séc. v - Universidade Federal do Paraná
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ<br />
OTÁVIO LUIZ VIEIRA PINTO<br />
VIR IN CONCUSSIONE GENTIVM NATVS IN MVNDO.<br />
PROPOSIÇÕES ACERCA DO PODER RÉGIO ENTRE ÁTILA E OS HUNOS<br />
(SÉC. V)<br />
CURITIBA<br />
2009
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ<br />
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES<br />
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA<br />
OTÁVIO LUIZ VIEIRA PINTO<br />
VIR IN CONCUSSIONE GENTIVM NATVS IN MVNDO.<br />
PROPOSIÇÕES ACERCA DO PODER RÉGIO ENTRE ÁTILA E OS HUNOS<br />
(SÉC. V)<br />
CURITIBA<br />
2009<br />
Monografia apresentada como requisito para<br />
obtenção <strong>do</strong> diploma de graduação em História,<br />
Departamento de História, Setor de Ciências<br />
Humanas, Letras e Artes, da <strong>Universidade</strong><br />
<strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>.<br />
Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Renan Frighetto
Escu<strong>do</strong>s.<br />
Ao meu avô, que partiu antes da hora para o Salão <strong>do</strong>s<br />
À minha avó, que olha para seu neto de longe.<br />
Á Clio, que me mostrou o caminho.
Agradecimentos<br />
Agradeço à minha mãe, por toda a minha vida;<br />
Agradeço ao meu pai, por ter acredita<strong>do</strong>, ao Alberto, por estar presente, e à minha família –<br />
em toda sua variedade;<br />
Agradeço ao meu orienta<strong>do</strong>r, Professor Doutor Renan Frighetto, por ter si<strong>do</strong>,<br />
verdadeiramente, meu segun<strong>do</strong> pai;<br />
Agradeço à amiga Janira Feliciano Pohlmann, por ser a irmã que nunca tive;<br />
Agradeço à Analu, por tu<strong>do</strong> que tem me mostra<strong>do</strong> e ensina<strong>do</strong>;<br />
Agradeço aos amigos Andrea Dal Pra de Deus, Elaine Cristina Senko, Daniel Augusto<br />
Arpelau Orta, Lukas Grzybowski, Paulo Romanowski e Theo de Borba Moosburger por<br />
serem meus exemplos;<br />
Agradeço aos meus irmãos em armas, Juan, “Viking”, Rayana e Vanessa, por me<br />
mostrarem o valor da amizade;<br />
Agradeço aos amigos que foram, que são, que serão parte da minha vida: Marta, Ro<strong>do</strong>lfo,<br />
Renata, Priscila, Rogério, Daniele, Pérola, Juliana, Lígia, Bianca, Camila, Monah, Diego,<br />
André, Ingrid, Clarissa, Carmem, Ângela, Anna Claudia;<br />
Agradeço à Professora Doutora Fátima Regina Fernandes e à Professora Doutora Marcella<br />
Lopes Guimarães, por toda a ajuda e incentivo dispensa<strong>do</strong>s.<br />
Agradeço ao CNPq, pelo financiamento de minha pesquisa de Iniciação Científica.<br />
Agradeço à <strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>, pelo constante apoio financeiro.
Eu tinha uma bela <strong>do</strong>ença que assombrou minha juventude,<br />
mas muito própria a um historia<strong>do</strong>r. Eu amava a morte. Eu<br />
levava a vida que o mun<strong>do</strong> poderia ter considera<strong>do</strong> enterrada,<br />
não ten<strong>do</strong> nenhuma sociedade a não ser a <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e, por<br />
amigos, os povos sepultos. (...) O <strong>do</strong>m que São Luís pede e<br />
não obtém, eu a tenho: “o <strong>do</strong>m das lágrimas”.<br />
(Jules Michelet, Le Moyen Âge)
Sumário<br />
Introdução ............................................................................................................................ 1<br />
1. Antiguidade Tardia ..................................................................................................... 7<br />
1.1 Roma aos portões <strong>do</strong> quinto <strong>séc</strong>ulo ....................................................................... 7<br />
1.2 Völkerwanderung e a presença germana ............................................................... 8<br />
1.3 A Confederação Huna ......................................................................................... 10<br />
1.4 Átila e Bleda ........................................................................................................ 12<br />
2. Regnum e Imperium................................................................................................... 15<br />
2.1 Regnum e Imperium à luz da Civilização e Barbárie........................................... 15<br />
2.2 Regnum e Imperium durante o <strong>séc</strong>ulo V.............................................................. 17<br />
2.3 Hunos, Regnum e a evidência literária ................................................................ 18<br />
3. Açoite de Deus............................................................................................................ 23<br />
3.1 Prisco de Pânio e a embaixada à corte de Átila................................................... 23<br />
3.2 Átila, rex da quinta centúria ................................................................................ 24<br />
3.3 A Construção de uma coroa: o poder régio de Átila ........................................... 26<br />
Conclusão ........................................................................................................................... 28<br />
Referências Bibliográficas ................................................................................................ 31<br />
Fontes: ............................................................................................................................. 31<br />
Bibliografia consultada:................................................................................................... 32<br />
Anexos................................................................................................................................. 38<br />
Cronologia <strong>do</strong>s hunos:..................................................................................................... 38
Introdução<br />
Enquanto ciência forjada pela interpretação subjetiva <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r, a História<br />
dialoga com paradigmas que, ao certo, estão inseri<strong>do</strong>s no contexto social (e pessoal)<br />
particular daquele que a produz. As percepções de Civilização e Barbárie, neste senti<strong>do</strong>,<br />
são preponderantes numa análise historiográfica: encarnadas nas mais diversas tipologias e<br />
perío<strong>do</strong>s, a dialética destes conceitos representa, grosso mo<strong>do</strong>, uma apreciação pessoal em<br />
oposição à alteridade de outrem. Sob a pena de Clio, portanto, o historia<strong>do</strong>r aponta,<br />
seleciona e delimita aqueles que pertencem à esfera <strong>do</strong> humano, <strong>do</strong> civiliza<strong>do</strong>, <strong>do</strong> legitimo<br />
e aqueles que pertencem à esfera <strong>do</strong> inumano, <strong>do</strong> bárbaro, <strong>do</strong> bestializa<strong>do</strong>. Ainda que<br />
possua encarnações lexicalmente variadas (moderno/primitivo, ocidental/oriental,<br />
desenvolvi<strong>do</strong>/subdesenvolvi<strong>do</strong>), o espírito conceitual de Civilização e Barbárie é o olhar<br />
primeiro da História que busca entender a si mesma a partir da auto-definição e da<br />
conseqüente exclusão e forja de uma alteridade pejorativa. É lente que, na constante lida<br />
intelectual, passa despercebida pelo erudito enquanto move a batuta principal de seu<br />
trabalho. 1<br />
Talvez não haja paradigma mais emblemático para esta percepção dualista <strong>do</strong> que o<br />
Império Romano. Em sua grandiosidade, Roma, ao que consideram a <strong>do</strong>cumentação e a<br />
historiografia, instaurava um círculo de civilidade e cultura para si e para aqueles que<br />
absorviam suas tradições e influências. O mun<strong>do</strong> romano (ou ainda, greco-latino) dá<br />
materialidade ao que se considera civiliza<strong>do</strong> e legitimo; seus limites são os limites da<br />
própria civilização. Desde Edward Gibbon 2 – cuja voz ecoa, em certa medida, até a<br />
historiografia hodierna 3 – o “declínio e queda” <strong>do</strong> Império representa o declínio e queda<br />
<strong>do</strong> próprio homem cultiva<strong>do</strong>, diante da assusta<strong>do</strong>ra sombra <strong>do</strong> estrangeiro, <strong>do</strong> invasor, <strong>do</strong><br />
1<br />
Reinhart Koselleck denomina este contraste conceitual como “conceitos antitéticos assimétricos”. Para ele,<br />
“o movimento histórico sempre se realiza em zonas de delimitação mútua das unidades de ação, que também<br />
se articulam conceitualmente. [...] No mun<strong>do</strong> da história, quase sempre se trabalha com conceitos<br />
assimétricos e desigualmente contrários”. O que o autor aponta, dessa forma, é que deve-se questionar a<br />
construção excludente e taxativa <strong>do</strong>s “conceitos antitéticos assimétricos”, de forma a que se estabeleça uma<br />
historiografia preocupada e atenta a sua semântica conceitual. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passa<strong>do</strong>:<br />
contribuição à semântica <strong>do</strong>s tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC Rio, 2006, p. 193.<br />
2<br />
Cf. GIBBON, Edward. The Decline and Fall of the Roman Empire. III vol. Nova York: Modern Library,<br />
1977.<br />
3<br />
Por um la<strong>do</strong>, Ginzburg nota a dificuldade de dissociarmo-nos <strong>do</strong> pensamento de Gibbon por este ser um <strong>do</strong>s<br />
pilares da historiografia moderna, unin<strong>do</strong> a “história filosófica” à La Voltaire e o estilo de pesquisa <strong>do</strong><br />
Antiquário (GINZBURG, Carlo. Relações de Força: História, Retórica, Prova. São Paulo: Companhia das<br />
Letras, 2002, p. 59); por outro, vemos na historiografia especializada trabalhos que, dentro de suas próprias<br />
críticas e especificidades, aproveitam a perspectiva de Gibbon para elaborar suas próprias teorias, cf. WARD-<br />
PERKINS, Bryan. The Fall of Rome and the End of Civilization. Oxford: Oxford Univ. Press, 2006;<br />
GOLDSWORTHY, Adrian K.. The Fall of the West: the Death of the Roman Superpower. Londres: W&N,<br />
2009.<br />
1
árbaro. Quer o contraste romano/estrangeiro ganhe feições positivas 4 ou negativas 5 , o<br />
fato é que a clara ruptura imposta pela historiografia no que se convenciona o fim <strong>do</strong><br />
Mun<strong>do</strong> Antigo e o início da Idade Média está imbuída de identidade e alteridade, de<br />
percepções variadas de um mesmo ponto: a Civilização e a Barbárie.<br />
Tal é o acorde para as narrativas acerca das “invasões bárbaras”: as monarquias<br />
romano-germanas, subsequentes à deposição de Rômulo Augustulo no ocidente, na quinta<br />
centúria de nossa era, são vistas como o trunfo <strong>do</strong> barbarismo, o moto inicial para uma<br />
época de trevas e obscurantismo medieval. O retorno ao universo civiliza<strong>do</strong> viria com a<br />
iluminação <strong>do</strong> Renascimento e o despertar de uma latente cultura greco-latina 6 . Ainda que<br />
o engessamento desta posição tenha si<strong>do</strong> flexibiliza<strong>do</strong> já no início <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo XX 7 , o debate<br />
epistemológico acerca <strong>do</strong>s reinos “bárbaros” ainda é controverso. É na tentativa de<br />
adentrar tal discussão e propor novos panoramas interpretativos que se inserem os<br />
objetivos primevos desta monografia.<br />
Nossa proposta, em primeiro lugar, posiciona-se em consonância com perspectivas<br />
historiográficas que visam romper com o paradigma <strong>do</strong> declínio e, por conseguinte,<br />
problematizar a aceitação, imposição, delimitação e resulta<strong>do</strong>s das perspectivas de<br />
Civilização e Barbárie. Para tal, utilizamo-nos de um conceito temporal que busca apontar<br />
as continuidades e transformações ocorridas entre o perío<strong>do</strong> romano e o medievo ocidental<br />
em detrimento das implicações epistemológicas da queda e ruptura brusca: a Antiguidade<br />
Tardia. Proposto inicialmente por historia<strong>do</strong>res alemães, ainda no <strong>séc</strong>ulo XIX, o termo<br />
ganhou força entre expoentes como Jacob Burckhardt 8 e Alois Riegl 9 , que viam na arte e<br />
na cultura <strong>do</strong>s <strong>séc</strong>ulos finais <strong>do</strong> Império Romano uma ruptura com os padrões clássicos e,<br />
4 Lucien Febvre nota, a partir de Marc Bloch, que foi a necessidade da queda de Roma a mãe de uma Europa<br />
tal qual se configura culturalmente durante o Medievo e prossegue pelos <strong>séc</strong>ulos até os dias <strong>do</strong> autor.<br />
FEBVRE, Lucien. A Europa: Gênese de uma Civilização. Bauru: EDUSC, 2004, p. 85.<br />
5 Alguns autores, como Macmullen e Goldsworthy apontam a decadência <strong>do</strong>s costumes e a corrupção <strong>do</strong><br />
governo como um <strong>do</strong>s elementos destaca<strong>do</strong>s da queda romana – inclusive, traçan<strong>do</strong> paralelos com nossos<br />
tempos. Dessa forma, fica evidente que a perspectiva <strong>do</strong> “fim da Civilização” é um elemento negativo que<br />
deve ser absorvi<strong>do</strong> em nossa contemporaneidade como uma espécie de “lição social”, cf. MACMULLEN,<br />
Ramsay. Corruption and the Decline of Rome. Yale: Yale Univ. Press, 1990; GOLDSWORHTY, op. cit.<br />
6 A própria idéia epistemológica de um “Renascimento”, ou seja, uma transformação nas faculdades<br />
(artísticas, culturais e civilizacionais) <strong>do</strong> homem toma forma, no <strong>séc</strong>ulo XIX, com o mais famoso trabalho de<br />
Buckhardt, cf. BUCKHARDT, Jacob. A Cultura <strong>do</strong> Renascimento na Itália. São Paulo: Companhia das<br />
