o império mongol ea europa ocidental em meados do século xiii
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LUIZ RAFAEL XAVIER VICENTE<br />
O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO<br />
XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES<br />
DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK<br />
HISTÓRIA - UFPR<br />
CURITIBA<br />
2004
LUIZ RAFAEL XAVIER VICENTE<br />
O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO<br />
XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES<br />
DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK<br />
CURITIBA<br />
2004<br />
Monografia apresentada ao curso de graduação<br />
<strong>em</strong> História <strong>do</strong> Setor de Ciências Humanas,<br />
Letras e Artes da Universidade Federal <strong>do</strong><br />
Paraná.<br />
Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Renan Frighetto
ii<br />
Agradeço a Guilote, Luiz e Marcos,<br />
s<strong>em</strong> cujo amparo este trabalho não<br />
seria possível
iii<br />
“Como Deus deu à mão vários de<strong>do</strong>s, assim<br />
deu aos homens vários caminhos.”<br />
Mongke Cã, quarto impera<strong>do</strong>r <strong>mongol</strong>,<br />
<strong>em</strong> resposta ao franciscano Guilherme de<br />
Rubruck, que tentava convencê-lo a<br />
cristianizar-se
SUMÁRIO<br />
RESUMO...............................................................................................................................v<br />
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................1<br />
CAPÍTULO I – REVISÃO BIBLIOGRÁFICA....................................................................4<br />
CAPÍTULO II - CONTEXTO HISTÓRICO DE MEADOS DO SÉCULO XIII: ORIENTE<br />
MONGOL E OCIDENTE CRISTÃO...................................................................................16<br />
CAPÍTULO III – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS FONTES...........................................25<br />
CONCLUSÃO.....................................................................................................................41<br />
REFERÊNCIAS..................................................................................................................45<br />
ANEXOS..............................................................................................................................49<br />
iv
RESUMO<br />
O IMPÉRIO MONGOL E A EUROPA OCIDENTAL EM MEADOS DO SÉCULO<br />
XIII: O CRISTIANISMO POR TRÁS DOS MOTIVOS POLÍTICOS DAS MISSÕES<br />
DOS FRANCISCANOS CARPINI E RUBRUCK<br />
Autor: Luiz Rafael Xavier Vicente<br />
Orienta<strong>do</strong>r: Prof. Dr. Renan Frighetto<br />
Este trabalho analisa as relações da Cristandade européia <strong>ocidental</strong> com o Império Mongol,<br />
<strong>em</strong> m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIII. As fontes históricas por meio das quais se o faz constitu<strong>em</strong>-se<br />
de <strong>do</strong>is relatos de viagens, cada qual elabora<strong>do</strong> por um autor. Ambos os viajantes eram<br />
religiosos da Ord<strong>em</strong> <strong>do</strong>s Frades Menores – franciscanos. A primeira jornada analisada, que<br />
ocorreu entre 1245 e 1247, é a <strong>do</strong> italiano João de Pian de Carpini. Este frade foi incumbi<strong>do</strong><br />
pelo papa Inocêncio IV de r<strong>ea</strong>lizar uma missão diplomática e religiosa, cujo objetivo era<br />
chegar ao grão-cã da Mongólia – o impera<strong>do</strong>r Guyuk Cã – e professar-lhe o id<strong>ea</strong>l cristão,<br />
por meio de uma carta <strong>do</strong> sumo sacer<strong>do</strong>te. Além disso, a mensag<strong>em</strong> levada por Carpini<br />
condenava, com base nos preceitos da Igreja, as atrocidades cometidas contra os cristãos da<br />
Europa oriental, que tanta apreensão proporcionaram à Cristandade como um to<strong>do</strong>, o que<br />
foi t<strong>em</strong>a <strong>do</strong> Concílio de Lion de 1245, que alertava para possíveis novos ataques mongóis.<br />
A segunda viag<strong>em</strong> estudada é a <strong>do</strong> frei flamengo Guilherme de Rubruck. Sua duração foi<br />
praticamente igual à da jornada de Carpini – um total de <strong>do</strong>is anos, para a ida e para a volta<br />
– e o seu perío<strong>do</strong> foi de 1253 a 1255. Rubruck foi ao encontro <strong>do</strong> grão-cã <strong>mongol</strong> – que<br />
agora era Mongke Cã – como envia<strong>do</strong> <strong>do</strong> monarca da França, Luís IX. A Rubruck foi<br />
delegada a tarefa exclusiva – pelo menos nominalmente – de pregar, como Carpini, o<br />
cristianismo ao impera<strong>do</strong>r – segun<strong>do</strong> a fonte, não havia o caráter diplomático nesta viag<strong>em</strong>.<br />
Esta monografia tenta interpretar os motivos que levaram os poderosos europeus a<br />
<strong>em</strong>preender<strong>em</strong> essas viagens, não só <strong>do</strong> ponto de vista religioso, que fica mais patente, mas<br />
também <strong>do</strong> ponto de vista político. Ten<strong>do</strong> <strong>em</strong> vista o contexto das últimas Cruzadas,<br />
buscar-se-á confirmar a hipótese de que as expedições daqueles franciscanos tinham<br />
também o intuito de tentar uma aliança entre os cristãos e os mongóis contra os<br />
muçulmanos que ocupavam a Terra Santa.<br />
v
INTRODUÇÃO<br />
O <strong>século</strong> XIII se caracterizou como sen<strong>do</strong> o <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> final das Cruzadas.<br />
Entretanto, o grande acontecimento mundial daquele <strong>século</strong> foi o surgimento <strong>do</strong> Império<br />
Mongol, 1 o qual não se limitou à Ásia somente: chegou até a Europa Oriental.<br />
O t<strong>em</strong>a desta monografia refere-se às relações entre a Cristandade européia<br />
<strong>ocidental</strong> e o Império <strong>mongol</strong>, principalmente <strong>do</strong> ponto de vista político, <strong>em</strong> m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
<strong>século</strong> XIII, durante o perío<strong>do</strong> da Baixa Idade Média. As fontes históricas analisadas neste<br />
trabalho são <strong>do</strong>is relatos de viag<strong>em</strong>, ambos escritos por frades da Ord<strong>em</strong> Menor –<br />
franciscanos. O primeiro escrito é de autoria de Giovanni (João) de Pian de Carpini, que<br />
peregrinou pelos <strong>do</strong>mínios mongóis até encontrar-se com o terceiro grão-cã, Guyuk Cã, de<br />
1245 a 1247. O segun<strong>do</strong> relato diz respeito ao perío<strong>do</strong> de viag<strong>em</strong> de Willelm (Guilherme)<br />
de Rubruck, que ocorreu ente 1253 e 1255; seu encontro foi com o terceiro impera<strong>do</strong>r<br />
<strong>mongol</strong>, Mongke Cã.<br />
A monografia divide-se <strong>em</strong> três capítulos. O primeiro é composto de uma revisão<br />
bibliográfica acerca <strong>do</strong> t<strong>em</strong>a, cuja idéia é apresentar os autores utiliza<strong>do</strong>s nos estu<strong>do</strong>s,<br />
partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> âmbito geral para o específico. Neste primeiro capítulo, ainda, está esta<br />
introdução geral, com a qual se alegam a justificativa, os objetivos, a hipótese – ou<br />
probl<strong>em</strong>ática – e a meto<strong>do</strong>logia de trabalho. O segun<strong>do</strong> capítulo abrange o contexto<br />
histórico da época, tanto no Ocidente cristão quanto, sobretu<strong>do</strong>, no Oriente <strong>mongol</strong>. Este<br />
capítulo, além das notas bibliográficas, que permeiam to<strong>do</strong> o trabalho, possui diversas notas<br />
explicativas. Esta parte <strong>do</strong> trabalho serve como base para o entendimento <strong>do</strong> terceiro<br />
capítulo, que se constitui da descrição e da análise das fontes escritas por Carpini e<br />
Rubruck.<br />
Ao final da monografia, além da conclusão geral, há anexos que colaboram para a<br />
compreensão <strong>do</strong> texto. Estes anexos mostram mapas históricos <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> estuda<strong>do</strong> e um<br />
quadro gen<strong>ea</strong>lógico da linhag<strong>em</strong> de Gêngis Cã, funda<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Império Mongol, <strong>em</strong> 1206.<br />
Quanto aos nomes de pessoas e lugares, a opção foi aproximá-los ao máximo da<br />
língua portuguesa, tentan<strong>do</strong> não perder de vista as suas origens mongóis, como no caso de<br />
