

33 Ibid., p. 67.<br />

34 Ibid., pp. 70-71.<br />

35 Ibid., p. 75.<br />

36 Ibid., p. 70.<br />

“Formaram-se <strong>do</strong>is campos [na Igreja <strong>do</strong> Brasil]. De um la<strong>do</strong> estavam os<br />

conserva<strong>do</strong>res, ultramonarquistas, reacionários e ultramontanos (ferrenhos<br />

partidários <strong>do</strong> papa<strong>do</strong> e da centralização da autoridade eclesiástica); <strong>do</strong><br />

outro, os liberais, revolucionários nacionalistas, republicanos e galicanos<br />

(defensores de estreitas relações entre Igreja e Esta<strong>do</strong> e da maior soberania<br />

nacional nos assuntos religiosos).” 36<br />

21


Cabe aqui relativizar alguns conceitos. Serão expostos em algumas citações<br />

deste trabalho os conceitos “jansenistas”, “galicanos” e “ultramontanos”. Em<br />

comunicação realizada no colóquio “Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e<br />

sociedades”, realiza<strong>do</strong> em novembro de 2005, na cidade de Lisboa, o historia<strong>do</strong>r<br />

Evergton Sales Souza, ao tratar desses termos, mais especificamente <strong>do</strong><br />

“jansenismo” na América portuguesa, faz uma exposição das relações desses<br />

movimentos com a Coroa portuguesa de D.José I, de seu ministro, o Marquês de<br />

Pombal, e suas relações com os jesuítas e a Sé. 37 Trata-se, entretanto, de<br />

problemas característicos <strong>do</strong>s séculos XVII e XVIII. Aqui, porém, não encontramos<br />

exposições suficientes para que afirmemos categoricamente a relação entre esses<br />

movimentos e o problema verifica<strong>do</strong> no século XIX, caracteriza<strong>do</strong>, de um la<strong>do</strong>, pelo<br />

combate aos “erros modernos” e pela participação político-social, <strong>do</strong> outro, ainda<br />

que verifique-se caracteriza<strong>do</strong> elementos “regalistas” em ambos contextos.<br />

O autor da comunicação, ao tratar <strong>do</strong> “jansenismo” no Império Português,<br />

expõe seu caráter específico:<br />

“Tratou-se de um jansenismo tardio, pois não apareceu senão nos anos<br />

1760, isto é, mais de um século após o início das controvérsias jansenistas<br />

nos Países Baixos espanhóis e em França. Não foi simples cópia <strong>do</strong><br />

jansenismo francês, ou daquele da Itália da segunda metade <strong>do</strong> século<br />

XVIII. Ainda que os jansenistas portugueses não escondessem sua<br />

admiração a respeito de alguns autores jansenistas da França, da Itália ou<br />

de outras partes da Europa, e que seu pensamento fosse<br />

fundamentalmente influencia<strong>do</strong> por eles, o jansenismo no mun<strong>do</strong> português<br />

traz a marca indelével de um contexto histórico e religioso específico.” 38<br />

Logo, os termos propostos, de “jansenismo” e “galicanismo” não serão, aqui,<br />

sustenta<strong>do</strong>s no problema que se está analisan<strong>do</strong>, por tratarem de um tema<br />

específico: ideias referentes à organização eclesiástica e real, porém acusadas de<br />

serem trazidas de outras partes para Portugal, principalmente da França, no século<br />

37 SOUZA, Evergton Sales. Jansenísmo e reforma da Igreja na América Portuguesa. In:<br />

COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005, Lisboa. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 01/10/2009.<br />

38 Ibid., p. 3.<br />

22


XVIII. No tema deste trabalho, esses termos surgem como facilita<strong>do</strong>res da<br />

compreensão acerca <strong>do</strong>s planos de Esta<strong>do</strong> e Igreja. Outros termos, entretanto,<br />

mantêm um significa<strong>do</strong> pertinente ao que se está verifican<strong>do</strong> aqui. Trata-se <strong>do</strong><br />

“regalismo”, “ultramontanismo” e da “romanização”. Para o problema aqui analisa<strong>do</strong>,<br />

<strong>do</strong> mal-estar gera<strong>do</strong> pelas posições, muitas vezes, antagônicas de Roma e Rio de<br />

Janeiro, Sérgio Miceli expõe que: “No caso <strong>do</strong>s países latino-americanos e<br />

sobretu<strong>do</strong> no Brasil, a política expansionista da Santa Sé em fins <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong><br />

[XIX] e começo <strong>do</strong> atual [XX] a<strong>do</strong>tou uma postura marcadamente patrimonialista,<br />

sem abrir mão das metas de ‘romanização’”. 39<br />

que:<br />

Sobre o caráter da Igreja no Brasil, o historia<strong>do</strong>r Thales de Azeve<strong>do</strong> afirma<br />

“No Brasil, parece haver ocorri<strong>do</strong>, durante o perío<strong>do</strong> colonial, uma crise de<br />

identificação, a Igreja e o Esta<strong>do</strong>, confundi<strong>do</strong>s nas ordens institucional e<br />

jurídica, tinham dificuldade em se distinguir e os seus choques eram<br />

expressões dessa ambigüidade. No império essa ambigüidade assume a<br />

modalidade de crise de competência, de conflito jurídico em que se<br />

disputava, as duas instituições já distintas historicamente, qual deveria<br />

assumir o poder e a hegemonia sobre a outra” 40 .<br />

Segun<strong>do</strong> Thales de Azeve<strong>do</strong>, o perío<strong>do</strong> colonial é marca<strong>do</strong> pela confusão<br />

entre a Igreja e o Esta<strong>do</strong> português. O autor defende que as navegações<br />

portuguesas foram caracterizadas pela continuidade <strong>do</strong> movimento de Reconquista<br />

Ibérica, isto é, um avanço da sociedade cristã para o sul. Para isso,<br />

“Uma das providências a<strong>do</strong>tadas com tais fins é a utilização <strong>do</strong>s bens e das<br />

vultuosas rendas da poderosa Ordem <strong>do</strong>s Templários, que a Sé Apostólica<br />

abolira em começos <strong>do</strong> século XIV, e com tais recursos instituir, em mea<strong>do</strong>s<br />

da centúria seguinte, com a permissão <strong>do</strong> papa<strong>do</strong> por uma bula de 1418, a<br />

Ordem de Cristo, sob o grão-mestra<strong>do</strong> perpétuo (grifo nosso) <strong>do</strong> rei lusitano,<br />

com poderes de administração e governo e também jurisdição espiritual<br />

sobre todas as regiões a partir de então conquistadas em África e nas<br />

chamadas Índias” 41<br />

39 MICELI, Sérgio. Op.Cit., p. 13.<br />

40 AZEVEDO, Thales de. Igreja e Esta<strong>do</strong> em Tensão e Crise: a conquista espiritual e o padroa<strong>do</strong> na<br />

Bahia. São Paulo: Ed. Ática, 1978. p. 21 (nota de rodapé).<br />

41 Ibid., p. 26.<br />

23


Do mesmo mo<strong>do</strong>, J.H. Elliot percebeu no desenvolvimento das navegações<br />

portuguesas uma continuação da Reconquista Ibérica. 42 O historia<strong>do</strong>r destaca que<br />

com a Reconquista procurou-se aumentar os limites da fé cristã, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong><br />

que o território das Coroas Ibéricas. Todavia esse movimento para o sul não foi<br />

concluí<strong>do</strong> com os limites da Península Ibérica, levan<strong>do</strong> os reinos ali constituí<strong>do</strong>s à<br />

prosseguirem nesse senti<strong>do</strong>.<br />

“A Reconquista – o grande movimento <strong>do</strong>s reinos cristãos da Península<br />

Ibérica para o sul, para regiões mantidas pelos mouros – ilustra um pouco a<br />

ampla gama de possibilidades nas quais se poderiam buscar precedentes.<br />

Travada ao longo da fronteira que dividia o Cristianismo <strong>do</strong> Islã, a<br />

Reconquista foi uma guerra que ampliou os limites da fé, também uma<br />

guerra em busca de expansão territorial, conduzida e regulamentada,<br />

mesmo que nem sempre controlada, pela coroa espanhola e pelas grandes<br />

ordens religioso-militares, que no processo obtinha vassalos junto com<br />

vastas áreas de terra. Foi uma típica guerra de fronteira, numa tática de<br />

ataques rápi<strong>do</strong>s e específicos em busca de saques fáceis, oferecen<strong>do</strong><br />

oportunidades de lucro com resgates e escambos, e de recompensas mais<br />

tangíveis, como honra e fama. Foi uma migração de pessoas e de rebanhos<br />

em busca de novos lares e novas pastagens. Foi um processo de<br />

povoamento e colonização controladas, com base na fundação de cidades<br />

às quais era concedida ampla extensão territorial sob garantia real.” 43<br />

Para Elliot, os motivos portugueses para a expansão ao sul iam além da<br />

“aquisição de novos merca<strong>do</strong>s e de novas fontes de suprimento de corantes, ouro,<br />

açúcar e escravos.” 44<br />

“[...] as aventuras ultramarinas de Portugal no século XV também eram<br />

guiadas por outros interesses, às vezes contraditórios. A nobreza, golpeada<br />

pelas desvalorizações da moeda que reduziram o valor de seus censos e<br />

rendimentos fixos, procurava no ultramar novas terras e novas fontes de<br />

riqueza. Os príncipes da nova casa real combinavam em graus varia<strong>do</strong>s o<br />

instinto aquisitivo com o fervor de cruzada, uma sede de informações<br />

geográficas e um desejo de perpetuar seus nomes.” 45<br />

42 ELLIOT, J.H. A Conquista Espanhola e a Colonização da América. In: BETHELL, Leslie. História<br />

da América Latina: América Latina Colonial. 2ªed. Trad.: Maria Clara Cescato. São Paulo: Editora da<br />

Universidade de São Paulo; Brasilia: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. v.1. p. 135-194.<br />

43 Ibid., p. 135 e 138.<br />

44 Ibid., p. 140.<br />

45 Ibid., pp. 140-141.<br />

24


Por outro ângulo, Luiz Felipe de Alencastro percebe o expansionismo<br />

português como preventivo em relação à uma Castela ameaça<strong>do</strong>ra de sua<br />

independência, e uma Holanda como importante região de comércio e de<br />

navegações destacadas, logo, concorren<strong>do</strong> pela posse de novos territórios. 46 Sua<br />

ação preventiva consistia, então, em aumentar sua marinha e alinhar seu comércio<br />

com a Inglaterra, que, assim, reconhecia suas posses e independência de Castela.<br />

Logo, a motivação portuguesa para seu expansionismo encontrava-se em ocupar<br />

primeiro os territórios que poderiam vir a ser descobertos após os trata<strong>do</strong>s de<br />

Alcaçovas e Tordesilhas, quan<strong>do</strong> fora pactua<strong>do</strong> fronteiras de terras à serem<br />

descobertas. Isso acabou, também, contraditoriamente às intenções portuguesas,<br />

por impulsionar os espanhóis ao mar, pon<strong>do</strong>, assim, em risco as teóricas<br />

possessões de Portugal. Internamente, uma vez que as receitas da Coroa<br />

portuguesa se baseavam na tributação da circulação de riquezas, os rendimentos <strong>do</strong><br />

além-mar aumentaram muito as riquezas circulantes em Portugal e, logo, as receitas<br />

da Coroa. Este é um <strong>do</strong>s importantes motivos expostos por Luiz Felipe de Alencastro<br />

para o expansionismo português. Além disso, a Coroa participou diretamente <strong>do</strong>s<br />

lucros das expedições ao tornar-se investi<strong>do</strong>ra, através de feitorias nas Colônias.<br />

Consequentemente, a Coroa portuguesa estimulou o comércio ultramarino e<br />

manteve intocadas as instituições de Antigo Regime organizadas no seu reino. A<br />

Inquisição também contribuiu decisivamente para as expedições, segun<strong>do</strong> o autor.<br />

Isso pois, a burguesia portuguesa, investi<strong>do</strong>ra das navegações, era em grande parte<br />

composta por Cristãos-Novos, judeus, que não podiam investir em títulos.<br />

Acabavam, então, por, em grande medida, reinvestir nas expedições. Assim, a<br />

Inquisição teve papel fundamental para que o lucro das expedições não fosse<br />

desvia<strong>do</strong> para a compra de títulos, mas reinvesti<strong>do</strong>. A lógica das expedições,<br />

segun<strong>do</strong> Alencastro, funcionou da seguinte maneira:<br />

“[...] o Esta<strong>do</strong> extrai suas receitas <strong>do</strong> comércio exterior, estimulan<strong>do</strong>, por sua<br />

vez, a expansão marítima (a): esta lhe assegura territórios e merca<strong>do</strong>s<br />

além-mar, os quais, cedi<strong>do</strong>s ou entreabertos ao comércio inglês, servem de<br />

penhora à aliança luso-britânica (b): garantida desta forma a independência<br />

46 ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A economia política <strong>do</strong>s descobrimentos. In: ______. A<br />

descoberta <strong>do</strong> homem e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. São Paulo: Cia. das Letras, 1998. p. 193-207.<br />

25


de Portugal legitima por sua vez a monarquia, permitin<strong>do</strong> que o aparelho de<br />

Esta<strong>do</strong> se sobreponha às instituições e às estruturas metropolitanas e<br />

coloniais (c).” 47<br />

Ainda que o comércio e a expansão portuguesa tenham recebi<strong>do</strong> o<br />

investimento da burguesia, não pode-se desconsiderar a importância das rendas da<br />

Ordem de Cristo para a formação da marinha portuguesa e suas expedições. As<br />

novas possessões portuguesas justificavam-se pela catequização, assim como as<br />

caravelas levavam a Cruz de Malta em seus estandartes. Elliot aponta para uma<br />

Península Ibérica onde havia se constituí<strong>do</strong> um<br />

“[...] humanismo <strong>do</strong> Renascimento e uma religião revivescente com fortes<br />

nuances escatológicas [que] forneciam idéias e símbolos que podiam ser<br />

explora<strong>do</strong>s para projetar novas imagens da monarquia, como a de líder<br />

natural numa grande empresa coletiva – a missão divina de eliminar os<br />

últimos resquícios <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio mouro e de purificar a Península de<br />

quaisquer elementos de contaminação, um prelúdio da difusão <strong>do</strong><br />

evangelho aos recantos mais longínquos da terra (grifo nosso).” 48<br />

Como grão-mestre da Ordem de Cristo e com o início <strong>do</strong> Padroa<strong>do</strong>, o rei<br />

ganhou o poder de “indicar os candidatos a to<strong>do</strong>s os benefícios e cargos <strong>do</strong>s <strong>clero</strong>s<br />

secular e regular, a impor censuras e outras penalidades eclesiásticas e a exercer os<br />

poderes ordinários nos limites de suas jurisdições” 49 . A Igreja em Portugal pode ser<br />

analisada, nesse perío<strong>do</strong>, como “instrumentum regni da tradição constantiniana e <strong>do</strong><br />

padroa<strong>do</strong>, enquanto (...) a missão eclesiástica era definidamente profética e mística,<br />

inspirada de universalismo por Santo Inácio” 50 . Logo, recebeu uma importância<br />

social significativa, enquanto instituição, para a inclusão nas sociedades portuguesas<br />

de além-mar. No Brasil, coube “à Igreja [até a República] fazer a expressa<br />

regulamentação das relações sociais e até <strong>do</strong>s trâmites seculares, como o registro<br />

<strong>do</strong>s nascimentos, a legitimação da propriedade, a posse da terra [...]” 51 , como expõe<br />

Azeve<strong>do</strong>.<br />

47 Ibid., p. 203-204.<br />

48 ELLIOT, J.H. Op.Cit., p. 144.<br />

49 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit., p. 26.<br />

50 Ibid., p. 50.<br />

51 Ibid., p. 86-87.<br />

26


Para o historia<strong>do</strong>r, esse caráter é modifica<strong>do</strong> após a Independência. O autor<br />

aponta para o seguinte:<br />

“A Independência e o Império determinaram uma modificação substancial na<br />

problemática nas relações entre Esta<strong>do</strong> e Igreja. Não que as posições<br />

relativas se alterem no quadro institucional de poder e <strong>do</strong>minação (grifo<br />

nosso). Porém, as novas idéias – trabalhan<strong>do</strong> desde há muito as mentes<br />

numa e noutra esfera – haviam cria<strong>do</strong> uma nova consciência, seja nos<br />

políticos e estadistas, seja nos eclesiásticos em geral, – a consciência de<br />

suas específicas identidades.” 52<br />

Ainda assim, a Independência não denotou uma laicização radical <strong>do</strong> novo<br />

Império. A distinção entre as duas instituições, expõe Azeve<strong>do</strong>, não impediu de<br />

“continuar o Esta<strong>do</strong> desejoso e interessa<strong>do</strong> em subordinar a religião e seu aparato<br />

pastoral em instrumentos de seus desígnios” 53 . Isso ocorren<strong>do</strong> principalmente com o<br />

<strong>clero</strong> secular, mais próximo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

2.2. A Questão Religiosa<br />

Entretanto, a Sé romana e o Esta<strong>do</strong> independente <strong>do</strong> Brasil assumem<br />

posições diversas que os levarão a uma situação conflituosa, ainda que de<br />

resulta<strong>do</strong>s limita<strong>do</strong>s no Brasil. Thales de Azeve<strong>do</strong> explicita que dada a<br />

Independência o papa<strong>do</strong> é “ce<strong>do</strong> procura<strong>do</strong> pelo impera<strong>do</strong>r para que lhe confirme as<br />

prerrogativas <strong>do</strong> padroa<strong>do</strong>” 54 , o que não ocorre, forçan<strong>do</strong> o impera<strong>do</strong>r a confirmá-las<br />

“por arbítrio próprio” 55 .<br />

Segun<strong>do</strong> Frederick B. Pike, essas posições diversas entre Sé e Coroa<br />

repercutirão, também, no próprio <strong>clero</strong>:<br />

52 Ibid., p. 122.<br />

53 Id.<br />

54 Ibid., p. 123.<br />

55 Id.<br />

27


“Quan<strong>do</strong> o Brasil se proclamou independente de Portugal, em 1822, a<br />

maioria <strong>do</strong> <strong>clero</strong>, como freqüentemente aconteceu na América espanhola,<br />

tinha inclinações liberais e estava pronta a aceitar os padrões regalistas nas<br />

relações entre a Igreja e o Esta<strong>do</strong>. Na década de 1870, porém, alarma<strong>do</strong>s<br />

pelos novos acontecimentos que consideravam uma séria ameaça para a<br />

Igreja e encoraja<strong>do</strong>s pelo tom ultramontano <strong>do</strong> Syllabus de 1864 e outros<br />

pronunciamentos papais, certos prela<strong>do</strong>s brasileiros decidiram que só<br />

poderiam defender o catolicismo deixan<strong>do</strong> de ser servos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />

desafian<strong>do</strong> diretamente a linha de ação política <strong>do</strong> governo, que<br />

consideravam injuriosa.” 56<br />

Concomitantemente a independência, os anos de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XIX são<br />

de forte anticlericalismo em Portugal. Segun<strong>do</strong> o historia<strong>do</strong>r português Fernan<strong>do</strong><br />

Catroga:<br />

“Sabe-se que a chamada questão italiana e as deliberações <strong>do</strong> Concílio<br />