Letras, 2003.<br />
7 Os clássicos trabalhos <strong>do</strong> medievalista Marc Bloch apontaram caminhos para questionar a noção de<br />
barbarismo e “idade das trevas” para os <strong>séc</strong>ulos <strong>do</strong> medievo. Em especial, destacamos a fundamental obra de<br />
1924, Os Reis Taumaturgos, cf. BLOCH, Marc. Os Reis Taumaturgos. São Paulo: Companhia das Letras,<br />
2005.<br />
8 BURCKHARDT, Jacob. Die Zeit Constantins des Großen. Leipzig : E.A. Seemann, 1880.<br />
9 RIEGL, Alois. Die spätrömische kunst-Industrie nach den Funden in Österreich-Ungarn im<br />
zusammenhange mit der Gesammtentwicklung der bildenden Künste bei den Mittelmeervölkern. Viena: K. K.<br />
Hof- und Staats-druckerei, 1901.<br />
2
ao mesmo tempo, uma prematuridade em relação aos modelos medievais. Assim, o<br />
conceito de Spätantike surge para suprir a carência explicativa desta lacuna temporal. Já na<br />
segunda metade <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo XX, Peter Brown lança as bases definitivas de uma nova<br />
periodização, com a adaptação <strong>do</strong> conceito alemão para o inglês Late Antiquity 10 : para o<br />
historia<strong>do</strong>r irlandês, a Antiguidade Tardia (Late Antiquity ou Spätantike) representa<br />
justamente este perío<strong>do</strong> que não é caracteriza<strong>do</strong> nem pela Antiguidade nem pelo Medievo,<br />
mas possui uma tipologia própria, gestan<strong>do</strong> então uma sociedade que deveria ser<br />
compreendida em suas peculiaridades.<br />
Com o crescimento deste nicho da historiografia, mais e mais debates teóricos<br />
acerca da periodização tem surgi<strong>do</strong>, e nossa pesquisa, na medida em que se insere neste<br />
espaço, deve dialogar com tais discussões. Arnal<strong>do</strong> Marcone 11 , Edward James 12 e Clifford<br />
An<strong>do</strong> 13 são alguns <strong>do</strong>s autores que, recentemente, questionaram a validade da ampla e<br />
geral aplicação <strong>do</strong> conceito, olhan<strong>do</strong> com desconfiança para a perspectiva de<br />
transformação e continuidade que a idéia de Antiguidade Tardia tem trazi<strong>do</strong> – para James,<br />
a naturalização destes aspectos tem cria<strong>do</strong> uma distorção interpretativa que tende a<br />
eliminar os conflitos, declínios e rupturas como conceitos váli<strong>do</strong>s para a historiografia<br />
especializada, num pensamento que coaduna com aquele exposto por Bryan Ward-Perkins<br />
14 quan<strong>do</strong> este salienta a perspectiva de uma decadência com o fim <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> romano.<br />
Pode-se apreender, deste debate, que a idéia de uma Antiguidade Tardia – ou seja,<br />
de um perío<strong>do</strong> que apresenta características próprias, continuan<strong>do</strong>, transforman<strong>do</strong>,<br />
reaproprian<strong>do</strong> e interagin<strong>do</strong> elementos, essencialmente, de tradição romana, germana e<br />
cristã – pode ser analisada a partir de diversos prismas, sempre ten<strong>do</strong> como foco a<br />
especificidade <strong>do</strong> objeto estuda<strong>do</strong>. Em nosso caso, tomamos como norte orienta<strong>do</strong>r as<br />
proposições de Renan Frighetto, que apontam para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> mediterrânico<br />
Tar<strong>do</strong> Antigo no plano político e institucional 15 .<br />
10 BROWN, Peter. The World of Late Antiquity: from Marcus Aurelius to Muhammed. Londres: Thames &<br />
Hudson, 1971. Uma nova edição, revisada e com comentários extras foi lançada em 1993.<br />
11 MARCONE, Arnal<strong>do</strong>. A Long Late Antiquity? Considerations on a Controversial Periodization. In:<br />
Journal of Late Antiquity. Baltimore: The John Hopkins University Press, vol.1, no. 1, 2008, pp. 4 – 19.<br />
12 JAMES, Edward. The Rise and Function of the Concept “Late Antiquity”. In: Journal of Late Antiquity.<br />
Baltimore: The John Hopkins University Press, vol.1, no. 1, 2008, pp. 20 – 30.<br />
13 ANDO, Clifford. Decline, Fall, and Transformation. In: Journal of Late Antiquity. Baltimore: The John<br />
Hopkins University Press, vol.1, no. 1, 2008, pp. 31 – 60.<br />
14 Ward-Perkins, no decorrer de sua obra como um to<strong>do</strong>, aponta de fato o fim de uma civilização <strong>do</strong> ponto de<br />
vista material, urbano, arqueológico. Defende que 476 marca a ruptura com um estilo de vida tipicamente<br />
civiliza<strong>do</strong> e a consequente ascensão de uma sociedade mais rústica e bárbara, cf. WARD-PERKINS, Bryan.<br />
Op. cit, pp. 87 – 138.<br />
15 Entre outras obras, citamos FRIGHETTO, Renan. Cultura e Poder na Antiguidade Tardia Ocidental.<br />
Curitiba: Juruá, 2000.<br />
3
Um segun<strong>do</strong> conceito primordial para nossa pesquisa monográfica diz respeito à<br />
Etnogênese. A partir de autores como Reinhardt Wenskus 16 , Herwig Wolfram 17 , Walter<br />
Pohl 18 e Peter Hoppenbrouwers 19 , utilizamo-nos desta perspectiva meto<strong>do</strong>lógica como<br />
pilar para a compreensão de definições étnicas, como ostrogo<strong>do</strong>s, lombar<strong>do</strong>s ou francos. A<br />
etnogênese, enquanto pressuposto que apregoa o estu<strong>do</strong> de um grupo a partir de seus<br />
próprios parâmetros, permite que compreendamos como, na Antiguidade Tardia, os<br />
diversos regna gestaram uma percepção política e social baseada no pertencimento a<br />
determina<strong>do</strong> círculo 20 e, por conseguinte, construíram padrões de identidade específicos.<br />
A idéia de etnogênese, de caráter relativamente recente, ganha força com a<br />
chamada Escola Vienense de Antiguidade Tardia: idéia gestada primeiramente entre os<br />
pensa<strong>do</strong>res da antropologia 21 , ela traça ferramentas meto<strong>do</strong>lógicas para que se compreenda<br />
a formação da identidade de um grupo sem que, para isso recorra-se ao fator biológico.<br />
Dessa forma, o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s povos durante as migrações <strong>do</strong>s <strong>séc</strong>ulos III e IV sob o prisma da<br />
etnogênese permite que o historia<strong>do</strong>r rompa com os pouco precisos limites raciais –<br />
evitan<strong>do</strong> assim cair na infrutífera tarefa de definir, biologicamente, o que separa um hérulo,<br />
um burgúndio ou um go<strong>do</strong> – e encare a definição e o entendimento de um grupo a partir de<br />
matizes culturais e teóricos, de forma que a tradição e o auto-conhecimento gesta<strong>do</strong><br />
internamente sejam os caminhos para a compreensão <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.<br />
16<br />
WENSKUS, Reinhardt. Stammesbildung und Verfassung: Das Werden der frühmittelalterlichen gentes.<br />
Ndr. Stuttgart 1977.<br />
17<br />
WOLFRAM. Herwig. Die Goten: Von den Anfängen bis zur Mitte des sechsten Jahrhunderts. Munique:<br />
Beck, 2001.<br />
18<br />
POHL, Walter. “Conceptions of Ethnicity in Early Medieval Studies”. In: Debating the Middle Ages:<br />
Issues and Readings. Edita<strong>do</strong> por Lester K. Little and Barbara H. Rosenwein. Oxford: Blackwell Publishers,<br />
1998.<br />
19<br />
HOPPENBROUWERS, Peter. “Such Stuff as People are Made on: Ethnogenesis and the Construction of<br />
Natiohood in Medieval Europe”, in: The Medieval History Journal. Londres: Sage Publications, v.9, n.2.<br />
2006.<br />
20<br />
A idéia de um selbsverständigungprozess, ou seja, um processo de auto entendimento, como exposta por<br />
Hoppenbrouwers, significa uma dialética entre a noção <strong>do</strong> que pertence a determina<strong>do</strong> grupo e o que lhe faz<br />
oposição. Assim, a diferença entre ostrogo<strong>do</strong>s e visigo<strong>do</strong>s, por exemplo, dá-se muito mais como uma<br />
construção ideológica visan<strong>do</strong> à sensação de pertença a determina<strong>do</strong> circulo <strong>do</strong> que, propriamente, como uma<br />
estática e certa distinção étnica. In: Idem, p. 196.<br />
21<br />
Mais especificamente, o termo surge enquanto um neologismo empresta<strong>do</strong> de trabalhos antropológicos<br />
cujo objeto de pesquisa envolve a etnicidade. Sua utilização específica nos <strong>do</strong>mínios historiográficos surge<br />
com Reinhard Wenskus e a idéia <strong>do</strong> Traditionskerne (núcleo de tradição): para Wenskus, a definição de<br />
grupo e os elementos de tradição entre os primeiros germanos surgem de um núcleo delimita<strong>do</strong> de<br />
aristocratas guerreiros (cf. WENSKUS, Reinhardt., Op. Cit.). A partir de Wenskus, Herwig Wolfram funda<br />
uma sólida meto<strong>do</strong>logia de pesquisa ao re<strong>do</strong>r da idéia de etnogênese (WOLFRAM, Herwig. Op. cit.). Entre<br />
importantes pensa<strong>do</strong>res da idéia de etnogênese, citamos GALK, Andreas. Ethnogenese und Kulturwandel –<br />
Der Versuch einer Begriffsklärung. Munique: Grin, 2008; FRIESINGER, Herwig; POHL, Walter;<br />
WOLFRAM, Herwig (org.). Typen der Ethnogenese unter besonderer Berücksichtung der Bayern. 2 Vol.<br />
Viena: VÖAM, 1990.<br />
4
Num senti<strong>do</strong> mais geral, nossa monografia é orientada por uma análise filológico-<br />
histórica de análise das fontes, com atenção especial para os conceitos e terminologias<br />
apresentadas no <strong>do</strong>cumento primário (em sua língua original), procuran<strong>do</strong> assim evitar o<br />
perigo <strong>do</strong> anacronismo na interpretação das idéias e das percepções apreendidas. Assim,<br />
buscamos definir, a partir <strong>do</strong>s termos da própria fonte, idéias como rex, regnum, gens,<br />
imperium, entre outros.<br />
Por certo, a consciência <strong>do</strong>s pressupostos teórico-meto<strong>do</strong>lógicos da pesquisa<br />
permite-nos definir com clareza a delimitação de nosso objeto bem como sua pertinência.<br />
Dessa forma, a perspectiva de Antiguidade Tardia, bem como a ferramenta da etnogênese e<br />
a análise filológico-histórica permearam e deram a base para que possamos compreender,<br />
dentro de um debate epistemológico, como se define e se matura a idéia de poder régio<br />
dentro <strong>do</strong> universo das monarquias romano-germanas. Nossa análise centrou-se, contu<strong>do</strong>,<br />
não na formação de uma realeza germana, mas sim na presença de um grupo asiático nesta<br />
realidade: os hunos. Acreditamos que este foco de pesquisa pode auxiliar no entendimento<br />
deste povo pouco credita<strong>do</strong> em estu<strong>do</strong>s mais críticos e, por conseguinte, notar a<br />
importância destes na forja desta realidade monárquica – a partir, novamente, de uma<br />
perspectiva de etnogênese em relação a estes bem como aos germanos submeti<strong>do</strong>s ao<br />
poder huno.<br />
Enquanto proposição que visa novas leituras e compreensões da Antiguidade<br />
Tardia, nossa pesquisa ancora-se eminentemente na análise e na investigação de<br />
<strong>do</strong>cumentação primária. Para melhor apreciação, selecionamos as edições que trouxessem<br />
transcrições <strong>do</strong> texto original latino ou grego – quan<strong>do</strong> não foi possível, optamos por<br />
trabalhar com traduções conceituadas, como as da Editorial Gre<strong>do</strong>s, Penguin Classics ou<br />
Loeb Classics.<br />
Dentre uma grande gama de autores e obras, nosso foco primordial recai sobre o<br />
lega<strong>do</strong> imperial Bizantino <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V, Prisco de Pânio, responsável por nos deixar a única<br />
evidência escrita de um encontro com Átila – o autor grego relata a visita de uma<br />
embaixada romano-bizantina à corte <strong>do</strong> rei huno. Apesar de fragmentada, a obra contém<br />
grande riqueza de detalhes e informações preciosas para os estudiosos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, poden<strong>do</strong><br />
ser matéria-prima para uma nova análise política, social e cultural das relações entre<br />
grupos no <strong>séc</strong>ulo V. Para tal, utilizamo-nos da edição Le Monnier, em italiano, com<br />
transcrição <strong>do</strong> original em grego e tradução e introdução crítica de Fritz Bornmann. Os<br />
manuscritos utiliza<strong>do</strong>s nesta edição incluem todas as versões da Excerpta de legationibus<br />
5
de Constantino VII Porfirogênito e, em especial os códices Parigino 607 suppl. e<br />
Cantabrigiensis Coll. SS. Trin. O. 3.23, encontra<strong>do</strong> e descrito pelo historia<strong>do</strong>r esloveno<br />
<strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo XIX, M. Krašeninnikov.<br />
O objetivo e objeto desta monografia, portanto, são os de esmiuçar e compreender<br />
como se configura, define e gesta o poder monárquico entre os hunos (em especial num<br />
perío<strong>do</strong> que compreende as duas mais poderosas gerações: Rugilas e, principalmente, Átila<br />
– na primeira metade <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V) e em que medida isso apresenta um impacto mais geral<br />
entre as próprias definições políticas <strong>do</strong>s germanos. Percebemos que o contato entre hunos<br />
e germanos dentro de um universo romano gestou as noções políticas <strong>do</strong>s primeiros, de<br />
forma a que a dinâmica e a interação <strong>do</strong>s elementos culturais e sociais dão o caráter de<br />
efervescência política da Antiguidade Tardia.<br />
Tal esforço justifica-se enquanto produção intelectual uma vez que, além de<br />
problematizar as percepções temporais tradicionais com a inserção debatida <strong>do</strong> conceito de<br />
