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3.2 Átila, rex da quinta centúria Apesar de extremamente fragmentada, o excerto de Prisco sobrevivente nos lega um momento singular 116 . Além do fato de a embaixada se dar num momento em que, supostamente, se planejava um atentado contra o rei huno, Prisco, enquanto legado acompanhado do embaixador de Teodósio, Maximino, tem acesso pessoal ao próprio Átila e, por conseguinte, presencia um banquete na presença do rei e de seus asseclas mais próximos. O primeiro elemento que nos chama a atenção é a descrição material da Corte de Átila. Segundo Prisco: Todas as cadeiras eram alinhadas junto às paredes da sala, colocadas em ambos os lados. No meio, sobre um leito, repousava Átila, e atrás dele posicionava-se um segundo leito, do qual alguns degraus levavam para sua câmara de dormir [uma grande cama], que era coberta por lençóis finos e ornamentos como aqueles que os gregos e romanos preparam para seus casamentos (...) 117 Em primeiro lugar, nota-se uma organização arrojada para um grupo considerado nômade. A simples menção ao modo de organização das cadeiras afasta Prisco de forma extrema dos modelos de relatos calcados em Amiano Marcelino. A presença de uma câmara especial para o repouso noturno – e, provavelmente, para a consumação dos inúmeros casamentos de Átila – atesta a preocupação do líder huno não apenas com sua ritualística, mas também com seu próprio conforto. Porém, a menção aos ornamentos típicos de casamentos gregos e romanos é nosso ponto principal. Na medida em a câmara atrás de Átila é seu espaço próprio, destinado a seu descanso, mas também à efetivação de sua dinastia (enquanto arranja mais e mais esposas), pode-se dizer que os arranjos próximos àqueles gregos e romanos são uma forma de validar também, no campo dos costumes e da visibilidade do poder, a legitimação do poder de Átila e a não-barbárie dos hunos. Outros elementos destacados por Prisco atestam essa assertiva: 116 Para os detalhes materiais acerca da Fragmenta de Prisco, ver nossa Introdução. 117 “προς δε τοις τοιχοις του οικηµατος παντες υπηρχον οι διφροι εξ εκατερας πλευρας. εν µεσωταωι δε ηστο επι κλινησ ο Αττηλας, ετερας εξοπισθεν κλινης υπαρχουσης αυτωι, µεθ ην βαθµοι τινες επι την αυτου ανηγον ευνην καλυπτοµενην οθοναις και ποικιλοις παραπετασµασι κοσµου ξαριν, καθαπερ επι τον γαµουτων Ελληνες τε και Ρωµαιοι κατασκευαζουσιν”. Prisc. Fragmenta, VIII, 58. Tradução livre. 24
No momento do brinde, quando os bárbaros exaltavam Átila e não o Imperador, Vigilas disse que não se devia comparar um Deus com um homem, intentando dizer que Átila era um homem, e Teodósio era um Deus. 118 O relato prossegue com Prisco narrando a fúria dos hunos diante do que, ao que eles consideravam, era uma ofensa formal ao seu rei, o que torna a passagem ainda mais emblemática. O brinde, referido por Prisco, marcava um dos primeiros momentos em que a embaixada romana iria ter acesso ao Átila em pessoa, para negociar a mensagem de Teodósio II. Logo, o brinde selava oficialmente a embaixada e, grosso modo, representava a liderança de cada uma de suas facções – Teodósio II e Átila. A contenda se inicia com os hunos exaltando seu próprio líder. Como o brinde, segundo Prisco, para os hunos era um momento de oferenda aos Deuses, Vigilas nota que quem é alçado a essa posição é Átila, enquanto que o correto seria fazê-lo com Teodósio, já que este sim é um Deus, e Átila é apenas um homem. A irritação dos hunos demonstra, por um lado, que a autoridade de seu rei não era suplantada pelo espectro de barbárie atribuído aos nômades e estrangeiros. Por outro lado, a cobrança de Vigilas aponta um desconforto em encarar Átila como um personagem digno de uma postura civilizada e superior. A evidência que temos, afinal, é a de que a embaixada agora lidava com um inimigo que, poderoso e influente, considerava- se um igual, espelhado no próprio imperador dos romanos. Outro elemento que merece destaque, dentro de nossa proposta, é a descrição do famoso banquete presenciado por Prisco. Segundo o autor grego, os pratos e talheres servidos aos presentes eram preciosidades feitas a ouro, num contraste absoluto com os utensílios de Átila que, sóbrio e fomentando uma imagem de líder grave, autoritário e humilde, comia num simples pedaço de madeira 119 . Em seguida, os participantes do banquete se dispunham ao redor de Átila, que sentava na ponta da mesa: quanto mais próximo fosse de Átila, mais autoridade, influência e poder tinha aquele personagem 120 . Seu filho mais velho sentava à sua direita, a quem o rei dispensava olhares carinhosos. Após a organização dos presentes, adentra no salão um curioso personagem, Zercão, descrito por Prisco como um anão, criado favorito de Bleda, a quem Átila permitia continuar na corte mesmo após a morte de seu irmão. O autor aponta que Zercão era uma 118 “και παρα τον του συµποσιου καιρον των µεν βαρβαρων τον Αττηλαν, ηµων δε τον Βασιλεα θα υµαζοντων, ο Βιγιλας ωφη ως ουκ ειν θεον και ανθρωπον δικαια συγκρινειν, ανθροπον µεν τον Ατ τηλαν, θεον δε τον Θεοδοσιον λεγων”. Idem, VIII, 28. Tradução livre. 119 Idem, VIII, 59. 120 Idem, Ibid. 25
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