Vaticano I, articuladas com a crise social e política que a Comuna e a vitória<br />

da III República Francesa, laica e anticlerical, simbolizaram, condicionaram<br />

um novo empolamento da questão religiosa. E, recorde-se, para além da<br />

contra-ofensiva <strong>do</strong>utrinal (neotomismo), saíram de Roma incentivos para<br />

que essa campanha recebesse uma tradução organizada. Foi neste<br />

contexto que surgiu, entre nós [portugueses], a Associação Católica (1872),<br />

liderada pelo conde de Samodães, facto que, liga<strong>do</strong> às provas da crescente<br />

penetração das ordens religiosas no País, não deixou de incomodar os<br />

meios políticos mais fiéis à tradição anticongreganista <strong>do</strong> liberalismo<br />

português. Como resposta, nasceu em Coimbra um movimento a favor da<br />

fundação de associações liberais, sob o impulso de alguns mações e<br />

positivistas. O seu programa era claro: apelava para o revigoramento de<br />

uma frente liberal ampla, programaticamente baseada na defesa das leis<br />

seculariza<strong>do</strong>ras de Pombal e <strong>do</strong> liberalismo, condição que consideravam<br />

fundamental para que não voltassem a perigar os alicerces <strong>do</strong> sistema<br />

representativo” 57<br />

Pode-se perceber que a aceitação da Cúria romana às decisões <strong>do</strong> poder<br />

estatal brasileiro em relação a liberalismos, envolvia não somente questões internas<br />

ao Brasil ou da relação pontual entre as duas instituições. O Esta<strong>do</strong> brasileiro, que<br />

presenciava grande influência de maçons na sua estrutura, inseria-se no contexto <strong>do</strong><br />

anticlericalismo que a Igreja tentava combater em Portugal, outras nações da Europa<br />

e América Latina, expandin<strong>do</strong> sua presença e autoridade. O historia<strong>do</strong>r Kenneth<br />

56 PIKE. Frederick B. O Catolicismo na América Latina de 1848 aos Nossos Dias.In:______ Nova<br />

História da Igreja: a Igreja na sociedade liberal e no mun<strong>do</strong> moderno. Tomo II. Trad.: Almir Ribeiro<br />

Guimarães e Floriano de Souza Fernandes. Petrópolis – RJ: Vozes, 1976. p. 119-175. p. 141.<br />

57 CATROGA, Fernan<strong>do</strong>. O Laicismo e a Questão Religiosa em Portugal (1865-1911). Disponível<br />

em: http://analisesocial.ics.ul.pt/<strong>do</strong>cumentos/1223029596W8bRF8ng3Ap22XN2.pdf. Acesso em:<br />

31/05/2009.<br />

28


Serbin descreve a “romanização” como um mecanismo que “[...] nasceu <strong>do</strong>s<br />

esforços da Igreja para reafirmar seu poder e influência em meio às grandes<br />

mudanças produzidas pelo mun<strong>do</strong> moderno. Surgiu após os generaliza<strong>do</strong>s ataques<br />

da Revolução Francesa contra o <strong>clero</strong> e os privilégios, bens e <strong>do</strong>utrina da Igreja.” 58<br />

No Brasil, tomada a posição de manter o Padroa<strong>do</strong>, pelo Esta<strong>do</strong>, verificou-se<br />

uma boa relação entre alguns clérigos e o poder estatal. Os chama<strong>do</strong>s “erros<br />

modernos”, em destaque a maçonaria eram, inclusive, encontra<strong>do</strong>s no seio da<br />

Igreja, o que culminará na “Questão Religiosa”, como afirma Marcelo <strong>do</strong>s Reis<br />

Tavares:<br />

“O estopim da Questão Religiosa foi a expulsão <strong>do</strong> padre e maçom Almeida<br />

Martins pelo bispo <strong>do</strong> Rio de Janeiro D. Pedro Maria de Lacerda. Numa<br />

festa organizada pelo Grande Oriente <strong>do</strong> Lavradio em 2 de março de 1872,<br />

em comemoração à Lei <strong>do</strong> Ventre Livre, o padre proferiu um discurso em<br />

homenagem ao Visconde <strong>do</strong> Rio Branco, presidente <strong>do</strong> Conselho de<br />

Ministros e Grão-mestre da maçonaria brasileira.” 59<br />

Os acontecimentos que levaram à “Questão Religiosa” apontam para a<br />

proximidade entre integrantes <strong>do</strong> <strong>clero</strong> brasileiro e da política <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> nacional<br />

brasileiro. Reforça<strong>do</strong> pela presente atuação de clérigos no âmbito político-imperial,<br />

como pode-se verificar nas legislaturas <strong>do</strong> vigário <strong>do</strong> Campo Largo. O Padre<br />

Lourenço Justiniano Ferreira Bello foi deputa<strong>do</strong> da Assembléia Provincial <strong>do</strong> Paraná<br />

nos biênios de 1858-59, 60-61, 62-63, 64-65, 66-67 e 68-69. Seu irmão, João Batista<br />

Ferreira Bello, além de vigário na freguesia de São José <strong>do</strong>s Pinhais e na cidade de<br />

Curitiba, também foi deputa<strong>do</strong> da mesma Assembléia e Delega<strong>do</strong> Especial <strong>do</strong><br />

Inspetor Geral da Instrução Pública da Corte no Paraná, nomea<strong>do</strong> em 1879 60 .<br />

Da<strong>do</strong>s que apontam relações com o poder estatal desses representantes <strong>do</strong> <strong>clero</strong><br />

secular mesmo após o frágil encerramento da Questão Religiosa. Deve-se aqui<br />

esclarecer que isso não significa um anticlericalismo por si, mesmo porque poderiam<br />

buscar defender os interesses da Igreja no âmbito estatal. O que aqui destacamos é<br />

a participação secular de elementos eclesiásticos.<br />

58 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 79.<br />

59 TAVARES, Marcelo <strong>do</strong>s Reis. Op.Cit., p. 35.<br />

60 NEGRÃO, Francisco. Genealogia Paranaense. v. 3. Curitiba: Impressora Paranaense, 1926. p.<br />

598.<br />

29


No ano de 1864, por exemplo, entre as decisões publicadas <strong>do</strong> Império <strong>do</strong><br />

Brasil, pode-se verificar o pagamento de côngruas ao vigário Lourenço Justiniano, o<br />

que evidencia na prática a notória regra <strong>do</strong> Padroa<strong>do</strong> nessa década. O vigário<br />

Lourenço Justiniano Ferreira Bello é obriga<strong>do</strong>, nesse ano, a devolver 50$000 para o<br />

Esta<strong>do</strong>, referentes ao pagamento de côngrua de <strong>do</strong>is meses, maio e junho <strong>do</strong><br />

mesmo ano, nos quais encontrava-se, segun<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento, <strong>do</strong>ente e ausente da<br />

paróquia. Previa a legislação que funcionários eclesiásticos não recebessem<br />

estan<strong>do</strong> ausentes de suas atividades paroquiais, o que fatalizava a devolução. 61<br />

Segun<strong>do</strong> o cônego Manoel da Costa Honorato, vigário da paróquia de Nossa<br />

Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, as côngruas anuais, escrevia em 1875,<br />

eram de até 600$000, o que era pouco para todas as funções da igreja segun<strong>do</strong><br />

esse vigário. 62<br />

Desse mo<strong>do</strong>, entre a Sé e o Esta<strong>do</strong> dividia-se o <strong>clero</strong> em conserva<strong>do</strong>r e<br />

reformista, cada braço puxa<strong>do</strong> para um la<strong>do</strong>: o da Igreja e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

“Durante o Segun<strong>do</strong> Reina<strong>do</strong> (1840-89), a reforma clerical criou tanto<br />

afinidades eletivas como conflitos entre a construção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro e<br />

a renovação da Igreja. Um <strong>clero</strong> eficaz era almeja<strong>do</strong> pela Igreja e pelo<br />

Esta<strong>do</strong>, mas cada qual tinha em mente um propósito. A Igreja queria padres<br />

melhores para ser viável, enquanto o Esta<strong>do</strong> desejava que os padres<br />

atuassem como agentes de controle social, especialmente no campo, onde<br />

eles tinham influência sobre o povo la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> com os coronéis. Um <strong>clero</strong><br />

europeiza<strong>do</strong> sintoniza<strong>do</strong> com os bispos e com a elite brasileira era o que<br />

mais convinha a esses objetivos. Contu<strong>do</strong>, as desgastantes tensões entre<br />

Igreja e Esta<strong>do</strong> freqüêntemente conduziram a táticas diferentes. A Igreja<br />

enfatizou os aspectos romaniza<strong>do</strong>res da reforma, mas o governo imperial<br />

procurou controlar o <strong>clero</strong> por meio <strong>do</strong> persistente padroa<strong>do</strong>.” 63<br />

Pudemos, então, como já foi visto, observar que distinguia-se pelo menos<br />

<strong>do</strong>is <strong>clero</strong>s no Brasil <strong>do</strong> Segun<strong>do</strong> Reina<strong>do</strong>. Segun<strong>do</strong> José Manuel Sanz del Castillo<br />

os elementos como o “movimento liberal”, a “maçonaria e as novas correntes de<br />

61 Decisões <strong>do</strong> Governo da Republica <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Brazil. Rio de Janeiro, Typographia<br />

nacional, 1964, 428p. Disponível em:<br />

http://books.google.com.br/books?id=Zm5QAAAAMAAJ&pg=RA1-PA225&lpg=RA1-<br />

PA225&dq=%22louren%C3%A7o+justiniano+ferreira+bello%22&source=bl&ots=TwJhNf7rhL&sig=mn<br />

uN6xgW4aQuC00z9b0OFeKYUqo&hl=pt-<br />

BR&ei=mKtjSvGZF823twe17vzrDw&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=1. Acesso em:<br />

19/07/2009.<br />

62 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 14.<br />

63 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 83.<br />

30


pensamento iluminista de raízes francesas tentaram, durante a época <strong>do</strong> Império,<br />

criar novo cenário político, social, cultural, um Brasil moderno, transforman<strong>do</strong> as<br />

velhas estruturas e instituições <strong>do</strong> Brasil Colonial.” 64 Como representante dessas<br />

instituições arcaicas, a Igreja Católica no Brasil “foi objeto de contínuas retaliações<br />

em relação à sua autonomia, e ameaçada desde a óptica hierárquica de sofrer uma<br />

reforma regalista na primeira metade <strong>do</strong> século XIX” 65 . Serbin, sobre isso, escreve<br />

que:<br />

“O governo imperial influenciou na reforma mudan<strong>do</strong>, coibin<strong>do</strong> e até<br />

eliminan<strong>do</strong> certos grupos de padres. Seu intuito era restringir o poder <strong>do</strong>s<br />

bispos e ganhar o controle de propriedades da Igreja, em parte para poder<br />

custear a formação de padres diocesanos [seculares]. Regalistas, maçons e<br />

facções políticas anticlericais reforçaram a demanda pelo controle da Igreja.<br />

Católico recalcitrante, o impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>m Pedro II exerceu plenamente as<br />

prerrogativas régias <strong>do</strong> padroa<strong>do</strong>. Por exemplo, refreou o crescimento<br />

organizacional da Igreja e proibiu a publicação <strong>do</strong> Sílabo de Pio IX. Seu<br />

governo promulgou regulamentações minuciosas sobre a conduta <strong>do</strong> <strong>clero</strong> e<br />

outras questões religiosas.” 66<br />

Por outro la<strong>do</strong>, da parte da Igreja, “Bispos forma<strong>do</strong>s na França e em Roma<br />

no colégio Pio latino-americano funda<strong>do</strong> em 1854 voltaram ao Brasil com uma<br />

mentalidade romanizada e ultramontana que foi se espalhan<strong>do</strong> nos meios<br />

eclesiásticos” 67 . Decorre daí a formulação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is <strong>clero</strong>s. Nesse contexto, José<br />

Manuel Sanz del Castillo expõe que o <strong>clero</strong> reformista buscava uma formação nos<br />

“padrões tridentinos”:<br />

“reformulação das atividades e estatutos das Irmandades, Confrarias e<br />

Ordens Terceiras, sujeitan<strong>do</strong>-as à autoridade <strong>do</strong> bispo e seus<br />

representantes; estímulo à vinda de novas congregações religiosas;<br />

fortalecimento e expansão <strong>do</strong> número de dioceses e paróquias, aumentan<strong>do</strong><br />

suas atribuições e competências especificamente religiosas, fortalecen<strong>do</strong><br />

assim a presença e influência da Igreja hierárquica no meio da população<br />

cuja religiosidade se tenta reformar; criação de escolas paroquiais e<br />

colégios de congregações religiosas estrangeiras; maior coesão entre os<br />

64 CASTILLO, José Manuel Sanz del. O Movimento da Reforma e a<br />

“Paroquialização” <strong>do</strong> Espaço Eclesial <strong>do</strong> Século XIX ao XX. In:TORRES-LONDOÑO, Fernan<strong>do</strong>.<br />

Paróquia e Comunidade no Brasil: perspectiva histórica. São Paulo: Paulus, 1997. p. 91-130. p.<br />

101.<br />

65 Id.<br />

66 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 84.<br />

67 CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 101.<br />

31


membros <strong>do</strong> episcopa<strong>do</strong>, que reorganizam administrativamente suas<br />

dioceses seguin<strong>do</strong> as orientações e normas da cúria romana e o modelo<br />

das dioceses européias” 68<br />

Segun<strong>do</strong> Kenneth Serbin: “Em 1870 havia cinqüenta brasileiros estudan<strong>do</strong><br />

na Cidade Eterna, onde foram prepara<strong>do</strong>s para tornar-se reitores de seminário,<br />

professores de teologia e bispos em sua terra natal. Esses padres acentuadamente<br />

europeiza<strong>do</strong>s compuseram a vanguarda da romanização.” 69 Se o <strong>clero</strong> reforma<strong>do</strong>r<br />

buscava uma formação nos padrões tridentinos, <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> o “<strong>clero</strong> encontrou<br />

fortes resistências <strong>do</strong>s padres liberais, que, nos núcleos urbanos, se dedicavam a<br />

tarefas culturais e políticas, assim como <strong>do</strong>s padres tradicionais <strong>do</strong> meio rural,<br />

acostuma<strong>do</strong>s a ser funcionários mal pagos <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, mas dedica<strong>do</strong>s em geral a<br />

trabalhos que nada tinham que ver com a atividade pastoral”. 70<br />

Além disso, outras questões envolviam os clérigos no Brasil. O vigário da<br />

Candelária em 1875, além de exaltar a figura de Dom Pedro II, o que pode-se<br />

verificar nas passagens que seguem:<br />

“Os monarchas da terra, semelhantes ao sol, que apezar de achar-se<br />

colloca<strong>do</strong> em distancia quasi infinita, não póde occultar de quantos para elle<br />

se voltam suas manchas nem os seus beneficos raios, são attentamente<br />

olha<strong>do</strong>s pelos subditos, que de suas acções tomam a norma de seu<br />

procedimento, e felizes julgam-se quan<strong>do</strong> vêm que o soberano acompanhaos<br />

nas crenças pie<strong>do</strong>sas, herdadas de seus antepassa<strong>do</strong>s.”<br />

“N'esta parte principalmente nós os brasileiros podemos dizer que somos<br />

felizes, porque até hoje os successores de Santa Isabel têm-nos da<strong>do</strong> o<br />

melhor religioso exemplo e Deus ha de permittir que cada vez mais os<br />

sentimentos de seus antepassa<strong>do</strong>s se há de perpetuar no throno <strong>do</strong> Imperio<br />

americano.” 71<br />

Defende o patrimônio da paróquia, atrelan<strong>do</strong>, para isso, essa propriedade ao<br />

uso público, e, então, à proteção da Coroa. Escreveu esse vigário que “[...] a igreja<br />

matriz é de serventia publica, razão pela qual não soffre a condição de propriedade<br />

de quem quer que seja.” 72<br />

68 Ibid., p. 104.<br />

69 SERBIN, Kenneth P. Op.Cit., p. 80.<br />

70 CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 104.<br />

71 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 79.<br />

72 Ibid., p. 94.<br />

32


Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> processo envolven<strong>do</strong> o vigário de Campo Largo, Lourenço<br />

Justiniano Ferreira Bello, que reclama o recebimento de um terreno devoluto junto<br />

da Igreja matriz da freguesia na década de 1870 que recebera uma construção de<br />

uma mora<strong>do</strong>ra local, que alegava ser seu o terreno, presenciamos um profun<strong>do</strong><br />

exemplo das relações locais <strong>do</strong> <strong>clero</strong> secular com a sociedade, a justiça e o poder<br />

estatal local no perío<strong>do</strong> anterior a Questão Religiosa. O vigário, que mantém uma<br />

estreita relação com a política provincial e, mesmo, com proeminentes elementos<br />

civis, o que nos leva a crer que faça parte <strong>do</strong> <strong>clero</strong> reformista ou, mesmo, de<br />

nenhum <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is, porém liga<strong>do</strong>, diretamente à uma elite local, assume uma atitude<br />

patrimonialista, ao iniciar a contenda judicial pelo terreno anexo à Matriz. Essa<br />

disputa e qualificação veremos melhor adiante, ao tratarmos da questão da terra e<br />

das relações entre o <strong>clero</strong> e a sociedade. No momento é preciso retornar à Questão<br />

Religiosa. Ao iniciarmos o capítulo segun<strong>do</strong> poderemos verificar com mais cautela a<br />

destinação <strong>do</strong>s bens de mão-morta e analisarmos os casos da Candelária e da<br />

Piedade <strong>do</strong> Campo Largo.<br />

Ao partirmos da definição de que havia <strong>do</strong>is <strong>clero</strong>s no Brasil, em relação às<br />

disputas entre Igreja e Esta<strong>do</strong>, não devemos esquecer que, por outro la<strong>do</strong>, tentamos<br />

aqui verificar os atores sociais a partir de suas relações locais.<br />

A Questão Religiosa, no entanto, é um tema que se deve considerar ao<br />

estudar o Segun<strong>do</strong> Império <strong>do</strong> Brasil. Para isso destacada parte da historiografia<br />

brasileira se debruçou sobre o assunto 73 . A importância <strong>do</strong> tema encontra-se,<br />

também, no fato de estar envolvida nas relações <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com a Igreja, o que<br />

remete à própria formação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro e mesmo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> português.<br />

Se o século XIX é caracteriza<strong>do</strong> pela “romanização” proposta pela Sé,<br />

fundamentada pelas encíclicas Quanta Cura e Syllabus Errorum, como afirma o<br />

autor de “A elite eclesiástica brasileira” 74 , no Brasil, como já vimos, se percebe que<br />

alguns “erros modernos”, principalmente a maçonaria, está presente na vida social<br />

de alguns integrantes da própria Igreja. A Questão Religiosa é iniciada com a<br />

73 Ver: BARROS, Roque S. M. de. A Questão Religiosa. In: HOLLANDA, Sérgio Buarque de. História<br />

Geral da Civilização Brasileira. v. 4. Tomo II: o Brasil monárquico. 4ª ed. São Paulo: Difel, 1985. p.<br />

338-365.<br />

74 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p.12.<br />

33


interdição de padres liga<strong>do</strong>s a Ordens maçônicas pelos bispos de Olinda e Belém 75 .<br />

A maçonaria também esteve presente em grande medida no Esta<strong>do</strong> brasileiro, ainda<br />

que proibida em alguns momentos. Mas sua presença entre integrantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> é<br />

clara, por exemplo, na figura <strong>do</strong> Visconde <strong>do</strong> Rio Branco 76 . Assim, o posicionamento<br />

<strong>do</strong>s bispos de Olinda e Belém, ainda que defendi<strong>do</strong> pelo Papa 77 , ao não respeitar as<br />

regras <strong>do</strong> Padroa<strong>do</strong>, recebeu um caráter emblemático para o problema da união<br />

Igreja-Esta<strong>do</strong>, na década de 1870 78 .<br />

Sobre a importância da maçonaria no que encaminhou o conflito que<br />

culminou na Questão Religiosa, Frederick Pike expõe que:<br />

“A causa imediata da crise nas relações entre a Igreja e o Esta<strong>do</strong> foi a<br />

disputa sobre a maçonaria. Desde o século XVIII os padres brasileiros<br />

tinham a tendência a considerar favoravelmente a maçonaria. Grande<br />

número deles filiaram-se às várias lojas estabelecidas no país. Várias<br />

condenações papais da maçonaria não foram publicadas no Brasil, porque<br />

os funcionários <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, freqüentemente apoia<strong>do</strong>s pelo <strong>clero</strong>, não<br />

consideravam o movimentos como uma ameaça.”<br />

“Na segunda metade <strong>do</strong> século XIX, contu<strong>do</strong>, havia sinais de que a francomaçonaria<br />

brasileira, <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que em algumas das repúblicas da<br />