Antiguidade Tardia, também analise o pensamento político <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> ten<strong>do</strong> em vista a<br />
idéia de Civilização e Barbárie dentro <strong>do</strong> contexto específico mas, principalmente, como<br />
sua importação para o olhar <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r moderno implicou em visões negativas de<br />
ferocidade, ruptura e declínio. Procuramos, portanto, dar voz a estes aspectos e, sem dar<br />
maior atenção ao estereótipo sombrio que cerca o “açoite de Deus”, compreender como os<br />
hunos e seus povos submeti<strong>do</strong>s podem sim sair <strong>do</strong> campo da barbárie para adentrar o<br />
intrinca<strong>do</strong> campo da teoria política e da história crítica e problematiza<strong>do</strong>ra.<br />
6
1. Antiguidade Tardia<br />
1.1 Roma aos portões <strong>do</strong> quinto <strong>séc</strong>ulo<br />
A morte <strong>do</strong> <strong>do</strong>minus 22 Teodósio I em 395 marca uma conhecida inflexão na<br />
realidade política romana: a divisão <strong>do</strong>s territórios imperiais entre a pars orientalis e a pars<br />
occidentalis, cada uma sob tutela de um de seus filhos – Arcádio e Honório,<br />
respectivamente. Como aponta C. D. Gor<strong>do</strong>n, Teodósio I encarna o último momento em<br />
que a administração <strong>do</strong> Império, tal qual legada por Augusto, reside sob uma única insígnia<br />
romana 23 . Ainda que a partir de Arcádio e Honório o imperium romanorum represente, em<br />
teoria, uma única oikumene, a prática nos mostra duas atividades políticas distintas em<br />
sedes gêmeas – Roma e Constantinopla. Aos portões <strong>do</strong> quinto <strong>séc</strong>ulo, portanto, a gloriosa<br />
Roma apresenta-se como um duplo Império, com realidades irmãs mas distintas, cada uma<br />
com seu Augusto e com suas próprias vicissitudes.<br />
A divisão imperial é um elemento contextual de cabal importância. Discute-se,<br />
numa historiografia preocupada com a “queda” de Roma, este elemento como um <strong>do</strong>s<br />
golpes mortais desferi<strong>do</strong>s contra o cetro <strong>do</strong> poder 24 : a divisão oficial permitiu que cada<br />
uma das partis preocupasse-se com seus próprios problemas e, em maior ou menor<br />
medida, tornasse as costas para sua contraparte. Destarte, após a mão pesada de Teodósio e<br />
virtualmente órfã <strong>do</strong>s olhos de Constantinopla, a pars occidentalis enfrentou em seu seio<br />
um número de sérias questões políticas, como usurpações, fraquezas administrativas,<br />
inaptidões funcionariais 25 e a Völkerwanderung 26 , ou seja, a grande movimentação e<br />
migração de povos.<br />
A questão das movimentações nos é de especial interesse: não apenas apresenta um<br />
<strong>do</strong>s passos derradeiros da Antiguidade Tardia em direção à composição de uma sociedade<br />
22<br />
Designação comum aos impera<strong>do</strong>res romanos desde Diocleciano, em finais <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo III, quan<strong>do</strong> se<br />
instaura o chama<strong>do</strong> regime de <strong>do</strong>minatus.<br />
23<br />
GORDON, C. D.. The Age of Attila: Fifth-Century Byzantium and the Barbarians. Michigan: Univ. of<br />
Michigan Press, 1972, p. 1.<br />
24<br />
Há uma extensa historiografia que discute quais foram as causas da “queda” de Roma. Entre os<br />
historia<strong>do</strong>res preocupa<strong>do</strong>s com essas possíveis causas, citamos O’DONNELL, James J.. The Ruin of the<br />
Roman Empire: a New History. Nova Iorque: Harper Collins, 2008, além <strong>do</strong>s já menciona<strong>do</strong>s Gibbon, Ward-<br />
Perkins, Macmullen e Goldsworthy. Destacamos aqui o trabalho de C. D. Gor<strong>do</strong>n como um <strong>do</strong>s que aponta a<br />
divisão de Teodósio como principal causa <strong>do</strong>s problemas na pars occidentalis <strong>do</strong> império romano.<br />
25<br />
GORDON, C. D., op. cit., pp. 2 – 7.<br />
26<br />
Um detalha<strong>do</strong> e importante estu<strong>do</strong> acerca <strong>do</strong> tema é o de Walter Pohl. Cf. POHL, Walter. Die<br />
Völkerwanderung: Eroberung und Integration. Stuttgart/Berlim/Colônia: Kohlhammer, 2002.<br />
7
medieval 27 , como se insere num debate historiográfico que a considera um <strong>do</strong>s elementos<br />
mais evidentes da barbárie e da decadência da civilização 28 . O constante, paulatino e<br />
crescente ingresso de grupos estrangeiros, política e territorialmente, na realidade romana,<br />
desencadeia e acompanha processos cabais para nossa análise. A partir <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo IV, em<br />
especial, formam-se embriões de reinos próprios, o território passa a ser ocupa<strong>do</strong><br />
efetivamente por grupos diversos, a atividade política passa a transitar entre o cetro<br />
imperial e a coroa régia <strong>do</strong> germano. Acontece, de maneira acentuada e irreversível, o<br />
distanciamento e a diferenciação de matizes entre a pars occidentalis e a pars orientalis:<br />
nosso foco – o segmento ocidental – é marca<strong>do</strong>, em especial, portanto, pela fragmentação<br />
<strong>do</strong> poder e pelo surgimento de novos atores políticos, como veremos a seguir.<br />
1.2 Völkerwanderung e a presença germana<br />
Ainda que o contato entre greco-latinos e povos de procedências diversas remeta<br />
desde Heró<strong>do</strong>to até Marco Aurélio 29 , é com a derrota de Valente na batalha de<br />
Hadrianópolis, em 378, que o elemento estrangeiro passa a exercer papel central na lida<br />
política <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> 30 . Ainda sobre o man<strong>do</strong> de Trajano, grupos extra-limites ganham<br />
atenção especial, quan<strong>do</strong> Tácito os demarca sob sua pena em sua famosa obra, Germania<br />
31 . Notava-se, já durante a segunda centúria, como o estrangeiro – aqui categoriza<strong>do</strong> sob a<br />
generalizante designação de “germano” 32 – apresentava-se de forma cada vez mais<br />
preponderante na realidade considerada civilizada. Neste momento, porém, a presença<br />
27<br />
Muitos trabalhos, desde pelo menos a década de 1970, lidam especialmente com essa questão. Como<br />
leitura geral, destacamos DREW, Katherine Fischer (Edit.). The Barbarian Invasions: Catalyst of a New<br />
Order. Nova Iorque: Robert E. Krieger Publishing Co., 1977; WALLACE-HADRILL, J. M.. The Barbarian<br />
West: The early middle ages, AD 400-1000. Nova Iorque: Harper Torchbooks, 1962; CAMERON, Averil.<br />
The Mediterranean World in Late Antiquity. Londres; Nova Iorque: Routledge, 2001. Ainda que boa parte da<br />
historiografia seja européia e esteja preocupada em localizar a gênese identitária de seu continente, ainda se<br />
coloca de forma crítica e aponta as especificidades e as transformações ocorridas ao longo da Antiguidade<br />
Tardia.<br />
28<br />
Em especial a obra basilar MUSSET, Lucien. The Germanic Invasions: The making of Europe, 400-600<br />
A.D.. Nova Iorque: Barnes & Nobles Books, 1975. Ver também HAYES, Carlton Huntley. An introduction<br />
to the sources relating to the Germanic invasions. Nova Iorque: Columbia University Press, 1909.<br />
29<br />
Heró<strong>do</strong>to, em sua obra, relata o contato <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> grego com os “bárbaros” persas, crian<strong>do</strong> arquétipos de<br />
contato que perduram até o enfrentamento de Marco Aurélio com os partos, quan<strong>do</strong> a imagem <strong>do</strong> bárbaro<br />
germano passa a suplantar a <strong>do</strong> bárbaro cita (que será topos retórico, porém, com os hunos, como veremos no<br />
capítulo 2).<br />
30<br />
WOLFRAM, Herwig. Die Goten..., op. cit., pp. 126 – 128.<br />
31<br />
Tac. Germania. Para referência completa desta e das outras fontes que serão citadas nesta monografia, ver<br />
Referências Bibliográficas.<br />
32<br />
Para a definição de “germano”, além <strong>do</strong>s já cita<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre etnogênese, nossa referência principal<br />
vem <strong>do</strong>s trabalhos de Walter Pohl. Cf. POHL, Walter. Die Germanen. Munique: Oldenbourg, 2004.<br />
8
destes grupos era conhecida, e eles orbitavam o barbaricum com relativa distância <strong>do</strong><br />
núcleo de poder efetivamente romano.<br />
Dois <strong>séc</strong>ulos mais tarde, a situação passa a ganhar dimensão mais notável. Como já<br />
dito, em 378, Valente mostra-se mal sucedi<strong>do</strong> num enfrentamento bélico direto com os<br />
go<strong>do</strong>s na província da Trácia. Sua derrota marca formalmente a entrada de grupos<br />
estrangeiros na realidade política <strong>do</strong> império, primeiro com trata<strong>do</strong>s diplomáticos e,<br />
posteriormente, com efetiva presença de personagens germanos inseri<strong>do</strong>s na administração<br />
romana 33 .<br />
Além da influencia direta na administração, grupos passam a buscar organização e<br />
inserção geográfica dentro <strong>do</strong>s limites romanos. Durante o <strong>séc</strong>ulo V, o ocidente Tar<strong>do</strong><br />
Antigo testemunha a paulatina formação de regna, com destaque para o franco, o visigo<strong>do</strong><br />
e o burgúndio 34 . Dessa forma, se nota que uma das características principais da pars<br />
occidentalis é a gradativa divisão e fragmentação <strong>do</strong> centro de poder em pequenos núcleos<br />
regionais, acentua<strong>do</strong>s pelo man<strong>do</strong> exerci<strong>do</strong> por líderes estrangeiros.<br />
Ao certo que, na prática, a convivência não é tão natural nem livre de conflitos<br />
como pode fazer parecer a historiografia. Durante o <strong>séc</strong>ulo III e na metade <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo IV,<br />
movimentos intitula<strong>do</strong>s bagaudae eclodem na região da Hispania e da Galia: revoltas<br />
sociais e camponesas, os bagaudae eram, grosso mo<strong>do</strong>, formas de contestação e de<br />
legitimação acerca da administração e <strong>do</strong> poder 35 . Nota-se, portanto, a crescente<br />
instabilidade política que, buliçosa, gira ao re<strong>do</strong>r de germanos e romanos.<br />
33 Referimo-nos, aqui, em especial ao estrangeiro vândalo Estilicão, que exerceu poder efetivo, enquanto<br />
Magister Militum, desafian<strong>do</strong> figuras preponderantes como Rufino. Estilicão, ao fim ao cabo, casou-se<br />
inclusive com Serena, sobrinha <strong>do</strong> próprio impera<strong>do</strong>r Teodósio I. Cf. GORDON, C. D., op. cit., p. 25.<br />
34 A monumental narrativa da formação <strong>do</strong>s reinos germanos não cabe em nosso espaço nem é nosso foco.<br />
Para aprofundamento na questão franca, cf. SILVA, Marcelo Cândi<strong>do</strong> da. A Realeza Cristã na Alta Idade<br />
Média. São Paulo: Alameda, 2008; para os visigo<strong>do</strong>s, cf. DIAZ MARTINEZ, Pablo C. & MARTINEZ<br />
MAZA, Clélia. Hispania: Tar<strong>do</strong>antigua y Visigoda. Madri: Istmo, 2007; SHANZER, Danuta & WOOD, Ian.<br />
Avitus of Vienne: Letters and Selected Prose. Translated with an Introduction and Notes. Liverpool:<br />
Liverpool Univ. Press, 2002.<br />
35 SANCHÉZ LEÓN, Juan Carlos. Los Bagaudas: Rebeldes, Demonios, Martires. Jaén: Univ. de Jaén, 1996,<br />
pp. 20 – 40.<br />
9
1.3 A Confederação Huna<br />
É dentro deste contexto de unificação e busca por legitimação régia que os hunos<br />
iniciam suas incursões mais sérias dentro <strong>do</strong>s limites romanos 36 . Já na segunda metade <strong>do</strong><br />
<strong>séc</strong>ulo IV, Amiano Marcelino nota o influxo e a movimentação constante deste grupo<br />
asiático:<br />
Porém, a semente e a origem de toda a ruína [...] nós descobrimos ser esta. O povo<br />
<strong>do</strong>s Hunos, mas pouco se sabe <strong>do</strong>s relatos antigos; viven<strong>do</strong> além <strong>do</strong> mar da<br />
Meótica, próximo ao oceano de gelo, excedem to<strong>do</strong>s os graus de selvageria. [...]<br />
não se submetem a qualquer man<strong>do</strong> real, mas são contentes com o governo<br />
desordena<strong>do</strong> de seus homens importantes, e guia<strong>do</strong>s por eles, forçam seu caminho<br />
através de qualquer obstáculo. 37<br />
Como nota Mänchen-Helfen, as informações factuais acerca <strong>do</strong>s hunos em finais da<br />
quarta centúria são dúbias e escassas 38 . Relações inacessíveis entre alanos, ostrogo<strong>do</strong>s e<br />
hunos são desenhadas por autores como o já cita<strong>do</strong> Amiano Marcelino e Ambrósio de<br />
Milão 39 . O que nos interessa retirar deste momento, porém, é que estes imbricamentos<br />
diplomáticos irão culminar com um certo Uldin, em 395, e as primeiras tentativas de se<br />
forjar uma “Confederação” 40 entre os hunos 41 . É importante notar que é justo após a<br />
morte de Teodósio e a efetiva repartição de poder imperial que grupos estrangeiros passam<br />
a adquirir maior controle e legitimidade no ocidente, e tal fato aplica-se também a estes<br />
36 Não será nosso objetivo, aqui, buscar uma história que explica a gênese <strong>do</strong>s hunos e sua tipologia social<br />
enquanto nômades das estepes eurasiáticas. Nosso ponto de partida será, como veremos, já suas incursões em<br />
solo romano sob o coman<strong>do</strong> de Uldin. Apesar de nossa reserva, dispusemo-nos de espaço no segun<strong>do</strong><br />
capítulo para, brevemente, explanar sobre os Hsiung-nu, possíveis ascendentes <strong>do</strong>s hunos na China. Essa<br />
informação, porém, serve apenas ao nosso propósito de estabelecer uma conformatação política mais<br />