1 LE GOFF, J. São Luís - Biografia. Rio de Janeiro: Record, 1999. p. 45.
Caracórum, <strong>em</strong> vez de Karakorum, ou Oguedai, no lugar de Ögödäi, ou mesmo Djútchi, ao<br />
invés de Juchi. No caso de Gêngis Cã, optou-se pela grafia já tradicionalmente<br />
aportuguesada, <strong>em</strong> lugar de Gengis Khan, grafia tão propalada pela comunidade<br />
internacional. Quanto aos nomes <strong>do</strong>s autores das fontes, há, na bibliografia, diversas grafias<br />
distintas. Para Pian de Carpini, nome a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> nesta monografia, há Plano, Plan, Pian,<br />
Carpine e Carpini; ou mesmo Plancarpin. Para Rubruck, usa<strong>do</strong> aqui, a variação é b<strong>em</strong><br />
menor, a maioria <strong>do</strong>s autores a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> exatamente esta grafia, <strong>em</strong>bora o nome latiniza<strong>do</strong>,<br />
como na fonte, seja grafa<strong>do</strong> Rubruc, e, <strong>em</strong> alguns casos, por ser um nome flamengo de<br />
orig<strong>em</strong> germânica, há Ruysbroeck. Os pré-nomes serão usa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> português – João e<br />
Guilherme –, e não nas línguas originais – Giovanni, italiano, e Willelm, flamengo.<br />
A escolha deste t<strong>em</strong>a, "Império Mongol", se deu após uma mudança de rumo nas<br />
minhas pesquisas. S<strong>em</strong>pre tive interesse pelas culturas européias orientais e pelas culturas<br />
asiáticas. Acredito haver uma lacuna de conhecimento na historiografia brasileira quanto a<br />
t<strong>em</strong>as que lhes são correlatos, sobretu<strong>do</strong> no que diz respeito à Idade Média. A cultura pela<br />
qual mais me interessei foi a russa, sen<strong>do</strong> que até esta língua estudei. Inicialmente, pensava<br />
<strong>em</strong> trabalhar com a influência <strong>do</strong> Império Mongol na Rússia no <strong>século</strong> XIII. Este era o t<strong>em</strong>a<br />
que desenvolvia quan<strong>do</strong> era bolsista <strong>do</strong> Projeto Chronos - Multimeios aplica<strong>do</strong>s a História<br />
Antiga e Medieval, sob orientação da professora Márcia Siqueira. 2 Era uma idéia audaciosa,<br />
posto que não há fontes sobre o assunto <strong>em</strong> português. Foi a primeira dificuldade que se me<br />
apresentou. Consegui obter uma fonte russa <strong>em</strong> inglês (The Chronicle of Novgorod: 1016-<br />
1471. Hattiesburg: Acad<strong>em</strong>ic International, 1970. 298 p.), mas houve dificuldades para<br />
trabalhar com ela, não pela língua, mas pelo fato de não ser tão específica quanto as fontes<br />
com que trabalharei na monografia, que, além disso, estão <strong>em</strong> português.<br />
À medida que fui len<strong>do</strong> sobre a influência <strong>do</strong>s mongóis na Rússia, fui-me<br />
interessan<strong>do</strong> cada vez mais por aquele povo e por suas origens e tradições, até que me<br />
deparei com os relatos <strong>do</strong>s frades Carpini e Rubruck, por intermédio de Cibele Carvalho. 3<br />
Apreciei sobr<strong>em</strong>o<strong>do</strong> aquelas narrativas de viag<strong>em</strong>. Percebi que poderia usá-las como fontes<br />
2 Fui bolsista <strong>do</strong> Projeto Chronos nos perío<strong>do</strong>s junho-dez<strong>em</strong>bro de 2002 e junho-dez<strong>em</strong>bro de 2003.<br />
3 Cibele Carvalho é mestranda <strong>em</strong> História pela UFPR, e foi minha companheira de Projeto Chronos. Ela<br />
estuda o franciscanismo e obteve as fontes com o próprio tradutor, o frade Ildefonso Silveira, que a auxiliava<br />
<strong>em</strong> suas pesquisas.<br />
2
que explicass<strong>em</strong> as relações da cristandade <strong>ocidental</strong> com o Império de Gêngis Cã e de seus<br />
descendentes.<br />
Ao longo <strong>do</strong> texto deste trabalho,buscarei interpretar os motivos que levaram<br />
Carpini e Rubruck ao coração <strong>do</strong> Império Mongol. Foram apenas para levar a mensag<strong>em</strong> <strong>do</strong><br />
cristianismo aos nômades das estepes ou existiam motivos políticos entre os objetivos das<br />
viagens?<br />
O objetivo é tentar solucionar esta hipótese por meio da análise das fontes, que<br />
proporcionam interpretações variadas sobre o t<strong>em</strong>a, dada a riqueza de informações que<br />
traz<strong>em</strong> a qu<strong>em</strong> as estuda.<br />
Os procedimentos para colocar os objetivos <strong>em</strong> ação se constituíram, numa primeira<br />
etapa, na revisão bibliográfica referente ao t<strong>em</strong>a. Quanto ao méto<strong>do</strong> usa<strong>do</strong> para as leituras,<br />
procurei, primeiramente, elencar toda a bibliografia disponível sobre o t<strong>em</strong>a, sobretu<strong>do</strong> na<br />
Biblioteca Pública <strong>do</strong> Paraná e na biblioteca <strong>do</strong> Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes<br />
da Universidade Federal <strong>do</strong> Paraná (UFPR). Na proporção <strong>em</strong> que foram sen<strong>do</strong> feitas as<br />
leituras <strong>do</strong>s livros, b<strong>em</strong> como seus fichamentos, procurei uma fonte que cont<strong>em</strong>plasse o<br />
t<strong>em</strong>a. Como escrevi acima, houve mudança de fonte. Além disso, passei de uma, <strong>em</strong> inglês,<br />
para duas, <strong>em</strong> português, o que facilitou os estu<strong>do</strong>s.<br />
Ao longo destes <strong>do</strong>is últimos s<strong>em</strong>estres, não deixei de consultar meu professor<br />
orienta<strong>do</strong>r, o Dr. Renan Frighetto, quanto ao mo<strong>do</strong> de encaminhar meus estu<strong>do</strong>s, o que me<br />
foi de muita valia para chegar a este resulta<strong>do</strong> final.<br />
3
CAPÍTULO I<br />
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA<br />
Alguns t<strong>em</strong>as de monografias, dissertações e teses não encontram respal<strong>do</strong><br />
suficiente dentro da historiografia brasileira. Quanto a isso, os probl<strong>em</strong>as maiores se<br />
apresentam nos campos das Histórias Antiga e Medieval. Este é o caso desta monografia.<br />
Além de abordar a Idade Média, ramo da história que representa um nicho restrito no<br />
Brasil, este trabalho relaciona-se ao <strong>século</strong> XIII, não só na Europa, centro por excelência<br />
<strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s medievais – por conta <strong>do</strong> que há vasta bibliografia advinda daquele continente<br />
–, mas também à Ásia, mais precisamente ao Império Mongol.<br />
Bibliografia específica sobre este assunto, escrita por autores brasileiros, é quase<br />
inexistente, o que se constatou após várias buscas <strong>em</strong> bibliotecas de Curitiba e <strong>em</strong><br />
endereços eletrônicos de bibliotecas, universidades e livrarias de outras cidades brasileiras.<br />
Após mais de <strong>do</strong>is anos de leituras, observa-se que, no máximo, há traduções para a língua<br />
portuguesa, editadas <strong>em</strong> Portugal, de obras variadas de autores diversos sobre o t<strong>em</strong>a,<br />
principalmente franceses e russos. Também exist<strong>em</strong> nas bibliotecas muitas obras <strong>em</strong><br />
línguas estrangeiras, <strong>em</strong> francês, espanhol e inglês.<br />
Portanto, esta revisão bibliográfica primará pelo uso de bibliografia medieval<br />
estrangeira, <strong>em</strong>bora venha a abordar também, e até mais detalhadamente, os poucos autores<br />
brasileiros encontra<strong>do</strong>s que escreveram sobre aspectos <strong>do</strong> t<strong>em</strong>a deste trabalho de conclusão<br />
de curso: as relações da Cristandade <strong>ocidental</strong> com o Império Mongol <strong>em</strong> m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />
XIII.<br />
*<br />
Para esta monografia, algumas obras se apresentam como sínteses da civilização<br />
<strong>mongol</strong> na época <strong>do</strong> Império Gengiscânida. A primeira delas é de autoria <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r<br />
inglês E. D. Phillips e se chama simplesmente Os mongóis. Constitui-se de uma tradução<br />
portuguesa <strong>do</strong> inglês. 1 Vale l<strong>em</strong>brar que este autor s<strong>em</strong>pre procurou estudar as “[...]<br />
1 PHILLIPS, E. D. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção história Mundi, n. 9).
grandes migrações das estepes <strong>do</strong> Norte e a maneira de viver nómada [sic]”, 2 e que,<br />
portanto, Os mongóis se torna uma extensão disso.<br />
A obra de E. D. Phillips serve como base para qualquer estu<strong>do</strong> relaciona<strong>do</strong> ao<br />
Império Mongol, pois nela são explica<strong>do</strong>s assuntos como o nomadismo das estepes – as<br />
moradias <strong>do</strong>s mongóis – as ger –, sua alimentação, vestimenta, hábitos de guerra e de<br />
sepultamento –; o advento de Gêngis Cã – capítulo essencial de qualquer síntese sobre o<br />
Império Mongol que se preze –; a divisão <strong>do</strong> vasto território conquista<strong>do</strong> por Gêngis Cã<br />
entre seus herdeiros, os quais deram continuidade às conquistas. Além disso, Phillips insere<br />
<strong>em</strong> seu livro quadros gen<strong>ea</strong>lógicos e diversas imagens explicativas.<br />
Outro historia<strong>do</strong>r inglês, J. J. Saunders, da Universidade de Canterbury, possui uma<br />
obra <strong>em</strong> moldes bastante s<strong>em</strong>elhantes à de Phillips. The History of the Mongol Conquests, 3<br />
no entanto, é mais detalhada que Os mongóis, sobretu<strong>do</strong> no que diz respeito ao t<strong>em</strong>a <strong>do</strong><br />
presente trabalho. Nos capítulos “The Mongol drive into Europe” e “The Christian<br />
response” 4 as relações entre cristãos ocidentais e os mongóis são abordadas de maneira<br />
interpretativa. As fontes de Carpini e Rubruck são analisadas com bastante vagar. Assim<br />
como <strong>em</strong> Os mongóis, há <strong>em</strong> The History of... um capítulo dedica<strong>do</strong> a Gêngis Cã. E a<br />
análise antropológico-histórica <strong>do</strong> nomadismo das estepes mostra este mo<strong>do</strong> de vida desde<br />
muito antes da formação <strong>do</strong> Império Mongol.<br />
O terceiro livro que segue esta linha sintética é Asia central 5 , tradução para o<br />
espanhol da obra de diversos historia<strong>do</strong>res de variadas nacionalidades, organizada pelo<br />
norte-americano Gavin Hambly, da Universidade de Yale. Asia central é um apanha<strong>do</strong> de<br />
textos acadêmicos que versam sobre esta região, desde os t<strong>em</strong>pos de Alexandre da<br />
Macedônia até o <strong>do</strong>s mongóis no <strong>século</strong> XX. Os capítulos que interessam a esta monografia<br />
são justamente três <strong>do</strong>s cinco que foram escritos por Hambly, intitula<strong>do</strong>s “Gengis Kan” –<br />
como ocorre nas duas obras supracitadas –, “El zenit del imperio <strong>mongol</strong>” e “La Horda de<br />
Oro”. O mais importante destes é o segun<strong>do</strong>, no qual as relações políticas internas <strong>do</strong><br />
Império Mongol – luta pelo poder entre as linhagens de Tolui e Oguedai, filhos de Gêngis<br />
Cã – são abordadas com detalhes.<br />
2<br />
Ibid., p. 13. A obra fundamental de Phillips referente a esta citação é Os povos nómadas das estepes.<br />
Lisboa: Verbo, 1970 (1968).<br />
3<br />
SAUNDERS, J. J. The History of the Mongol Conquests. Lon<strong>do</strong>n: Routledge & Kegan Paul, 1971.<br />