América espanhola, estava assumin<strong>do</strong> uma atitude mais virulentamente<br />

anticlerical e talvez caminhan<strong>do</strong> para uma posição anticatólica. Em 1873 a<br />

preocupação com a situação levou o bispo Vital Maria Gonçalves de<br />

Oliveira, de Pernambuco, jovem frade capuchinho educa<strong>do</strong> na França e<br />

recentemente sagra<strong>do</strong>, a denunciar a influência maçônica em sua diocese.<br />

Em resposta a uma comunicação feita ao Vaticano sobre o assunto, o bispo<br />

Vital recebeu um breve papal autorizan<strong>do</strong>-o, se acontecesse o pior, a<br />

'excomunhão da Ordem maçônica' e a supressão das Irmandades religiosas<br />

que estavam sob controle maçônico. Sem pedir a sanção imperial <strong>do</strong> breve<br />

papal, conforme exigiam os procedimentos legais, o bispo Vital publicou o<br />

conteú<strong>do</strong> dele e como resulta<strong>do</strong> defrontou-se, juntamente com outro bispo<br />

que lhe tinha da<strong>do</strong> apoio, com as acusações de ter viola<strong>do</strong> a constituição e<br />

o código penal.” 79<br />

Os bispos D.Vital e D. Antônio de Mace<strong>do</strong> Costa, de Olinda e Belém<br />

respectivamente, foram, segun<strong>do</strong> Roque Spencer de Barros, “no Brasil, os mais<br />

legítimos representantes das teses que, inerentes ao catolicismo, encontraram<br />

75 Ver: CASTILLO, José Manuel Sanz del. Op.Cit., p. 97.<br />

76 MICELI, Sérgio. Op. Cit., p. 79.<br />

77 Biografia <strong>do</strong> papa Pio IX. Apostola<strong>do</strong> Veritatis Splen<strong>do</strong>r: exortae in ista. Disponível em:<br />

. Acesso em: 20/04/2009.<br />

78 Sobre os bispos liga<strong>do</strong>s à Questão Religiosa ver: CASTILLO, José Manuel Sanz del Op.Cit., p. 97-<br />

98.<br />

79 PIKE, Frederick B. Op.Cit., p. 141<br />

34


expressão acabada no Pontifica<strong>do</strong> de Pio IX.” 80 A formação de ambos foi, segun<strong>do</strong> o<br />

autor, realizada na Europa, de onde retornam como bravos defensores das<br />

chamadas “<strong>do</strong>utrinas ultramontanas”. Logo, encontram-se em aberto combate aos<br />

“erros modernos”. Roque Spencer afirma que esses prela<strong>do</strong>s, <strong>do</strong>nos dessas<br />

“convicções não poderiam, de forma alguma, aceitar as espúrias alianças entre a<br />

Maçonaria e a Igreja, entre o catolicismo e o liberalismo que o negava ou<br />

desfigurava.” 81 Suspenso, pelo bispo de Olinda, D. Vital, o padre maçom Almeida<br />

Martins, houve rápida reação da Maçonaria. Segun<strong>do</strong> Roque Spencer “[...] durante<br />

to<strong>do</strong> o transcorrer da questão religiosa, as autoridades maçônicas insistiram sempre<br />

que sua incompatibilidade era apenas o jesuitismo, com o ultramontanismo, em uma<br />

palavra, com o 'neocatolicismo', nunca com o que entendiam ser a catolicidade<br />

legítima.” 82 Decorre disso, porém, que tais afirmações da Maçonaria brasileira,<br />

buscan<strong>do</strong> apresentar uma identidade que não a distinguisse da “catolicidade<br />

legítima”, soman<strong>do</strong> “[...] a afirmação de que a Maçonaria brasileira era diferente da<br />

européia em nada mudava a questão: não eram os maçons liberais, não lutavam<br />

pela liberdade de consciência?” 83 , questiona o historia<strong>do</strong>r Roque Spencer, logo,<br />

divergia <strong>do</strong> catolicismo defendi<strong>do</strong> por sua mais alta representatividade, o Papa,<br />

considera<strong>do</strong>, agora, infalível.<br />

Desse mo<strong>do</strong>, a Questão é iniciada em Pernambuco, em 1872, com as ações<br />

de D. Vital, agin<strong>do</strong> para “restabelecer a orto<strong>do</strong>xia católica ao menos em sua diocese,<br />

[para o que] o bispo de Olinda propôs-se a proceder com o maior rigor contra os<br />

católicos-maçons, levan<strong>do</strong>-os a optar entre a Igreja e a Maçonaria.” 84 O autor desse<br />

capítulo da “História geral da civilização brasileira”, acentua para o fato de que “a<br />

questão envolvia aspectos graves e importantes, precisamente por causa <strong>do</strong> sistema<br />

de união entre a Igreja e o Esta<strong>do</strong>.” 85 Podemos analisar melhor o teor dessa<br />

afirmação através da seguinte:<br />

80 BARROS, Roque S. M. de. Op.Cit., p. 338.<br />

81 Id.<br />

82 Ibid., p. 339.<br />

83 Ibid., p. 340.<br />

84 Id.<br />

85Ibid., p. 341.<br />

35


“[...] se ser católico não fosse condição para o exercício de inúmeros direitos<br />

fundamentais, na esfera civil, a exclusão de uma Irmandade religiosa ou a<br />

própria excomunhão seria um assunto interno da Igreja, sem qualquer efeito<br />

civil. Num regime, contu<strong>do</strong>, em que não vigoravam o registro civil, o<br />

casamento civil, os cemitérios seculariza<strong>do</strong>s, em que ser católico era<br />

condição para bacharelar-se pelas escolas superiores e nelas lecionar, para<br />

exercer cargos públicos ou fazer parte da representação nacional, é claro<br />

que tal assunto, necessariamente, teria de ultrapassar a vida interna da<br />

Igreja e repercutir em cheio no <strong>do</strong>mínio temporal.” 86<br />

O conflito entre Igreja e Esta<strong>do</strong> assumiu, no desenrolar da Questão<br />

Religiosa, um dramático tom sobre a união das duas instituições. As Irmandades,<br />

entre as quais D. Vital suspendeu a <strong>do</strong> Santíssimo Sacramento, ao desobedecer sua<br />

ordem para exortar um membro a abjurar a Maçonaria ou excomungá-lo, 87<br />

“[...] eram associações mistas, instituídas ao mesmo tempo pelo Esta<strong>do</strong> e<br />

pela Igreja, um velan<strong>do</strong> pela sua parte civil, outra pela parte espiritual. Mas<br />

onde estava, exatamente, o limite entre o temporal e o espiritual? Vago e<br />

incerto, a quem competiria estabelecê-lo? À Igreja ou ao Esta<strong>do</strong>? Se à<br />

Igreja, firmar-se-ia o prima<strong>do</strong> desta, que poderia fazê-lo avançar até onde<br />

entendesse; se ao Esta<strong>do</strong>, estabelecer-se-ia a supremacia <strong>do</strong> poder<br />

temporal, que poderia igualmente avançar até o ponto que quisesse. Os<br />

bispos não poderiam aceitar a última tese; o poder civil nunca admitiria a<br />

primeira.” 88<br />

A Questão sustentava-se, sobretu<strong>do</strong>, nessa “crise de competência”, como<br />

afirmou Thales de Azeve<strong>do</strong> 89 , o que se pode verificar, pela afirmação de Roque<br />

Spencer de Barros, na<br />

“[...] própria <strong>do</strong>utrina <strong>do</strong> beneplácito régio que se punha em questão. As<br />

bulas, encíclicas e constituições apostólicas de condenação da maçonaria<br />

não haviam recebi<strong>do</strong> o placet imperial, não ten<strong>do</strong>, por conseguinte, <strong>do</strong> ponto<br />

de vista <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, qualquer valor no País. [...] O bispo, por sua vez, não<br />

poderia mesmo respeitar, a não ser acomodan<strong>do</strong>-se, o famoso placet<br />

imperial, direito contesta<strong>do</strong> e repudia<strong>do</strong> pela Igreja” 90<br />

O caso de Pernambuco deixou de representar “um único foco de rebelião” 91<br />

para tornar-se uma “ameaça de um conflito que se generalizava” 92 com a inserção<br />

86 Id.<br />

87 Ibid., p. 340.<br />

88 Ibid., p. 342.<br />

89 AZEVEDO, Thales de. Op. Cit., p. 21.<br />

90 BARROS, Roque S.M. de. Op.Cit., p. 342.<br />

91 Ibid., p. 351.<br />

36


da crise entre o Império e o Bispo de Belém na cena. “Essa generalização <strong>do</strong><br />

conflito, já a previa, aliás, antes disso, o governo, que compreendia não bastar a<br />

punição <strong>do</strong>s bispos para resolver a questão, já que estes, ainda presos,<br />

continuariam a exercer sua autoridade sobre o <strong>clero</strong> sob sua jurisdição.” 93 D. Vital e<br />

D. Antônio serão, então, presos em 1874. Nesse contexto, o Império <strong>do</strong> Brasil irá<br />

enviar o Barão de Pene<strong>do</strong> à Santa Sé para negociar sobre a questão das<br />

competências, porém, não sobre a questão <strong>do</strong>s bispos presos: “Para o poder civil,<br />

uma coisa era o procedimento <strong>do</strong>s bispos, ato já cumpri<strong>do</strong> e, no seu entender,<br />

sujeito às leis penais <strong>do</strong> País, outra o objetivo da Missão, que se destinava a evitar,<br />

para o futuro, a repetição de atos semelhantes.” 94 Visava, o Impera<strong>do</strong>r, impor a lei e<br />

não permitir que novas ações da Igreja contrárias a Constituição se repetissem. Por<br />

outro la<strong>do</strong> não tinha interesse em que se separassem as duas instituições, Igreja e<br />

Esta<strong>do</strong>. Roque Spencer expõe uma carta de D. Pedro II endereçada ao conselheiro<br />

de Esta<strong>do</strong> Caxias:<br />

“[...] escrita no próprio dia da anistia, [onde] vê-se que o Impera<strong>do</strong>r<br />

continuava recalcitrante, convenci<strong>do</strong> da culpabilidade <strong>do</strong>s bispos. E nela se<br />

encontra este trecho esclarece<strong>do</strong>r: “Faço votos para que as intenções <strong>do</strong><br />

Ministério sejam compensadas pelos resulta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ato de anistia, mas não<br />

tenho esperança disto. Nunca me agradaram os processos, mas só vi e vejo<br />

<strong>do</strong>is meios de solver a questão <strong>do</strong>s bispos: ou uma energia letal e constante<br />

que faça a Cúria Romana recear as consequências <strong>do</strong> erro <strong>do</strong>s bispos, ou<br />

uma separação, embora não declarada, entre o Esta<strong>do</strong> e a Igreja, o que<br />

sempre procurei e procurarei evitar, enquanto não o exigir a independência,<br />

e, portanto, a dignidade <strong>do</strong> Poder Civil.” 95<br />

A condenação <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is bispos em 1874, para Roque Spencer, “significava a<br />

oposição radical <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> brasileiro às teses fundamentais <strong>do</strong> pontifica<strong>do</strong> de Pio IX<br />

e à maré montante <strong>do</strong> ultramontanismo.” 96 Somente com a anistia <strong>do</strong>s bispos em<br />

1875, a Cúria Romana e o Império brasileiro puderam, ainda que de maneira<br />

artificial, superar a “crise de competência” que se instalou. Ficava, porém, como<br />

92 Id.<br />

93 Id.<br />

94 Ibid., p. 354.<br />

95 Id.<br />

96 Ibid., p. 362.<br />

37


afirma o historia<strong>do</strong>r, um mal-estar que só poderia acabar com a separação entre as<br />

duas instituições; o que não era deseja<strong>do</strong> por nenhuma delas. 97<br />

97 Ibid., p. 365-364.<br />

38


3. CAPÍTULO II: A POSSE DA TERRA<br />

A historia<strong>do</strong>ra Raquel Glezer aponta para o ano de 1850 como marco da<br />

“modernização” no Império <strong>do</strong> Brasil. 98 Esse é também o ano da promulgação da Lei<br />

de Terras, ainda que seu regulamento se realize somente em 1854 99 , que rege sobre<br />

a propriedade das terras <strong>do</strong>adas e devolutas, “isto é, as que não tinham proprietário<br />

ou posseiro, e que não pertenciam ao patrimônio imperial, provincial ou<br />

municipal”. 100 Ainda assim, até 1916, indica a autora, continuaram pre<strong>do</strong>minan<strong>do</strong> as<br />

legislações civis portuguesas, de Antigo Regime.<br />

Glezer destaca algumas diferenças <strong>do</strong> Império brasileiro para outros países<br />

americanos, que se tornavam independentes de Espanha. Uma dessas diferenças é<br />

a “manutenção <strong>do</strong> sistema de Padroa<strong>do</strong> [no Brasil], pelo qual a Igreja Católica<br />

atuava como um <strong>do</strong>s braços <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>”. 101 Nesse contexto, em relação às terras da<br />

Igreja, a autora expõe que houve somente uma pequena interferência sobre suas<br />

propriedades após 1850:<br />

“Comprovan<strong>do</strong> a continuidade relativa <strong>do</strong> Antigo Regime entre os anos de<br />

1850 e 1920, temos o exemplo das corporações religiosas: a sobrevivência<br />

e continuidade <strong>do</strong>s bens de ‘mão-morta’ <strong>do</strong>s conventos, recolhimentos,<br />

confrarias e irmandades. O Império brasileiro nunca emitiu legislação de<br />

desamortização <strong>do</strong>s bens de ‘mão–morta’ (grifo nosso), e as propostas<br />

liberais foram tímidas aproximações: taxas pesadas em propriedades<br />

urbanas e na escravaria, como to<strong>do</strong>s os proprietários em mesma situação,<br />

mas nunca nos bens ‘rústicos’ – as grandes propriedades rurais–; controles<br />

quanto ao funcionamento <strong>do</strong>s conventos e recebimento de noviços, mas<br />

nunca a determinação de encerramento das atividades, ou a apropriação<br />

<strong>do</strong>s bens e venda em hasta pública.” 102<br />

98 GLEZER, Raquel. Persistências <strong>do</strong> Antigo Regime na Legislação sobre Propriedade Territorial<br />

Urbana no Brasil: o caso da cidade de São Paulo (1850-1916). Revista Complutense de História da<br />

América, São Paulo, v. 33. p. 197-215, 2007. p. 198.<br />

99 LIMA, Ruy Cirne. Pequena História Territorial <strong>do</strong> Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4ªed.<br />

Brasília: ESAF, 1988, p. 51.<br />

100 GLEZER, Raquel. Op.Cit., p. 208.<br />

101 Ibid., p. 200.<br />

102 Ibid., p. 207.<br />

39


Assim, mais uma vez é indicada a aproximação das duas instituições,<br />

Esta<strong>do</strong> e Igreja, no Brasil, mesmo após a Independência e <strong>do</strong> combate realiza<strong>do</strong><br />

pela Cúria aos erros <strong>do</strong> “século”. Raquel Glezer evidencia a situação, já verificada<br />

anteriormente, onde o “Império Brasileiro manteve o Catolicismo como religião oficial<br />

e o sistema de Padroa<strong>do</strong>, pelo qual a Igreja Católica ficava ligada ao Esta<strong>do</strong>, através<br />

<strong>do</strong> pagamento aos seus padres e da indicação para o preenchimento de cargos<br />

religiosos, em capelas, capelas curadas, freguesias, paróquias e bispa<strong>do</strong>s.” 103 Por<br />

outro la<strong>do</strong>, da parte da Igreja cabia “o registro de nascimentos, batismos,<br />

casamentos, mortes, o de testamentos e inventários, além <strong>do</strong> de propriedades –<br />

atividades de Esta<strong>do</strong>.” 104 Desse mo<strong>do</strong>, mantinha-se uma relação de dependência<br />

onde: “As corporações religiosas também estavam vinculadas ao Padroa<strong>do</strong>, e<br />

dependiam <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para autorização de funcionamento, recebimento de<br />

candidatos (as), e, especialmente, para a venda de ‘bens de mão-morta’”, 105 nunca<br />

desamortiza<strong>do</strong>s, como já vimos.<br />

Os bens eclesiásticos no Brasil eram inalienáveis após a Independência, o<br />

que podemos verificar já pela lei de nove de dezembro de 1830 onde se instituiu<br />

“nullos e de nenhum efeito em Juizo, ou fóra delle todas as alienações e contractos<br />

onerosos, feitos pelas ordens regulares, sobre bens moveis, immoveis e semoventes<br />

de seu patrimonio; uma vez que não haja precedi<strong>do</strong> expressa licença <strong>do</strong><br />

Governo” 106 . Nesse ponto, fica clara a relação de controle pelo Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s bens da<br />

Igreja. Além disso, em decretos <strong>do</strong> mesmo dia, são considera<strong>do</strong>s devolutos e, assim,<br />

exigi<strong>do</strong> o recolhimento de terrenos de posseiros particulares não utiliza<strong>do</strong>s ou<br />

registra<strong>do</strong>s 107 , o que aponta para a política de extensão de autoridade e regulação<br />

da Coroa. Entretanto, fican<strong>do</strong> inalienáveis esses bens, fazer de uma propriedade<br />

bem da Igreja podia representar sua manutenção.<br />

103 Ibid., p. 202.<br />

104 Id.<br />

105 Id.<br />

106 BRASIL. Lei de 9 de dezembro de 1830. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

26/05/2009 as 12:17. p.1.<br />

107 Ibid., p.2.<br />

40


Se os bens da Igreja eram controla<strong>do</strong>s pelo Esta<strong>do</strong> e intoca<strong>do</strong>s, por outro<br />

la<strong>do</strong> a questão da propriedade da terra no Brasil não estava tão clara no perío<strong>do</strong><br />

pós-Independência. Podemos verificar que as discussões para a implementação da<br />

Lei de Terras, que trataria da regularização fundiária e da imigração européia ao<br />

Brasil, não ocorreram de maneira rápida e consensual. Claudia Christina Macha<strong>do</strong> e<br />

Silva em sua dissertação de mestra<strong>do</strong> 108 , expõe que o debate parlamentar sobre a<br />

Lei de Terras acabava por não envolver somente a regularização fundiária mas,<br />

também, um importante tema para as elites rurais brasileiras, a disponibilidade de<br />

mão-de-obra. Isso contribuiu para um debate prolonga<strong>do</strong>, que levou as discussões<br />

sobre a Lei de Terras até a década seguinte, de 1850.<br />

“Dessa forma, a preocupação <strong>do</strong>s legisla<strong>do</strong>res na década de 1840 não se<br />

dirigia aos progressos e à modernização, mas – como verificamos por<br />

várias vezes – 'à única e verdadeira indústria <strong>do</strong> país: a agricultura.'Sen<strong>do</strong><br />

assim, o que preocupava as elites políticas naquele momento não era a<br />

política de povoamento e sua influência cultural para o país, mas a garantia<br />

de que nas lavouras de café não faltaria mão-de-obra.” 109<br />

A preocupação em manter mão-de-obra para os cafezais, principalmente,<br />

paulistas e, também, mineiros, contribui para que as discussões acerca da Lei de<br />

Terras opusesse, em relação à sua instituição, os Liberais, que reascendiam ao<br />

poder na década de 1840, pre<strong>do</strong>minantemente liga<strong>do</strong>s às oligarquias regionais, e os<br />

Conserva<strong>do</strong>res, defensores de maior centralismo imperial. Segun<strong>do</strong> Claudia<br />

Macha<strong>do</strong> e Silva os liberais permaneceram no poder entre 1844 e 1848. Nesse<br />

perío<strong>do</strong> entrou em discussão no Sena<strong>do</strong> o projeto para a Lei de Terras, em 1845. As<br />

primeiras argumentações foram realizadas pelo sena<strong>do</strong>r pelo Parti<strong>do</strong> Liberal paulista<br />

Paula e Souza, que defendeu a distinção das matérias terra e colonização. O<br />

discurso realiza<strong>do</strong> pelo sena<strong>do</strong>r liberal encontrava-se com os interesses da elite<br />

agrária paulista, para os quais a organização fundiária presente era adequada.<br />

Grande parte <strong>do</strong>s Liberais, portanto, expõe a autora, representantes das elites<br />

108 SILVA, Claudia Christina Macha<strong>do</strong> e. O Processo Legislativo: O histórico da Lei de Terras.<br />

Escravidão e grande lavoura: o debate parlamentar sobre a Lei de Terras (1842 – 1854). 138 fls.<br />