complexa para os hunos, e não é nosso intento adentrar o debate acerca das origens e da história <strong>do</strong>s hunos<br />
antes <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo IV neste momento. Para detalhes (eminentemente arqueológicos), cf. KOCH, Alexander<br />
(org.). Attila und die Hunnen: herausgegeben vom Historischen Museum der Pfalz Speyer. Theiss: Stuttgart,<br />
2007.<br />
37 “totius autem sementem exitii et cladum originem diuersarum [...] hanc comperimus causam. Hunorum<br />
gens monumentis ueteribus leuiter nota, ultra paludes Maeoticas glacialem oceanum accolens, omnem<br />
modum feritatis excedit. [...] aguntur autem nulla seueritate regali, sed tumultuário primatum ductu contenti,<br />
perrumpunt quicquid inciderit.”. Amm. Marc. Res Gestae, XXXI, II 1 & 7. Tradução livre.<br />
38 MÄNCHEN-HELFEN, Otto J. The World of the Huns: Studies in their History and Culture. Berkeley:<br />
University of California Press, 1973, pp 20 – 27.<br />
39 Idem, ibid.<br />
40 Por “Confederação”, entendemos o típico agrupamento de tribos nômades sob uma liderança mais coesa e<br />
centralizada, como o khanato posterior. Segun<strong>do</strong> Grousset, a idéia de um povo “Confedera<strong>do</strong>” é recorrente<br />
entre grupos mongóis. Cf. GROUSSET, René. The Empire of the Steppes. New Jersey: Rutgers University<br />
Press, 1970, p. 192; FAIRSERVIS Jr., Walter A.. Horsemen of the Steppes. Cleveland; Nova Iorque: The<br />
World Publishing Company, 1962, p. 22.<br />
41 STICKLER, Timo. Die Hunnen. Munique: C.H. Beck, 2007, pp. 51 – 57.<br />
10
nômades asiáticos que, a partir da virada <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo IV para o V, aproximam-se mais e mais<br />
de seu zênite.<br />
Entre 405 e 406, o projeto político de Uldin já era influente e visível, como atesta<br />
Conde Marcelino: quan<strong>do</strong> a península itálica passa a ter recorrentes problemas com a<br />
movimentação <strong>do</strong>s go<strong>do</strong>s de Radagaiso, nestes anos, o magister militum (também, como já<br />
cita<strong>do</strong>, estrangeiro) Estilicão conjura auxílio <strong>do</strong>s hunos de Uldin para conter o problema<br />
germano 42 . Ao que nos parece, neste momentos os hunos ainda encontravam-se em<br />
processo de movimento e assentamento nas regiões da Panônia 43 , de forma que não nos<br />
parece descabi<strong>do</strong> notar que, já no início <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo, os hunos – à leste a à oeste – já se<br />
encontravam parcialmente unifica<strong>do</strong>s sob a coroa de um mesmo rex 44 .<br />
Por <strong>do</strong>cumentação como aquela legada por Sozomeno 45 e Jerônimo 46 , sabemos<br />
que Uldin manteve intensa atividade bélica nos limites entre a pars occidentalis e a pars<br />
orientalis por to<strong>do</strong> o início <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo. Já entre os <strong>séc</strong>ulos 410 e 420, pouca ou nenhuma<br />
informação nos resta. Das grandes campanhas de Uldin, saltamos diretamente para um<br />
vácuo histórico, onde alguns poucos nomes saltam a nossa vista: Donato (a despeito <strong>do</strong><br />
ceticismo que ronda esta figura) 47 e Caratão. Como nos revela um fragmento de<br />
Olimpio<strong>do</strong>ro:<br />
(...) Donato e os hunos, e a habilidade de seus reis com o tiro de arco. O escritor<br />
relata que ele próprio foi envia<strong>do</strong> em missão para eles e para Donato, e dá um<br />
trágico testemunho de seu vagar e seu périlo no mar. (...) de como Donato,<br />
engana<strong>do</strong> por um juramento, foi posto ilegalmente à morte. De como Caratão, o<br />
primeiro <strong>do</strong>s reis, sen<strong>do</strong> acusa<strong>do</strong> de assassinato, foi afaga<strong>do</strong> por presentes <strong>do</strong><br />
impera<strong>do</strong>r. 48<br />
O relato pouco nos informa além <strong>do</strong>s nomes. Parece-nos seguro e, devi<strong>do</strong> ao nosso<br />
espaço, indica<strong>do</strong>, saltar diretamente para os anos de 420 / 430, quan<strong>do</strong> a Confederação <strong>do</strong>s<br />
hunos parece adquirir mais e mais poder com duas gerações que iriam marcar de forma<br />
42<br />
“Huldin et Saurus Hunnorum Gothorumque reges Radagaisum continuo devicerunt, ipsius capite<br />
amputato, captivos eius singulis aureis distrahentes”. Marc. Com., Chronicon, 405, III.<br />
43<br />
MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., p. 61.<br />
44<br />
Idem, ibid.<br />
45<br />
“και Ουννοι µεν τον Ιστρον περαιωθεντες, τουσ Θρακας εδηουν”. Soz. Hist. eccles. VIII, 25, 1.<br />
Sozomeno afirma que os hunos atravessaram o Ister e devastaram a Trácia.<br />
46<br />
“(…)Sed per feras gentes, et quondam nobis incognitas, quarum et vultus et sermo terribilis est, et<br />
femineas incisasqe facies praeferentes virorum, et bene barbatorum fugientia terga confodiunt”. Jeron.<br />
Commentariorum in Isaiam, 113. Por “feras gentes”, Jerônimo se refere aos hunos de Uldin, que não<br />
cessavam de chacinar romanos enquanto estes fugiam (“barbatorum fugientia terga confodiunt”).<br />
47<br />
Mänchen-Helfen afirma que uma série de autores, como Altheim, suspeitam da existência de um rei huno<br />
chama<strong>do</strong> Donato. MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., p. 73.<br />
48<br />
Apud idem, ibid.<br />
11
indelével a história da Antiguidade: a de Rugilas e, em especial, a de Átila. Rugilas 49 ,<br />
juntamente com seu irmão Octar 50 , parecem ter si<strong>do</strong> proeminentes reis hunos <strong>do</strong> início da<br />
década de 430. Sabe-se por contes como Prisco e Sócrates que estes possuíam ainda <strong>do</strong>is<br />
irmãos, Oebarsio 51 e Mundzuco 52 (pai de Átila e Bleda, ao que falaremos em seguida). A<br />
importância destes personagens é atestada por Jordanes:<br />
Pois que Átila era o filho de Mundzuco, cujos irmãos eram Octar e Rugilas, que<br />
dizem ter si<strong>do</strong> os reis antes de Átila, ainda que juntos no mesmo território. Após a<br />
morte destes, sucedeu ao reina<strong>do</strong> ele [Átila] e seu irmão Bleda. 53<br />
Julga-se, a partir deste fragmento, que apesar de serem quatro irmãos, apenas <strong>do</strong>is<br />
reinavam. Não parece ser, contu<strong>do</strong>, caso de uma prática diárquica, já que com a morte de<br />
Octar em 430, Rugilas reina sozinho até o final <strong>do</strong>s anos de 430 54 , quan<strong>do</strong> novamente <strong>do</strong>is<br />
irmãos são alça<strong>do</strong>s ao poder – neste caso, os acima cita<strong>do</strong>s Bleda e Átila. As relações,<br />
tanto bélica quanto diplomáticas, entre hunos, romanos e germanos parece se acirrar<br />
durante o reina<strong>do</strong> de Rugilas (que segue adiante com a política unifica<strong>do</strong>ra de Uldin) 55 . A<br />
“Confederação”, neste momento, já é muito mais coesa, forte e influente, de forma a que<br />
toda a base está preparada para que, na década de 440, Bleda inicie e Átila termine o ponto<br />
máximo da política e da sociedade huna em relação à realidade romana.<br />
1.4 Átila e Bleda<br />
A partir de 440, Átila e Bleda, enquanto reis conjuntos da Confederação Huna,<br />
intensificam as relações com Roma: como nota Peter Heather, alguns <strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s entre<br />
romanos e hunos envolviam o pagamento de um tributo anual (que duplicou de<br />
aproximadamente 150 quilos de ouro para mais de 300) para os últimos e a não-aceitação<br />
de refugia<strong>do</strong>s hunos para os primeiros 56 . Ainda neste perío<strong>do</strong>, apesar de to<strong>do</strong>s os acor<strong>do</strong>s,<br />
Átila e Bleda mantiveram constantes ataques na região da Moésia e da Trácia, sitian<strong>do</strong> e<br />
49<br />
Nas fontes, a grafia varia entre ΄Ρούγας e Ρωίλας. Optamos por usar a forma padrão utilizada pelos<br />
especialistas atuais, Rugilas.<br />
50<br />
Nas fontes, grafa-se Οκταρ ou Υπταρος.<br />
51<br />
Em Prisco, Ωηβαρσιον.<br />
52<br />
Grafa-se, em Prisco, Μουνδίουχος.<br />
53<br />
“is namque Attila patre genitus Mundzuco, cuius fuere germani Octar et Roas, qui ante Attilam regnum<br />
tenuisse narrantur, quamvis non omnino cunctorum quorum ipse. Post quorum obitum cum Bleda germano<br />
Hunnorum successit in regno”. Jord. Getica. XXXV, 180. Tradução livre.<br />
54<br />
MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., p. 85.<br />
55<br />
Idem, pp. 85 – 94.<br />
56<br />
HEATHER, Peter. The Fall of the Roman Empire: a New History of Rome and the Barbarians. Oxford,<br />
New York: Oxford University Press, 2007, pp. 300 – 301.<br />
12
arrasan<strong>do</strong> ciuitates como Viminacium e Naissus em 442 57 . Heather aponta uma grande<br />
jogada estratégica nestes ataques: após duplicar o tributo pago aos hunos, os dirigentes<br />
romanos esperavam comprar um acor<strong>do</strong> de paz, de forma a que pudessem se focar na<br />
retomada de Cartago, <strong>do</strong>minada por Vândalos 58 . Enquanto as forças romanas iam em<br />
direção à Península Itálica, Átila e Bleda, porém, a despeito <strong>do</strong>s tributos e acor<strong>do</strong>s,<br />
atacaram o leste romano (na já citada Moésia) sob pretextos mínimos, abrin<strong>do</strong> assim um<br />
caminho direto para cercos em Constantinopla e elevan<strong>do</strong> o custo <strong>do</strong> tributo para mais de<br />
560 quilos de ouro anuais 59 .<br />
Por volta de 444 ou 445, Bleda é morto (provavelmente pelas mãos de seu irmão<br />
que, segun<strong>do</strong> as fontes, almejava o poder somente para si) 60 e Átila segue com campanhas<br />
na pars orientalis. Enquanto rex único <strong>do</strong> povo huno, Átila consegue uma coesão inédita<br />
entre seus iguais, fazen<strong>do</strong> com que a Confederação, de fato, apresente-se como uma<br />
verdadeira ameaça ao mun<strong>do</strong> romano. Hipácio, Evágrio e Jordanes 61 são alguns <strong>do</strong>s<br />
autores que atestam a “grande guerra huna de 447”, quan<strong>do</strong> Átila, aproveitan<strong>do</strong>-se <strong>do</strong><br />
grande terremoto que arruinou as muralhas principais de Constantinopla, dirigiu-se ao<br />
Quersoneso e lá travou grande batalha, debilitan<strong>do</strong> ainda mais as forças orientais – e<br />
provavelmente almejan<strong>do</strong> alcançar a própria capital.<br />
Os eventos seguintes são bastante conheci<strong>do</strong>s. Após ser eleva<strong>do</strong> ao cargo de<br />
Magister Militum no oriente e reclamar autoridade sobre um sem número de povos<br />
estrangeiros 62 e, como descrito romanticamente por Jordanes, manter relações<br />
matrimoniais com Honória, a irmã <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r 63 , Átila resolve reclamar para si porções<br />
ocidentais <strong>do</strong> império e, em 451, começa sua famosa incursão pela Gália. E é justamente<br />
na Gália, em decorrência da derradeira batalha <strong>do</strong>s Campos Catalaúnicos 64 , que Átila<br />
começa a perder a autoridade sobre sua Confederação, cujo ponto máximo havia si<strong>do</strong> a<br />
grande guerra de 447.<br />
57 HEATHER, Peter, op. cit,, pp. 302 – 304.<br />
58 Neste momento, como aponta Heather, as altas instâncias romanas juntavam forças para tentar recuperar à<br />
sua posse o norte de África, pilha<strong>do</strong> e conquista<strong>do</strong> por grupos Vândalos alguns anos antes. Idem, ibid.<br />
59 Idem, ibid.<br />
60 Para mais detalhes, cf. HOWARTH, Patrick. Attila, King of the Huns: The Man and the Myth. Nova<br />
Iorque: Barnes & Nobles, 1995, pp. 39 – 40.<br />
61 Apud MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., pp. 117 – 125.<br />
62 Ver capítulo 3.<br />
63 Jord. Getica, XLII, 223 – 224.<br />
64 A Batalha <strong>do</strong>s Campos Catalaúnicos foi o mais famoso embate entre a Confederação huna e uma coalizão<br />
de forças romanas e germanas. Em campo, as três grandes forças presentes eram os hunos de Átila,<br />
acompanhada <strong>do</strong>s respectivos grupos submeti<strong>do</strong>s (como hérulos), os romanos <strong>do</strong> Magister Militum Flávio<br />
Aécios e, alia<strong>do</strong>s a ele, os visigo<strong>do</strong>s de Teoderico I (morto em batalha). Havia também, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> romano, a<br />
participação menos expressiva de outros grupos estrangeiros, como francos e burgúndios. Idem, XXXVIII,<br />
197 – 201.<br />
13
Logo após o assalto à Gália, Átila segue com sua Confederação em direção aos<br />
territórios da península itálica, saquean<strong>do</strong> o Vale <strong>do</strong> Pó e arrasan<strong>do</strong> as ciuitates de<br />
Aquiléia, Mediolanum (atual Milão) e Ticinum (atual Pávia) 65 . A campanha da Itália,<br />
como nota Mänchen-Helfen, foi mal planejada e desastrosa 66 . Sua realização deu-se logo<br />
em seguida da campanha gálica, de forma bastante temerária e precipitada, talvez por<br />
pressões de suas hordas, irritadas com a “derrota” (ou não-vitória) nos Campos<br />
Catalaúnicos, talvez por desejo de uma vendeta <strong>do</strong> Aécio – patrício romano responsável<br />
por liderar as batalhas contra Átila, sen<strong>do</strong> assim seu antagonista por excelência. O fato é<br />
que, após algumas pilhagens (e talvez por decorrência de uma peste), Átila recua para a<br />
Panônia em 452, planejan<strong>do</strong>, dessa vez, um outro grande ataque ao oriente. Porém, no<br />
início de 453, acaba morren<strong>do</strong> durante um banquete, de forma desafortunada. 67<br />
Após a morte de seu mais famoso líder, os hunos acabam eclipsa<strong>do</strong>s. O poder é<br />