4<br />
Ibid., p. 73-118.<br />
5<br />
HAMBLY, G. (Org.). Asia Central. Madrid: Siglo Veintiuno, 1970. (Historia Universal Siglo XXI, n. 16).<br />
5
Além das três obras acima, também foram utilizadas aqui, somente à maneira de<br />
leituras iniciais, mais duas obras. A primeira é o livro As civilizações das estepes, de<br />
Phillipe Conrad. 6 O probl<strong>em</strong>a que se verifica refere-se ao lugar social de produção <strong>do</strong> autor,<br />
inidentificável. A obra versa desde a época <strong>do</strong>s citas até o fim <strong>do</strong> <strong>império</strong> de Tamerlão –<br />
Timur Lang, autoproclama<strong>do</strong> descendente de Gêngis Cã, que <strong>do</strong>minou a Pérsia e suas<br />
adjacências no último quartel <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIV. Parece difícil que este livro seja reconheci<strong>do</strong><br />
como obra historiográfica, uma vez que, por ex<strong>em</strong>plo, não há referência formal alguma a<br />
outras obras e a fontes.<br />
A segunda é o texto “Asia <strong>mongol</strong>”, extraí<strong>do</strong> <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> volume da coleção<br />
Historia de la Humanidad, <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r francês J<strong>ea</strong>n Duché. 7 Muito superficial, também<br />
só serviu como leitura inicial.<br />
*<br />
A noção de como eram as crenças religiosas é importante para se entender porque<br />
Guyuk Cã e Mongke Cã não aceitaram ser cristianiza<strong>do</strong>s por Carpini e Rubruck,<br />
respectivamente, como ainda se verá nesta monografia.<br />
Nesta direção, o texto “Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos e<br />
balto-eslavos”, <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r das religiões romeno naturaliza<strong>do</strong> norte-americano Mirc<strong>ea</strong><br />
Eliade, 8 é bastante elucidativo. São explica<strong>do</strong>s ali os mitos de criação daqueles povos, suas<br />
idéias de estrutura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, b<strong>em</strong> como a importância <strong>do</strong> xamanismo para os turco-<br />
mongóis.<br />
*<br />
Como o advento de Gêngis Cã é fundamental para que se compreenda o Império<br />
Mongol, algumas obras dedicadas somente a este personag<strong>em</strong> foram utilizadas neste<br />
6<br />
CONRAD, P. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro: Ferni, 1978.<br />
7<br />
DUCHÉ, J. Asia Mongol. In: DUCHÉ, J. Historia de la Humanidad: El fuego de Diós. Madrid:<br />
Guadarrama, 1964. v. 2. p. 565-600.<br />
8<br />
ELIADE, M. Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos, balto-eslavos. In: _____. História<br />
das crenças e das idéias religiosas: de Maomé à Idade das Reformas. Rio de Janeiro: Zahar, 1984. t. 3. p. 15-<br />
54.<br />
6
trabalho. A primeira delas, Gêngis Khan, <strong>do</strong> francês Michel Hoàng, 9 serve apenas como<br />
guia, não possuin<strong>do</strong> caráter historiográfico perceptível. Apesar de se bas<strong>ea</strong>r nas fontes<br />
sobre o primeiro grão-cã, o autor escreve jornalisticamente – Hoàng não é historia<strong>do</strong>r de<br />
ofício, mas jornalista e escritor.<br />
Outra obra, Gêngis Khan: a vida <strong>do</strong> guerreiro que virou mito, foi escrita pelo<br />
historia<strong>do</strong>r inglês John Man. 10 Como o livro de Hoàng (2002), o de Man é recentíssimo<br />
(2004). Essa tradução também prima mais pelo aspecto literário <strong>do</strong> que historiográfico.<br />
A obra mais séria <strong>do</strong> ponto de vista historiográfico fica por conta de Harold Lamb,<br />
<strong>em</strong> seu Genghis Khan, <strong>em</strong>pera<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong>s los hombres, tradução <strong>do</strong> original <strong>em</strong> inglês<br />
para o espanhol. 11 “Harold Lamb investigó las crónicas de la época y consultó las fuentes<br />
adecuadas para reconstruir la figura humana de Gengis Khan, rescatán<strong>do</strong>lo de la leyenda<br />
que lo presenta como la encarnación de la barbarie o como el Anticristo.” 12<br />
Esta obra ultrapassa a barreira da simples biografia <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is livros cita<strong>do</strong>s<br />
anteriormente. Constata-se isso no capítulo referente às notas, 13 que são explicativas e não<br />
bibliográficas. Por meio delas, Lamb apresenta aspectos que r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à Yassa, o código de<br />
leis de Gêngis Cã, segui<strong>do</strong> pelos seus sucessores; à lenda <strong>do</strong> Preste João, arraigada no<br />
imaginário medieval europeu e que ajuda a explicar as missões de Carpini e Rubruck; e às<br />
correspondências entre os monarcas europeus e os cãs mongóis, cuja explicação é um <strong>do</strong>s<br />
objetos fundamentais desta monografia.<br />
*<br />
Não se pode dissociar a história da Rússia de seu <strong>do</strong>mínio pelo Império Mongol, a<br />
partir, principalmente, de 1241, quan<strong>do</strong> da destruição de Kiev por Batu, neto de Gêngis Cã.<br />
Em obras sobre a história geral da Rússia não faltam capítulos sobre o jugo <strong>mongol</strong>. Três<br />
dessas sínteses da história russa foram consultadas para este trabalho. Duas são de<br />
historia<strong>do</strong>res russos radica<strong>do</strong>s nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s: Nicholas Riazanovsky – A History of<br />
9 HOÀNG, M. Gêngis Khan. São Paulo: Globo, 2002.<br />
10 MAN, J. Gêngis Khan: a vida <strong>do</strong> guerreiro que virou mito. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.<br />
11 LAMB. H. Gengis Khan: <strong>em</strong>pera<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong>s los hombres. Madrid: Alianza, 1985 (1928).<br />
12 Ibid., contracapa.<br />
13 Ibid., p. 183-224.<br />
7
Russia 14 – e George Vernadsky – Historia de Rusia, 15 tradução <strong>do</strong> inglês para o espanhol.<br />
Numa obra ainda mais abrangente, Os eslavos: povos e nações, o francês Roger Portal<br />
dedica algumas poucas páginas aos mongóis na Rússia. 16<br />
O al<strong>em</strong>ão Carsten Goehrke escreveu “La época del <strong>do</strong>minio <strong>mongol</strong> directo y sus<br />
consecuencias para la historia de Rusia”, capítulo <strong>do</strong> livro Rusia, 17 o qual é bastante<br />
interpretativo, haja vista que aborda aspectos como o sist<strong>em</strong>a <strong>mongol</strong> de <strong>do</strong>minação, a<br />
queda populacional e as conseqüências econômicas daquela submissão. Assim o faz<br />
também o já cita<strong>do</strong> Gavin Hambly. 18<br />
Entretanto, o mais detalha<strong>do</strong> livro sobre o <strong>do</strong>mínio <strong>mongol</strong> na Rússia é L’Horde<br />
d’Or, <strong>do</strong>s russos B. Grekov e A. Iakoubovski. 19 Como o próprio título da tradução <strong>do</strong> russo<br />
para o francês exprime, os autores fixam-se somente na Horda de Ouro, canato comanda<strong>do</strong><br />
por Batu, cã pelo qual passaram Carpini e Rubruck <strong>em</strong> suas missões.<br />
*<br />
A seguir, será apresentada revisão bibliográfica de obras mais especificamente<br />
condizentes com o t<strong>em</strong>a da monografia: as relações entre o Ocidente cristão medieval e o<br />
Império Mongol. Serão analisa<strong>do</strong>s agora autores estrangeiros. Autores brasileiros serão<br />
explica<strong>do</strong>s logo a seguir.<br />
O primeiro autor que se pode mencionar é o francês Michel Mollat, numa tradução<br />
para o espanhol de seu Los explora<strong>do</strong>res del siglo XIII al XVI: primeras miradas sobre<br />
nuevos mun<strong>do</strong>s. 20 Mollat interpreta vários contatos entre europeus e habitantes de outros<br />
continentes, entre os quais os ocorri<strong>do</strong>s nas missões de Carpini e Rubruck. Para o autor, os<br />
14<br />
RIASANOVSKI, N. V. The Mongols and Russia. In: _____. A History of Russia. 3. ed. New York:<br />
Oxford University Press, 1977. p. 73-83.<br />
15<br />
VERNADSKI, G. Rusia bajo el <strong>do</strong>minio de las estepas (1238-1452). In: _____. Historia de Rusia. Buenos<br />
Aires: Losada, 1947. p. 55-67.<br />
16<br />
PORTAL, R. A paz <strong>mongol</strong>. In: _____. Os eslavos: povos e nações (<strong>século</strong>s VIII-XX). Lisboa: Cosmos,<br />
1968. (Coleção Rumos <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong>, n. 9). p. 56-64.<br />
17<br />
GOEHRKE, C. La época del <strong>do</strong>minio <strong>mongol</strong> directo y sus consecuencias para la historia de Rusia. In:<br />
_____ et al. Rusia. Ciudad de México: Siglo Veintiuno, 1970. (Historia Universal Siglo XXI, n. 31). p. 65-85.<br />
18<br />
HAMBLY, G. La Horda de Oro. In: _____, op. cit., p. 116-127.<br />
19<br />
GREKOV, B.; IAKOUBOVSKI, A. La Horde D'Or: la <strong>do</strong>mination tartare au XIIIe siècle et au XIVe<br />
siècle de la mer Jaune a la mer Noir. Paris: Payot, 1939.<br />
20<br />
MOLLAT, M. Los explora<strong>do</strong>res del siglo XIII al XVI: primeras miradas sobre nuevos mun<strong>do</strong>s. Ciudad<br />
de México: Fon<strong>do</strong> de Cultura Económica, 1990 (1984).<br />
8
franciscanos abriram caminho ao Oriente na época medieval, o que se consoli<strong>do</strong>u logo<br />
depois, pelo menos por algum t<strong>em</strong>po, com o merca<strong>do</strong>r Marco Polo, também analisa<strong>do</strong> por<br />
Mollat. À medida que as viagens <strong>do</strong>s mendicantes vão sen<strong>do</strong> explicadas, este autor<br />
interpreta, s<strong>em</strong>pre acorde com as fontes, as impressões <strong>do</strong>s freis sobre os diferentes<br />
habitantes <strong>do</strong> Império Mongol, o que era novidade para o imaginário europeu da época:<br />
“No es un retrato lisonjero, sino fisicamente exacto, el que Plancarpin [sic] trazó de los<br />
tártaros [...]. Rubruck, por su parte, distingue a los diversos pueblos del imperio <strong>mongol</strong><br />
[...].” 21 Los explora<strong>do</strong>res... permite comparações entre os contatos <strong>do</strong>s europeus com outros<br />
povos <strong>em</strong> diferentes épocas e circunstâncias.<br />
Já numa perspectiva da História Cont<strong>em</strong>porân<strong>ea</strong>, o livro The Glass Curtain between<br />
Asia and Europe 22 r<strong>em</strong>ete, <strong>em</strong> muitos de seus textos, às relações Ocidente-Oriente durante<br />
a Idade Média. The Glass Curtain... é o resulta<strong>do</strong> de um simpósio sobre essas relações ao<br />
longo <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po, com textos escritos de vários pontos de vista.<br />
O texto que mais serviu à monografia chama-se “The Historical Context of<br />
Encounters between Asia and Europe (as seen by an Asian)”, de V. S. Venkatachar. 23 O<br />
texto ajuda a explicar a superficialidade <strong>do</strong>s contatos entre europeus e asiáticos ao longo de<br />
vários <strong>século</strong>s, r<strong>em</strong>eten<strong>do</strong> ao t<strong>em</strong>a específico deste trabalho, as viagens <strong>do</strong>s franciscanos<br />
Carpini e Rubruck.<br />
O título da obra (“A cortina de vidro entre a Ásia e a Europa”) exprime a falsa idéia<br />
de que esses continentes não são, geograficamente, uma só entidade – afinal os montes<br />
Urais não representam um obstáculo físico considerável para os contatos entre uma região e<br />
outra. A “cortina de vidro” se expressaria então pelas diferenças culturais ancestrais entre<br />