Dissertação (Mestra<strong>do</strong> em História) – Departamento de História – Setor de Ciências Humanas, Letras<br />

e Artes, Universidade Federal <strong>do</strong> Paraná, Curitiba, 2006. pp. 89-127.<br />

109 Ibid., p. 127<br />

41


paulistas, concordava que uma lei agrária não era assunto urgente. 110<br />

As relações locais, em oposição ao centralismo monárquico, <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong><br />

Liberal, acabaram por pre<strong>do</strong>minar na Lei de Terras, pelo menos quanto ao<br />

financiamento da imigração, abolin<strong>do</strong>-se, então, o imposto territorial, que visava<br />

esse financiamento. Tal imposto era considera<strong>do</strong> prejudicial à produção nas<br />

Províncias. Contu<strong>do</strong>, o imposto de chancelaria, manti<strong>do</strong> no texto aprova<strong>do</strong> da Lei,<br />

cobra<strong>do</strong> para a expedição de título de propriedade, pode-se justificar pela garantia<br />

de reconhecimento da propriedade, o que interessava àquelas elites. 111<br />

O terreno em disputa pelo vigário Lourenço Justiniano e <strong>do</strong>na Joaquina<br />

Vieira de Souza em 1870 na freguesia de Campo Largo, constava de “noventa<br />

palmos de extensão” 112 , tratava-se, assim, não de uma grande propriedade rural,<br />

mas de um central terreno urbano. A disputa é estabelecida em termos de efetiva<br />

posse <strong>do</strong> terreno. Isso considera<strong>do</strong> através da construção. Os argumentos <strong>do</strong> vigário<br />

para exercer posse <strong>do</strong> terreno são os de que havia si<strong>do</strong> aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> pela família da<br />

ré há mais de vinte e cinco anos. A Lei de Terras versava que não se poderia exercer<br />

posse, tornan<strong>do</strong>-se devoluto o terreno não perturba<strong>do</strong> por 10 anos. 113 O vigário<br />

também afirmará o seguinte: “Que ten<strong>do</strong> [...] há pouco mais de <strong>do</strong>is meses manda<strong>do</strong><br />

dar começo <strong>do</strong>s trabalhos de edificação, alguns dias depois começou também D.<br />

Joaquina Vieira de Souza a fazer levantar no referi<strong>do</strong> terreno alicerces para edificar,<br />

contra a vontade e sem consentimento” 114 dele. Esse é o principal argumento que<br />

levará o autor a solicitar em juízo a demolição da obra que <strong>do</strong>na Joaquina iniciou no<br />

terreno após ter, o vigário, toma<strong>do</strong> posse, deposita<strong>do</strong> material para iniciar construção<br />

e registra<strong>do</strong>-o para si na Câmara Municipal em 1860. Tal argumentação sobrepor-se-<br />

a em relação a da senhora Joaquina Vieira, de que o terreno pertenceu por gerações<br />

à família de seu mari<strong>do</strong>, o que aponta para a importância sobressalente da tomada<br />

de posse para a propriedade da terra nesse perío<strong>do</strong>. Se, por um la<strong>do</strong>, a Lei de<br />

Terras, promulgada em 18 de setembro de 1850, dispõe a proibição de aquisição de<br />

110 Ibid., p. 90-91<br />

111 Ibid., p.125.<br />

112 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.<br />

113 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Disponível em:<br />

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L0601-1850.htm. Acesso em: 20/05/2009 às 18:50.<br />

114 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.<br />

42


terras devolutas senão por compra, por outro permite revalidação de algumas<br />

posses, como pode-se verificar no parágrafo 4º <strong>do</strong> artigo 3º, onde lê-se que são,<br />

também, terras devolutas: “As que não se acharem occupadas por posses, que,<br />

apezar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei. 115<br />

Segun<strong>do</strong> o jurista Ruy Cirne Lima: “Errata com relação ao regime das sesmarias, a<br />

Lei de 1850 é, ao mesmo tempo, uma ratificação formal <strong>do</strong> regime de posses.” 116<br />

O vigário Lourenço Justiniano afirmará: “Que ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> julga<strong>do</strong> devoluto, foi<br />

concedi<strong>do</strong> a elle [...] por carta de data passada pela Camara Municipal desta Capital<br />

[Curitiba] em 1º de Maio de 1860, um terreno constan<strong>do</strong> de noventa palmos de<br />

extensão para edificar no pátio da matriz da dita freguesia de Campo Largo” 117 .<br />

Pode, então, soar contraditório que o vigário tenha recebi<strong>do</strong> em concessão um<br />

terreno devoluto, uma vez que as terras devolutas, a partir da promulgação da Lei de<br />

Terras deveriam ser vendidas. Deve-se, porém, levar em consideração as<br />

possibilidades previstas para a confirmação de propriedade da posse e, decorrente<br />

disso, a autoridade das câmaras municipais nesse assunto. O vigário apresenta,<br />

então, sua carta de posse <strong>do</strong> terreno, recebida da Câmara Municipal de Curitiba. Tal<br />

posse, como ele mesmo afirma em sua defesa, recebeu após pagar imposto, como<br />

também se previa na Lei de Terras, porém não apresenta nada referente à compra.<br />

Nesse contexto, a Câmara Municipal afirma, em <strong>do</strong>cumento solicita<strong>do</strong> pela<br />

acusação, que havia “presente o recibo <strong>do</strong> Procura<strong>do</strong>r da Camara pelo qual mostrou<br />

ter pago a quantia de nove mil reis imposto marca<strong>do</strong> pelas posturas.” 118 Constava<br />

também, nesse <strong>do</strong>cumento, as informações que seguem; de que “[...] attenden<strong>do</strong> a<br />

Camara ser justo lhe mandar passar a presente carta” 119 , de propriedade <strong>do</strong> terreno,<br />

em 1860, o vigário deve num “praso de um anno levantar as paredes externas <strong>do</strong><br />

edifício [...] em esta<strong>do</strong> de receber o madeiramento superior, e em quanto assim não<br />

fizer ou não desistir <strong>do</strong> terreno [...] pagará a multa annual de 12$000 reis” 120 , porém,<br />

não há referência, nesse texto, sobre a possibilidade de perda da posse.<br />

115 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Op.Cit.§ 4º <strong>do</strong> Art. 3º.<br />

116 LIMA, Ruy Cirne. Op.Cit., p. 65.<br />

117 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 2.<br />

118 Ibid., p. 3.<br />

119 Ibid., p. 4.<br />

120 Id.<br />

43


Por outro la<strong>do</strong>, em âmbito regionaliza<strong>do</strong>, a câmara municipal não tinha livre<br />

acesso para concluir a condição de um terreno devoluto e realizar sua concessão. O<br />

economista Sebastião Neto Ribeiro Guedes explica que em 1854 criou-se o órgão<br />

responsável pela distribuição das terras devolutas, a Repartição Geral das Terras<br />

Públicas. 121 Esse órgão estendia-se <strong>do</strong> ministério <strong>do</strong>s Negócios <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> à sua<br />

sucursal provincial, subordinada ao presidente da província. Guedes explicita que:<br />

“O processo de medição e demarcação de terras particulares dependia<br />

diretamente <strong>do</strong> presidente de província, que deveria exigir que os juízes (de<br />

direito, municipais, de paz) e os delega<strong>do</strong>s e subdelega<strong>do</strong>s informassem<br />

sobre a existência de terras devolutas em suas jurisdições. De posse<br />

dessas informações, o presidente de província nomeava um juiz comissário<br />

de medição.” 122<br />

Nesse mesmo ano de 1854 publica-se o Decreto nº 1.138, conheci<strong>do</strong> como<br />

registro paroquial de terras, ou registro <strong>do</strong> vigário. A partir desse decreto, para<br />

legitimar posse pacífica deveria-se registra-la junto a respectiva paróquia. Destaca-<br />

se, portanto, na análise que nos cabe aqui realizar, que Lourenço Justiniano, apesar<br />

das facilidades que poderia lhe conferir a proximidade da paróquia, não havia<br />

realiza<strong>do</strong> registro <strong>do</strong> terreno que, considera<strong>do</strong> devoluto, lhe foi concedi<strong>do</strong> pela<br />

Câmara de Curitiba em 1860, e que iniciaria disputa na década seguinte com <strong>do</strong>na<br />

Joaquina Vieira, que afirmava ser de sua propriedade.<br />

A argumentação da defesa de <strong>do</strong>na Joaquina baseia-se não somente no seu<br />

principal argumento, de que, como esposa de quem poderia legalmente responder, o<br />

senhor Francisco Borges de Sampaio, tornar-se-ia nulo o processo, logo que ele não<br />

foi cita<strong>do</strong> onde deveria se encontrar; na freguesia de Soledade, em São Pedro <strong>do</strong><br />

Rio Grande <strong>do</strong> Sul, e sen<strong>do</strong> ela incapaz juridicamente para responder por esses<br />

bens. Sua argumentação também afirma que “por morte de Gertrudes Maria Vas,<br />

mãe <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> da ré, coube a elle, na partilha da successão, uma parte ou lanço de<br />

uma casa, no valor de 51:340 reis, caben<strong>do</strong> outra parte, de igual valor, a Manuel<br />

Borges de Sampaio, irmão <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> da ré, e incluin<strong>do</strong>-se outra de 47:320 reis, na<br />

121 GUEDES, Sebastião Neto Ribeiro. Análise comparativa <strong>do</strong> processo de transferência de terras<br />

públicas para o <strong>do</strong>mínio priva<strong>do</strong> no Brasil e EUA: uma abordagem institucionalista. Revista de<br />

Economia, Curitiba, v. 32, n.1, p. 7-36, jan./jun.2006.<br />

122 Ibid., p. 32.<br />

44


meação <strong>do</strong> pae <strong>do</strong> mari<strong>do</strong> da ré.” 123 Francisco Borges, posteriormente teria<br />

compra<strong>do</strong> as outras duas partes, de seu pai e de seu irmão, tornan<strong>do</strong>-se o único<br />

<strong>do</strong>no da casa que havia construída no terreno e, assim, também, <strong>do</strong> próprio terreno,<br />

em posse da família desde 1827. Sobre esse tipo de propriedade de terra, a<br />

historia<strong>do</strong>ra Muriel Nazzari escreveu que:<br />

“Os direitos de propriedade sobre a terra tornaram-se mais rígi<strong>do</strong>s e<br />

exclusivos no século XIX, à medida que decrescia a disponibilidade de<br />

terras e crescia seu valor. No século XVII, a terra era livremente legada e<br />

recebida em <strong>do</strong>ações e as famílias só uma vez ou outra cuidavam de sua<br />

titulação; embora os títulos fossem apresenta<strong>do</strong>s por ocasião <strong>do</strong> inventário,<br />

não se atribuía valor monetário algum à terra. Contu<strong>do</strong>, as benfeitorias feitas<br />

sobre a terra, quer a família possuísse ou não o respectivo título, eram<br />

consideradas bens e devidamente avaliadas.” 124<br />

Retornan<strong>do</strong> ao processo de Campo Largo, acaba, porém, por pre<strong>do</strong>minar o<br />

discurso da acusação, de que o terreno já não tinha construção e não era utiliza<strong>do</strong> a<br />

mais de vinte e cinco anos.<br />

Outra argumentação para refutação da acusação, utilizada pela defesa da<br />

ré, foi a de que o título de propriedade, concedi<strong>do</strong> ao vigário pela Câmara Municipal<br />

de Curitiba, não poderia ter validade, uma vez que o terreno em questão não tratava-<br />

se de um terreno municipal, porém um terreno “pertencente á capella de Nossa<br />

Senhora da Piedade á qual foi <strong>do</strong>a<strong>do</strong> o campo que faz parte esse terreno pelo<br />

capitão João Antonio da Costa, em 13 de maio de 1819, para formar o seu<br />

patrimônio, declaran<strong>do</strong> o <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r que quem quisesse arranchar-se nesse campo o<br />

poderia fazer 'sem pensão alguma e nem depender de licença de ninguém'”. 125 Além<br />

disso, argumenta a defesa, que não somente, “na povoação, hoje villa, <strong>do</strong> Campo<br />

Largo onde está a capella á que foi feita a referida <strong>do</strong>ação, os mora<strong>do</strong>res teêm<br />

edifica<strong>do</strong> suas casas sem pedir licença á camara municipal nem á qualquer outra<br />

autoridade” 126 , como o próprio vigário “tem construí<strong>do</strong> casas e cerca<strong>do</strong> terrenos no<br />

123 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 13.<br />

124 NAZZARI, Muriel. O Crescimento <strong>do</strong> Individualismo. In:______. O Desaparecimento <strong>do</strong> Dote:<br />

mulheres, famílias e mudança social em São Paulo, Brasil, 1600-1900. Trad.: Lólio Lourenço de<br />

Oliveira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, pp. 156-157. pp.151-170.<br />

125 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 13.<br />

126 Ibid., p. 14.<br />

45


eferi<strong>do</strong> Campo <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que os outros mora<strong>do</strong>res, isto é, sem licença de<br />

autoridade alguma” 127 .<br />

Em referência a <strong>do</strong>ação <strong>do</strong> Campo pelo capitão João Antônio da Costa,<br />

devemos verificar como se deu a formação da freguesia. Sobre o tema, escreveu<br />

José Carlos Veiga Lopes que em 1814 o tenente Joaquim Lopes de Santa Ana<br />

Cascais<br />

“[...] deu, sem título algum, para Nossa Senhora da Piedade um rincão de<br />

campo no bairro <strong>do</strong> Campo Largo, para ser edifica<strong>do</strong> um povoa<strong>do</strong>, onde<br />

também ele morava; provavelmente her<strong>do</strong>u terras <strong>do</strong> pai Domingos Lopes<br />

Cascais, pois as que comprara <strong>do</strong>s herdeiros de Antônio Lopes Teixeira<br />

havia vendi<strong>do</strong>; Domingos Lopes Cascais era casa<strong>do</strong> Joana Gonçalves de<br />

Siqueira, filha de Ana de Melo Coutinho ou Ana Coutinho ou Ana Gonçalves<br />

Coutinho, casada com Pedro de Siqueira Cortes, e que havia recebi<strong>do</strong><br />

terras no Campo Largo de seu tio Antônio Luís Tigre”. 128<br />

Em 1819, ainda segun<strong>do</strong> o mesmo autor, o terreno foi a venda em praça<br />

pública, após a morte de Cascais no ano anterior. Foi, então, adquiri<strong>do</strong> pelo capitão<br />

João Antônio da Costa por 40$200 e, imediatamente, <strong>do</strong>a<strong>do</strong> à Nossa Senhora da<br />

Piedade. 129 Faleci<strong>do</strong> em 1827 João Antônio da Costa, em 1828 “a povoação foi<br />

elevada a capela curada, sen<strong>do</strong> nomea<strong>do</strong> capelão o padre José Joaquim Ribeiro da<br />

Silva. As divisas com a freguesia de Palmeira eram pelo rio Tortuoso mas o padre<br />

deu um jeito e ficou com as terras <strong>do</strong> Tamanduá e São Luís”. 130<br />

A freguesia <strong>do</strong> Tamanduá, acima citada, representou fator de disputa entre<br />

as freguesias de Palmeira e Campo Largo. O <strong>do</strong>natário, capitão Antônio Luís Tigre<br />

tinha a posse de uma fazenda denominada Tamanduá, além da sesmaria <strong>do</strong> Rio<br />

Verde, porém não a havia recebi<strong>do</strong> em sesmaria, segun<strong>do</strong> conta José Carlos<br />

Lopes. 131 No “relatório <strong>do</strong> presidente da Província <strong>do</strong> Paraná”, Zacarias de Góes e<br />

Vasconcellos, de 15 de julho de 1854, expõe o presidente que Antonio Luíz Tigre<br />

edificou a capela de Tamanduá para Nossa Senhora <strong>do</strong> Carmo. Elevada essa<br />

127 Id.<br />

128 LOPES, José Carlos Veiga. Aconteceu nos Pinhais: subsídios para as histórias <strong>do</strong>s municípios<br />

<strong>do</strong> Paraná Tradicional <strong>do</strong> Planalto. Curitiba: Progressiva, 2007. p. 178-179.<br />

129 Ibid., p. 179.<br />

130 Ibid., p. 181.<br />

131 Ibid., p. 70.<br />

46


povoação a freguesia em 1813, porém a Igreja, posteriormente, foi transferida para a<br />

freguesia de Palmeira. 132 José Carlos Lopes afirma que “a primeira capela <strong>do</strong><br />

Tamanduá foi construída em madeira pelos frades carmelitas, em 1709, executores<br />

da vontade <strong>do</strong> capitão Tigre.” 133 Em 1731 fez a <strong>do</strong>ação da capela de Nossa Senhora<br />

da Conceição <strong>do</strong> Tamanduá, para a qual, segun<strong>do</strong> afirma, com provisão <strong>do</strong> bispo D.<br />

Francisco de São Jerônimo, ergueu uma capela de pedras. 1731 foi também o ano<br />

da morte de sua esposa, Ana Rodrigues de França, que deixou “to<strong>do</strong>s os seus bens<br />

para a capela”. 134 O autor também expõe que os herdeiros <strong>do</strong> capitão Tigre, morto<br />

em 1838, <strong>do</strong>aram a capela para o convento <strong>do</strong> Carmo em São Paulo, após o<br />

falecimento <strong>do</strong> procura<strong>do</strong>r da fazenda tenente-coronel Manuel Rodrigues da Mota.<br />

Em 1772, Nossa Senhora da Conceição <strong>do</strong> Tamanduá “possuía 64 vacuns, 90<br />

eqüinos, 1 macho de sinal, um escravo macho, duas fêmeas, 9 administra<strong>do</strong>s, 3<br />

administradas, 10 filhos <strong>do</strong>s ditos.” 135<br />

Em 1813 a capela <strong>do</strong> Tamanduá foi elevada à freguesia, para o que havia<br />

solicita<strong>do</strong> o bispo de São Paulo em 1811. 136 Nessa data o bispa<strong>do</strong> de São Paulo era<br />

dirigi<strong>do</strong> por Dom Mateus de Abreu Pereira. Dom Mateus também assumiu<br />

interinamente o governo da capitania de São Paulo por quatro vezes. Esse bispo de<br />

São Paulo, de ativa participação política, além de defensor da permanência <strong>do</strong><br />

príncipe regente no Brasil, nos eventos que precediam a Independência, assim<br />

como o padre Antônio Feijó, defendia a necessidade da formação de uma Igreja<br />

nacional. 137<br />

Em 1816, D. Manuel “ordenou ao vigário cola<strong>do</strong> da freguesia de Tamanduá,<br />

que logo e sem demora fizesse entregar aos religiosos <strong>do</strong> Carmo da cidade de São<br />

Paulo todas as terras e bens pertencentes à capela”, o que foi feito em 1818. 138<br />

132 VASCONCELLOS, Zacarias de Góes e. Relatório <strong>do</strong> Presidente da Província <strong>do</strong> Paraná de 15<br />

de Julho de 1854. Arquivo Público <strong>do</strong> Paraná. 148 fls. Disponível em:<br />

http://www.arquivopublico.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/rel_1854_a_p.pdf. Acesso em: 15/01/2009.<br />

133 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 70.<br />

134 Ibid., p. 71.<br />

135 Ibid., p. 72.<br />

136 Id.<br />

137 SOUZA, Ney de (org.). Dom Mateus de Abreu Pereira: quarto bispo de São Paulo (1796-1824).<br />

Catolicismo em São Paulo: 450 anos da presença da Igreja Católica em São Paulo. São Paulo :<br />

Paulinas, pp.212-239.<br />

138 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 73-74.<br />

47


Nesse mesmo ano de 1818, o padre Antônio Duarte Passos, vigário de Tamanduá,<br />

mu<strong>do</strong>u a paróquia para a freguesia de Palmeira. Posteriormente, em 1832, o vigário<br />

de Nossa Senhora da Piedade <strong>do</strong> Campo Largo, José Joaquim Ribeiro da Silva,<br />

defendia, em sessão na Câmara de Curitiba, que os limites de sua paróquia<br />

abarcavam a freguesia de Tamanduá. Inicia<strong>do</strong>s os debates acerca <strong>do</strong>s limites das<br />

freguesias de Palmeira e Campo Largo, acabou por, em 1833, prevalecer os limites<br />

propostos por Ribeiro da Silva, privilegian<strong>do</strong> a capela de Campo Largo. 139<br />