disputa<strong>do</strong> pelos vários filhos de Átila, e a Confederação tem uma curta sobrevida com<br />
Elaco, Dergzigo e Eunaco 68 . Finalmente, entre 454 e 455, praticamente um ano após a<br />
morte <strong>do</strong> “Flagelo de Deus”, seus filhos lideram o exército huno contra uma coalizão<br />
liderada por ostrogo<strong>do</strong>s numa batalha próxima ao obscuro rio Nedao 69 . A derrota huna<br />
marca o desmantelamento final da Confederação. Um terceiro filho de Átila, Hernaco,<br />
procura manter algum poder com um pequeno grupo de hunos, sem sucesso. Em menos de<br />
uma década, embates entre remanescentes hunos contra go<strong>do</strong>s e outros germanos apaga os<br />
rastros finais <strong>do</strong> poder nômade 70 . Os hunos perdem por completo qualquer tipo de poder<br />
centraliza<strong>do</strong>, e os pequenos grupos, longe da glória que atingiram menos de 10 anos antes,<br />
imiscuem-se entre certos grupos germanos e búlgaros, perden<strong>do</strong> qualquer sinal de<br />
identidade 71 .<br />
Os nômades que trovejaram por um <strong>séc</strong>ulo sobre o mun<strong>do</strong> romano, somem da<br />
história com a mesma velocidade que surgiram, deixan<strong>do</strong> apenas a memória de uma<br />
autoridade estrangeira, bárbara mesmo entre os bárbaros. Átila, o flagelo de Deus, entra<br />
para a história não como o funda<strong>do</strong>r de um império, mas como aquele que marcaria o<br />
último suspiro da grande Roma diante da inevitável gestação de uma nova sociedade.<br />
65<br />
MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., p. 137.<br />
66<br />
Idem, p. 132.<br />
67<br />
Jord. Getica, XLIX, 254 – 258; HOWARTH, Patrick, op. cit, pp. 137 – 142; Não se sabe se Átila foi<br />
assassina<strong>do</strong> por uma de suas esposas ou se simplesmente morreu de complicações após um vasto banquete.<br />
68<br />
MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., p. 86. Jord. Getica, LIII, 272.<br />
69<br />
Mänchel-Helfen afirma que a referência ao rio Nedao ocorre apenas em Jordanes, sen<strong>do</strong> infrutífera,<br />
portanto, a tentativa de localizá-lo geograficamente. In: MÄNCHEN-HELFEN, Otto., op. cit., p. 144 – 150.<br />
70<br />
Idem, pp. 152 – 168.<br />
71 Idem, p. 154.<br />
14
2. Regnum e Imperium<br />
2.1 Regnum e Imperium à luz da Civilização e Barbárie<br />
Dentro da perspectiva de etnogênese, as definições identitárias de um grupo<br />
gestam-se, grosso mo<strong>do</strong>, a partir da interação entre elementos de auto-entendimento<br />
(Selbsverständigungprozess) e oposição com outras tribos, facções, culturas, et cetera. Para<br />
uma análise de cunho político, nos interessa uma noção mais aprofundada acerca<br />
justamente destes “elementos de auto-entendimento”.<br />
Wenskus, talvez o primeiro historia<strong>do</strong>r a analisar as percepções de etnicidade a<br />
partir de sua gênese cultural, aponta que as tradições e definições de um grupo surgem de<br />
um “núcleo de tradição” (Traditionskerne): este centro estaria basea<strong>do</strong> nas práticas de uma<br />
determinada aristocracia, geralmente de caráter belicoso 72 . Ainda que sua análise diga<br />
respeito aos povos que conformam a realidade da Antiguidade Tardia, tal perspectiva<br />
parece ser pertinente para pensarmos, brevemente, como as idéias políticas de Imperium e<br />
Regnum transitam ao re<strong>do</strong>r das noções de Civilização e Barbárie, culminan<strong>do</strong> finalmente<br />
no debate teórico-político acerca <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V que, aqui, pretendemos iniciar.<br />
Ainda que a discussão acerca da validade e da legitimidade das formas de governa<br />
estenda-se ao próprio Homero e o mun<strong>do</strong> grego, talvez seja Cícero o pensa<strong>do</strong>r a nos<br />
fornecer as mais valiosas percepções romanas acerca da administração 73 . Segun<strong>do</strong> o<br />
ora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo I a.C., Roma configurava-se como uma Res Publica, uma instituição que,<br />
num plano teórico, era guiada por um corpo aristocrático de sena<strong>do</strong>res (os optimates) e que<br />
contava em seu seio com um consenso que envolvia não somente estes, mas também o<br />
populus, os cidadãos 74 . Com Augusto e a instituição de um Princeps, a Res Publica<br />
Romanae transforma-se gradativamente num Imperium Romanorum – lexicalmente, a<br />
designação da instituição política deixa de ser a “coisa publica” para o “man<strong>do</strong> <strong>do</strong>s<br />
romanos”. Apesar da autoridade centralizada no Princeps, Roma conservará até o <strong>séc</strong>ulo V<br />
um forte corpo burocrático basea<strong>do</strong> em funções aristocráticas e nomeações sociais:<br />
72 Ver nota § 21.<br />
73 “Est igitur, inquit Africanus, res publica res populi, populus autem non omnis hominum coetus quoquo<br />
mo<strong>do</strong> congregatus, sed coetus multitudinis iuris consensu et utilitatis communione sociatus.” Cic. De Re<br />
Publica, I, 39. Para Cícero, a Res Publica envolve uma atividade política por parte <strong>do</strong>s cidadãos (cives),<br />
norteada por interesses comuns e o direito (ius) advin<strong>do</strong> de um consenso.<br />
74 O famoso acrônimo SPQR é um <strong>do</strong>s exemplos desta proposição. Representan<strong>do</strong> a realidade romana, SPQR<br />
denotava a idéia de consenso e harmonia política (SPQR significa Senatus Populusque Romanum, ou seja,<br />
Sena<strong>do</strong> e Povo Romano).<br />
15
honestiores, potentes, optimates, primates, maiores, entre outros 75 , são alguns <strong>do</strong>s títulos<br />
que destacam, tanto num plano político quanto num plano social, os indivíduos que<br />
pertencem ao grupo que define culturalmente a grandiosidade romana: o Mos Maiorum, ou<br />
seja, a tradição ancestral, ainda é o elemento que denota a legitimidade de certas facções.<br />
Por certo, a prática destas teorias afasta-se plenamente <strong>do</strong> que a elas era idealiza<strong>do</strong><br />
76 . O que nos interessa para esta monografia, porém, é notar como o Traditionskerne<br />
romano está centra<strong>do</strong> num corpo bem defini<strong>do</strong>: justamente aqueles que detêm, em teoria, o<br />
Mos Maiorum. Tal proposição não significa excluir outros personagens da máquina<br />
administrativa de Roma 77 , mas implica em perceber a idéia de uma Res Publica e,<br />
posteriormente de um Imperium, enquanto um governo legitimo por contar com a união e<br />
efetiva participação de certo número de aristocratas. Em outras palavras, a percepção<br />
interna <strong>do</strong> “núcleo de tradição” romano designava sua forma específica de governo como<br />
uma pratica civilizada.<br />
Por certo, a realidade de um poder confina<strong>do</strong> nas mãos de um único princeps (ou,<br />
mais tardiamente, imperator) deveria representar, aos olhos de um pensa<strong>do</strong>r romano, uma<br />
séria ameaça à existência e prerrogativas de uma aristocracia ancestral e patrícia. Para que<br />
esta tipologia política não caísse às fossas da ilegitimidade, é desenhada a idéia de um<br />
Regnum, uma instituição que não prevê a participação ou inclusão de membros na<br />
administração, mas concentra toda a autoridade nas mãos de um único e despótico chefe, o<br />
rex 78 . Portanto, o que se percebe é a definição teórica, por um viés greco-latino, da<br />
tipologia acerca <strong>do</strong> poder concentra<strong>do</strong> partin<strong>do</strong> de pressupostos de Civilização e Barbárie:<br />
é puramente a conformatação ideológica acerca <strong>do</strong> man<strong>do</strong> e da autoridade que define o<br />
caráter legítimo ou ilegítimo deste. O problema deixa de ser a concentração <strong>do</strong> poder e<br />
passar a ser a legitimação teórica (e, como dito, ideológica) desse poder.<br />
Dessa forma, enquanto a idéia de Imperium pertence ao âmbito civiliza<strong>do</strong>, o regime<br />
de Regnum é característico de povos bárbaros, residentes além <strong>do</strong>s limites imperiais,<br />
marca<strong>do</strong>s por uma sociedade considerada então arcaica e primitiva.<br />
75 FRIGHETTO, Renan. “Estruturas Sociais na Antiguidade Tardia Ocidental (<strong>séc</strong>ulos IV/VIII)”. In: SILVA,<br />
Gilvan Ventura & MENDES, Norma Musco (org.). Repensan<strong>do</strong> o Império Romano: Perspectivas<br />
Socioeconômica, Política e Cultural. Rio de Janeiro: Mauda; Vitória: EDUFES, 2006, pp. 230 – 231.<br />
76 A presença constante de figuras estrangeiras ou as muitas usurpações de caráter regional que ocorreram<br />
entre os <strong>séc</strong>ulos III e V, em especial, denotam a distância entre teoria e prática dentro da realidade política da<br />
Antiguidade Tardia.<br />
77 Gor<strong>do</strong>n afirma que vários <strong>do</strong>s funcionários que, nos <strong>séc</strong>ulos IV e V atingiam altos cargos, vinham de uma<br />
origem em certa medida mais humilde e não aristocrática. GORDON, C.D., op. cit., p. 2.<br />
78 Cícero, no livro III de seu De Legibus, confere à monarquia um caráter arcaico, revelan<strong>do</strong> que esta era a<br />
forma possível de governo dentro os povos antigos. Em seguida, ele faz uma formulação mais complexa,<br />
revelan<strong>do</strong> a necessidade de to<strong>do</strong> um corpo administrativo como o presente na idéia de República romana.<br />
16
2.2 Regnum e Imperium durante o <strong>séc</strong>ulo V<br />
A realidade política e social <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V, em especial no que concerne à pars<br />
occidentalis, exige percepções ulteriores acerca da definição teórica das instâncias de<br />
poder. Já com Constantino, mas especialmente a partir da morte de Teodósio, as legiões<br />
passam a empregar forças estrangeiras, atenden<strong>do</strong> pela vaga definição de bucellarius 79 e,<br />
em especial, foederatus 80 . Fosse para comprar um acor<strong>do</strong> de paz ou empregar de fato<br />
grupos mercenários germanos nas atividades militares, o fato é que a administração<br />
política <strong>do</strong> Imperium mais e mais abria-se para personagens não-romanos e, em certa<br />
medida, não integrantes de um círculo de humanitas. Gor<strong>do</strong>n nota a preponderância,<br />
durantes os <strong>séc</strong>ulos V e VI, de figuras como Rufino e Estilicão 81 . A formalização das<br />
relações entre Roma e determina<strong>do</strong>s núcleos germanos (como a nomeação de foederati) e,<br />
especialmente, o processo de acomodação 82 e recepção leva<strong>do</strong> a cabo por estas duas forças<br />
(civilizada e bárbara) implica com que os limites teóricos acerca <strong>do</strong> poder sejam<br />
expandi<strong>do</strong>s. Como nota Hidácio, os visigo<strong>do</strong>s, ainda que bárbaros detentores de um rei e<br />
um reino, não apresentam uma ameaça à autoridade romana na Hispania, mas sim zelam<br />
pela manutenção imperial diante de grupos como suevos – estes sim, para Hidácio,<br />
representantes <strong>do</strong> poder régio tipicamente rústico, violento, arcaico.<br />
A idéia <strong>do</strong> Regnum enquanto estatuto político de bárbaros começa a tornar-se, dessa<br />
forma, difusa. Sua aplicação, neste momento, parece menos ampla e mais pertinente caso a<br />
caso. Os já cita<strong>do</strong>s visigo<strong>do</strong>s, enquanto um grupo defensor imperii 83 , afastam-se <strong>do</strong><br />
estigma da barbárie e, por consequência, sua forma de governa passa a ser menos ilegítima,<br />
num claro exemplo das nuânces ideológicas e imbricadas por trás das definições políticas.<br />
79 Referência aos solda<strong>do</strong>s romanos ou go<strong>do</strong>s federa<strong>do</strong>s (pl. Bucellarii). Designação gerada a partir <strong>do</strong> termo<br />
Bucellaton, um pão saco que era da<strong>do</strong> como mantimento para as tropas. GORDON, C.D., op. cit., pp. 7 – 8.<br />
80 Foederatus (ou foederati, no plural, referin<strong>do</strong>-se comumente a uma tribo ou grupo) é um termo um tanto<br />
genérico que, grosso mo<strong>do</strong>, indica um grupo que tenha acor<strong>do</strong>s e alianças formais com o Império. Idem, p. 7.<br />
81 Idem, p. 25.<br />
82 Tomamos aqui o processo como delimita<strong>do</strong> por Walter Goffart. Goffart, desde a década de 1970, sustenta<br />
uma tese que minimiza o impacto (ou mesmo a existência) de migrações delimitáveis nos <strong>séc</strong>ulos IV e V e,<br />
por outro la<strong>do</strong>, salienta a importância de processos de recepção e acomodação de grupos estrangeiros no<br />
Império Romano. De fato, sua argumentação aponta que esse processo de acomodação (com suas devidas<br />
implicações econômicas, como o aumento nas taxações) foi o principal agente na formação de uma sociedade<br />
própria durante a Antiguidade Tardia e nos primeiros <strong>séc</strong>ulos <strong>do</strong> Medievo, bem como de sepultamento de<br />
caracteres mais clássicos da estruturação sócio-econômica romana. Cf. GOFFART, Walter. Barbarians and<br />
Romans: the techniques of accommodation. Nova Jersey: Princenton Univ. Press, 1980, pp. 162 – 176.<br />
83 FRIGHETTO, Renan. “Infidelidade e barbárie na Hispania visigoda”. In: Gérion, vol. 20, no. 1, 2002, p.<br />
493.<br />
17
2.3 Hunos, Regnum e a evidência literária<br />
Pretender uma análise acerca de uma possível conceituação e definição de Regnum<br />
entre os hunos, com base somente numa leitura primeira das evidências <strong>do</strong>cumentais<br />
mostra-se um intento pouco frutífero. Deve-se ter em conta, primeiramente, que já dentro<br />