asiáticos e europeus, o que ficará patente nas fontes analisadas na monografia.<br />
Venkatachar acredita que as razões para esta dicotomia estão na ignorância e na<br />
indiferença mútuas: a vasta distância, por terra ou por mar, prolongou o isolamento físico e<br />
21 Ibid., p. 43.<br />
22 RAGHAVAN, I. (Ed.). The Glass Curtain Between Asia and Europe: a symposium on the historical<br />
encounters and the changing attitudes of the peoples of the East and the West. Lon<strong>do</strong>n: Oxford University<br />
Press, 1965.<br />
23 VENKATACHAR, C. S. The Historical Context of Encounters between Asia and Europe (as seen by an<br />
Asian). In: RAGHAVAN, I. (Ed.). The Glass Curtain Between Asia and Europe: a symposium on the<br />
historical encounters and the changing attitudes of the peoples of the East and the West. Lon<strong>do</strong>n: Oxford<br />
University Press, 1965. p. 31-51.<br />
9
mental entre Ásia e Europa, 24 o que se evidencia no caso <strong>do</strong> Ocidente cristão e <strong>do</strong> Império<br />
Mongol. Os europeus, na Antigüidade, teriam curiosidade quanto aos asiáticos; já na Idade<br />
Média, os ataques <strong>do</strong>s hunos no <strong>século</strong> IV e <strong>do</strong>s mongóis no <strong>século</strong> XIII teriam resulta<strong>do</strong> na<br />
repulsa daqueles <strong>em</strong> relação a estes, bas<strong>ea</strong>da na crença de que a civilização da Europa fora<br />
destruída por uma civilização “inferior” advinda das profundezas da Ásia. 25<br />
O terror causa<strong>do</strong> pelos mongóis quan<strong>do</strong> de suas investidas na Europa oriental<br />
(Rússia, Polônia, Hungria) foi o motivo pelo qual o papa Inocêncio IV enviou o frei Carpini<br />
ao coração <strong>do</strong> Império Gengiscânida, primeiro para pedir que os ataques cessass<strong>em</strong>, depois,<br />
para tentar converter o grão-cã Guyuk ao cristianismo e, por extensão, to<strong>do</strong>s os seus<br />
súditos, que lhe tinham fidelidade pessoal. Tal terror é explica<strong>do</strong> por Venkatachar pela<br />
vantag<strong>em</strong> militar <strong>do</strong>s mongóis <strong>em</strong> relação aos povos sedentários: a mobilidade de sua<br />
cavalaria, que facilitava a marcha sobre ár<strong>ea</strong>s agrícolas. 26<br />
Para explicar o <strong>do</strong>mínio <strong>mongol</strong> – ou de qualquer outro povo das estepes asiáticas –,<br />
Venkatachar r<strong>em</strong>ete a René Grousset: “As Grousset r<strong>em</strong>arks, r<strong>ea</strong>l invasion or conquest was<br />
only exception or accident, about one chance in a hundred [...]. The nomads were a […]<br />
people with no political organization, and they were so deficient in the rudiments of<br />
civilization that it was a burden for th<strong>em</strong> to presume to govern highly civilized peoples<br />
living in populous villages and cities.” 27<br />
Isso ajuda a explicar porque os mongóis eram tão facilmente assimiláveis pelas<br />
culturas sedentárias por eles <strong>do</strong>minadas, principalmente na China, o que se corrobora nos<br />
relatos de Marco Polo sobre Kublai Cã. Diferent<strong>em</strong>ente <strong>do</strong>s nômades, os europeus<br />
desenvolveram concepções de relações políticas entre povos, sobretu<strong>do</strong> entre os que<br />
estavam <strong>em</strong> guerra. 28 Tais concepções foram postas <strong>em</strong> prática pelo papa Inocêncio IV, no<br />
caso de Carpini, e pelo rei Luís IX da França, no caso de Rubruck. E os resulta<strong>do</strong>s desses<br />
atos, dadas as diferenças entre cristãos e mongóis, não foram frutíferos, como se pode<br />
observar no terceiro capítulo desta monografia.<br />
24 Ibid., p. 31.<br />
25 Ibid., p. 32.<br />
26 Ibid., p. 33-34.<br />
27 Ibid., p. 34. Numa tradução livre: “Como Grousset observa, invasão ou conquista efetivas se tratavam de<br />
exceções ou acidentes, com uma chance <strong>em</strong> c<strong>em</strong> de ocorrer. Os nômades não possuíam organização política, e<br />
eram tão deficientes nos rudimentos de civilização, que para eles era um far<strong>do</strong> atrever-se a governar povos de<br />
sociedades avançadas, que viviam <strong>em</strong> vilas e cidades.”<br />
28 Ibid., p. 35.<br />
10
A idéia de relações entre povos, de acor<strong>do</strong> com essa visão européia – no caso uma<br />
relação potencial de aliança contra um inimigo comum, o Islã, dentro <strong>do</strong> contexto das<br />
últimas Cruzadas <strong>do</strong> Oriente –, não podia ser compreendida pelos cãs da Mongólia, para os<br />
quais só era aceitável a submissão, a vassalag<strong>em</strong>. Tal incompreensão se deu porque o<br />
sist<strong>em</strong>a político europeu era acompanha<strong>do</strong> de um princípio de equilíbrio de poder, o qual<br />
não era adequa<strong>do</strong> para as relações entre os mongóis e os povos sedentários subjuga<strong>do</strong>s. 29<br />
Desta forma, como os nômades das estepes tinham uma pré-disposição para a<br />
absorção <strong>em</strong> termos culturais, sociais e políticos, isso fazia com que eles se tornass<strong>em</strong>, <strong>em</strong><br />
contrapartida, tolerantes com os costumes e hábitos alheios. Isso, segun<strong>do</strong> Venkatachar,<br />
tornou-os hábeis a perceber<strong>em</strong> a divergência que havia entre a pregação da Cristandade<br />
européia e a sua prática, tão perm<strong>ea</strong>da de associações políticas. 30 O caso sui generis disso<br />
se apresenta na carta-resposta de Mongke Cã ao rei Luís IX, entregue ao envia<strong>do</strong> deste, o<br />
frei Rubruck, como se verifica no capítulo III deste trabalho.<br />
Dois textos mais curtos também se relacionam às relações Oriente-Ocidente no<br />
<strong>século</strong> XIII. Um deles é de Léopold Genicot, “El resto del mun<strong>do</strong>. Conquistas, factorías,<br />
cruzadas”, extraí<strong>do</strong> da tradução <strong>do</strong> francês para o espanhol <strong>do</strong> livro Europa en el siglo<br />
XIII. 31 O texto enfatiza a idéia de sucesso e fracasso das incursões européias na Ásia<br />
naquele <strong>século</strong>, citan<strong>do</strong> Carpini e Rubruck, s<strong>em</strong> muito aprofundamento. Contu<strong>do</strong>, a obra<br />
como um to<strong>do</strong> favorece uma excelente visão da Europa <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIII, apresentan<strong>do</strong> uma<br />
vasta lista de fontes consultadas por Genicot.<br />
Outro texto é <strong>do</strong> grande representante da terceira geração da Escola <strong>do</strong>s Annales,<br />
Jacques Le Goff. No âmbito da História das Mentalidades, <strong>em</strong> que há “[...] o<br />
reconhecimento de que o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> mental só faz senti<strong>do</strong> se articula<strong>do</strong> a totalidades<br />
explicativas”, 32 Le Goff, no texto “A Cristandade e o mito <strong>mongol</strong>”, <strong>do</strong> livro A civilização<br />
<strong>do</strong> Ocidente medieval – volume 1, 33 atenta para o fato de que<br />
29<br />
Ibid., p. 39.<br />
30<br />
Ibid., p. 47.<br />
31<br />
GENICOT, L. El resto del mun<strong>do</strong>. Conquistas, factorías, cruzadas, misiones. In: _____. Europa en el siglo<br />
XIII. Barcelona: Labor, 1970. p. 235-245.<br />
32<br />
VAINFAS, R. As mentalidades, uma corrente historiográfica francesa. In: _____. Os protagonistas<br />
anônimos da História. Rio de Janeiro: Campus, 2002.<br />
33<br />
LE GOFF, J. A Cristandade e o mito <strong>mongol</strong>. In: _____. A civilização <strong>do</strong> Ocidente medieval. Lisboa:<br />
Estampa, 1995 (1964). v. 1. (Nova História, n. 14). p. 188-190.<br />
11
[...] os Mongóis deram orig<strong>em</strong> ao aparecimento de estranhas ilusões de príncipes, clérigos,<br />
merca<strong>do</strong>res. Não só se julgou que estavam prontos a converter-se ao cristianismo como se pensou<br />
que já estavam secretamente converti<strong>do</strong>s, esperan<strong>do</strong> apenas pela boa oportunidade para o revelar. O<br />
mito <strong>do</strong> Prestes [sic] João, esse misterioso soberano cristão que o <strong>século</strong> XIII localizava na Ásia [...],<br />
nasci<strong>do</strong> nas imaginações a partir de vagas informações disponíveis acerca de pequenos núcleos<br />
cristãos nestorianos que tinham sobrevivi<strong>do</strong> na Ásia, recaiu nos Mongóis [...]. E sobre essa ilusão um<br />
grande sonho cresceu: o sonho de uma aliança entre cristãos e Mongóis, que [...] destruísse [o Islã]. 34<br />
Tal mito foi também um <strong>do</strong>s motivos para as excursões <strong>do</strong>s frades Carpini e Rubruck.<br />
Sobre essas <strong>em</strong>baixadas ao Império Mongol, não se pode perder de vista um<br />
importante personag<strong>em</strong> europeu <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, o rei Luís IX da França, futuro São Luís. O<br />
próprio Le Goff o aborda <strong>em</strong> obras como O maravilhoso e o quotidiano no Ocidente<br />
medieval, 35 e, principalmente, na biografia deste monarca escrita pelo historia<strong>do</strong>r. 36 Três<br />
textos <strong>do</strong> livro têm relevância pontual nesta pesquisa: “O horizonte oriental: Bizâncio,<br />
Islam [sic], Império Mongol”, 37 “Um rei escatológico: o Apocalipse <strong>mongol</strong>” 38 e “O<br />
Oriente de São Luís”. 39 Eles versam sobre o mun<strong>do</strong> que cercava o rei fora das fronteiras da<br />
Europa. Dentro <strong>do</strong> contexto das últimas Cruzadas, “Luís vai agir além <strong>do</strong> reino da França<br />
no espaço da Cristandade, vai sair <strong>em</strong> pessoa ao mun<strong>do</strong> hostil <strong>do</strong> Islam [sic], à África <strong>do</strong><br />
Norte e ao Oriente Próximo, e, por intermédio de seus desígnios, de seus sonhos e de seus<br />
mensageiros, até o coração <strong>do</strong> Oriente, esse reservatório de maravilhas e de pesadelos.” 40<br />
A expedição enviada por Luís IX ao Império Mongol, chefiada pelo franciscano<br />
Rubruck, é também explicada com detalhes no terceiro capítulo desta monografia, quan<strong>do</strong><br />
da análise das fontes. Do texto de Le Goff, é importante constatar que, “Atrapalha<strong>do</strong>s, Luís<br />
e seu conselho não vão querer levar <strong>em</strong> consideração o preâmbulo e a proclamação de<br />
suserania <strong>do</strong> Khan [sic] [Mongke Cã], que o rei de França não saberia aceitar, ainda que se<br />
tratasse de uma formalidade, de ord<strong>em</strong> puramente teórica [...]. São Luís deixou passar a<br />
ocasião. Assim se fechou para ele o espaço <strong>mongol</strong>.” 41<br />
*<br />
34<br />
Ibid., p. 188-189.<br />
35<br />
LE GOFF, J. Os gestos de São Luís: encontro com um modelo e uma personalidade. In: _____. O<br />
maravilhoso e o quotidiano no Ocidente medieval. Lisboa: Edições 70, 1983. p. 71-88.<br />
36<br />
_____. São Luís - Biografia. Rio de Janeiro: Record, 1999.<br />
37<br />
Ibid., p. 43-59.<br />
38<br />
Ibid., p. 137.<br />
39<br />
Ibid., p. 483-492.<br />
40<br />
Ibid., p. 43.<br />
41<br />
MARGULIES, M. Os judeus na história da Rússia. Rio de Janeiro: Bloch, 1971.<br />
12
A surpresa de encontrar autores brasileiros que escreveram sobre aspectos correlatos<br />
ao Império Mongol faz com que se dedique a parte final deste capítulo da monografia a<br />
explicá-los <strong>em</strong> separa<strong>do</strong> e com mais vagar.<br />
As obras apresentadas neste trabalho estão compreendidas <strong>em</strong> perío<strong>do</strong>s b<strong>em</strong><br />