Doadas as terras pelo capitão João Antônio da Costa em 1819 a posse <strong>do</strong>s<br />

terrenos na freguesia de Campo Largo não necessitava de registros, o que parece<br />

continuar mesmo após a Lei de Terras, como indica a defesa da ré. Os mora<strong>do</strong>res<br />

mantinham a prática de posse por medição e ocupação, o que foi feito pelo vigário<br />

Lourenço Justiniano nesse caso. No decorrer <strong>do</strong> processo não pode-se verificar<br />

menção sobre a necessidade de compra de terrenos, ainda que o próprio padre<br />

afirme que o terreno em litígio foi considera<strong>do</strong> devoluto. No processo, as<br />

argumentações transitam em torno da legítima posse; se a família de <strong>do</strong>na Joaquina<br />

ocupava efetivamente o terreno ou se encontrava-se aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, pertencen<strong>do</strong>,<br />

então, ao vigário, que o mediu, iniciou construção e o registrou junto a Câmara<br />

Municipal. Argumentou-se, portanto, da ocupação da Paróquia, e de seu<br />

representante, o vigário Lourenço Justiniano. Parece, desse mo<strong>do</strong>, ter-se aceito os<br />

termos da <strong>do</strong>ação realizada pelo capitão João Antônio, pois não considerou-se uma<br />

posse ilegítima, mas validada, como, então, pode ser verifica<strong>do</strong> nos termos da Lei<br />

de Terras que versa sobre o que são as terras devolutas:<br />

139 Ibid., p. 73 -78.<br />

“§1º As que não se acharem applicadas a algum uso publico nacional,<br />

provincial, ou municipal. § 2º As que não se acharem no <strong>do</strong>minio particular<br />

por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras<br />

concessões <strong>do</strong> Governo Geral ou Provincial, não incursas em commisso por<br />

falta <strong>do</strong> cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura. § 3º<br />

As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões <strong>do</strong><br />

Governo, que, apezar de incursas em commisso, forem revalidadas por esta<br />

Lei. § 4º As que não se acharem occupadas por posses, que, apezar de não<br />

se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.<br />

48


Entretanto, pesa a informação dada pelo vigário de que o terreno foi<br />

devoluto. 140 De acor<strong>do</strong> com o afirma<strong>do</strong> pela acusação, o terreno litiga<strong>do</strong> não<br />

encontrava-se em <strong>do</strong>mínio de ninguém até a posse <strong>do</strong> vigário em 1860. Logo, uma<br />

aparente contradição surge: não deveria tal terreno ter si<strong>do</strong> vendi<strong>do</strong> em praça<br />

pública, logo que considera<strong>do</strong> devoluto? Por outro la<strong>do</strong> nenhuma reclamação de<br />

necessidade de compra <strong>do</strong> terreno é apontada pela defesa, mesmo após a primeira<br />

decisão, quan<strong>do</strong> saem derrota<strong>do</strong>s. Levanta-se, assim, a necessidade de uma<br />

análise mais detalhada da legislação de terras no Brasil.<br />

3.1. A Legislação sobre Terras<br />

A distribuição de terras no Brasil independente é regulada pela “Resolução de 17 de<br />

julho de 1822, [que] pon<strong>do</strong> termo ao regime das sesmarias no Brasil, sancionava<br />

apenas um fato consuma<strong>do</strong>: – a instituição das sesmarias já havia rola<strong>do</strong> fora da<br />

órbita de nossa evolução social.” 141 Em Rio Claro 142 , o historia<strong>do</strong>r Warren Dean, por<br />

outro la<strong>do</strong>, expõe que eram as sesmarias, “concedidas pelo vice-rei ou o<br />

governa<strong>do</strong>r, [...] os únicos títulos de posse de terra reconheci<strong>do</strong>s pelos tribunais, até<br />

a Lei da Terra em 1850.” 143 Isso, porém, não indica que outras formas de exercício<br />

de propriedade não fossem realizadas, o que se evidencia com o próprio fim das<br />

concessões de sesmarias em 1822. Logo, as posses representam, pelo menos até a<br />

Lei de Terras, a única forma de tomar propriedade desde tal Resolução. Como<br />

afirma Sebastião Guedes:<br />

“A política de terras no Brasil possui também <strong>do</strong>is momentos. Um primeiro,<br />

que durou de 1822 a 1850, caracterizou-se pela ausência de regulação<br />

sobre a terra pública e pelo crescimento vertiginoso das posses. O segun<strong>do</strong><br />

momento compreende o perío<strong>do</strong> posterior à aprovação da Lei de Terras<br />

140 BRASIL. Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850. Op.Cit<br />

141 LIMA, Ruy Cirne. Op.Cit., p. 47.<br />

142 DEAN, Warren. A expropriação da terra. Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura<br />

1820-1920. Trad.: Waldívia Portinho. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1977. p. 19-37.<br />

143 Ibid., p. 28.<br />

49


(1850), caracteriza<strong>do</strong> pela tentativa de implementação de uma efetiva<br />

política de terras que realizasse a necessária conversão <strong>do</strong> regime<br />

sesmarial em propriedade privada plena” 144<br />

A especulação com as terras concedidas, no modelo anterior à<br />

Independência, tornou-se uma prática corrente. No Rio Claro, das terras concedidas,<br />

Warren Dean verificou que a metade <strong>do</strong>s <strong>do</strong>natários jamais fixou residência em suas<br />

propriedades. 145 Pelo contrário, iniciou-se um processo de venda e <strong>do</strong>ação de lotes<br />

menores que apontam para o caráter lucrativo <strong>do</strong> recebimento de sesmaria, ou, pelo<br />

menos, <strong>do</strong> ganho de influência social ou política na região da propriedade. Warren<br />

Dean relaciona esse caráter especulativo à formação de propriedades senhoriais:<br />

“Fora de qualquer dúvida, a posse de vastos tratos de terra dava prestígio,<br />

daí porque seu proprietário considerava de seu direito exercer coman<strong>do</strong> e<br />

auferir deferência. Tais sentimentos podem ser caracteriza<strong>do</strong>s como<br />

senhoriais, mas eram engendra<strong>do</strong>s por ações que destinavam a aumentar o<br />

acesso a riquezas, e, em decorrência, a alcançar lucros monopolísticos num<br />

merca<strong>do</strong> ativo e capitalista.” 146<br />

Sobre esse caráter, Roberto Smith afirma que “Possivelmente esses são<br />

aspectos que se superpõem a necessidade de terras para a expansão da cana, <strong>do</strong><br />

algodão, de culturas de subsistência e o alçar vôo <strong>do</strong> café, após a chegada da<br />

Família Real, com a distribuição indiscriminada de terras [sesmarias]. Se aceita essa<br />

hipótese, é possível pensar que, na época, a distribuição para finalidades<br />

improdutivas fosse ao encontro <strong>do</strong>s requisitos de expansão da agricultura [...].” 147<br />

Seja qual a específica função da posse de grandes propriedades, ou seu<br />

efeito, pudemos verificar que a distribuição de sesmarias, no perío<strong>do</strong> anterior a<br />

Independência caracterizou-se pela formação de senhorios. Uma das possibilidades<br />

para manutenção da propriedade senhorial, ainda que de realização pouco frequente<br />

no Brasil, foi a instituição <strong>do</strong> morgadio. A prática <strong>do</strong> morgadio, proveniente da<br />

144 GUEDES, Sebastião Neto Riberio. Op. Cit., p. 24.<br />

145 DEAN, Warren. Op.Cit., p. 30.<br />

146 Ibid., p. 28.<br />

147 SMITH, Roberto, A Transição no Brasil: a absolutização da propriedade fundiária. In:______.<br />

Propriedade da Terra e Transição: estu<strong>do</strong> da formação da propriedade privada da terra e transição<br />

para o capitalismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 237-338. p. 294-295.<br />

50


nobreza portuguesa, foi instituída no Brasil Colônia, sen<strong>do</strong> abolida somente alguns<br />

anos após os episódios da separação. O cientista político Luiz Alberto Moniz<br />

Bandeira, sobre essa relação, expõe que<br />

“As instituições feudais, que Portugal, já na etapa <strong>do</strong> mercantilismo,<br />

transmitiu à colônia sofreram adaptação e, conseqüentemente,<br />

transformações, e ela, na sua formação, não podia reproduzir fielmente a<br />

estrutura econômica, social e política da metrópole. Mas mentalidade feudal,<br />

com seus valores – honra, espírito de cavalaria, coragem e generosidade,<br />

entre outros – permaneceu e cristalizou-se, na classe <strong>do</strong>minante da colônia,<br />

em decorrência, inclusive, das funções militares atribuídas aos sesmeiros,<br />

na maioria fidalgos da Casa Real ou funcionários <strong>do</strong> reino, que se tornaram<br />

não só proprietários das terras e <strong>do</strong>s meios de produção, como, também,<br />

detentores da autoridade civil e da força armada, e acumulan<strong>do</strong> às vezes à<br />

funções de juizes e verea<strong>do</strong>res. Eles eram vassalos <strong>do</strong> rei (vassi <strong>do</strong>minici),<br />

que desfrutavam de sua proteção particular e, constituin<strong>do</strong> uma rede de<br />

fidelidade, lhe deviam fornecer grande das tropas, para a defesa da colônia,<br />

quer contra os índios quer contra os estrangeiros.” 148<br />

A instituição <strong>do</strong> morgadio visava, então, a formação e manutenção de uma<br />

casa senhorial, pois a propriedade <strong>do</strong> morga<strong>do</strong> não poderia ser fragmentada após a<br />

morte <strong>do</strong> senhor que a possuía. Um herdeiro era designa<strong>do</strong> à assumir essa<br />

propriedade senhorial. Luiz Alberto Bandeira explica, em relação a instituição <strong>do</strong><br />

morgadio que:<br />

“A instituição <strong>do</strong> morgadio, vinculan<strong>do</strong> um conjunto de propriedades,<br />

subordinan<strong>do</strong>-os a uma disciplina jurídica que não permitia nem a alienação<br />

em vida nem a repartição por morte e, conceden<strong>do</strong> à primogenitura o direito<br />

de herança, foi estabelecida em Portugal, durante a Idade Média, a fim de<br />

reforçar socialmente a nobreza e evitar o seu empobrecimento. No Brasil, o<br />

Parlamento proibiu a instituição <strong>do</strong> morgadio, em 1835, e os morga<strong>do</strong>s<br />

existentes foram extintos 1837.” 149<br />

Os motivos para a formação <strong>do</strong> morgadio, precedi<strong>do</strong>s pela lei da<br />

primogenitura, são apresenta<strong>do</strong>s por José Flávio Pereira e Lupércio Antônio Pereira,<br />

resgatan<strong>do</strong> Adam Smith, da seguinte maneira:<br />

148 BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. Aspectos feudais da colonização <strong>do</strong> Brasil. Revista Espaço<br />

Academico. n. 52, set. 2005. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/052/52bandeira.htm.<br />

Acesso em: 14/10/2009.<br />

149 Id.<br />

51


“Na concepção smithiana, a lei de primogenitura foi a<strong>do</strong>tada na Europa<br />

medieval como resposta às desordens e à insegurança que se seguiram à<br />

queda <strong>do</strong> Império Romano. Segun<strong>do</strong> ele, com a queda <strong>do</strong> Império Romano<br />

sobreveio uma época de desordem generalizada na Europa e os únicos<br />

agentes capazes de oferecer alguma segurança aos habitantes <strong>do</strong> campo<br />

eram os grandes proprietários das terras. Assim, a terra deixou de ser<br />

considerada mero 'meio de subsistência' e passou a ser concebida também<br />

como instrumento de poder e proteção. Naquela 'época de desordem', to<strong>do</strong><br />

grande proprietário de terras passou a ser 'uma espécie de príncipe<br />

secundário' e 'seus rendeiros eram seus súditos'. Como cada grande senhor<br />

podia fazer 'guerra a seu talante' contra seus vizinhos e até contra seu<br />

soberano, a insegurança era geral, de mo<strong>do</strong> que 'a proteção que seu<br />

proprietário tinha condições de oferecer aos que nela moravam, dependia<br />

da extensão da terra'. Assim, a divisão da grande propriedade poderia<br />

colocar em risco a segurança <strong>do</strong>s seus mora<strong>do</strong>res, que ficavam sujeitos às<br />

incursões de vizinhos belicosos. Por isso, continua o autor da Riqueza das<br />

Nações, 'a lei de primogenitura veio a implantar-se gradualmente na<br />

sucessão das propriedades rurais, pela mesma razão pela qual geralmente<br />

se implantou na sucessão das monarquias', isto é, para que o poder <strong>do</strong><br />

grande proprietário, e conseqüentemente a segurança que ele oferecia, não<br />

se enfraquecesse por divisões. Para evitar essa divisão, a<strong>do</strong>tou-se a norma<br />

de que a grande propriedade da nobreza fosse herdada apenas por um <strong>do</strong>s<br />

filhos, o mais velho, com precedência para o sexo masculino na linha de<br />

sucessão. Assim, impon<strong>do</strong> a sucessão linear ao invés da sucessão<br />

democrática, a primogenitura impedia que a grande propriedade fosse<br />

partilhada entre os herdeiros.” 150<br />

Mesmo desconsideran<strong>do</strong> a análise smithiana exposta pelos <strong>do</strong>is autores<br />

sobre as razões medievais para a formação da lei de primogenitura e <strong>do</strong> morgadio,<br />

interessa-nos aqui perceber o desejo de manter, através dessa prática, a<br />

propriedade senhorial indivisa. Para isso, o morgadio complementa a lei da<br />

primogenitura pois: “[...] Se esta [lei da primogenitura] impedia a partilha <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>mínios por meio da herança, aquele [o morgadio] bloqueava a partilha por meio da<br />

alienação, lega<strong>do</strong> ou <strong>do</strong>ação.” 151 A propriedade da terra representava, desde a<br />

implementação <strong>do</strong> regime de sesmarias no Brasil, uma posição social de prestígio.<br />

André João Antonil, sobre os senhores de engenho na Bahia, escreveu que:<br />

“O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz<br />

consigo o ser servi<strong>do</strong>, obedeci<strong>do</strong> e respeita<strong>do</strong> de muitos. E se for, qual deve<br />

ser (grifo nosso), homem de cabedal e governo, bem se pode estimar no<br />

150 PEREIRA, José Flávio; PEREIRA, Lupércio Antônio. Instituições jurídicas, propriedade fundiária e<br />

desenvolvimento econômico no pensamento de José da Silva Lisboa (1829). História. v. 25. n. 2.<br />

Franca, 2006. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-<br />

90742006000200010&script=sci_arttext. Acesso em: 14/10/2009.<br />

151 Id.<br />

52


Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionalmente se estimam os<br />

títulos entre os fidalgos <strong>do</strong> Reino.” 152<br />

Podemos então questionarmo-nos sobre os motivos da <strong>do</strong>ação realizada<br />

pelo capitão João Antônio da Costa. Quais os motivos que o levaram a fazer a<br />

<strong>do</strong>ação de sua propriedade recém adquirida para Nossa Senhora da Piedade? O fim<br />

<strong>do</strong> morgadio ainda na década de 1830 não caracterizará o fim das heranças e<br />

práticas para manter a propriedade indivisa, até porque essa não foi a prática mais<br />

disseminada na América portuguesa. Se o morgadio, para vigorar, precisava da<br />

confirmação da Coroa, maneiras mais práticas eram utilizadas nos Trópicos. Sobre<br />

isso, Warren Dean expõe que:<br />

“O governo <strong>do</strong> Brasil independente mostrou-se incapaz de formular uma lei<br />

da terra em substituição ao regime de <strong>do</strong>ações reais. Os reivindicantes de<br />

Rio Claro, embaraça<strong>do</strong>s, tiveram de recorrer a formas improvisadas de<br />

reconhecimento. Combinavam seus interesses com outros, venden<strong>do</strong> lotes<br />

a terceiros que então, deveriam sustentar a alienação original. O imposto<br />

pago por essas transações era apresenta<strong>do</strong> como prova de aprovação<br />

oficial. Em Rio Claro, um <strong>do</strong>s posseiros mais importantes, Manuel Paes de<br />

Arruda, fortaleceu sua posição <strong>do</strong>an<strong>do</strong> parte de sua posse para a<br />

construção da sede <strong>do</strong> município. A Câmara municipal de Piracicaba<br />

declarava, em 1835, em relatório ao presidente da província que já não<br />

havia terras públicas na região. Na verdade, elas tinham si<strong>do</strong> todas<br />

usurpadas.” 153<br />

No caso de Nossa Senhora da Candelária, no Rio de Janeiro, o cônego<br />

Manuel da Costa Honorato, em exposição no Instituto Histórico e Geográfico<br />

Brasileiro no ano de 1875, expõe como práticas de <strong>do</strong>ações podiam representar uma<br />

proteção da propriedade e não sua perda. Remete-se, para isso, ao caso <strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong>a<strong>do</strong>res da capela da Candelária:<br />

“Em 1634 a ermida de Nossa Senhora da Candelaria foi elevada ao gráo de<br />

parochia, sen<strong>do</strong>, portanto, a segunda freguezia creada no Rio de Janeiro<br />

com uma área immensa, porque os povos estavam espalha<strong>do</strong>s em to<strong>do</strong> o<br />

terreno habitavel.”<br />

152 ANTONIL, André João. Do Cabedal que há de ter o Senhor de um Engenho Real. Cultura e<br />

Opulência <strong>do</strong> Brasil. p. 28-29. p. 28. Disponível em:<br />

http://www.<strong>do</strong>miniopublico.gov.br/<strong>do</strong>wnload/texto/bv000026.pdf. Acesso em: 14/10/2009 as 15:33.<br />

153 DEAN, Warren. Op.Cit., p. 31.<br />

53


“Entretanto não agra<strong>do</strong>u aos funda<strong>do</strong>res e proprietarios da ermida de Nossa<br />

Senhora da Candelaria a creação da parochia em um templo que tinham<br />

funda<strong>do</strong> como sua propriedade particular, porque d'essa fórma passaria elle<br />

para o <strong>do</strong>minio <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> sob a immediata inspecção <strong>do</strong> parocho. Portanto<br />

resolveram fazer <strong>do</strong>ação da ermida á santa casa da misericordia o que<br />

effectuaram por escriptura publica de 4 de Julho de 1639, sen<strong>do</strong> prove<strong>do</strong>r<br />

da misericordia o capitão-mór, governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> esta<strong>do</strong>, Salva<strong>do</strong>r Corrêa de<br />

Sá e Benevides.” 154<br />

Uma das práticas mais comuns para manutenção de uma propriedade era a<br />

<strong>do</strong>ação das terras para a criação de uma paróquia ou propriedade de serventia<br />

pública, caracterizan<strong>do</strong> um bem de mão-morta. Realizada a <strong>do</strong>ação, as terras não<br />

poderiam ser vendidas. Como exposto acima nos argumentos de Raquel Glezer, os<br />

bens da Igreja permaneceram intoca<strong>do</strong>s mesmo após a Independência. Logo, tanto<br />

na Candelária, onde os funda<strong>do</strong>res da capela de Nossa Senhora da Candelária<br />

haviam-na construí<strong>do</strong>, ten<strong>do</strong> sua posse, como em Rio Claro, onde a <strong>do</strong>ação para<br />

sede <strong>do</strong> município visou manter o uso de Manuel Paes de Arruda, verificamos<br />

práticas para manutenção de uma propriedade sem divisão não caracterizadas pelo<br />

morgadio. Nas primeiras décadas <strong>do</strong> século XIX o regime de sesmarias contribuirá<br />

para que pequenas posses não reconhecidas sejam eliminadas, e, para isso,<br />

tomadas por sesmeiros. Segun<strong>do</strong> Warren Dean:<br />

“Por volta de 1820, muitos <strong>do</strong>s mora<strong>do</strong>res de Rio Claro foram subitamente<br />

expulsos por algumas poucas pessoas com suficiente dinheiro e influência<br />

política para conseguir títulos de posse sob a forma de sesmarias. A<br />

expropriação <strong>do</strong> valor adicional representa<strong>do</strong> pela limpeza da terra e o<br />

cultivo anterior significava um ato inicial de acumulação de capital. Ce<strong>do</strong>,<br />

pessoas ainda mais ricas e influentes começaram a reunir recursos<br />

suficientes para a exploração agrícola em larga escala. Rio Claro tornara-se,<br />

na expressão local, uma 'frente pioneira', ou seja, passara a fazer parte <strong>do</strong><br />

perímetro da economia costeira capitalista e voltada para a exportação.” 155<br />