da escassez <strong>do</strong>cumental que paira sobre a realidade <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V, a grande maioria <strong>do</strong>s<br />
relatos que incluem os hunos são de autores gregos: os hunos são desenha<strong>do</strong>s com tinta<br />
arquetípica, dentro de um topos retórico tradicional – são demoniza<strong>do</strong>s, representantes<br />
materiais da própria barbárie. Como nota Mänchen-Helfen, uma vez que os hunos eram<br />
agentes de castigo e flagelo, a atenção deveria ser dada à iminente ruína <strong>do</strong> homem<br />
civiliza<strong>do</strong>, e não à quaisquer conformatação social que este grupo pudesse ter 84 . Assim<br />
sen<strong>do</strong>, os relatos seguem “equações” similares, ten<strong>do</strong> inclusive pouca consistência na<br />
própria nomeação <strong>do</strong> grupo (hunos, massagetas, magog, cítas e cimérios são termos<br />
cambiáveis e pouco conclusivos apresenta<strong>do</strong>s pelas fontes) – Eunápio de Sárdis,<br />
Olimpio<strong>do</strong>ro de Tebas, Temístio, Claudiano, Filostórgio, Sinésio de Cirene, a maioria <strong>do</strong>s<br />
autores <strong>do</strong>s <strong>séc</strong>ulos IV e V a que temos acesso apresenta visão similar: os hunos, antes de<br />
um grupo minimamente organiza<strong>do</strong>, são conjurações bárbaras com o único intuito de punir<br />
o Império e destruir a Civilização 85 .<br />
Entre os autores da pars occidentalis, encontramos situações semelhantes, com o<br />
ônus de uma menor quantidade de fontes. Paulo Orósio, Hidácio de Chaves e Próspero de<br />
Aquitânia são alguns <strong>do</strong>s poucos nomes que nos apresentam vestígios acerca <strong>do</strong>s hunos –<br />
da mesma forma, porém, estes surgem como elemento retórico, denotan<strong>do</strong> a ingerência<br />
romana diante da realidade de seu tempo 86 .<br />
Dentro de suas especificidades e, naturalmente, seus estilo retóricos, a grande<br />
maioria <strong>do</strong>s autores cita<strong>do</strong>s acima acompanham um grande paradigma explicativo (neste<br />
caso, além das referências aos clássicos) 87 : Amiano Marcelino. Ti<strong>do</strong> por Stein como “o<br />
maior gênio literário que o mun<strong>do</strong> viu entre Tácito e Dante” 88 , Amiano destaca-se como<br />
84<br />
MÄNCHEN-HELFEN, Otto, op. cit.,, 2 – 8.<br />
85<br />
Idem, p. 5 – 9.<br />
86<br />
FRIGHETTO, Renan. “Aquae Flaviae na Crónica de Hidácio”. In: Revista Aquae Flaviae, no. 18, 1997, p.<br />
33; GALÁN SÁNCHEZ, Pedro Juan. El Género historiográfico de la Chronica – Las crónicas hispanas de<br />
época visigoda. Cáceres: Universidad de Extremadura, 1994, pp. 62 – 63.<br />
87<br />
Mänchen-Helfen nota como, em grande parte, a organização retórica nas fontes gregas, quan<strong>do</strong> apresenta<br />
uma menção aos grupos asiáticos, dá-se de forma a referenciar os clássicos. Assim, as designações étnicas<br />
aproximam-se mais de Heró<strong>do</strong>to e de sua realidade <strong>do</strong> que os eventos contemporâneos aos <strong>séc</strong>ulos IV e V.<br />
Cf. MÄNCHEN-HELFEN, Otto J. Op. cit., p. 5 – 15.<br />
88<br />
STEIN apud MÄNCHEN-HELFEN, Otto J. Op. cit., p. 1.<br />
18
um <strong>do</strong>s últimos cidadãos cultiva<strong>do</strong>s à moda clássica <strong>do</strong> Imperium Romanum: pagão<br />
aristocrata, Amiano reserva desconfiança para qualquer estrangeiro dentro <strong>do</strong>s limites<br />
políticos de sua Roma, inclusive aqueles com quem se estabelecem trata<strong>do</strong>s formais 89 .<br />
Neste senti<strong>do</strong>, não seria de se surpreender o tom da<strong>do</strong> pelo autor à sua descrição de gentes<br />
como aquelas <strong>do</strong>s alanos e hunos – para estes últimos, escreve ele:<br />
Porém, da semente de toda a destruição, (...) descobrimos a causa. As gentes <strong>do</strong>s<br />
hunos (...) que a tu<strong>do</strong> excedem em ferocidade. Desde o nascimento, os rostos das<br />
crianças são sulca<strong>do</strong>s com ferro, para que quan<strong>do</strong> o pelo vigorar na idade certa,<br />
cresça entre as cicatrizes (...). To<strong>do</strong>s eles tem membros firmes e compactos,<br />
pescoço grosso e são tão feios e disformes, que parecem bestas bípedes. 90<br />
A descrição de Amiano talvez seja a primeira informação que, de fato, se refira a<br />
um grupo consistente o suficiente para que seja designa<strong>do</strong> como “huno”. Dentro de nosso<br />
recorte, portanto, este arquétipo bárbaro usa<strong>do</strong> pelo autor passa a ser um <strong>do</strong>s modelos de<br />
referência 91 . Ao que nos parece, porém, a antipatia demonstrada por Amiano Marcelino<br />
extrapola os limites de seu próprio tempo e atinge mesmo a historiografia mais moderna:<br />
Rostovtsev afirma que o autor delineia uma realidade com perfeição 92 e Thompson, apesar<br />
de sua valiosa contribuição para o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s hunos 93 , parece seguir linha de raciocínio<br />
similar.<br />
Em linhas gerais, o que Amiano propõe – e o que se segue á maioria das fontes<br />
<strong>do</strong>cumentais – é que os hunos, enquanto grupo de barbárie extrema, não possuem qualquer<br />
tipo de formação ou organização social, de forma que sua tipologia de governo é mesmo<br />
inexistente. Num diálogo com a produção recente, Thompson torna acadêmico o<br />
pensamento de Amiano ao afirmar, de forma muito semelhante, que nos <strong>séc</strong>ulos IV e V, os<br />
hunos encontravam-se em formas primevas de pastoreio, não possuíam habilidades<br />
necessárias para o artesanato (mesmo o mais simples, como a confecção de cadeiras ou<br />
89 Mänchen-Helfen é tácito ao afirmar o repúdio de Amiano pelo estrangeiro. Margarida Carvalho, contu<strong>do</strong>,<br />
consonante com historiografia mais recente, relativiza tal percepção sem, porém, excluí-la. Cf. MÄNCHEN-<br />
HELFEN, Otto J. Op. cit., pp. 10 – 11; CARVALHO, Margarida et al. “Barbarização <strong>do</strong> Exército Romano e<br />
Renovação Historiográfica: novas perspectivas sobre tema”. In: História: Questões e Debates, no. 48/49,<br />
2008, pp. 149 e 160.<br />
90 “Totius autem semente exitii (…), hanc comperimus causam. Hunorum gens (...) omnem modum feritatis<br />
excedit. Ubi quoniam ab ipsis nascendi primitiis infantum ferro sulcantur altius genae, ut pilorum vigor<br />
tempestivus emergens, corrugatis cicatricibus hebetetur (...). Compactis omnes firmisque membris et pimis<br />
cervicibus, prodigiose deformes et pandi, ut bipedes existimes bestias”. Amm. Marc. Res Gestae, XXXI, II, 1<br />
– 3. A descrição de Amiano prossegue, exageran<strong>do</strong> em to<strong>do</strong>s os aspectos, de forma a que os hunos sejam<br />
retrata<strong>do</strong>s como verdadeiras bestas inumanas.<br />
91 MÄNCHEN-HELFEN, Otto J. Op. cit., p. 11.<br />
92 ROSTOVTSEV apud MÄNCHEN-HELFEN, Otto J. Op. cit., p. 9.<br />
93 Cf. THOPMSON, E. A. A History of Attila and the Huns. Londres: Oxford University Press, 1948.<br />
Revisa<strong>do</strong> por: HEATHER, Peter, 1996.<br />
19
outros equipamentos de madeira), não se organizavam socialmente e, politicamente, não<br />
passavam de níveis tribais ou clânicos de coman<strong>do</strong> 94 .<br />
Depreende-se que os hunos, portanto, não possuíam qualquer tipo de organização<br />
social elaborada. Sua forma de governo era rudimentar e primitiva – tal imagem persiste<br />
mesmo que filtremos as superstições e formas retóricas presentes nas fontes 95 . Enquanto<br />
nômades asiáticos, cultura, religião, política, sociedade e economia pairavam ao re<strong>do</strong>r de<br />
tipologias de subsistência, aparentemente sem qualquer necessidade ou mesmo<br />
possibilidade de definição teórica 96 . Ora, se levarmos em conta o relato de Amiano<br />
Marcelino, menos de 100 anos nos separam <strong>do</strong> famoso governo de Átila. Destarte, num<br />
curto perío<strong>do</strong> de tempo, a historiografia nota um avanço <strong>do</strong> nível tribal para a quase<br />
confecção de um império. A saída <strong>do</strong> pastoreio nômade das estepes para o assentamento de<br />
uma poderosa sede de poder da Panônia dá-se tal qual um relâmpago bárbaro sobre as<br />
sombras da civilização.<br />
Pode-se argumentar, contu<strong>do</strong>, que o processo histórico relativo a tal debate não se<br />
deu de forma simples. Não nos parece justifica<strong>do</strong> que Átila – e tão somente sua figura –<br />
tenha estabeleci<strong>do</strong>, em seu rápi<strong>do</strong> perío<strong>do</strong> de <strong>do</strong>mínio, alterações políticas, culturais e<br />
sociais tão drásticas, retiran<strong>do</strong> os hunos da barbárie indescritível para colocá-los como<br />
verdadeira ameaça de proporções imperais. Átila e Bleda herdam, de seu tio Rugilas, uma<br />
Confederação já organizada, minimamente assentada em territórios defini<strong>do</strong>s 97 . Rugilas,<br />
igualmente, parece apenas fazer parte de um processo de unificação e organização que<br />
remete, pelo menos, à Uldin 98 . Justifica-se, portanto, que os hunos, à época <strong>do</strong> contato<br />
com o mun<strong>do</strong> greco-romano (ainda no <strong>séc</strong>ulo IV), fossem possui<strong>do</strong>res de uma organização<br />
sócio-política mais definida <strong>do</strong> que propõe a maioria das fontes e parte da historiografia<br />
especializada.<br />
Argumentar em favor desta idéia, porém, mostra-se serviço árduo. Apesar <strong>do</strong><br />
caminho aberto pela crítica e relativização <strong>do</strong>cumental, o escopo para afirmação de tal<br />
perspectiva é ralo. O espaço <strong>do</strong> debate dá-se no campo da conjectura: se os hunos não<br />
surgem repentinamente, como agentes bárbaros <strong>do</strong> Juízo Final, nem são seres primitivos<br />
94 THOPMSON, E. A, op. cit. pp. 20 – 35.<br />
95 A historiografia especializada, em especial Thompson, defendem a idéia de um grupo bárbaro e feroz, sem<br />
aspectos de civilidade ou cultura.<br />
96 Idem.<br />
97 WOLFRAM, Herwig. The Roman Empire and its Germanic peoples. Berkeley e Los Angeles: University<br />
of California press, 1997, p. 127.<br />
98 Referência ao primeiro nome consistente de um líder huno que as fontes greco-latinas nos fornecem. Idem,<br />
p. 126. Ver Capítulo 1.<br />
20
nos primeiros estágios da barbárie 99 , de onde vem? Elucidar suas origens poderia ser um<br />
caminho esclarece<strong>do</strong>r: ainda que o debate acerca <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> deste povo seja bastante<br />
polêmico 100 , aceita-se que estes remontam, de forma mais ou menos direto, ao povo <strong>do</strong>s<br />
Hsiung-nu 101 , nômades que assaltaram a China no <strong>séc</strong>ulo III a.C. 102 .<br />
Acredita-se que os Hsiung-nu representassem uma das primeiras grandes coalizões<br />
de tribos nômades da Ásia Central, forman<strong>do</strong> um poderoso império responsável por<br />
assombrar a estabilidade bélica e política <strong>do</strong>s territórios chineses 103 . Sua proeminência<br />
histórica remete-nos pelo menos a finais <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo III a.C., quan<strong>do</strong> o chefe T’ou-man 104<br />
passa a reunir sobre seu man<strong>do</strong> – assim como os chefes hunos farão no perío<strong>do</strong> de Rugilas<br />
e Átila – uma série de pequenas tribos e grupos, de forma a que a influência hegemônica<br />
<strong>do</strong>s Hsiung-nu passa a ser sentida mais e mais em seu contexto 105 . Com T’ou-man, a<br />
confederação nômade passa a a<strong>do</strong>tar formas sociais mais organizadas, desenvolven<strong>do</strong><br />
parcelas militares e a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> definições de poder: T’ou-man, rei supremo, passa a ser<br />
designa<strong>do</strong> pelo termo chinês Shan Yü 106 (Majestade filho <strong>do</strong> Céu); abaixo desse,<br />
encontravam-se reis denomina<strong>do</strong>s T’u-ch’i 107 (Rei da Direita e Rei da Esquerda), os<br />
generais da Direita e da Esquerda, os chefes <strong>do</strong> exército de Mil Homens, de Cem Homens<br />
e de Dez Homens 108 . A estruturação político-social da confederação a<strong>do</strong>ta um caráter e<br />
uma divisão claramente militar. O aspecto bélico é proeminente, integran<strong>do</strong> tanto um<br />
99<br />
Ver nota § 95.<br />
100<br />
O debate acerca da origem <strong>do</strong>s hunos remonta, pelo menos, à obra de De Guignes, ainda no <strong>séc</strong>ulo XVIII.<br />
Mänchen-Helfen concorda com tal proposta; Thompson aconselha seu leitor à ignorá-la; Suzan Bock, após<br />
longa apresentação <strong>do</strong> debate, parece também estar de acorda com a idéia. Cf. DE GUIGNES, Joseph.<br />
Historie génerale des huns, des turcs, des mongols et des autres tartares occidentearux. Ouvrage tiré dês<br />
livres chinoises, París, 1756; MÄNCHEN-HELFEN, Otto J. “Huns and Hsiung-nu”. In: Byzantion, vol. 17,<br />
1944, pp. 222-243; THOPMSON, E. A, op. cit. pp. 5 – 15; BOCK, Suzan. “Los Hunos : tradición e historia”.<br />
In: Antigüedad y Cristianismo, vol. 9, 1991, pp. 41 – 72.<br />
101<br />
Em chinês, 匈奴. A transcrição em caracteres latinos seria Xiōngnú. A<strong>do</strong>ta-se a grafia “Hsiung-nu”<br />
seguin<strong>do</strong> o sistema Wade-Giles de romanização <strong>do</strong> mandarim. Modelos de transcrição e padronização <strong>do</strong><br />
Mandarim podem ser encontra<strong>do</strong>s no sítio http://www.mandarintools.com/pyconverter.html (acessa<strong>do</strong> em<br />
novembro, 2009). Cf. Chappell, H., "The Romanization Debate". In: Australian Journal of Chinese Affairs,<br />