diferentes da produção historiográfica brasileira. A primeira, Os judeus na história da<br />
Rússia, <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r, rabino e cin<strong>ea</strong>sta Marcos Margulies, foi editada <strong>em</strong> 1971. Este livro<br />
é uma adaptação da tese de <strong>do</strong>utoramento defendida pelo autor, <strong>em</strong> 1970, na Universidade<br />
de São Paulo (USP). Os judeus... analisa a evolução das relações intergrupais entre judeus e<br />
russos ao longo <strong>do</strong>s t<strong>em</strong>pos.<br />
A ár<strong>ea</strong> geográfica escolhida por Margulies foi a Europa centro-oriental, que<br />
representa, para o autor, os encontros e choques de várias culturas, ideologias,<br />
mentalidades, interesses, religiões e etnias. 42 O eixo <strong>em</strong> torno <strong>do</strong> qual giram os estu<strong>do</strong>s de<br />
Margulies é o povo judeu. Todavia, há um capítulo, o quinto, “Hansa e Tartária”, 43 que se<br />
dedica “[...] tanto aos habitantes <strong>do</strong>s burgos al<strong>em</strong>ães [...], quanto aos habitantes das estepes<br />
asiáticas [...]. Uns atacavam o Oriente, outros, o Ocidente, mas <strong>em</strong> ambos os casos tratava-<br />
se da atual Rússia [européia].” 44<br />
É interessante, e até surpreendente, constatar que um historia<strong>do</strong>r brasileiro tenha<br />
trata<strong>do</strong>, ainda que apenas como pano de fun<strong>do</strong>, de aspectos <strong>do</strong> Império Mongol. Deve-se ter<br />
<strong>em</strong> mente o lugar social de produção e a época de pesquisa <strong>do</strong> autor. Ele estava inseri<strong>do</strong><br />
num t<strong>em</strong>po marca<strong>do</strong> pela maior estruturação <strong>do</strong>s cursos universitários e pela criação, nos<br />
anos 1970, <strong>do</strong>s cursos de pós-graduação no Brasil, o que dava a oportunidade de estu<strong>do</strong>s de<br />
novos t<strong>em</strong>as dentro da historiografia brasileira.<br />
Embora Margulies não deixe de l<strong>em</strong>brar que seu lugar de produção é o Brasil, 45<br />
observa-se claramente que seu livro é um apanha<strong>do</strong> de leituras, releituras e interpretações<br />
de obras de autores os mais varia<strong>do</strong>s, pelo longo recorte que ele propõe. No capítulo V, ele<br />
r<strong>em</strong>ete a autores russos, muitos <strong>do</strong>s quais traduzi<strong>do</strong>s para o inglês, francês e espanhol (e<br />
42 Ibid., p. 491-492.<br />
43 Ibid., p. 111-143.<br />
44 Ibid., p. 7.<br />
45 Como ocorre no capítulo I (“Varégia”), p. 18, <strong>em</strong> que compara bald<strong>ea</strong>ções escandinavas <strong>em</strong> Kiev com o<br />
conceito português de vara<strong>do</strong>uro, que aconteceu no Brasil das Bandeiras (ver nota 2, p. 275); ou no próprio<br />
capítulo V (“Hansa e Tartária”, nota 9, p. 299), no qual Margulies cita o historia<strong>do</strong>r brasileiro Pedro Moacyr<br />
de Campos.<br />
13
constantes da biblioteca da UFPR), como Grekov, Iakoubovski e Poliakov, e franceses<br />
pesquisa<strong>do</strong>res de assuntos euro-orientais e asiáticos, como Grousset e Portal, também<br />
encontráveis na mesma biblioteca. Isso não invalida – pelo contrário – sua obra, pois, com<br />
ela, surg<strong>em</strong> várias possibilidades de estu<strong>do</strong>, sejam com o detalhismo com que Margulies<br />
trata seu assunto, sejam com a enorme quantidade de notas, as quais referenciam<br />
muitíssimos autores. 46<br />
O segun<strong>do</strong> autor a ser analisa<strong>do</strong> é Hilário Franco Jr., bacharel e <strong>do</strong>utor <strong>em</strong> História<br />
pela USP, onde é professor. Possui várias obras referentes à Idade Média, cuja dedicação<br />
está na história das mentalidades e <strong>do</strong> imaginário medievais.<br />
Nesta direção, Franco Jr. pesquisou as utopias daquele perío<strong>do</strong>, cujo resulta<strong>do</strong> foi o<br />
livro As utopias medievais. 47 Dividi<strong>do</strong> <strong>em</strong> seis capítulos, incluin<strong>do</strong> introdução e conclusão,<br />
o autor discorre sobre quatro grandes utopias medievais: a da abundância, a da justiça, a <strong>do</strong><br />
sexo e a <strong>do</strong> Paraíso.<br />
O aspecto mais relevante <strong>do</strong> livro para esta monografia é a explicação da lenda <strong>do</strong><br />
Preste João, soberano lendário a qu<strong>em</strong> na Europa medieval se atribuiu o <strong>do</strong>mínio de um<br />
<strong>império</strong> cristão, que foi, sucessivamente, confundi<strong>do</strong> com um chefe cristão nestoriano de<br />
uma tribo turca da Mongólia, depois com alguns <strong>do</strong>s cãs <strong>do</strong> Império Mongol e, por fim,<br />
com os soberanos da Etiópia. Além disso, tal lenda pode ser discutida pela historiografia<br />
brasileira <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> desejo de se chegar a esse hipotético alia<strong>do</strong> da cristandade, o<br />
que está no contexto <strong>do</strong> imaginério das Grandes Descobertas.<br />
A lenda <strong>do</strong> Preste João ajuda a entender as utopias descritas por Franco Jr.,<br />
sobretu<strong>do</strong> as da abundância, da justiça e <strong>do</strong> Paraíso, pois seu suposto <strong>império</strong> representava<br />
para a mentalidade medieval idéias que estavam distantes da Europa na época. Tal<br />
mentalidade ajuda a explicar os motivos pelos quais missionários franciscanos Carpini e<br />
Rubruck foram envia<strong>do</strong>s à corte <strong>do</strong>s impera<strong>do</strong>res mongóis, <strong>em</strong> m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIII.<br />
Talvez Franco Jr. justifique seus estu<strong>do</strong>s, ou “tenha adquiri<strong>do</strong> os direitos” para<br />
r<strong>ea</strong>lizá-los, pelo fato de a História <strong>do</strong> Brasil pós-descobrimento ser uma “continuação” da<br />
história da Europa <strong>ocidental</strong>. Por extensão, a historiografia daquela região teve reflexos na<br />
46 Ainda assim, sente-se falta da citação da bibliografia utilizada, ainda que fosse de forma enxuta.<br />
Certamente foi uma opção editorial, posto que o montante de páginas com as referências encareceria o custo<br />
<strong>do</strong> livro.<br />
47 FRANCO JR., H. As utopias medievais. São Paulo: Brasiliense, 1992.<br />
14
produção local, ou seja, como historia<strong>do</strong>r brasileiro perm<strong>ea</strong><strong>do</strong> pelo caráter <strong>ocidental</strong>, o<br />
autor se viu no direito de estudar a História Medieval, assunto que, <strong>em</strong>bora relaciona<strong>do</strong> a<br />
outras partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, se relaciona mais com o Ocidente, <strong>do</strong> qual o Brasil faz parte.<br />
Portanto, Hilário Franco Jr. pôde analisar muito b<strong>em</strong> a história de um t<strong>em</strong>po “ausente” no<br />
Brasil.<br />
Por fim, o terceiro texto é de autoria de Andréa Doré, professora <strong>do</strong> Departamento<br />
de História da Universidade Federal <strong>do</strong> Paraná, UFPR. “Diplomacia e relações comerciais<br />
entre o Oriente e o Ocidente: duas experiências <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIII” 48 é um artigo que se baseia<br />
“[...] na dissertação de mestra<strong>do</strong> [de Doré], apresentada no Instituto de Ciência Política e<br />
Relações Internacionais da UnB [Universidade de Brasília], <strong>em</strong> janeiro de 1997.” 49 Na<br />
qualidade de <strong>do</strong>utoranda <strong>em</strong> História pela UFF (Universidade Federal Fluminense), Andréa<br />
Doré entende como aspectos rudimentares de diplomacia a viag<strong>em</strong> <strong>do</strong> frei Rubruck ao<br />
Império Mongol e as atividades comerciais r<strong>ea</strong>lizadas por Marco Polo na China Mongol.<br />
*<br />
As obras mostradas neste trabalho refer<strong>em</strong>-se a abordagens gerais ou específicas <strong>do</strong><br />
t<strong>em</strong>a da monografia e permit<strong>em</strong> a discussão de t<strong>em</strong>as medievais dentro da acad<strong>em</strong>ia<br />
brasileira, além de auxiliar<strong>em</strong> na solução de hipóteses para estu<strong>do</strong>s que lhes são referentes.<br />
48 DORÉ, A. Diplomacia e relações comerciais entre o Oriente e o Ocidente: duas experiências <strong>do</strong> <strong>século</strong><br />
XIII. T<strong>em</strong>po, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 137-158, dez. 2000.<br />
49 Ibid., p. 137.<br />
15
CAPÍTULO II<br />
CONTEXTO HISTÓRICO DE MEADOS DO SÉCULO XIII:<br />
ORIENTE MONGOL E OCIDENTE CRISTÃO<br />
Nenhum trabalho referente ao Império Mongol pode prescindir de <strong>do</strong>is assuntos<br />
fundamentais para seu entendimento: o nomadismo das estepes e o advento de Gêngis Cã.<br />
O nomadismo t<strong>em</strong> muito a ver com as condições climáticas da região de orig<strong>em</strong> <strong>do</strong>s<br />
mongóis, aproximadamente o território compreendi<strong>do</strong> pela atual República da Mongólia.<br />
S<strong>em</strong> saída para o mar, este território se estende, a oeste, por uma série de maciços<br />
montanhosos (Altai e Khangai), separadas por lagos; o sul e o leste inclu<strong>em</strong> grande parte <strong>do</strong><br />
deserto de Góbi; o clima é continental, caracteriza<strong>do</strong> por baixas precipitações e elevadas<br />
amplitudes térmicas. Além disso, grande parte dessa região e de seu entorno é composta por<br />
uma imensa planície de estepes. "Desde a Antiguidade, hordas nômades circulavam através<br />
da imensa zona de estepes que cobre importante porção da Eurásia (...). Seu próprio habitat<br />
impunha há milênios um mo<strong>do</strong> de vida pastoril que parecia estranhamente rudimentar ao<br />
la<strong>do</strong> das civilizações sedentárias que lhes eram cont<strong>em</strong>porân<strong>ea</strong>s." 1 Embora essas<br />
populações prezass<strong>em</strong> seus costumes de cavaleiros, pastores e guerreiros, 2 sentiam-se<br />
atraí<strong>do</strong>s pelo mo<strong>do</strong> de vida das populações sedentárias, estabelecen<strong>do</strong> assim uma relação de<br />
destruição e pilhag<strong>em</strong> a estas, por um la<strong>do</strong>, e de assimilação, por outro. 3<br />
O grande personag<strong>em</strong> da história <strong>do</strong> Império Mongol é Gêngis Cã. T<strong>em</strong>udjin, seu<br />
nome, 4 conseguiu unificar e pôr sob seu coman<strong>do</strong> as tribos nômades mongóis, pela destreza<br />
militar e pela inteligência nas alianças políticas. Convenceu-as de que era descendente <strong>do</strong><br />
1 PERROY, É. A Ásia mongólica (<strong>século</strong>s XII-XIII). In: CROUZET. M. (dir.). A Idade Média: o perío<strong>do</strong> da<br />
Europa feudal, <strong>do</strong> Islã turco e da Ásia mongólica; os t<strong>em</strong>pos difíceis (início). 2. ed. São Paulo: Difusão<br />
Européia <strong>do</strong> Livro, 1958. (História Geral das Civilizações, n. 7). p. 87.<br />
2 Sobre os hábitos (moradia, meios de transporte, alimentação, trabalho e vestuário), ver: PHILLIPS, E. D. Os<br />
mongóis e a tradição nómada [sic]. In: _____. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção História Mundi; n.<br />
9). p. 24-41.<br />
3 PERROY, op. cit.<br />
4 O termo "Gêngis Cã" é uma adaptação fonética para o português de Tchinggis Khan, que foi o título<br />
atribuí<strong>do</strong> a T<strong>em</strong>udjin. V<strong>em</strong> de Tchinggis ("oceânico") e Khan ("chefe").