Não se desconsidera, então, a utilidade econômica que as propriedades<br />

podiam proporcionar. A atividade capitalista não eliminava necessariamente o caráter<br />

senhorial, e vice-versa. Por outro la<strong>do</strong>, muitas vezes a propriedade da terra não<br />

154 HONORATO, Manoel da Costa. Op.Cit., p. 12.<br />

155 DEAN, Warren. Op.Cit., p 37.<br />

54


interessava em grande propriedade, mas podia-se ganhar mais pela sua subdivisão,<br />

como podemos verificar por texto <strong>do</strong> próprio Warren Dean:<br />

“Em 1855, quan<strong>do</strong> houve o primeiro registro geral de terras, muitas<br />

declarações mostraram três ou mais <strong>do</strong>nos suceden<strong>do</strong> o sesmeiro original,<br />

de mais ou menos 30 anos antes. Muitos <strong>do</strong>s proprietários anteriores nunca<br />

haviam mora<strong>do</strong> em Rio Claro, eram expecula<strong>do</strong>res que visavam ao lucro<br />

decorrente de novas subdivisões. Muitos <strong>do</strong>s proprietários, na paróquia de<br />

Rio Claro, que indicaram a data de aquisição de suas terras, haviam-nas<br />

recebi<strong>do</strong> menos de seis meses atrás. A rapidez das transferências por<br />

compra excedia a das heranças. No mesmo registro de 1855, apenas 20<br />

por cento <strong>do</strong>s que declararam a procedência de seus títulos indicaram<br />

herança ou <strong>do</strong>ação. Ainda que algumas das declarações de compra ou<br />

troca fossem, na verdade, ajustes entre co-herdeiros, aparentemente, havia<br />

mais compras <strong>do</strong> que <strong>do</strong>ações.” 156<br />

Nesse contexto, Muriel Nazzari, expõe que também podia ocorrer a<br />

subdivisão da terra em benefício da posse daqueles que a habitavam:<br />

“A preponderância de pequenos proprietários em nossa amostra <strong>do</strong> século<br />

XIX [na província de São Paulo] pode indicar, também, que o privilégio de<br />

ter propriedade privada vinha sen<strong>do</strong> consegui<strong>do</strong> cada vez por um número<br />

maior de famílias. A maioria delas era provavelmente de descendentes<br />

daqueles relaciona<strong>do</strong>s nos censos de mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVIII como<br />

pessoas que trabalhavam a terra mas não eram seus <strong>do</strong>nos, pois a maioria<br />

delas havia nasci<strong>do</strong> na freguesia em que viviam ou em uma freguesia<br />

próxima. Nos anos intermediários haviam adquiri<strong>do</strong> a terra em que<br />

trabalhavam. João Soares Camargo, por exemplo, adquiriu sua terra<br />

mediante a prova de que ela estava em sua posse e era cultivada desde<br />

1838.” 157<br />

A prosperidade <strong>do</strong>s herdeiros também não era garantida. Nazzari expõe que:<br />

“Outros pequenos proprietários podem ter decaí<strong>do</strong> socialmente, sen<strong>do</strong><br />

descendentes de famílias mais prósperas cujas propriedades foram sen<strong>do</strong><br />

sucessivamente subdivididas por intermédio de herança.” 158 Logo, o risco que a<br />

subdivisão podia acarretar pode contribuir para que concluamos que o interesse em<br />

manter a propriedade indivisa tinha elementos não somente senhoriais, mas,<br />

também, econômicos.<br />

156 Ibid., p. 31.<br />

157 NAZZARI, Muriel. Op.Cit., p. 159.<br />

158 Ibid., p. 159-160.<br />

55


Por se tratar de um terreno urbano, <strong>do</strong> caso <strong>do</strong> litígio aqui analisa<strong>do</strong>, não<br />

podemos concluir que houve intenção de usufrui-lo, por alguma das partes, para fins<br />

senhoriais ou de grande plantação. Essas considerações, no entanto, podem ser<br />

levantadas quan<strong>do</strong> se questiona a figura <strong>do</strong> <strong>do</strong>a<strong>do</strong>r da paróquia, o capitão João<br />

Antônio da Costa. Imediatamente após arrematar a propriedade <strong>do</strong> Campo Largo,<br />

como já foi verifica<strong>do</strong>, fez a <strong>do</strong>ação <strong>do</strong> terreno para que ali se pudesse iniciar a<br />

freguesia. Vimos como a <strong>do</strong>ação para uma capela podia representar o desejo de<br />

manter uma propriedade indivisa, manten<strong>do</strong> seus laços senhoriais sobre uma<br />

propriedade que seus herdeiros teriam de cultivar sem dividí-la. Poderíamos,<br />

mesmo, supor que há algum parentesco entre o capitão João Antônio da Costa e<br />

pessoas assentadas no Campo Largo, como Gertrudes Maria Vas, sogra de <strong>do</strong>na<br />

Joaquina Vieira de Souza e que tinha a posse inicial <strong>do</strong> terreno, ou outras pessoas<br />

que permaneciam no Campo, como o vigário Lourenço Justiniano. Cabe registrar<br />

que, feita a <strong>do</strong>ação, ficou responsável por zelar pela capela o capitão Jerônimo José<br />

Vieira. 159<br />

Em relação ao processo de 1870, o <strong>do</strong>cumento principal de análise deste<br />

estu<strong>do</strong>, o processo judicial envolven<strong>do</strong> o vigário Lourenço Justiniano e <strong>do</strong>na<br />

Joaquina Vieira de Souza, traz, como uma das principais interpretações legais,<br />

principalmente pela acusação, texto <strong>do</strong> jurista português Mello Freire. Utiliza-se as<br />

referências desse jurista no que se refere à propriedade por posse. O vigário<br />

Lourenço Justiniano, na figura de seu procura<strong>do</strong>r, advoga<strong>do</strong> Generoso Marques <strong>do</strong>s<br />

Santos, argumenta contra a posse alegada pela defesa de <strong>do</strong>na Joaquina, que:<br />

“A intenção de possuir, que a autora tentará provar o que seria com effeito<br />

sufficiente para a continuação de sua posse mesmo faltan<strong>do</strong> a carta o<br />

elemento essencial da occupação, se a casa existisse ainda porque nesta<br />

hypothese teria applicação o preceito <strong>do</strong> art. 3º § 11 [...]. Ten<strong>do</strong>, porém, si<strong>do</strong><br />

a casa completamente destruída cessara a faculdade de exercer a autora<br />

sua posse, não poden<strong>do</strong> permanecer no lugar e deixan<strong>do</strong> este ao uso<br />

público. É o que nos diz Mello Freire – Inst. Jur. Civ. L. §3º §2º §7º ibi.” 160<br />

159 LOPES, José Carlos Veiga. Op.Cit., p. 181.<br />

160 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 48.<br />

56


A jurisprudência acatada pela corte, origina-se, ou debruça-se sobre as<br />

legislações anteriores a Lei de Terras. Márcia Maria Menendes Motta, afirmou, que:<br />

“Ao assumir a tarefa de refletir sobre o tema <strong>do</strong> direito civil, e portanto, sobre<br />

o fundamento da propriedade, Mello Freire produziu três volumes de suas<br />

Notas de Uso Pratico e Criticas, organiza<strong>do</strong> por Lobão na primeira segunda<br />

<strong>do</strong> século XIX. [...] destacam-se, no primeiro volume, as reflexões de Mello<br />

Freire sobre Sesmarias [...] e sobre o Costume; e no terceiro volume, suas<br />

ilações sobre as diferenças entre posse e <strong>do</strong>mínio. [...] as interpretações de<br />

Freire nos ajudam a refletir sobre a questão <strong>do</strong> direito a terra em Portugal,<br />

de fins <strong>do</strong> século XVIII.” 161<br />

Porém, as interpretações legadas por Mello Freire, ainda no século XVIII,<br />

contribuíram para que se julgasse sobre a posse de terra, também, no Brasil<br />

independente. A autora classifica o jurista Pascoal José de Mello Freire como o<br />

maior intérprete de um “racionalismo”, representa<strong>do</strong>, em Portugal, pelo Marquês de<br />

Pombal, e que visava implantar uma “ratio scripta”. Isso ficará patente quan<strong>do</strong><br />

publica, entre 1778 e 1793, “A História Iuris Civilis Lusitani” e “Instituitiones Iuris<br />

Civilis Lusitani”. 162 Nesse contexto será promulgada a Lei da Boa Razão, que<br />

buscava, segun<strong>do</strong> a autora, além de atingir aquele caráter racional, sustentar o<br />

direito nacional, e da Coroa portuguesa, em oposição ao direito romano. Márcia<br />

Maria Motta afirma, então, que “de uma forma ou de outra a Lei da Boa Razão foi<br />

uma continuidade na ruptura (ou se desejarem, uma ruptura na continuidade), posto<br />

que a partir de 1769, tornava-se expressa em lei à obrigatoriedade de utilização <strong>do</strong><br />

direito pátrio, em detrimento <strong>do</strong> romano.” 163<br />

As obras citadas de Mello Freire foram, como nos expõe a autora,<br />

organizadas na primeira metade <strong>do</strong> século XIX por outro importante jurista<br />

português, Manoel d’ Almeida e Sousa de Lobão. É pela edição de Lobão que<br />

Márcia Maria Motta expõe que Mello Freire verifica as dificuldades em definir posse<br />

e propriedade da terra, como entes distintos, nos <strong>do</strong>mínios portugueses. Mello<br />

161 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Sesmarias: uma história luso-brasileira (séculos XVIII/XIX). In:<br />

COLÓQUIO ESPAÇO ATLÂNTICO DE ANTIGO REGIME, 2005, Lisboa. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 01/10/2009.<br />

162 Ibid., p. 12-13.<br />

163 Ibid., p. 12.<br />

57


Freire, buscava sobrepor leis “racionais” às práticas de uso comum, tão presentes<br />

nas legislações de Antigo Regime, ainda que sem apresentar uma posição radical<br />

quanto a liberdade. 164 Por outro la<strong>do</strong>:<br />

“Práticas e direitos antigos que muitas vezes se pautavam na noção de uma<br />

posse imemorial eram aciona<strong>do</strong>s nos crescentes processos de contestação<br />

contra o não menos crescente processo de individualismo agrário.<br />

Resistências e protestos tornavam-se a marca <strong>do</strong>s camponeses que<br />

procuravam se defender contra a vedação <strong>do</strong>s maninhos e aforamento de<br />

terras, antes utilizadas em comum.” 165<br />

Se Portugal enfrentava uma crise agrícola no século XVIII, quan<strong>do</strong> a<br />

regularização fundiária e a propriedade privada passaram a ser entendidas como<br />

maneiras de combate à essa crise, no Brasil a questão da propriedade da terra<br />

recebia contornos diferentes. Mello Freire como representante das ideias<br />

reforma<strong>do</strong>ras em Portugal, verifica que era necessário uma mudança nos costumes<br />

para regular a propriedade. No Brasil, no entanto, a Coroa portuguesa encontrava<br />

um entendimento sobre a propriedade diferente, como nos aponta a Márcia Maria<br />

Motta:<br />

“No entanto, em fins <strong>do</strong> século XVIII a Coroa Portuguesa tinha problemas<br />

ainda não menos graves a enfrentar nos seus esforços de estabelecer<br />

princípios jurídicos claros para a questão da apropriação da terra. No<br />

território <strong>do</strong> Ultramar, na colônia brasileira, havia se instituí<strong>do</strong> exatamente<br />

um sistema jurídico fundamenta<strong>do</strong> na lei de Sesmarias de D. Fernan<strong>do</strong>, e<br />

expressava a face mais visível da dificuldade em se definir posse e<br />

propriedade em áreas ainda objeto de expansão. O desconhecimento sobre<br />

a forma como ela era operada nas colônias e seus múltiplos significa<strong>do</strong>s<br />

eram visíveis nas análises <strong>do</strong>s memorialistas, como Bernar<strong>do</strong> de Mello e<br />

Vandelli. No entanto, o imaginário social havia consagra<strong>do</strong> a noção de que<br />

nas terras livres coloniais era possível a instituição da propriedade privada,<br />

sem os problemas oriun<strong>do</strong>s de práticas e costumes antigos, considera<strong>do</strong>s<br />

causa<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s males da agricultura em Portugal.” 166<br />

A acusação de Generoso Marques, utilizan<strong>do</strong>-se das interpretações de Mello<br />

Freire, argumenta que, no caso <strong>do</strong> terreno em litígio:<br />

164 Ibid., p. 13-14.<br />

165 Ibid., p. 15.<br />

166 Ibid., p. 16.<br />

58


“O aban<strong>do</strong>no [<strong>do</strong> terreno pela família da ré] em tal caso é presumi<strong>do</strong>, a<br />

coisa possuída, a casa, ten<strong>do</strong> pereci<strong>do</strong>, não podia continuar a possuir se<br />

não ocupan<strong>do</strong> novamente o terreno. Ao contrário, não sen<strong>do</strong> este sua<br />

propriedade, mesmo para força <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento constan<strong>do</strong> da certidão da fl16<br />

voltara á condição de to<strong>do</strong> o mais terreno pertencente ao patrimonio da<br />

Padroeira da Freguesia. E como a prescrição entre presentes é de dez<br />

annos (Ord. L.º 4 A. 3º § 1º e A. 19 §3º Consol. Das 2ªs notas ao art. 1322)<br />

fôra bastante este tempo de occupação pelo público para que o terreno<br />

reportasse a elle. 167<br />

Podemos verificar, então, como continuam as legislações portuguesas<br />

vigoran<strong>do</strong> mesmo no Brasil independente. Generoso Marques conclui sua exposição<br />

datada de 24 de julho de 1870, afirman<strong>do</strong> que pertencen<strong>do</strong> “o terreno ao patrimonio<br />

da Padroeira, ficava sujeita á clausula da <strong>do</strong>ação feita pelo Cap. João Antonio da<br />

Costa, e portanto pertencia áquelle que primeiro o occupasse, começan<strong>do</strong> a<br />

edificar.” 168 Essas argumentações serão aceitas pela corte. O processo, inicia<strong>do</strong> em<br />

12 de junho de 1870, terá sua última linha acrescentada em 28 de outubro <strong>do</strong><br />

mesmo ano, em acor<strong>do</strong> com a jurisprudência portuguesa <strong>do</strong> século XVIII.<br />

167 Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Op.Cit., p. 48.<br />

168 Id.<br />

59


4. CAPÍTULO III: RELAÇÕES ENTRE O CLERO SECULAR<br />

BRASILEIRO E A SOCIEDADE.<br />

No que se refere as relações entre o <strong>clero</strong> brasileiro e a sociedade, cabe<br />

retomar algumas contribuições historiográficas consagradas sobre o tema.<br />

Inicialmente buscamos a análise proposta por Gilberto Freyre, que apontou para a<br />

relação de proximidade entre o padre local e o senhor de engenho no perío<strong>do</strong><br />

colonial. Freyre descreveu um “patriarcalismo torto <strong>do</strong>s clérigos” 169 , caracteriza<strong>do</strong><br />

por uniões conjugais. Nas “notas ao capítulo V” de “Casa Grande e Senzala”, o autor<br />

expôs que “'ter filhos foi <strong>do</strong>s fenômenos interessantes da vida <strong>do</strong>s padres e vigários<br />

<strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>' [XIX], (...) atividade parapatriarcal de sacer<strong>do</strong>tes brasileiros,<br />

homens notáveis pela inteligência, altos serviços e brilho das posições.” 170 Esses<br />

sacer<strong>do</strong>tes encontravam-se em relação com “homens abasta<strong>do</strong>s” e suas famílias, e,<br />

muitas vezes, forman<strong>do</strong> novas famílias. Logo, Freyre defende a existência de uma<br />

influência primordial <strong>do</strong>s eclesiásticos na formação da vida social brasileira,<br />

resulta<strong>do</strong> da sua proximidade com as populações locais e das famílias <strong>do</strong>s “homens<br />

abasta<strong>do</strong>s”. Freyre escreveu que<br />

“A igreja que age na formação brasileira, articulan<strong>do</strong>-a, não é a catedral com<br />

o seu bispo a que se vão queixar os desengana<strong>do</strong>s da justiça secular; nem<br />

a igreja isolada e só, ou de mosteiro ou abadia, onde se vão acoitar<br />

criminosos e prover-se de pão e restos de comida mendigos e<br />

desampara<strong>do</strong>s. É a capela de engenho. Não chega a haver clericalismo no<br />

Brasil. Esboçou-se o <strong>do</strong>s padres da Companhia para esvair-se logo, venci<strong>do</strong><br />

pelo oligarquismo e pelo nepotismo <strong>do</strong>s grandes senhores de terras e<br />

escravos.” 171<br />

Por outro la<strong>do</strong>, se a Igreja busca uma moralização em mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século<br />

XIX, caracterizada pela “romanização”, exposta pelas encíclicas de 1864, e o Esta<strong>do</strong><br />

169 FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da<br />

economia patriarcal. São Paulo: Global. 2004. p. 534.<br />

170 Ibid., p. 565-566.<br />

171 Ibid., p. 271.<br />

60


asileiro manter e/ou aumentar seu controle sobre o <strong>clero</strong> nacional, é necessário<br />

verificar como se comportou a Igreja no Brasil diante das duas posições opostas que<br />

verificamos pela historiografia analisada no primeiro capítulo; da Sé e <strong>do</strong> Império,<br />

sob a luz da historiografia retomada agora.<br />

Outra análise fundamental sobre as relações sociais no Brasil, e,<br />

consequentemente, de elementos da Igreja e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, é a <strong>do</strong> “Homem Cordial” de<br />

Sérgio Buarque de Holanda. Em sua análise, o historia<strong>do</strong>r apresenta a existência,<br />

enfatizan<strong>do</strong> idealmente, uma confusão entre os espaços Público e Priva<strong>do</strong> na<br />

formação da sociedade brasileira. Aqui, as relações, os negócios, aproximam-se das<br />

relações de parentesco. É característico, no Brasil, segun<strong>do</strong> Buarque, o pre<strong>do</strong>mínio<br />

<strong>do</strong> “tipo primitivo da família patriarcal” 172 , onde prevalece um “convívio mais<br />

familiar” 173 . Essa explicação de Sérgio Buarque permite ter um princípio para a<br />

análise das relações locais, onde, na apresentação <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r, o Esta<strong>do</strong> não<br />

interferia nos bens da capela, e a Igreja se ocupava de suas funções sem interferir<br />

na ordem social interna <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Relacionan<strong>do</strong> as abordagens de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de<br />

Holanda acerca da formação patriarcal da sociedade e as relações de uma Igreja<br />

nesse contexto, verificamos que os <strong>do</strong>is autores apontam para a importância de<br />

relações familiares na formação da sociedade brasileira. Gilberto Freyre chama de<br />

“Capela de Engenho” esse local, inseri<strong>do</strong> na propriedade latifundiária que<br />

caracteriza as relações entre Igreja e sociedade na formação <strong>do</strong> Brasil.<br />

Outro aspecto importante, destaca<strong>do</strong> por Gilberto Freyre, refere-se a<br />

formação patriarcal, que segun<strong>do</strong> o autor, permanece no Império. É através desse<br />

poder local, que o patriarcalismo constitui, que as redes familiares se formam e<br />

buscam manter influência na Corte, extrapolan<strong>do</strong> o âmbito regional. Maria Fernanda<br />

Martins expõe que em seu trabalho:<br />

“ao se privilegiar as famílias como base para análise <strong>do</strong> papel e da atuação<br />