No. 4, 1980, pp.105–118.<br />
102<br />
BARFIELD, Thomas J.. “The Hsiung-nu Imperial Confederacy: Organization and Foreign Policy”. In:<br />
Journal of Asian Studies, vol. 41, no. 1, 1981, pp. 45 – 61.<br />
103<br />
MAN, John. Átila o Huno: O Rei Bárbaro que Desafiou Roma. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 117.<br />
104<br />
Em chinês, 頭曼.<br />
105<br />
Cf. MAU-TSAI, Liu. Die chinesischen Nachrichten zur Geschichte der Ost-Türken (T'u-küe). Wiesbaden:<br />
Otto Harrassowitz, 1958.<br />
106<br />
Em chinês, l=單于. A romanização também pode assumir a forma de Chanyu em determina<strong>do</strong>s textos.<br />
107<br />
Em chinês, 大學.<br />
108<br />
MAU-TSAI, Liu, op. cit., pp. 120 – 122.<br />
21
elemento importante da tradição nômade 109 (a batalha, o triunfo, a vitória e a conquista)<br />
como um aspecto pragmático <strong>do</strong>s Hsiung-nu: sua existência depende da guerra e da vitória.<br />
Sob esta estruturação, os Hsiung-nu mantiveram sua influência e seu poder durante<br />
<strong>séc</strong>ulos (o último registro de um Shan Yü a ter contato com o impera<strong>do</strong>r chinês data da<br />
primeira metade da quinta centúria de nossa era – ainda que a importância e impacto deste<br />
grupo seja fortemente eclipsada ainda nos <strong>séc</strong>ulo II e III d.C.) 110 . Seu contato bélico com<br />
os territórios orientais forçou que as dinastias Qin e, posteriormente, Han iniciam-se as<br />
construções da Grande Muralha 111 . Nos interessa notar, deste ínterim, que por mais que<br />
fosse configurada por tribos nômades, a Confederação <strong>do</strong>s Hsiung-nu contava com<br />
arroja<strong>do</strong> sistema de estruturação social, capacidade bélica e políticas exteriores. Não seria<br />
equivoca<strong>do</strong> afirmar, portanto, que os hunos, de forma semelhante, possuíssem também, a<br />
despeito da historiografia moderna clamar o contrário, uma configuração social que fossem<br />
além <strong>do</strong>s aspectos considera<strong>do</strong>s tribais e primitivos.<br />
Não nos parece pertinente alongar ou tomar parti<strong>do</strong> no debate das origens húnicas.<br />
Deste panorama, porém, podemos apreender informações importantes para nosso<br />
propósito. Sem adentrar nas especificidades da teoria <strong>do</strong>s Hsiung-nu, aceita-se<br />
minimamente que os hunos tenham ti<strong>do</strong> uma história e uma organização anterior á sua<br />
aparição diante <strong>do</strong>s limites imperiais – a estepe seria um interregno entre <strong>do</strong>is momentos,<br />
um elemento inseri<strong>do</strong> dentro de um processo histórico. Destarte, negamos o primitivismo<br />
absoluto como proposto pelas fontes e corrobora<strong>do</strong> por Thompson. Nota-se, já entre os<br />
Hsiung-nu, uma estrutura minimamente organiza<strong>do</strong>, apesar <strong>do</strong> nomadismo. Durante o<br />
contato com o mun<strong>do</strong> greco-romano, portanto, os hunos estariam não na ausência, mas sim<br />
num determina<strong>do</strong> estágio <strong>do</strong> processo de estruturação política e social, cujo zênite seria<br />
atingi<strong>do</strong> com a ascensão de Átila e bem recorda<strong>do</strong> numa fonte que, por destacar-se das<br />
demais (para nosso propósito), não foi ainda citada por nós: o relato histórico de Prisco de<br />
Pânio.<br />
109<br />
FAIRSERVIS Jr., Walter, op. cit. pp. 20 – 25.<br />
110<br />
Hè Lián Dìng Zhifen (赫連定直獖), Shan Yü entre 428 e 431 d.C., é considera<strong>do</strong> o último líder da<br />
Confederação nômade <strong>do</strong>s Hsiung-nu nativo da Ásia Central. Após sua morte, o que havia sobra<strong>do</strong> da<br />
configuração <strong>do</strong>s Hsiung-nu é desmantela<strong>do</strong>. Nota-se, porém, que nesta altura pouco restava <strong>do</strong> caráter<br />
original da Confederação, haven<strong>do</strong> ramificações diversas que aban<strong>do</strong>naram o man<strong>do</strong> central e voltaram para<br />
o estilo de vida nas estepes (no que se inclui, já alguns <strong>séc</strong>ulos antes, provavelmente os hunos). Cf. MAU-<br />
TSAI, Liu, op. cit.<br />
111<br />
Idem, p. 27.<br />
22
3. Açoite de Deus<br />
3.1 Prisco de Pânio e a embaixada à corte de Átila<br />
Desde a ascensão de uma especifica geração de chefes hunos, iniciou-se um contato<br />
mais formal entre a Confederação destes e o Império <strong>do</strong>s romanos, materializa<strong>do</strong> no<br />
pagamento de tributos e emprego de grupos mercenários 112 . Especialmente com Rugilas,<br />
essas trocas e relações ganham caráter de importância política e econômica central 113 ,<br />
atingin<strong>do</strong> seu ápice durante a “diarquia” levada a cabo por Átila com o auxílio de seu<br />
irmão Bleda.<br />
Apesar das embaixadas, relações diplomáticas e tributos anuais, a descrição desta<br />
realidade só nos é conhecida, de forma consistente e parcialmente livre de arquétipos<br />
retóricos a partir <strong>do</strong>s excertos da obra de Constantino VII Porfirogênito, a Excerpta<br />
Historica, datada <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo X 114 . Dentre os relatos presentes nesta obra, destaca-se a<br />
transcrição <strong>do</strong> lega<strong>do</strong> grego, retor e sofista <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V, Prisco de Pânio. Acompanhan<strong>do</strong> o<br />
representante imperial Maximino em uma embaixada à corte de Átila em 449, Prisco nos<br />
lega o único relato contemporâneo de um encontro pessoal com um rei huno 115 .<br />
Neste capítulo, não analisaremos a obra de Prisco como um to<strong>do</strong>, nem<br />
mergulharemos nas riquíssimas informações contextuais. Nosso objetivo, com a utilização<br />
desta fonte enquanto cerne de nossa monografia, é a de perceber como Átila é retrata<strong>do</strong> e, a<br />
partir de sua construção retórica, perceber quais são as definições e limites de seu poder, e<br />
como essa posição régia difere de outros relatos contemporâneos e, assim, nos permite<br />
sondar novas dimensões para os hunos e sua breve passagem histórica. Prisco, assim, é o<br />
principal autor para nosso intento de problematizar e entender, de forma mais concreta,<br />
como se organizou a monarquia entre os nômades asiáticos e que tipo de impacto tal<br />
perspectiva pode trazer para o estu<strong>do</strong> especializa<strong>do</strong> e para o campo da Antiguidade Tardia<br />
como um to<strong>do</strong>.<br />
112 Ver capítulo 1.<br />
113 Idem.<br />
114 HEATHER, Peter, op. cit., pp. 304 – 306.<br />
115 WOODS, David. “Late Antique Historiography: A Brief History of Time”. In: ROUSSEAU, Philip<br />
(edit.). A Companion to Late Antiquity. Oxford: Blackwell, 2009, pp. 357 – 372.<br />
23
3.2 Átila, rex da quinta centúria<br />
Apesar de extremamente fragmentada, o excerto de Prisco sobrevivente nos lega<br />
um momento singular 116 . Além <strong>do</strong> fato de a embaixada se dar num momento em que,<br />
supostamente, se planejava um atenta<strong>do</strong> contra o rei huno, Prisco, enquanto lega<strong>do</strong><br />
acompanha<strong>do</strong> <strong>do</strong> embaixa<strong>do</strong>r de Teodósio, Maximino, tem acesso pessoal ao próprio Átila<br />
e, por conseguinte, presencia um banquete na presença <strong>do</strong> rei e de seus asseclas mais<br />
próximos.<br />
O primeiro elemento que nos chama a atenção é a descrição material da Corte de<br />
Átila. Segun<strong>do</strong> Prisco:<br />
Todas as cadeiras eram alinhadas junto às paredes da sala, colocadas em ambos os<br />
la<strong>do</strong>s. No meio, sobre um leito, repousava Átila, e atrás dele posicionava-se um<br />
segun<strong>do</strong> leito, <strong>do</strong> qual alguns degraus levavam para sua câmara de <strong>do</strong>rmir [uma<br />
grande cama], que era coberta por lençóis finos e ornamentos como aqueles que os<br />
gregos e romanos preparam para seus casamentos (...) 117<br />
Em primeiro lugar, nota-se uma organização arrojada para um grupo considera<strong>do</strong><br />
nômade. A simples menção ao mo<strong>do</strong> de organização das cadeiras afasta Prisco de forma<br />
extrema <strong>do</strong>s modelos de relatos calca<strong>do</strong>s em Amiano Marcelino. A presença de uma<br />
câmara especial para o repouso noturno – e, provavelmente, para a consumação <strong>do</strong>s<br />
inúmeros casamentos de Átila – atesta a preocupação <strong>do</strong> líder huno não apenas com sua<br />
ritualística, mas também com seu próprio conforto. Porém, a menção aos ornamentos<br />
típicos de casamentos gregos e romanos é nosso ponto principal. Na medida em a câmara<br />
atrás de Átila é seu espaço próprio, destina<strong>do</strong> a seu descanso, mas também à efetivação de<br />
sua dinastia (enquanto arranja mais e mais esposas), pode-se dizer que os arranjos<br />
próximos àqueles gregos e romanos são uma forma de validar também, no campo <strong>do</strong>s<br />
costumes e da visibilidade <strong>do</strong> poder, a legitimação <strong>do</strong> poder de Átila e a não-barbárie <strong>do</strong>s<br />
hunos. Outros elementos destaca<strong>do</strong>s por Prisco atestam essa assertiva:<br />
116 Para os detalhes materiais acerca da Fragmenta de Prisco, ver nossa Introdução.<br />
117 “προς δε τοις τοιχοις του οικηµατος παντες υπηρχον οι διφροι εξ εκατερας πλευρας. εν µεσωταωι<br />
δε ηστο επι κλινησ ο Αττηλας, ετερας εξοπισθεν κλινης υπαρχουσης αυτωι, µεθ ην βαθµοι τινες<br />
επι την αυτου ανηγον ευνην καλυπτοµενην οθοναις και ποικιλοις παραπετασµασι κοσµου ξαριν,<br />
καθαπερ επι τον γαµουτων Ελληνες τε και Ρωµαιοι κατασκευαζουσιν”. Prisc. Fragmenta, VIII, 58.<br />
Tradução livre.<br />
24
No momento <strong>do</strong> brinde, quan<strong>do</strong> os bárbaros exaltavam Átila e não o Impera<strong>do</strong>r,<br />
Vigilas disse que não se devia comparar um Deus com um homem, intentan<strong>do</strong><br />
dizer que Átila era um homem, e Teodósio era um Deus. 118<br />
O relato prossegue com Prisco narran<strong>do</strong> a fúria <strong>do</strong>s hunos diante <strong>do</strong> que, ao que<br />
eles consideravam, era uma ofensa formal ao seu rei, o que torna a passagem ainda mais<br />
emblemática. O brinde, referi<strong>do</strong> por Prisco, marcava um <strong>do</strong>s primeiros momentos em que a<br />
embaixada romana iria ter acesso ao Átila em pessoa, para negociar a mensagem de<br />
Teodósio II. Logo, o brinde selava oficialmente a embaixada e, grosso mo<strong>do</strong>, representava<br />
a liderança de cada uma de suas facções – Teodósio II e Átila. A contenda se inicia com os<br />
hunos exaltan<strong>do</strong> seu próprio líder. Como o brinde, segun<strong>do</strong> Prisco, para os hunos era um<br />
momento de oferenda aos Deuses, Vigilas nota que quem é alça<strong>do</strong> a essa posição é Átila,<br />
enquanto que o correto seria fazê-lo com Teodósio, já que este sim é um Deus, e Átila é<br />
apenas um homem. A irritação <strong>do</strong>s hunos demonstra, por um la<strong>do</strong>, que a autoridade de seu<br />
rei não era suplantada pelo espectro de barbárie atribuí<strong>do</strong> aos nômades e estrangeiros. Por<br />
outro la<strong>do</strong>, a cobrança de Vigilas aponta um desconforto em encarar Átila como um<br />
personagem digno de uma postura civilizada e superior. A evidência que temos, afinal, é a<br />
de que a embaixada agora lidava com um inimigo que, poderoso e influente, considerava-<br />
se um igual, espelha<strong>do</strong> no próprio impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong>s romanos.<br />
Outro elemento que merece destaque, dentro de nossa proposta, é a descrição <strong>do</strong><br />
famoso banquete presencia<strong>do</strong> por Prisco. Segun<strong>do</strong> o autor grego, os pratos e talheres<br />
servi<strong>do</strong>s aos presentes eram preciosidades feitas a ouro, num contraste absoluto com os<br />
utensílios de Átila que, sóbrio e fomentan<strong>do</strong> uma imagem de líder grave, autoritário e<br />
humilde, comia num simples pedaço de madeira 119 . Em seguida, os participantes <strong>do</strong><br />
banquete se dispunham ao re<strong>do</strong>r de Átila, que sentava na ponta da mesa: quanto mais<br />
próximo fosse de Átila, mais autoridade, influência e poder tinha aquele personagem 120 .<br />
Seu filho mais velho sentava à sua direita, a quem o rei dispensava olhares carinhosos.<br />
Após a organização <strong>do</strong>s presentes, adentra no salão um curioso personagem, Zercão,<br />
descrito por Prisco como um anão, cria<strong>do</strong> favorito de Bleda, a quem Átila permitia<br />
continuar na corte mesmo após a morte de seu irmão. O autor aponta que Zercão era uma<br />
118 “και παρα τον του συµποσιου καιρον των µεν βαρβαρων τον Αττηλαν, ηµων δε τον Βασιλεα θα<br />
υµαζοντων, ο Βιγιλας ωφη ως ουκ ειν θεον και ανθρωπον δικαια συγκρινειν, ανθροπον µεν τον Ατ<br />
τηλαν, θεον δε τον Θεοδοσιον λεγων”. Idem, VIII, 28. Tradução livre.<br />
119 Idem, VIII, 59.<br />
120 Idem, Ibid.<br />
25
espécie de Bobo da Corte, fazen<strong>do</strong> malabarismos e falan<strong>do</strong> uma língua (uma mistura de<br />
go<strong>do</strong> e huno) que, pelo absur<strong>do</strong>, causava riso em to<strong>do</strong>s os presentes 121 . O único que se<br />
mostrava insatisfeito e mesmo irrita<strong>do</strong> era o próprio Átila – Prisco afirma que o rei nunca<br />
gostou <strong>do</strong> Bobo da Corte de seu irmão.<br />
O que significa, portanto, esta imagem apresentada por Prisco?<br />
3.3 A Construção de uma coroa: o poder régio de Átila<br />