Lobo Sobrenatural 5 e fez-se proclamar cã supr<strong>em</strong>o (khakhan) por uma kurultai (ass<strong>em</strong>bléia<br />
de líderes mongóis), <strong>em</strong> 1206. A chefia tradicional fora trocada por uma monarquia de<br />
direito divino, 6 já que, para os xamãs, Gêngis Cã era o escolhi<strong>do</strong> de Tengri, o "Céu<br />
Eterno". 7<br />
As forças militares de Gêngis Cã, extr<strong>em</strong>amente organizadas 8 e ligadas a seu chefe<br />
por fidelidade pessoal, passaram então para as conquistas externas, ou seja, submissão <strong>do</strong>s<br />
povos sedentários que cercavam os mongóis. Estes passaram então de uma fase de<br />
pilhag<strong>em</strong> simples e subseqüente retirada para outra de cobrança de tributos e de exigência<br />
de participação de não-mongóis <strong>em</strong> suas forças militares. Gêngis Cã coman<strong>do</strong>u <strong>em</strong> pessoa<br />
as conquistas da China <strong>do</strong> Norte (1209), Turquestão (1218), Corásmia 9 (1220), e enviou<br />
seus melhores lugar-tenentes (Djebe e Subotai) para conquistar<strong>em</strong> as terras caucasianas,<br />
submeter<strong>em</strong> os turcos quiptchaques 10 <strong>do</strong> norte <strong>do</strong> mar Cáspio e pilhar<strong>em</strong> o principa<strong>do</strong> de<br />
Kiev (1222). Após os sucessos no oeste, houve uma nova campanha contra a China,<br />
durante a qual Gêngis Cã morreu, de causas naturais, não s<strong>em</strong> antes ter orienta<strong>do</strong> seus<br />
herdeiros quanto à continuação das conquistas.<br />
Gêngis Cã percebera que um território com aquela extensão não poderia ficar a<br />
cargo de um só hom<strong>em</strong>. Quatro de seus filhos, os gera<strong>do</strong>s pelas primeira esposa, Boerte,<br />
tiveram direito a herança. 11 O primogênito, Djútchi, receberia as terras de estepes <strong>em</strong> torno<br />
<strong>do</strong>s rios Volga e Ural, mas, como morrera pouco antes de Gêngis Cã, o filho de Djútchi,<br />
Batu, as her<strong>do</strong>u. Tchagatai, o segun<strong>do</strong> filho, ficou com a Ásia Central e a Pérsia. Oguedai,<br />
<strong>em</strong>bora tenha si<strong>do</strong> escolhi<strong>do</strong> por seu pai para o substituir, comandaria um ulus (povo ou<br />
grupo de povos) próprio, a leste <strong>do</strong> lago Balcache. E a Tolui, o mais novo, coube a terra-<br />
5<br />
A ancestralidade <strong>do</strong> Lobo Sobrenatural era reivindicada por diversos líderes de povos turco-mongólicos.<br />
Com Gêngis Cã não foi diferente. Ver: ELIADE, M. Religiões da Eurásia antiga: turco-mongóis, fino-úgricos,<br />
balto-eslavos. In: _____. História das crenças e das idéias religiosas: de Maomé à Idade das Reformas. Rio<br />
de Janeiro: Zahar, 1984. t. 3. p. 15.<br />
6<br />
CONRAD, P. As civilizações das estepes. Rio de Janeiro: Ferni, 1978. p. 163.<br />
7<br />
Sobre o xamanismo <strong>mongol</strong> e sobre a crença no "Céu Eterno", ver: ELIADE, op. cit., p. 17-38.<br />
8<br />
Sobre a organização militar <strong>mongol</strong>, ver: PHILLIPS, op. cit., p. 46-58; CONRAD, op. cit., p. 191-210.<br />
9<br />
Ou Khwarezm, região <strong>do</strong>minada na época por turco-iranianos islâmicos, que corresponde hoje à parte norte<br />
<strong>do</strong> Irã, ao Afeganistão e à Transoxiana.<br />
10<br />
Conheci<strong>do</strong>s também como polovtses ou cumanos.<br />
11<br />
A poligamia era a regra entre os mongóis. To<strong>do</strong>s os filhos, de todas as esposas, e também os a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s,<br />
tinham os mesmos direitos, até que lhes morresse o pai. Então somente os filhos gera<strong>do</strong>s pela primeira esposa<br />
tinham direitos a espólios.<br />
17
mãe da Mongólia. 12 To<strong>do</strong>s esses territórios serviam à prática <strong>do</strong> nomadismo das estepes; as<br />
zonas sedentárias controladas pelo Império dependeriam diretamente <strong>do</strong> grão-cã e deveriam<br />
pagar tributos e ceder contingentes para as tropas imperiais,<br />
Embora fosse o preferi<strong>do</strong> de Gêngis Cã, Oguedai teve que se submeter a uma<br />
kurultai, pela qual foi aclama<strong>do</strong> <strong>em</strong> 1229, ten<strong>do</strong> reina<strong>do</strong> até 1241. Seu coman<strong>do</strong> deu início<br />
à segunda fase <strong>do</strong> Império Mongol.<br />
*<br />
As tentativas de aproximação entre o Ocidente cristão e o Império Gengiscânida<br />
ocorreram quan<strong>do</strong> Guyuk (1246-1248) e Mongke (1251-1259) foram os grão-cãs. Sob<br />
Oguedai, às regiões sedentárias <strong>do</strong>minadas sobrepuseram-se as prerrogativas mongóis,<br />
bas<strong>ea</strong>das no Yassa (código) de Gêngis Cã. 13 À morte <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> grão-cã, os fundamentos<br />
<strong>do</strong> Império tinham si<strong>do</strong> completa<strong>do</strong>s <strong>em</strong> toda a região das estepes. 14<br />
Ainda que Oguedai Cã tivesse indica<strong>do</strong> seu neto Shiramun como sucessor, sua<br />
viúva, Toreguene, 15 conseguiu, mediante manobras políticas, 16 assegurar a escolha de seu<br />
filho Guyuk na kurultai de 1246, contra a vontade de Batu, que comandava a Horda de<br />
Ouro. 17 Batu era formalmente súdito <strong>do</strong> Impera<strong>do</strong>r, mas nunca prestou vassalag<strong>em</strong> a Guyuk<br />
Cã. Havia uma disputa pelo poder entre os descendentes de Tolui (Mongke, Hulégu e<br />
Kublai) e Djútchi (Batu) e os de Oguedai (Guyuk) e Tchagatai. 18<br />
12<br />
Os mongóis propriamente ditos são originários das terras entre os rios Orkhon e Kerulen, a leste <strong>do</strong> lago<br />
Baical, o qual atualmente pertence à Rússia. Além <strong>do</strong>s mongóis, havia os keraites ou caraítas, os naimanos, os<br />
merquitas, os taidjutes, os oirates (ver nota 32) e os tártaros (ver nota 19). Segun<strong>do</strong> as tradições mongóis, o<br />
filho mais novo era o "guardião da pátria <strong>mongol</strong>" (otciggin). Ver: CONRAD, op. cit., p. 214.<br />
13<br />
Sobre o Yassa ou Yasaq de Gêngis Cã, ver: LAMB. H. Gengis Khan: <strong>em</strong>pera<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong>s los hombres.<br />
Madrid: Alianza, 1985. p. 61-67 e 186-189.<br />
14<br />
PHILLIPS, op. cit., p. 87.<br />
15<br />
As mulheres parec<strong>em</strong> ter des<strong>em</strong>penha<strong>do</strong> importante papel no Império Mongol. Quan<strong>do</strong> da vacância <strong>do</strong><br />
trono de grão-cã, por ocasião de falecimento, a regência cabia à viúva <strong>do</strong> morto. Sobre os trabalhos<br />
das mulheres mongóis, ver: Ibid., p. 38. Sobre as mulheres na corte <strong>mongol</strong>, ver:<br />
ROSSABI, M. Women of the Mongol Court. Disponível <strong>em</strong><br />
Acesso <strong>em</strong> 21 jul. 2003.<br />
16<br />
PHILLIPS, op. cit., p. 90; HAMBLY, op. cit., p. 105.<br />
17<br />
O termo "horda" v<strong>em</strong> <strong>do</strong> francês horde, uma variação da palavra <strong>mongol</strong> ordu (acampamento, sede da<br />
corte). A tenda de feltro era a casa <strong>mongol</strong>, chamada ger. Portanto, o nome "Horda de Ouro" é explica<strong>do</strong> pelo<br />
fato de a ger de Batu ter decorações <strong>do</strong>uradas. A Horda de Ouro compreendia a atual Rússia européia<br />
meridional-oriental, a Ucrânia, o Cáucaso e o Cazaquistão. Sobre as ger, ver: PHILLIPS, op. cit., p. 34-36.<br />
18<br />
SAUNDERS, J. J. The History of the Mongol Conquests. Lon<strong>do</strong>n: Routledge & Kegan Paul, 1971. p.<br />
105-106.<br />
18
Foi exatamente nesse contexto que foi envia<strong>do</strong> o primeiro missionário <strong>ocidental</strong> à<br />
corte gengiscânida, o italiano João de Pian de Carpini. Seu relato sobre algumas das regiões<br />
de <strong>do</strong>mínio tártaro, 19 elabora<strong>do</strong> logo após sua viag<strong>em</strong> (1245-1247), representa um pioneiro<br />
<strong>do</strong>cumento <strong>ocidental</strong> sobre os mongóis. Carpini desfrutava de excelente reputação na<br />
Ord<strong>em</strong> <strong>do</strong>s Frades Menores e teve papel fundamental na propagação das idéias franciscanas<br />
na Europa Ocidental.<br />
Em 1241 as forças de Oguedai Cã estiveram prestes a atacar o Ocidente cristão. Às<br />
portas de Viena, os contingentes mongóis tiveram que se retirar para a capital <strong>do</strong> Império,<br />
Caracórum, 20 por causa da morte daquele, para uma nova kurultai. Foi um perigo r<strong>ea</strong>l para<br />
a cristandade católica européia. A imag<strong>em</strong> de terror que os mongóis, sob o coman<strong>do</strong> de<br />
Batu, causaram à Europa oriental não passou despercebida <strong>do</strong> papa Inocêncio IV e <strong>do</strong>s<br />
príncipes da Europa <strong>ocidental</strong>. Mas também não passaram despercebidas as atrocidades<br />
infligidas às potências islâmicas pelos mesmos mongóis. Os príncipes europeus estavam no<br />
interregno da Sexta Cruzada (1227-1229) e da Sétima (1248-1254). Ora, se estes mesmos<br />
monarcas visavam a eliminar os infiéis muçulmanos, nada mais propício que tentar uma<br />
aliança com aqueles que tiveram força para am<strong>ea</strong>çá-los: os mongóis. Havia a esperança de<br />
que estes poderiam ser cristianiza<strong>do</strong>s, 21 e, além disso, a aliança parecia ser algo necessário,<br />
uma vez que o Ocidente estava enfraqueci<strong>do</strong> por disputas feudais entre papas e<br />
impera<strong>do</strong>res, 22 o que dificultaria a Cruzada vin<strong>do</strong>ura.<br />