<strong>do</strong>s poderes locais, bem como das redes que os ligavam ao poder central,<br />

pretende-se ressaltar o fato de que essas redes desconheciam os limites<br />

172 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes <strong>do</strong> Brasil. São Paulo: Cia das Letras. 1995, p.<br />

145.<br />

173 Ibid., p. 148.<br />

61


provinciais, forman<strong>do</strong> uma extensa teia que, em geral, permitia a<br />

manutenção de uma certa unidade familiar” 174 .<br />

Como o <strong>clero</strong> secular se posicionava frente essas relações familiares e de<br />

poder local deve ser, aqui, analisa<strong>do</strong> pela figura <strong>do</strong> vigário Lourenço Justiniano.<br />

4.1. As relações sociais <strong>do</strong> vigário Lourenço Justiniano Ferreira<br />

Bello.<br />

Apresenta<strong>do</strong> pelo historia<strong>do</strong>r Francisco Negrão como um político “militante e<br />

de prestígio” 175 , a árvore genealógica de Lourenço Justiniano pode apresentar um<br />

exame de suas relações, o que fizemos seguin<strong>do</strong> a exposição de Negrão. Lourenço<br />

Justiniano insere-se na sexta geração <strong>do</strong> Capitão João Rodrigues de França.<br />

Negrão explica, no terceiro volume de sua “Genealogia Paranaense”, que os <strong>do</strong>ze<br />

capítulos desse texto referem-se aos descendentes <strong>do</strong> Capitão-mor João Rodrigues<br />

de França. 176<br />

A patente de Capitão-mor de Paranaguá foi outorgada à Rodrigues de<br />

França em 1707. Exerceu o governo dessa Capitania até sua morte, em 1715.<br />

Francisco Negrão relata que João Rodrigues de França foi “[...] mora<strong>do</strong>r em Santos,<br />

onde era estabeleci<strong>do</strong>. Possuia varias fazendas de criação nos Campos Geraes e<br />

nos de Curityba e S. José e as minas de ouro de Arassatuba em S. José, d'onde<br />

retirou muito ouro”. 177 Homem de influência na Corte, Negrão afirma que por “[...]<br />

possuir grandes cabedaes, procurou educar e instruir seus filhos, <strong>do</strong>s quaes fez<br />

ordenar na carreira Ecclesiastica a seis d'eles” 178 . Vale lembrar que teve <strong>do</strong>ze filhos,<br />

<strong>do</strong>s quais cinco eram mulheres. Desse mo<strong>do</strong>, apenas um de seus filhos homens não<br />

seguiu pela carreira eclesiástica, o sargento-mor Christóvão Pinheiro Rodrigues de<br />

174 MARTINS, Maria Fernanda. Op. Cit., p. 188.<br />

175 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 398.<br />

176 Ibid., p. 567.<br />

177 Ibid., p. 3-4.<br />

178 Ibid., p. 4.<br />

62


França. Podemos, então, verificar a importância da carreira eclesiástica para uma<br />

família de grandes posses. Num contexto diferente, porém pertinente, a França <strong>do</strong><br />

século XVIII, tratan<strong>do</strong> de “alianças” entre nobres, ou, mais especificamente,<br />

casamentos entre nobres que visavam a manutenção da posse nobiliárquica, e<br />

“mésalliances”, ou alianças impuras, entre nobres e burgueses, visan<strong>do</strong> um<br />

incremento de capital, Jean-Claude Bologne comenta sobre a prática realizada pela<br />

nobreza francesa em a<strong>do</strong>tar “com exagero a solução eclesiástica para o problema<br />

<strong>do</strong>s filhos supranumerários, para não dividir o seu patrimônio até ao infinito.” 179 Pelo<br />

menos no Brasil, segun<strong>do</strong> podemos perceber pela genealogia exposta por Francisco<br />

Negrão, buscou-se muito, entre os abasta<strong>do</strong> proprietários de terras, direcionar seus<br />

filhos para as carreiras eclesiástica e militar. Fora o fato de ter entre seus sete filhos<br />

homens seis eclesiásticos, o único restante dedicou-se à carreira militar, assim como<br />

o pai. Poderemos verificar a continuação dessa prática na sequência da análise<br />

genealógica. Também entre as mulheres a incidência de casamento com militares<br />

será facilmente perceptível. Sérgio Buarque, na História Geral da Civilização<br />

Brasileira, defende que “a ocupação favorita da gente graúda e uma das mais<br />

respeitáveis, fora sempre em S. Paulo a carreira das armas”. 180 Defende, também, o<br />

historia<strong>do</strong>r, que a carreira militar, assim como a clerical, exercia “poderoso atrativo<br />

sobre os filhos das famílias mais distintas pelo nascimento e pela fortuna”. 181<br />

Buarque destaca o prestígio que essas duas profissões podiam conceder aos seus<br />

emprega<strong>do</strong>s. Destacará, então, como podiam proporcionar empregos seguros “num<br />

ambiente que ainda não desenvolveu uma estrutura burocrática moderna de cunho<br />

permanente.” 182<br />

“Se é isto fato verdadeiro a propósito <strong>do</strong>s militares, que em to<strong>do</strong> caso se<br />

expõem a perigos, adversidades e injustiças, não o é menos no caso <strong>do</strong>s<br />

clérigos. Na prática, aliás, a posição <strong>do</strong> <strong>clero</strong> no Brasil colonial e até certo<br />

ponto durante o Império, equivalia sem grande diferença à <strong>do</strong>s funcionários<br />

<strong>do</strong> Governo, desde que este se obrigava a pagar-lhes as côngruas<br />

179 BOLOGNE, Jean-Claude. Alianças e Mésalliances. História <strong>do</strong> casamento no Ocidente. Trad.:<br />

Isabel Cardeal. Lisboa. Temas e Debates, 1999. p. 217-246. p. 223.<br />

180 HOLANDA, Sérgio Buarque. São Paulo. In:______ História Geral da Civilização<br />

Brasileira.Tomo II. v.2. 8ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. p. 413-472. p. 451.<br />

181 Id.<br />

182 Id.<br />

63


competentes derivadas <strong>do</strong>s rendimentos da Ordem de Cristo. Ao la<strong>do</strong> disso<br />

era costume perceberem os párocos suas 'conhecenças' de taxa variável,<br />

segun<strong>do</strong> o tempo e o lugar, com o que suprimiam a deficiência das<br />

côngruas. Reminiscências <strong>do</strong>s primitivos dízimos pessoais, que deviam os<br />

paroquianos aos pastores para a honesta subsistência destes, a cobrança<br />

das conhecenças foi causa de inúmeras polêmicas, onde não raro se<br />

envolviam os prela<strong>do</strong>s e que motivaram as constantes desinteligências<br />

surgidas em S. Paulo entre o bispo D. Mateus Pereira e vários<br />

governa<strong>do</strong>res.” 183<br />

Contu<strong>do</strong>, entre a exposição de Bologne e de Negrão, verificamos que a<br />

carreira eclesiástica no Brasil não representava um desligamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> material<br />

que envolvia sua família. O filho de Rodrigues de França, padre José Rodrigues de<br />

França “foi Capellão da egreja da Conceição <strong>do</strong> Tamanduá durante alguns annos.<br />

Possuia numerosa escravatura e bens nos Campos Geraes, em S. José, Tamanduá<br />

e no Palmital. Foi vigário de Santos.” 184 Antes, porém, de se ordenar, de acor<strong>do</strong> com<br />

Francisco Negrão, ainda quan<strong>do</strong> estudante em Coimbra, teve um filho, João<br />

Chrisostomo. 185 O percurso <strong>do</strong> padre José Rodrigues de França lembra-nos mais a<br />

Igreja apresentada por Gilberto Freyre, as ligações com as famílias abastadas e os<br />

demais “fenômenos interessantes da vida <strong>do</strong>s padres e vigários <strong>do</strong> século<br />

passa<strong>do</strong>” 186 .<br />

Ao referirmo-nos à constância de casamentos das mulheres, aqui<br />

verifica<strong>do</strong>s, com militares, a historia<strong>do</strong>ra Mary del Priori aponta para o controle <strong>do</strong>s<br />

casamentos pelos pais no Brasil <strong>do</strong> século XIX. A autora destaca uma “mentalidade”<br />

que propiciava uma “rede de solidariedade, deveres e obrigações mútuas” 187 . Desse<br />

mo<strong>do</strong>, o “consentimento <strong>do</strong>s mais velhos continuava [nos núcleos urbanos, como<br />

São Paulo] abençoan<strong>do</strong> as uniões e cabia ao pai decidir e determinar o futuro <strong>do</strong>s<br />

filhos sem lhes consultar, 'de sorte que' – explica o escritor Alcântara Macha<strong>do</strong> –<br />

'casamentos se fazem às vezes sem que os nubentes se tenham jamais visto',<br />

sen<strong>do</strong> comum a união de parentes para preservar fortuna e linhagem.” 188<br />

183 Id.<br />

184 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 565.<br />

185 Id.<br />

186 FREYRE, Gilberto. Op. Cit., p. 565-566.<br />

187 DEL PRIORI, Mary. Casamentos arranja<strong>do</strong>s, casamentos por interesse.In:______. História <strong>do</strong><br />

amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. p. 156-180.<br />

188 Id.<br />

64


Outro registro importante refere-se às relações entre os capitães, além da<br />

quantidade de terras que possuíam. O Capitão Antônio Luiz Tigre, aqui já aborda<strong>do</strong>,<br />

grande proprietário de terras nos campos de Curitiba, foi, assim como João<br />

Rodrigues de França, outro grande proprietário na mesma localidade, testamenteiro<br />

<strong>do</strong> “Capitão-Mór e ex-Administra<strong>do</strong>r e descobri<strong>do</strong>r das Minas <strong>do</strong> Sul e ex-<br />

Governa<strong>do</strong>r Militar da praça de Santos, Agostinho de Figueire<strong>do</strong>” 189 . Novamente em<br />

relação aos casamentos, cabe destacar que o já referi<strong>do</strong> Capitão Antônio Luiz Tigre<br />

casou-se com a última filha de Rodrigues de França, Anna Rodrigues de França.<br />

Quan<strong>do</strong> morreu sua esposa, como já vimos, fez <strong>do</strong>ação de sua propriedade para a<br />

capela de Tamanduá, assim como os herdeiros fizeram após a morte <strong>do</strong> Capitão.<br />

A genealogia de Lourenço Justiniano ramifica-se pela segunda filha <strong>do</strong><br />

Capitão Rodrigues de França, Maria de Ascenção. Falecida em 1742, em<br />

Paranaguá, deixou, segun<strong>do</strong> Negrão “fazendas de criação de ga<strong>do</strong> nos campos <strong>do</strong><br />

termo de Curityba.” 190 Casou-se duas vezes, primeiro com o Capitão Francisco<br />

Rodrigues Godinho, “negociante de fazendas em Paranaguá” 191 , com quem, entre<br />

outros <strong>do</strong>is filhos, teve Francisca Pinheiro, que segue a ramificação que culminará,<br />

aqui para nós, em Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Posteriormente casou-se com<br />

o Capitão-mor André Gonçalves Pinheiro, “pertencente entre uma das principais<br />

famílias de Paranaguá, conforme se vê de sua Patente de Capitão-Mór, passada por<br />

Rodrigo Cezar Menezes, General <strong>do</strong> Sena<strong>do</strong> de S. Paulo” 192 , foi ainda, esse capitão,<br />

“Prove<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s Reaes Quintos <strong>do</strong> ouro da Fundição da Villa e Comarca de<br />

Paranaguá” 193 . Desse casamento teve outros nove filhos; sete mulheres e <strong>do</strong>is<br />

homens que se tornaram padres. Francisca Pinheiro, neta da esposa <strong>do</strong> Capitão<br />

Rodrigues da França, de mesmo nome dela, também se casou duas vezes. Primeiro<br />

com Domingos Macha<strong>do</strong>, com quem teve Domingos Macha<strong>do</strong> Pereira, que<br />

interessa-nos pela genealogia que seguimos, e, em segundas núpcias com Capitão<br />

Virissimo Gomes da Silva, integrante <strong>do</strong> Regimento de Ordenanças de Paranaguá e<br />

189 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 4.<br />

190 Ibid., p. 7.<br />

191 Id.<br />

192 Id.<br />

193 Ibid., p. 7-8.<br />

65


Comandante da Companhia da Barra Grande desde 1733. 194 Casa<strong>do</strong> com Francisca<br />

Xavier, Domingos Macha<strong>do</strong> Pereira teve, entre outros filhos, o Tenente Domingos<br />

Macha<strong>do</strong> Pereira Filho, que casou-se com Anna Maria da Rocha. Dos sete filhos que<br />

tiveram, a última, Balbina Maria <strong>do</strong> Nascimento casou-se com o Capitão Joaquim<br />

José Ferreira Bello. É desse casamento que será gera<strong>do</strong> nosso observa<strong>do</strong> o vigário<br />

Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Lourenço teve oito irmãos, quatro mulheres, um<br />

padre, como ele, <strong>do</strong>is capitães e um que Francisco Negrão não informa profissão,<br />

por talvez ser morto ainda enquanto criança. Vejamos essa genealogia no quadro<br />

abaixo:<br />

194 Ibid., p. 372.<br />

Cap. João Rodrigues de<br />

França<br />

Cap. Francisco Rodrigues Godinho<br />

Domingos Macha<strong>do</strong><br />

FIGURA 1 – GENEALOGIA DE LOURENÇO JUSTINIANO FERREIRA BELLO<br />

FONTE: O autor (2009<br />

Francisca Pinheiro<br />

Francisca Pinheiro<br />

Maria de Ascenção<br />

Domingos Macha<strong>do</strong> Pinheiro Francisca Xavier<br />

Casou-se em segundas<br />

núpcias com André<br />

Gonçalves Pinheiro<br />

Casou-se em segundas núpcias<br />

com o capitão Virissimo Gomes<br />

da Silva<br />

Ten. Francisco Macha<strong>do</strong> Pereira Filho Anna Maria da Rocha<br />

Cap. Joaquim José Ferreira Bello Maria Balbina <strong>do</strong> Nascimento<br />

Padre Lourenço Justiniano Ferreira Bello<br />

66


Pudemos verificar como Lourenço Justiniano pertencia a uma importante<br />

família da região da capitania de Paranaguá. De sua geração, <strong>do</strong>is de seus irmãos<br />

foram capitães, o que, como já vimos, propiciava algum prestígio social, e outro foi<br />

padre, além de deputa<strong>do</strong>, assim como o próprio Lourenço. Entretanto, o padre<br />

Lourenço Justiniano não foi “somente” vigário de Campo Largo, região de<br />

estabelecimento de propriedades de sua família, como também cônego, e, assim,<br />

pertencen<strong>do</strong> ao cabi<strong>do</strong> de São Paulo. Desse mo<strong>do</strong>, Lourenço Justiniano, como<br />

vigário capitular, chegou a assumir interinamente o bispa<strong>do</strong> de São Paulo após a<br />

morte de D. Manuel de Andrade em 1847. 195 Logo, Lourenço Justiniano gozou de<br />

eleva<strong>do</strong> prestígio na Igreja da província de São Paulo e, posteriormente, <strong>do</strong> Paraná.<br />

Os seis biênios para os quais foi conduzi<strong>do</strong> à Assembleia Provincial corroboram seu<br />

prestígio, político, porém, também, social.<br />

Sua influência na freguesia <strong>do</strong> Campo Largo também pode ser verificada<br />

na quantidade de vezes em que foi convida<strong>do</strong> para ser padrinho. Lourenço<br />

Justiniano aparece como padrinho em vários batismos realiza<strong>do</strong>s na Paróquia de<br />

Nossa Senhora da Piedade. Entre to<strong>do</strong>s os batismos localiza<strong>do</strong>s nos livros 4 e 5 <strong>do</strong>s<br />

Assentos de Batismo de Campo Largo, 2619, realiza<strong>do</strong>s entre os anos de 1857 e<br />

1868, 92 foram realiza<strong>do</strong>s na capela <strong>do</strong> Tamanduá e 2491 na Matriz de Nossa<br />

Senhora da Piedade. Em 1857 foram sessenta e cinco registros de batismos, em<br />

1858 duzentos e treze, em 1859 são duzentos e quarenta e nove, em 1860 duzentos<br />

e cinquenta e um, em 1861 duzentos e quarenta e oito, em 1862 duzentos e trinta e<br />

oito, em 1863 duzentos e quatorze, em 1864 cento e quarenta e cinco, em 1865<br />

foram cento e vinte e oito, em 1866 duzentos e sessenta e um, em 1867 trezentos e<br />

vinte e <strong>do</strong>is e em 1868 duzentos e oitenta e cinco. Nesses <strong>do</strong>ze anos, Lourenço<br />

Justiniano aparece como padrinho em trinta e duas vezes.<br />

São pais de seus afilha<strong>do</strong>s: Pedro José da Cunha e Leocádia Maria <strong>do</strong><br />

Ro<strong>do</strong>, em 1857; João Barbosa Go<strong>do</strong>i e Joaquina Car<strong>do</strong>sa em 1858; Felipe Miller e<br />

Francisca de Assunção Santos, Diogo Ponto de Azeve<strong>do</strong> Portugal e Vitalina Ferreira<br />

de Azeve<strong>do</strong> em 1859; José Maria de Paula Montes e Francisca da Costa Portella,<br />

alferes Manoel Antonio da Andrade e Maria das Merces Andrade, Lucio José Ferreira<br />

195 SOUZA, Ney de (org.). Op. Cit., p. 297.<br />

67


e Aldina de Souza, além de outros <strong>do</strong>is pais incógnitos, com mães chamadas Maria<br />

e Antonia Maria em 1860; em 1861, o Tenente José Ferreira Pinto e Francisca de<br />

Paula Ribas, Antonio Ferreira de Albuquerque e Aureliana da Costa Portella; Pedro<br />

Ferras de Oliveira Franco e Placidina Alves de Jesus e um pai incógnito e mãe Maria<br />

Gertrudes Vas. Não localizamos parentesco específico dessa senhora com a sogra<br />

de <strong>do</strong>na Joaquina Vieira, ré no processo movi<strong>do</strong> por Lourenço em 1870, <strong>do</strong>na<br />

Gertrudes Maria Vas, apesar da semelhança <strong>do</strong>s nomes, que nos leva mesmo a crer<br />

na possibilidade de ser a mesma pessoa.<br />

Maria Gertrudes Vas teve uma filha chamada Luiza, com esse pai<br />

incógnito, que tornou-se afilhada de Lourenço Justiniano. No processo que envolvia<br />

<strong>do</strong>na Joaquina e o vigário Lourenço Justiniano, é cita<strong>do</strong> um irmão de Francisco<br />

Borges de Sampaio, Manuel Borges de Sampaio, porém, também nesse <strong>do</strong>cumento,<br />

não há referência ao nome de seu pai. Contu<strong>do</strong>, a divisão da casa que havia no<br />

terreno em litígio, após a morte de <strong>do</strong>na Gertrudes, foi realizada entre Francisco<br />

Borges de Sampaio, seu irmão e seu pai, não constan<strong>do</strong> nada que se refira à Luiza,<br />

ou, mesmo alguma filha <strong>do</strong> casal ou de <strong>do</strong>na Gertrudes.<br />

Em 1862, o vigário Lourenço Justiniano tornou-se padrinho de filhos de<br />

Joaquim Antonio Coelho e Ana de Matos Cordeira, além de Francisco Gabriel e<br />

Francisca Maria Padilha. Em 1863; José de Lima e Maria Eufrásia, e de um pai<br />

incógnito e Balduina Alves de Brito. Em 1864; Francisco João de Chaves e Ana de<br />

Paula Farias, alferes Joaquim Pinto Ribeiro Nunes e Zeferina Maria Cordeira,<br />

Prudente José <strong>do</strong> Nascimento e <strong>do</strong>na Laura de Lima Borges, Francisco de Paiva<br />

Rocha e Maria <strong>do</strong> Céu e Souza, e, alferes João Soares da Silva e <strong>do</strong>na Francisca de<br />

Paula Teixeira. No ano de 1866; tenente José Ferreira Bello, seu irmão e futuro<br />

capitão, e Geraldina da Mota Bandeira e Silva Bello, João Ferreira da Silva e Maria<br />