Por mais tenta<strong>do</strong>ra que seja a imagem criada por Prisco, não podemos ignorar o<br />
fato de que este é, efetivamente, um homem romano dentro de um universo considera<strong>do</strong><br />
bárbaro. Apesar de sua condição, o autor parece oscilar entre o verossímil – quan<strong>do</strong> narra<br />
as campanhas de Átila na Gália e na Itália – e a tentação de idealizar o inimigo. Ao certo, a<br />
detalhada descrição <strong>do</strong> banquete e da corte apresenta um rei sério, poderoso, humilde e<br />
terrível diante de uma turba que grita palavras em huno, em go<strong>do</strong>, em latim, em grego;<br />
Átila posiciona-se como o rex de muitas gentes, verdadeira figura de autoridade diante <strong>do</strong><br />
Impera<strong>do</strong>r. Sob este prisma, passagem nenhum é tão emblemática enquanto aquela de<br />
Zercão: enquanto to<strong>do</strong>s os seus submissos se divertem com o cria<strong>do</strong> que um dia perteceu<br />
ao seu irmão, Bleda, Átila permanece impassível. Zercão, ten<strong>do</strong> existi<strong>do</strong> ou não, assume na<br />
narrativa de Prisco o papel <strong>do</strong> exempla, <strong>do</strong> símbolo máximo da heterogênea gens huna,<br />
incapaz de conter sua barbárie diante de personagem tão grotesco. O próprio rei Bleda<br />
havia escolhi<strong>do</strong> a criatura – e seu barbarismo cobrou o preço, já que este acabou morto<br />
pela ambição <strong>do</strong> próprio irmão. Para o autor, não é o povo huno que busca a inserção no<br />
seleto círculo de civilidade, mas sim o próprio Átila. Expressan<strong>do</strong>-se na passagem <strong>do</strong><br />
brinde, Prisco percebe como o rei <strong>do</strong>s hunos almejava colocar-se como um deus<br />
impera<strong>do</strong>r, não menor, mas igual ao próprio Teodósio. O lega<strong>do</strong> grego rascunha um<br />
personagem perigoso, forte, valoroso, inimigo não somente de Roma, mas da própria<br />
Civilização; inimigo não por ser bárbaro e rústico como seu povo, mas justamente por<br />
almejar aquilo que é próprio <strong>do</strong>s romanos, a cultura que a eles pertence. Átila, destarte, é<br />
exalta<strong>do</strong> na obra de Prisco para que Teodósio II veja o que o próprio autor viu, e assim<br />
saiba alcançar sua glória ao derrotar o bárbaro que desejava ser civiliza<strong>do</strong>.<br />
Contu<strong>do</strong>, não nos parece de to<strong>do</strong> quimérico considerar que nuances <strong>do</strong> relato de<br />
Prisco retratem, de fato, as verdadeiras ambições de Átila e, consequentemente, a natureza<br />
121 Prisc. Fragmenta, VIII, 59.<br />
26
de sua monarquia. Mänchel-Helfen já notava que, uma vez nomea<strong>do</strong> Magister Militum, sua<br />
incursão pela península itálica poderia ser, de fato, uma forma de obter novamente o título<br />
122 . Em primeiro lugar, depreende-se que o huno possuía sim ambições em relação ao<br />
mun<strong>do</strong> romano: não destruir, simplesmente pilhar ou subjugar, mas literalmente adentrar e,<br />
como Estilicão, administrar aquela realidade de Civilização.<br />
Independente da veracidade de seu relato, é seguro afirmar que Prisco nos concede<br />
um <strong>do</strong>s mais ricos e completos relatos acerca <strong>do</strong>s hunos e, em especial, acerca de Átila.<br />
Dessa forma, quer a imagem <strong>do</strong> rei huno construída na fonte seja uma idealização para<br />
exaltar a capacidade de Teodósio II, quer seja um exercício retórico <strong>do</strong> lega<strong>do</strong> grego ou<br />
mesmo uma descrição mais ou menos fiel <strong>do</strong>s verdadeiros intentos de Átila, o fato é que a<br />
Fragmenta aponta uma direção ainda não explorada pela historiografia: os hunos podem<br />
assumir um papel mais problematiza<strong>do</strong> em nossos estu<strong>do</strong>s, sen<strong>do</strong> partícipes da formação<br />
de uma sociedade da Antiguidade Tardia, influencian<strong>do</strong> e sen<strong>do</strong> influencia<strong>do</strong>s em aspectos<br />
de teoria política. Tira-se de cena, portanto, Átila enquanto o maior inimigo de Roma ou<br />
como um bárbaro com fama excessiva 123 e coloca-se no palco um personagem mais plural,<br />
cioso de sua condição de “estrangeiro” diante de Roma, ciente da natureza legitima<strong>do</strong>ra <strong>do</strong><br />
Império, participante direto, afinal, de um jogo político buliçoso e instável.<br />
Átila, assim, não se coloca em nosso estu<strong>do</strong> como o Rei Bárbaro que fez Roma<br />
tremer. Sua pertinência histórica reside não em seu poder de destruição, mas na autoridade<br />
exercida por sobre grande parte <strong>do</strong>s grupos que, em maior ou menor medida, orbitavam ao<br />
re<strong>do</strong>r <strong>do</strong> cetro imperial – germanos, no geral. Um homem nasci<strong>do</strong> não para punir os<br />
romanos, mas para abalar as raças <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />
122 MÄNCHEN-HELFEN, Otto, op. cit., pp. 126 e 143.<br />
123 O’DONNEL, James, op. cit. p. 92.<br />
27
Conclusão<br />
O que se coloca como resulta<strong>do</strong> da História? Qual é seu objetivo último?<br />
Dúvidas rondam o espírito investigativo <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r desde que o <strong>do</strong>mínio de Clio<br />
elevou-se ao status de ciência, e a academia forçou seus partícipes a (re)pensar e questionar<br />
suas ferramentas, seus mo<strong>do</strong>s, seus méto<strong>do</strong>s. Em constante auto-reciclagem, a História tem<br />
adquiri<strong>do</strong>, ao longo de to<strong>do</strong> o <strong>séc</strong>ulo XX, uma noção mais aguçada de si própria, uma<br />
compreensão mais completa de sua natureza e, principalmente, uma desconfiança de seus<br />
processos e de seus resulta<strong>do</strong>s.<br />
A semântica da historiografia 124 , dessa forma, segue trabalhan<strong>do</strong> (com) e<br />
questionan<strong>do</strong> conceitos que, grosso mo<strong>do</strong>, dão materialidade retórica para uma específica<br />
percepção de mun<strong>do</strong> – neste caso, percepção que, como já notamos em nossa introdução,<br />
acompanha a pena <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r. Não nos parece equivoca<strong>do</strong> afirmar, portanto, que olhar<br />
para a idéia de Civilização e Barbárie significa, em ultima instância, olhar para si e olhar<br />
também para o outro.<br />
Objetivamos, nessa monografia, desconstruir essa oposição conceitual e, com uma<br />
revigorada crítica sobre a produção especializada e, principalmente, sobre as evidências<br />
<strong>do</strong>cumentais da Antiguidade Tardia, obter novas perspectivas acerca da definição e da<br />
gestação da idéia de poder régio entre grupos ditos “bárbaros”, com atenção especial para o<br />
caso de Átila e <strong>do</strong>s hunos. O que se buscou, dessa forma, foi uma análise acerca da teoria<br />
política tar<strong>do</strong>-antiga mais independente <strong>do</strong> julgamento advin<strong>do</strong> da alteridade “civiliza<strong>do</strong> /<br />
bárbaro”. Ao certo, não nos iludimos com a possibilidade de desenhar uma pesquisa livre<br />
de subjetividade, mas ao contrário, objetivamos elaborar novos horizontes explicativos<br />
cuja atenção recaia justamente no estu<strong>do</strong> da política com atenção para as padronizações<br />
culturais, para as criações identitárias e para a inclusão / exclusão enquanto elementos<br />
funda<strong>do</strong>res, e não decorrentes de escolhas políticas, sociais, econômicas, et cetera.<br />
Acreditamos que, com tal intento, grupos tipicamente estereotipa<strong>do</strong>s podem ganhar<br />
novo espaço e novas interpretações no seio da historiografia especializada. Ao pensarmos a<br />
oposição entre Civilização e Barbárie como forja de percepções políticas na Antiguidade<br />
Tardia, possibilidades variadas se abrem para aquele que deseja conceder espaço analítico<br />
aos nômades que tanto impacto causaram na majestosa Roma. Como percebemos ao longo<br />
124 Cf. KOSELLECK, Reinhart, op. cit.<br />
28
de nossos capítulos, a sombra <strong>do</strong> “bárbaro” paira de forma grave sobre a sociedade huna,<br />
de forma a que se julgue tal grupo a partir <strong>do</strong> prisma da inferioridade: arcaico, primitivo.<br />
Partir desta percepção estreita as matizes <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> de sua política e de sua sociedade,<br />
induzin<strong>do</strong> o historia<strong>do</strong>r a perpetuar a idéia de um retrocesso como marca maior de uma<br />
“Alta Idade Média”. A decadência <strong>do</strong> Civiliza<strong>do</strong>; a ascenção <strong>do</strong> Bestializa<strong>do</strong>.<br />
Em maior medida, nossa pesquisa afasta-se deste modelo explicativo para abraçar<br />
as novas possibilidades não de uma Alta Idade Média decadente, interregno entre Roma e<br />
o conformatar de uma sociedade feudal, mas sim a riqueza da Antiguidade Tardia, a<br />
percepção de uma sociedade única, movida por caracteres próprios, efervescente na<br />
política, na cultura, na tradição – palco da transformação, da reapropriação e da criação.<br />
Dessa forma, a idéia dinâmica de uma Antiguidade Tardia nos permite focar os hunos<br />
enquanto pleno objeto de análise, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> de historicidade, de caracteres próprios e<br />
fundamentais na estruturação da realidade político-cultural <strong>do</strong> ocidente ao longo, em<br />
especial, <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo V.<br />
A partir de nossa análise <strong>do</strong> contexto e das evidências <strong>do</strong>cumentais, portanto,<br />
percebemos que os hunos não se encaixam na taxativa condição de ferocidade primitiva<br />
imposta pela historiografia especializada. Parece-nos que esta classificação advém de uma<br />
leitura inicial das fontes, sem atenção às especificidades da realidade política e aos topoi<br />
retóricos da literatura greco-latina, que considerava a si mesmo civilizada. Atentos a esta<br />
noção de alteridade impregnada no discurso romano, notamos que os hunos apresentavam-<br />
se como um grupo composto por uma confederação que, durante algum tempo 125 , foi<br />
relativamente coesa e assegurada por uma construção política muito mais complexa <strong>do</strong> que<br />
se propõe.<br />
Acreditamos, afinal, que perceber essa problematização – grosso mo<strong>do</strong>, perceber<br />
que havia uma concepção monárquica e uma estruturação política como base para a<br />
sociedade huna – incute não apenas novas possibilidades para o estu<strong>do</strong> destes nômades das<br />
estepes, mas abre espaço para perspectivas variadas no que diz respeito ao estu<strong>do</strong> da<br />
Antiguidade Tardia. A sociedade <strong>do</strong> <strong>séc</strong>ulo VI, <strong>do</strong> VII em diante gesta-se, em grande<br />
medida, a partir da realidade contextual <strong>do</strong>s grupos germanos, grupos estes que, alguns<br />
anos antes, tiveram sua identidade e sua concepção política construídas e maturadas<br />
justamente a partir <strong>do</strong> contato, antagônico ou não, com os hunos, com a identidade huna e,<br />
fundamentalmente, com a concepção política <strong>do</strong>s hunos.<br />
125 Ver capítulo 1.<br />
29
Finalmente, este ensaio monográfico buscou apresentar a argumentação necessária<br />
para se iniciar um debate rico e importante, inseri<strong>do</strong> dentro das discussões mais recentes<br />
acerca da Antiguidade Tardia. Com a apresentação de uma possível estrutura política<br />
arrojada entre os hunos – com fundamento busca<strong>do</strong> justamente na <strong>do</strong>cumentação primária<br />
– esperamos poder ter da<strong>do</strong> uma contribuição inicial tanto para os estu<strong>do</strong>s que versam<br />
sobre povos nômades (no senti<strong>do</strong> de conceder importância para sua organização social,<br />
sem rebaixá-la em decorrência <strong>do</strong> nomadismo) quanto para aqueles que, olhan<strong>do</strong> para as<br />
primeira monarquias romano-germanas, buscam desvelar mais e mais os primeiros passos<br />
da Antiguidade Tardia ocidental.<br />
30
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37
Anexo<br />
Cronologia <strong>do</strong>s hunos 126 :<br />
Ano Rei huno Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Ocidente<br />
390 – 410 Uldin Honório<br />
410 – 412 Donato (?)<br />
412 – 422 Caratão<br />
Honório<br />
Honório<br />
422 – c. 430 Octar e Rugilas Honório /<br />
Valentiniano III<br />
c. 422 – c. 436 Rugilas Honório /<br />
Valentiniano III<br />
c. 436 – c. 445 Bleda e Átila<br />
Valentiniano III<br />
c. 436 – 453 Átila Valentiniano III<br />
453 – 455 Elaco<br />
c. 455 – 469 Dergzigo e<br />
Eunaco<br />
469 – 503 Hernaco<br />
Valentiniano III<br />
Avito /<br />
Majoriano / Líbio<br />
Severo / Antêmio<br />
Antêmio /<br />
Glicério / Julio<br />
Nepos / Rômulo<br />
Impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong><br />
Oriente<br />
Arcádio /<br />
Teodósio II<br />
Teodósio II<br />
Teodósio II<br />
Teodósio II<br />
Teodósio II<br />
Teodósio II<br />
Teodósio II /<br />
Marciano<br />
Marciano<br />
Marciano<br />
Leão I / Leão II /<br />
Zenão /<br />
Anastácio I<br />
126 As datas contidas na tabela dizem respeito ao perío<strong>do</strong> aproxima<strong>do</strong> <strong>do</strong> reina<strong>do</strong> de cada chefe huno<br />
indica<strong>do</strong>. Os anos foram estabeleci<strong>do</strong>s a partir de uma leitura combinada entre as fontes primárias e a<br />
bibliografia especializada.<br />
38