19 Cf. MARGULIES, M. Os judeus na história da Rússia. Rio de Janeiro: Bloch, 1971. p. 297 (nota 1, cap.<br />
5), uma das tribos mongólicas unificadas por Gêngis Cã se chamava tata (ver nota 12). Como <strong>em</strong> grego o<br />
termo tártara significa "inferno", e como os mongóis, aos olhos da Europa, representavam verdadeiros<br />
d<strong>em</strong>ônios, muitas vezes ti<strong>do</strong>s como os habitantes de Gog e Magog, <strong>do</strong> Apocalipse de São João, houve uma<br />
conjunção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is termos para a designação desses "bárbaros". Surgiu então um termo genérico, <strong>em</strong>bora<br />
errôneo, bas<strong>ea</strong><strong>do</strong> no etnológico <strong>mongol</strong> e no mitológico grego. No decorrer <strong>do</strong> t<strong>em</strong>po, como o distanciamento<br />
entre os mongóis que ficaram na Ásia e os que, por conta das invasões, foram assimila<strong>do</strong>s a novas culturas,<br />
surgiu um novo grupo étnico na Rússia, no médio Volga, ao qual foi atribuí<strong>do</strong> o nome "tártaros". Estes,<br />
advin<strong>do</strong>s, grosso mo<strong>do</strong>, da fusão entre búlgaros (turcos) <strong>do</strong> Volga e os mongóis, na época da Horda de Ouro,<br />
são islâmicos e viv<strong>em</strong> atualmente na República Autônoma da Tartária (<strong>em</strong> russo e <strong>em</strong> tártaro, Tatarstan), que<br />
faz parte da Federação Russa. Sua capital é Kazan<br />
20 Ou Karakorum, hoje um sítio arqueológico a 300 km da capital da República da Mongólia, Ulan Bator.<br />
21 Havia a lenda <strong>do</strong> Preste João, segun<strong>do</strong> a qual existia na Ásia uma reino cristão. Tal mito esteve muito<br />
presente na mentalidade medieval européia, e foi transferi<strong>do</strong> para a África quan<strong>do</strong> das viagens portuguesas<br />
àquele continente. Além disso, segun<strong>do</strong> observariam Carpini e Rubruck, o Império Mongol tinha muitos<br />
cristãos nestorianos, o que facilitaria, <strong>em</strong> tese, a compreensão <strong>do</strong> catolicismo. O nestorianismo é uma heresia<br />
cristológica <strong>do</strong> <strong>século</strong> V, promovida por Nestório, patriarca expulso de Constantinopla, para o qual havia duas<br />
naturezas <strong>em</strong> Jesus Cristo: a divina e a humana. Portanto, Maria não poderia ser mãe de Deus, somente de<br />
Jesus.<br />
22 PHILLIPS, op. cit., p. 91.<br />
19
Ten<strong>do</strong> isso <strong>em</strong> vista, e conforme o Concílio de Lion de junho de 1245, 23 Inocêncio<br />
IV despachou a primeira missão católica formal para o Império Mongol, naquele mesmo<br />
ano. Em parte para protestar contra as violentas invasões à Europa Oriental, <strong>em</strong> parte para<br />
tentar angariar informações valiosas ao Ocidente com relação às intenções <strong>do</strong>s cavaleiros<br />
das estepes.<br />
De acor<strong>do</strong> com a primeira fonte que será usada neste trabalho, o frade Carpini<br />
começou sua jornada <strong>em</strong> Lion, <strong>em</strong> abril de 1245, acompanha<strong>do</strong> de outro frei, Estêvão da<br />
Boêmia. Depois de Lion, Carpini chegou a Breslau, na Polônia, onde se integrou à missão o<br />
frei Benedito da Polônia, que seria intérprete. Após Kiev, passou pelos rios Dnieper e<br />
Volga, e alcançou o ordu de Batu, <strong>em</strong> abril de 1246, um ano após o início da viag<strong>em</strong>. Ali,<br />
os estrangeiros, com seus presentes, tinham que passar entre <strong>do</strong>is fogos antes de ser<strong>em</strong><br />
apresenta<strong>do</strong>s àquele cã, 24 que ordenou que a comitiva seguisse viag<strong>em</strong> rumo a Caracórum,<br />
para tratar <strong>do</strong> assunto diretamente com o grão-cã. Carpini chegou exatamente quan<strong>do</strong><br />
houve a entronização de Guyuk. Passou por terríveis provações impostas pela fome e pelo<br />
frio durante o longo percurso até Caracórum, ten<strong>do</strong> atravessa<strong>do</strong> o rio Ural, passa<strong>do</strong><br />
próximo aos mares Negro e Cáspio, transposto o rio Sir Dária, 25 entra<strong>do</strong> <strong>em</strong> cidades<br />
maometanas, como Samarcanda e Bucara, 26 até ter alcança<strong>do</strong>, <strong>em</strong> julho de 1246, a capital<br />
<strong>do</strong> Império Mongol.<br />
À cerimônia de entronização de Guyuk Cã, <strong>em</strong> agosto de 1246, estavam presentes<br />
inúmeros convida<strong>do</strong>s, de várias partes da Europa Oriental e da Ásia, para prestações de<br />
vassalag<strong>em</strong>, entregas de presentes e pagamentos de tributos ao novo grão-cã. A missão <strong>do</strong><br />
frade Carpini não tinha presentes para dar ao Impera<strong>do</strong>r, mas a carta de Inocêncio IV foi<br />
entregue.<br />
23<br />
Cf. ibid., "O concílio de Lião [sic] reuniu-se <strong>em</strong> Junho de 1245 para considerar a unidade cristã e a defesa<br />
contra os Mongóis."<br />
24<br />
Aqui se nos apresentam <strong>do</strong>is aspectos antagônicos, <strong>do</strong> ponto de vista das idéias cristãs franciscanas. Os<br />
mongóis eram muito afeitos a receber<strong>em</strong> presentes por parte daqueles que passavam por suas terras, o que ia<br />
de encontro aos id<strong>ea</strong>is franciscanos de pobreza. E, no caso da purificação pelo fogo, executada para extirpar<br />
de estrangeiros idéias malfazejas, mostra-se-nos a oposição entre as crenças naturais <strong>do</strong>s mongóis (l<strong>em</strong>brar de<br />
Tengri e <strong>do</strong> Lobo Sobrenatural) e as crenças culturais <strong>do</strong>s cristãos.<br />
25<br />
Os rios conheci<strong>do</strong>s hoje como Sir Dária e Amur Dária correspond<strong>em</strong> aos que, na época das conquistas de<br />
Alexandre da Macedônia, eram chama<strong>do</strong>s, respectivamente, de Iaxartes e Óxus.<br />
26<br />
As cidades de Samarcanda e Bucara são de orig<strong>em</strong> e tradição persas e eram importantes centros comerciais<br />
e culturais para o islamismo antes das invasões mongólicas impostas a elas quan<strong>do</strong> faziam parte da Corásmia<br />
(ver nota 9), <strong>em</strong>bora pertençam hoje ao território <strong>do</strong> Uzbequistão, um país de orig<strong>em</strong> turco-mongólica, por<br />
causa das divisões territoriais arbitrárias perpetradas pelo regime stalinista quan<strong>do</strong> as repúblicas da Ásia<br />
Central faziam parte da União Soviética.<br />
20
Somente <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de 1246 Carpini recebeu a carta-resposta de Guyuk Cã. A<br />
compreensão entre as partes era difícil: o novo grão-cã não entendia como poderia ocorrer<br />
uma aliança entre os cristãos e os mongóis. Ele tomou a carta como aviso da futura vinda<br />
de um chefe político, para ele, o papa, 27 como ato de submissão. Guyuk Cã acabou<br />
entenden<strong>do</strong> que não se tratava disso. Então, sua resposta exigia rendição.<br />
No regresso, <strong>em</strong> 1247, após enfrentar outras tantas agruras que enfrentara na ida,<br />
Carpini alertou os cristãos para o perigo <strong>mongol</strong>, sugerin<strong>do</strong> a união da cristandade<br />
<strong>ocidental</strong>, 28 para sua própria manutenção, pois o grão-cã queria conquistar o mun<strong>do</strong>.<br />
Também frades <strong>do</strong>minicanos, como André de Longjum<strong>ea</strong>u e Ascelino da<br />
Lombardia, pela mesma época, r<strong>ea</strong>lizaram missões ao Império Mongol. Mas este trabalho<br />
não tratará dessas viagens. Tratará, sim, da viag<strong>em</strong> de outro frei franciscano, Guilherme de<br />
Rubruck.<br />
*<br />
Durante seu curto reina<strong>do</strong>, Guyuk Cã perdeu apoio <strong>do</strong>s mais poderosos m<strong>em</strong>bros de<br />
sua família. Devi<strong>do</strong> às divergências entre ele e Batu, aquele preparou-se para atacar este e<br />
subjugá-lo. 29 Contu<strong>do</strong>, no caminho para o ataque, morreu o terceiro grão-cã, <strong>em</strong> 1248. Uma<br />
nova crise de sucessão aconteceu, e, mais uma vez, assumiu a regência <strong>do</strong> Império uma<br />
mulher, Ogul Gaimysh, viúva de Guyuk Cã.<br />
Em 1250, houve uma kurultai com vistas a amainar as animosidades entre os<br />
pretendentes ao trono, na qual nada se resolveu. Uma segunda ass<strong>em</strong>bléia ocorreu <strong>em</strong> 1251,<br />
chefiada por Berke, irmão de Batu. Resolveu-se pela entronização de Mongke, da casa de<br />
Tolui, como grão-cã, uma vez que Batu havia abdica<strong>do</strong> de seus direitos 30 para permanecer<br />
no coman<strong>do</strong> da Horda de Ouro.<br />
Mongke Cã, ao assumir o poder, acabou com qualquer chance de usurpação <strong>do</strong><br />
poder, ao eliminar aqueles que se poderiam opor a ele e a Batu. 31 No entanto, depois disso,<br />
27<br />
Guyuk Cã não poderia compreender a diferenciação entre o poder espiritual <strong>do</strong> papa e o poder t<strong>em</strong>poral de<br />
um príncipe. Na concepção <strong>mongol</strong>, o grão-cã era o escolhi<strong>do</strong> de Tengri, e detinha os <strong>do</strong>is poderes.<br />
28<br />
PHILLIPS, op. cit., p. 93.<br />
29<br />
Ibid., p. 95.; SAUNDERS, op. cit., p. 99-100.<br />
30<br />
HAMBLY, op. cit., p. 105-106.<br />
31<br />
Ibid., p. 106; SAUNDERS, op. cit., p. 100. Mongke e Batu estabeleceram uma espécie de diarquia.<br />
21
seguiu um comportamento parcimonioso, ex<strong>em</strong>plifica<strong>do</strong>s pela compreensão das<br />