Gertrudes da Conceição, e pai incógnito e Laurinda Soares de Lima. Em 1867;<br />

Prudente Domingos Ferreira e Felicidade da Costa Portella, João José Ferreira e<br />

Generosa Coleta Guimarães, Antonio Ferreira de Albuquerque e Aureliana da Costa<br />

Portella, e Manoel João Fernandes e Leocádia <strong>do</strong> Espírito Santo. No último ano<br />

68


desse registro, 1868, um pai incógnito e Maria Francelina Labre. Na maioria das<br />

vezes, a madrinha que o acompanha foi Maria da Luz Ferreira Bello. 196<br />

A quantidade de vezes que Lourenço Justiniano foi padrinho destaca-se<br />

gravemente <strong>do</strong>s demais padrinhos da região. Entre os padrinhos que mais vezes<br />

foram convida<strong>do</strong>s, destacam-se aqueles que tinham algum cargo militar. Sem contar<br />

Lourenço Justiniano, o padrinho mais vezes solicita<strong>do</strong> foi o Capitão Pedro Martins<br />

Saldanha, vinte e três vezes. Ainda assim, somente duas pessoas, sem contar o<br />

vigário, foram padrinhos de mais de vinte crianças, porém nenhum atingiu trinta,<br />

como o fez Justiniano. Padrinhos de dez ou mais crianças, encontrou-se somente<br />

dezoito. Desses, onze são apresenta<strong>do</strong>s como militares e sete não. Se<br />

considerarmos o fato de ser lembra<strong>do</strong> para padrinho um sinal de prestígio social,<br />

podemos concluir que os militares levavam vantagem, perden<strong>do</strong>, nesses <strong>do</strong>ze anos,<br />

para apenas uma pessoa, o vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello. Cabe<br />

destacar que entre os escolhi<strong>do</strong>s por dez ou mais pais, um <strong>do</strong>s padrinhos foi<br />

Ildefonso Ferreira Bello, um evidente parente <strong>do</strong> vigário de Campo Largo.<br />

Além <strong>do</strong>s padrinhos com apenas um afilha<strong>do</strong> ou que não se podia definir<br />

corretamente, o número de padrinhos e afilha<strong>do</strong>s segue, para o mesmo registro<br />

cita<strong>do</strong> acima, na seguinte tabela:<br />

QUADRO 1 – QUANTIDADE DE AFILHADOS POR PADRINHO ENTRE 1857 E 1868 NA IGREJA<br />

MATRIZ DE NOSSA SENHORA DA PIEDADE DO CAMPO LARGO<br />

QUANTIDADE DE AFILHADOS POR<br />

PADRINHO<br />

2 197<br />

3 106<br />

4 58<br />

5 41<br />

6 28<br />

7 26<br />

NÚMERO DE PADRINHOS<br />

196 Assentos de batismos. Campo Largo, 1857-1868. Paróquia de Nossa Senhora da Piedade <strong>do</strong><br />

Campo Largo, livros 4 e 5.<br />

69


FONTE: O autor (2009)<br />

FIGURA 2.<br />

8 15<br />

9 8<br />

10 5<br />

11 3<br />

12 2<br />

13 2<br />

14 2<br />

15 1<br />

16 1<br />

21 1<br />

23 1<br />

32 1<br />

Podemos verificar como à medida em que aumentam os números de<br />

afilha<strong>do</strong>s diminuem os de padrinhos. Padrinhos com quinze ou mais afilha<strong>do</strong>s são<br />

encontra<strong>do</strong>s em número bastante restrito. Desses há somente um padrinho para 15,<br />

16, 21, 23 e 32 afilha<strong>do</strong>s, o que aponta para o restrito número de pessoas iguais<br />

procuradas pelos pais. Padrinhos com menos de dez afilha<strong>do</strong>s transitam em torno<br />

de 479 no total, enquanto aqueles com mais de dez, em torno de 27. Acima de<br />

quinze o número se restringe ainda mais. São somente cinco padrinhos que atingem<br />

tão alto número de afilha<strong>do</strong>s. Logo, a prática mais comum era, provavelmente, de<br />

escolher pessoas mais próximas, por isso a diversidades de padrinhos. Porém,<br />

algumas pessoas são procuradas por muitos pais. Vimos que eram, na maioria das<br />

vezes pessoas ligadas a atividade militar. Vimos também que os militares gozavam<br />

de algum prestígio naquela sociedade. Portanto, as pessoas mais procuradas para<br />

serem padrinhos eram distintas pelo prestígio social.<br />

Essas relações de compadrio foram analisadas por parte da historiografia<br />

brasileira. Retomamos, aqui, artigo de pesquisa<strong>do</strong>res da Universidade de Ouro<br />

70


Preto, que verificaram relações de compadrio na Vila Rica de fins <strong>do</strong> século XVIII. 197<br />

Segun<strong>do</strong> esses historia<strong>do</strong>res, a importância <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> de compadrio destaca-se pela<br />

possibilidade de atingir as relações sociais perante as elites locais de uma<br />

determinada localidade, uma vez que “o compadrio consistia em um <strong>do</strong>s elementos<br />

de estruturação das redes sociais que organizavam a vida cotidiana.” 198 Os registros<br />

de batismo, deposita<strong>do</strong>s nos assentos batismais, e que representavam, segun<strong>do</strong> os<br />

autores, um <strong>do</strong>s únicos <strong>do</strong>cumentos escritos que registravam as divisões sociais de<br />

uma determinada localidade, são de fundamental importância para podermos<br />

verificar a existência de<br />

“uma hierarquia complexa, pois [que] envolvia não só a situação econômica<br />

ou política, como também a ‘qualidade’ da pessoa, identificada<br />

simbolicamente através de sua condição social (livre ou forra); sua cor<br />

(branca, parda, cabra ou negra); sua condição de nascimento (legítima,<br />

ilegítima ou aban<strong>do</strong>nada); sua naturalidade (portuguesa, colonial ou<br />

africana); e sua dignidade ou título nobiliárquico civil, eclesiástico e militar,<br />

expressos nas formas de tratamento: Ilustríssimo, Reverendíssimo, Dom,<br />

Dona, Capitão, Tenente, Sargento Mor etc.” 199<br />

Esses autores verificaram quatro integrantes de elite local de Vila Rica no<br />

final <strong>do</strong> século XVIII que eram, também, autoridades. Analisaram, assim, <strong>do</strong>is<br />

governa<strong>do</strong>res de Minas, um tenente-coronel e um contrata<strong>do</strong>r, no perío<strong>do</strong> que vai de<br />

1777, o primeiro batismo, até 1789, o último. Desses, o governa<strong>do</strong>r Dom Luís da<br />

Cunha Menezes será o que mais afilha<strong>do</strong>s terá, contabilizan<strong>do</strong> um total de vinte e<br />

três entre os anos de 1783 e 1787, na Paróquia de Nossa Senhora <strong>do</strong> Pilar <strong>do</strong> Ouro<br />

Preto. 200 Os demais, porém, também terão numeroso número de afilha<strong>do</strong>s. Ainda<br />

que se destaquem os quatro senhores analisa<strong>do</strong>s, a prática de compadrio entre<br />

muitos afilha<strong>do</strong>s para um mesmo padrinho demonstra-se comum. Os autores<br />

197 VENÂNCIO, Renato Pinto. SOUZA, Maria José Ferro de. PEREIRA, Maria Teresa Gonçalves. O<br />

Compadre Governa<strong>do</strong>r: redes de compadrio em Vila Rica de fins <strong>do</strong> século XVIII. Revista Brasileira<br />

de História. v.26. n. 52. São Paulo, 2006. p. 273-294. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

24/06/2009.<br />

198 Ibid., p. 274.<br />

199 Ibid., p. 277.<br />

200 Ibid., p. 278.<br />

71


chegam a afirmar que a “análise <strong>do</strong> comportamento <strong>do</strong>s demais governa<strong>do</strong>res<br />

mostra que a prática de compadrio com autoridades era recorrente.” 201<br />

Outra questão levantada por esses autores diz respeito a pais incógnitos.<br />

Segun<strong>do</strong> os autores:<br />

“Essas ocorrências diziam respeito aos filhos nasci<strong>do</strong>s de relações pré ou<br />

extraconjugais. Embora tais arranjos fossem relativamente correntes na<br />

sociedade da época — o Tenente Coronel Freire de Andrada era, ele<br />

mesmo, fruto de um deles —, parece ter havi<strong>do</strong> atitudes bastante distintas<br />

entre os membros da elite. Os governa<strong>do</strong>res não aceitaram apadrinhar<br />

criança alguma que tivesse nasci<strong>do</strong> fora de famílias legalmente<br />

constituídas; o contrata<strong>do</strong>r e o tenente coronel a<strong>do</strong>tavam um<br />

comportamento mais flexível.” 202<br />

Resgatan<strong>do</strong> o caso de Campo Largo, verificamos que o vigário Lourenço<br />

Justiniano, padrinho mais vezes solicita<strong>do</strong> no perío<strong>do</strong> analisa<strong>do</strong>, mesma época em<br />

que, além de vigário, foi deputa<strong>do</strong> da Assembleia Provincial, aceitou alguns casos de<br />

pais incógnitos, incluin<strong>do</strong>, possivelmente, daquela que seria sogra da ré no processo<br />

movi<strong>do</strong> por ele em 1870.<br />

O compadrio representava, muitas vezes, uma maneira de se ligar ao poder<br />

político. Segun<strong>do</strong> o artigo analisa<strong>do</strong>:<br />

“Caso o parentesco espiritual [compadrio] envolvesse a autoridade máxima<br />

da capitania, o compadre podia ter acesso ao rei, no senti<strong>do</strong> de conquistar<br />

graças e mercês, ou, mais simplesmente, ter uma petição sua atendida.<br />

Porém, os compadres menos poderosos serviam de intermediários <strong>do</strong><br />

governa<strong>do</strong>r junto à população livre e pobre, transferin<strong>do</strong> parte da<br />

ascendência que tinham sobre ela à autoridade reinol. Dessa forma era<br />

criada uma rede política e social que podia começar entre humildes exescravas<br />

e terminar em famílias reais européias.” 203<br />

Desse mo<strong>do</strong>, as relações de compadrio visavam uma proteção contra<br />

possíveis transtornos, o que é destaca<strong>do</strong> pelos autores na figura de Tiradentes, que<br />

diferentemente <strong>do</strong> Tenente Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, que<br />

201 Ibid., p. 279.<br />

202 Ibid., p. 281.<br />

203 Ibid., p. 287.<br />

72


“embora filho e compadre de governa<strong>do</strong>res, não escapou de ser persegui<strong>do</strong><br />

politicamente e exila<strong>do</strong>. De qualquer forma, por mais amargo que fosse<br />

esse destino, era ele melhor <strong>do</strong> que a forca. Sintomaticamente, na<br />

<strong>do</strong>cumentação analisada, nenhum membro da elite de Vila Rica elegeu o<br />

Alferes Joaquim José da Silva Xavier como padrinho.”<br />

O destino <strong>do</strong> Tiradentes pode facilmente ser considera<strong>do</strong> pior que <strong>do</strong> Tenente<br />

Coronel.<br />

Caso inicia<strong>do</strong> e desenrola<strong>do</strong> já na segunda metade <strong>do</strong> século XIX, o<br />

processo movi<strong>do</strong> por Lourenço Justiniano evidencia as relações sociais <strong>do</strong> vigário<br />

com parte da elite política da província <strong>do</strong> Paraná. Seu procura<strong>do</strong>r e advoga<strong>do</strong> em<br />

Curitiba, o <strong>do</strong>utor Generoso Marques <strong>do</strong>s Santos se relaciona com abasta<strong>do</strong>s<br />

cidadãos dessa província. Segun<strong>do</strong> Francisco Negrão, Generoso Marques foi genro<br />

<strong>do</strong> Coronel Benedito Enéas de Paula, deputa<strong>do</strong> provincial em mais de sete biênios<br />

entre 1858 e 1881, além de tesoureiro provincial, camarista e presidente da Câmara<br />

Municipal de Curitiba e Coronel da Guarda Nacional. Generoso Marques também<br />

exerceu vários cargos importantes no Paraná <strong>do</strong> Império, tanto na Assembleia<br />

Provincial, como na Câmara Municipal de Curitiba, onde chegou à presidência. 204<br />

Desse mo<strong>do</strong>, Lourenço Justiniano Ferreira Bello mostra-se para nós muito<br />

mais como um membro de elite local <strong>do</strong> município de Curitiba e da freguesia de<br />

Campo Largo <strong>do</strong> que um vigário inseri<strong>do</strong> nos debates <strong>do</strong> conflito Esta<strong>do</strong> e Igreja no<br />

Brasil. Ainda que não descartemos a possibilidade de Justiniano defender algum<br />

parti<strong>do</strong> naquela questão, até porque envolvia-se diretamente com o âmbito estatal e<br />

membros <strong>do</strong> Parti<strong>do</strong> Liberal, verificamos que despontava na freguesia como uma<br />

figura prestigiosa. O processo que moveu contra <strong>do</strong>na Joaquina ainda pode nos<br />

demonstrar como a preocupação patrimonialista transitava por seus interesses e<br />

ações. É claro que tal preocupação também estava presente na Igreja <strong>do</strong> século XIX<br />

devi<strong>do</strong> ao avanço liberal, como vimos anteriormente. Todavia, ao ligarmos os da<strong>do</strong>s<br />

que buscamos acerca <strong>do</strong> vigário Lourenço Justiniano, percebemos que destacava-<br />

se pelas relações que mantinha nos âmbitos político e social. O fato de Justiniano<br />

ganhar um litígio contra uma mora<strong>do</strong>ra local caracteriza uma demonstração <strong>do</strong><br />

poder que detinha através das relações sociais que mantinha.<br />

204 NEGRÃO, Francisco. Op.Cit., p. 119-120.<br />

73


5. CONCLUSÃO<br />

Inicia<strong>do</strong> um processo envolven<strong>do</strong> um vigário de uma pequena freguesia,<br />

porém de grandes campos e pertencente a uma nova capital provincial <strong>do</strong> Império,<br />

contra uma mora<strong>do</strong>ra local, em 1870, pudemos verificar a atuação de vários<br />

elementos que compunham essa sociedade e que se ligavam através de redes de<br />

relações sociais à diversas esferas de poder. Os debates leva<strong>do</strong>s por Generoso<br />

Marques <strong>do</strong>s Santos, advoga<strong>do</strong> <strong>do</strong> vigário Lourenço Justiniano Ferreira Bello e<br />

Bento Fernandes de Barros, advoga<strong>do</strong> de <strong>do</strong>na Joaquina Vieira de Souza,<br />

transcorrerão to<strong>do</strong>s no ano de 1870, quan<strong>do</strong> o Juiz de Paz <strong>do</strong> município de Curitiba<br />

julgará procedente a acusação <strong>do</strong> vigário Lourenço e condenará a ré a demolir<br />

construção que iniciou no terreno litiga<strong>do</strong> e pagar as custas <strong>do</strong> processo; que<br />

finalizaram em 154$100, em 16 de novembro de 1870.<br />

Talvez a importância <strong>do</strong> terreno litiga<strong>do</strong> esteja em sua localização central<br />

na freguesia de Campo Largo. Cabe lembrar que no próprio processo informa-se<br />

que praticava-se nessa época a posse de terrenos naquela freguesia livremente,<br />

seguin<strong>do</strong> a carta de <strong>do</strong>ação <strong>do</strong> Capitão João Antônio da Costa.<br />

Ao iniciarmos este trabalho verificamos, por intermédio da historiografia<br />

analisada, a existência de <strong>do</strong>is <strong>clero</strong>s no Brasil. Vimos como o Esta<strong>do</strong> Português<br />

havia abarca<strong>do</strong> a antiga Ordem <strong>do</strong>s Templários e que, desde então, o rei português<br />

passou a designar o <strong>clero</strong> de acor<strong>do</strong> com sua iniciativa. A formação <strong>do</strong> sistema de<br />

Padroa<strong>do</strong> no Brasil foi afetada quan<strong>do</strong> em 1822 legitimou-se esse novo Esta<strong>do</strong><br />

independente de Portugal. Em um primeiro momento, a Santa Sé romana não<br />

confirmou a manutenção <strong>do</strong> sistema de Padroa<strong>do</strong> para a nova Monarquia. Apesar<br />

disso, manteve-se no Brasil tal sistema, que foi legitima<strong>do</strong> posteriormente pela Igreja<br />

romana.<br />

Pela mesma época Roma realizava um processo de legitimação de sua<br />

autoridade. Visava combater os chama<strong>do</strong>s “erros modernos”, como a maçonaria. No<br />

Brasil, entretanto, muitos clérigos e integrantes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pertenciam a ordens<br />

combatidas, o que revelava um desalinhamento de integrantes da Igreja no Brasil<br />

74


com a Sé. Esse problema culminou na Questão Religiosa que opôs a Coroa<br />

brasileira a Igreja romana. Passa<strong>do</strong>, porém não resolvi<strong>do</strong>, em sua integridade o mal-<br />

estar desse conflito, via-se, pelo menos, claramente um <strong>clero</strong> com posições<br />

contraditórias: defensores <strong>do</strong> “regalismo” e defensores da “romanização”.<br />

Essa posição e oposição dualista, entretanto, pode não corresponder a<br />

realidade prática. Isso foi verifica<strong>do</strong> com maior clareza quan<strong>do</strong> abordamos os temas<br />

<strong>do</strong> último capítulo. Antes disso, porém, no segun<strong>do</strong> capítulo desse trabalho,<br />

analisamos a questão da terra e essa legislação no Brasil novecentista.<br />

A jurisprudência da terra no Brasil, assim como também a civil, <strong>do</strong> século<br />

XIX, é caracterizada pela manutenção das legislações portuguesas. Os bens da<br />

Igreja, os bens de mão-morta, ficam inaliena<strong>do</strong>s no perío<strong>do</strong>, o que aponta para uma<br />

atitude não agressiva da Coroa frente a Igreja. Essa jurisprudência permanece<br />

mesmo após a Lei de Terras de 1850-1854. Anteriormente, logo após a<br />

Independência, a Coroa brasileira extinguiu as concessões de sesmarias e a prática<br />

<strong>do</strong> morgadio, que já era pouco utiliza<strong>do</strong> no Brasil. Contu<strong>do</strong>, isso não acabou com<br />

tentativas de manter terras indivisas após herança. Para isso, uma das práticas, que<br />

já era utilizada, mesmo antes <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> morgadio, foi a realização de <strong>do</strong>ações de<br />

terras para formação de capelas. Nesse interregno, da Independência a Lei de<br />

Terras, a posse foi a maneira mais usual de adquirir propriedade, o que não foi<br />

encerra<strong>do</strong> com a promulgação da Lei. Nesse capítulo também destacamos que a<br />

grande propriedade não caracterizava apenas a possibilidade de obter altos<br />

rendimentos, mas, ainda, a possibilidade de ascensão e de prestígio social.<br />

No último capítulo partimos das análises de Gilberto Freyre e Sérgio<br />

Buarque de Holanda para percebermos como relações locais, muitas vezes,<br />

interessavam mais a membros <strong>do</strong> <strong>clero</strong> que a disputa entre “regalistas” e<br />

“romaniza<strong>do</strong>res”. Vimos a importância <strong>do</strong>s casamentos e das relações de compadrio<br />

para ascensão social ou manutenção de um padrão eleva<strong>do</strong> de prestígio e proteção.<br />

Percebemos, assim, na figura <strong>do</strong> vigário de Campo Largo, Lourenço Justiniano,<br />

como um clérigo podia estar mais interessa<strong>do</strong> em aumentar sua rede relacional,<br />

através <strong>do</strong> compadrio, a se dedicar a uma das duas causas litigantes; <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e<br />

da Sé. Presente nas esferas eclesiástica e estatal, podemos localiza-lo mais próximo<br />

a sua causa, uma propriedade na freguesia onde gozava de grande prestígio.<br />

75


6. FONTES<br />

Ação Judiciária Interdicto Quode In Aut Dam. Curitiba, 1870. Arquivo Público <strong>do</strong><br />

Paraná, PB045 PI6939 266. 1870. 74 páginas.<br />

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