necessidades das civilizações sedentárias e pela sua ligação a sábios, para a produção de<br />
dicionários das línguas de povos submeti<strong>do</strong>s para o <strong>mongol</strong>. 32<br />
As conquistas estrangeiras continuavam, de acor<strong>do</strong> com a Yassa de Gêngis Cã. Na<br />
China, o Império Sung seria conquista<strong>do</strong> por Kublai; a Pérsia seria pacificada e o último<br />
califa abássida de Bagdá, submeti<strong>do</strong>, isto <strong>em</strong> 1258, sob Hulégu. 33<br />
Sob Mongke o Império Mongol chegou ao seu auge. 34 A Pax Mongolica (Paz<br />
Mongol) também teve seu apogeu durante seu coman<strong>do</strong>. As rotas comercias terrestres entre<br />
o Oriente e o Ocidente foram retomadas, num renascimento da antiga Rota da Seda. O<br />
serviço postal imperial, bas<strong>ea</strong><strong>do</strong> na mobilidade da cavalaria <strong>mongol</strong>, funcionava muito<br />
eficazmente. Eram sinais da tolerância <strong>do</strong>s mongóis para com as religiões, línguas e<br />
costumes <strong>do</strong>s povos que aceitavam a submissão <strong>mongol</strong>, apesar da truculência com que<br />
conquistavam muitos deles.<br />
Durante esse perío<strong>do</strong> aconteceu a viag<strong>em</strong> <strong>do</strong> frade da Ord<strong>em</strong> Menor Guilherme de<br />
Rubruck (1253-1255). Diferent<strong>em</strong>ente de Carpini, cuja missão tinha caráter diplomático,<br />
Rubruck foi à Mongólia com objetivos estritamente religiosos, a man<strong>do</strong> <strong>do</strong> rei Luís IX (São<br />
Luís) da França.<br />
É preciso ter <strong>em</strong> consideração o contexto da Sétima Cruzada (1248-1254), após cujo<br />
término se deu a jornada de Rubruck. O Ocidente queria conquistar definitivamente a Terra<br />
Santa aos infiéis muçulmanos. Mas as invasões mongóis na Pérsia acabaram levan<strong>do</strong> ao<br />
surgimento e consolidação <strong>do</strong> Sultanato Mameluco na Síria e no Egito, funda<strong>do</strong> por turcos<br />
khwarezmitas (corásmios) que haviam aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong> a Mesopotâmia. Sob o coman<strong>do</strong> de<br />
32 PHILLIPS, op. cit., p. 96. Vale l<strong>em</strong>brar que os mongóis eram iletra<strong>do</strong>s. Gêngis Cã, ao <strong>do</strong>minar os uigures<br />
(povo mongólico que atualmente vive na Região Autônoma Uigur <strong>do</strong> Xinjiang - ou Sin-Kiang -, no<br />
Turquestão chinês), fez que se a<strong>do</strong>tasse o alfabeto cria<strong>do</strong> por este povo, já sedentariza<strong>do</strong>, para a língua<br />
<strong>mongol</strong>. À guisa de curiosidade: atualmente, são três as línguas mongóis: o calca, ou khalkha (o <strong>mongol</strong><br />
propriamente dito), fala<strong>do</strong> na República da Mongólia (Mongólia Exterior) e na Região Autônoma da<br />
Mongólia Interior, na China; o buriata, fala<strong>do</strong> na região russa ao norte da Mongólia, no entorno <strong>do</strong> lago<br />
Baical; e o calmuco, ou calmuque, ou oirate (ver nota 12), fala<strong>do</strong> na região russa de Astracã, na foz <strong>do</strong> rio<br />
Volga, no mar Cáspio.<br />
33 Hulégu era irmão de Mongke Cã. Com ele surgiu o Ilcanato da Pérsia, um "vice-reino" <strong>do</strong> Império Mongol.<br />
Bagdá foi devastada sob seu coman<strong>do</strong> <strong>em</strong> fevereiro de 1258. Ver: MAALOUF, A. A expulsão (1244-1291).<br />
In: _____. As Cruzadas vistas pelos árabes. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 225-226. Kublai também era<br />
irmão de Mongke, e a ele coube a conquista <strong>do</strong> restante da China. Kublai se tornaria o quinto grão-cã (1264-<br />
1294) e mudaria a capital <strong>do</strong> Império de Caracórum para Pequim, denotan<strong>do</strong> sua tendência à chinificação,<br />
tanto, que ele fun<strong>do</strong>u a dinastia Yuan, a única não-chinesa a comandar a China, que durou de 1279 a 1368,<br />
quan<strong>do</strong> foi deposta pela dinastia Ming.<br />
34 HAMBLY, op. cit., p. 106.<br />
22
Baibars, os mamelucos infligiriam a primeira grande derrota militar <strong>do</strong> Império Mongol,<br />
<strong>em</strong> 1260. Da<strong>do</strong>s os probl<strong>em</strong>as com os mamelucos, iniciou-se a Cruzada de São Luís, <strong>em</strong><br />
1248, que fora invocada por Inocêncio IV no Concílio de Lion de 1245.<br />
Na tentativa de sensibilizar os mongóis com a fé cristã, foi envia<strong>do</strong> o frei Rubruck,<br />
nasci<strong>do</strong> na região de Flandres. Junto a ele foram o frei Bartolomeu de Cr<strong>em</strong>ona, um clérigo<br />
chama<strong>do</strong> Gosset - intérprete -, o escravo Nicolau, compra<strong>do</strong> <strong>em</strong> Constantinopla, e mais <strong>do</strong>is<br />
homens, da mesma cidade, responsáveis pelos animais. Partiram de Constantinopla <strong>em</strong><br />
maio de 1253, via mar Negro até a Criméia. Então, depois de ter<strong>em</strong> ultrapassa<strong>do</strong> o rio Ural,<br />
chegaram a Sartak, filho de Batu, 35 com o qual tiveram contato <strong>em</strong> seguida. Por sua vez,<br />
este fez como fizera com Carpini: enviou Rubruck à corte <strong>do</strong> grão-cã, à qual chegou logo<br />
depois <strong>do</strong> Natal de 1253.<br />
Assim como a missão de Carpini, a de Rubruck levava uma carta, de São Luís,<br />
escrita após este ouvir que Sartak cristianizara-se. Quan<strong>do</strong> finalmente Rubruck se<br />
encontrou com Mongke Cã, <strong>em</strong> janeiro de 1254, o frei observou que havia na corte muitos<br />
simpatizantes <strong>do</strong> cristianismo nestoriano. Como não levava presentes a este, e como tinha<br />
somente as palavras para sensibilizá-lo com a fé cristã, já que a carta de São Luís se<br />
perdera, 36 Rubruck pediu a Mongke Cã que deixasse seu grupo ficar na região por algum<br />
t<strong>em</strong>po antes <strong>do</strong> retorno, pois o inverno rigoroso poderia matá-los caso eles foss<strong>em</strong> naquele<br />
momento. O Impera<strong>do</strong>r lhes concedeu <strong>do</strong>is meses, dizen<strong>do</strong>-lhes que acompanhass<strong>em</strong> sua<br />
corte móvel até Caracórum. 37 A "cidade" não impressionou Rubruck, a não ser pelo aspecto<br />
cosmopolita que apresentava. Havia muitos estrangeiros no lugar, alguns <strong>do</strong>s quais<br />
captura<strong>do</strong>s na Hungria, 38 outros envia<strong>do</strong>s de diversas regiões submetidas. 39 Talvez por<br />
causa disso o frade tenha participa<strong>do</strong> de um debate religioso com representantes de outras<br />
crenças, como o budismo e o islamismo, advin<strong>do</strong>s de várias regiões subjugadas, para que o<br />
grão-cã observasse os ensinamentos de cada uma delas. Depois, numa conversa particular<br />
com Rubruck, Mongke Cã lhe assegurou que seu povo tinha uma idéia de Deus único, mas<br />
35<br />
Havia informações, que se não confirmariam, de que Sartak era batiza<strong>do</strong>, o que foi o mote inicial da viag<strong>em</strong><br />
de Rubruck.<br />
36<br />
LE GOFF, op. cit., p. 50.<br />
37<br />
A corte <strong>mongol</strong>, <strong>em</strong>bora Caracórum fosse a sua principal localidade, não era fixa, justamente pelo seu<br />
caráter nômade ancestral. Durante esse episódio, a corte de Mongke Cã estava na base <strong>do</strong>s montes Altai.<br />
38<br />
Os mongóis, quan<strong>do</strong> invadiam outras regiões, não diferenciavam homens, mulheres e crianças <strong>em</strong> sua<br />
chacinas. Mas poupavam os artesãos, para que trabalhass<strong>em</strong> na corte. Um desses artesãos, que se destaca na<br />
fonte, é o mestre Guilherme de Paris (Guillaume Bouchier).<br />
39<br />
SAUNDERS, op. cit., p. 103.<br />
23
que existiam muitos caminhos para o Paraíso. Portanto, não encorajou o frei a uma<br />
discussão mais profunda sobre o cristianismo <strong>ocidental</strong>, limitan<strong>do</strong>-se a dar-lhe uma carta-<br />
resposta ao rei da França. Embora um pouco menos arrogante, este texto era quase igual ao<br />
que Guyuk Cã enviara a Inocêncio IV: Mongke Cã também exigia submissão.<br />
Não obstante tenham obti<strong>do</strong> permissão para permanecer<strong>em</strong> na corte por <strong>do</strong>is meses,<br />
a viag<strong>em</strong> de volta só começou sete meses (julho de 1254) depois da chegada ao grão-cã,<br />
após Rubruck fracassar na exposição da fé cristã. Foi repeti<strong>do</strong> o itinerário da ida até o ordu<br />
de Batu. Então passaram pelo Cáucaso e Anatólia, até chegar<strong>em</strong> ao Chipre, onde deveria<br />
estar Luís IX para receber a carta, <strong>em</strong> junho de 1255. O rei já havia regressa<strong>do</strong> à França, e o<br />
texto lhe foi entregue depois, por um intermediário. A iniciativa de comunicação com os<br />
mongóis por parte de São Luís foi encerrada. Apesar de Hulegu, o ilcã da Pérsia, ainda ter<br />
envia<strong>do</strong> <strong>em</strong>baixada a Luís IX, <strong>em</strong> Paris, para propor aliança contra os muçulmanos da Síria,<br />
houve imobilização por parte deste, pois observou "a impotência da Cristandade medieval<br />
(...) para se abrir a um mun<strong>do</strong> <strong>em</strong> face <strong>do</strong> qual não se sentia <strong>em</strong> posição de força (...).<br />
Negociações entre o papa e os mongóis se arrastaram ainda por vários anos, s<strong>em</strong><br />
resulta<strong>do</strong>." 40<br />
Observan<strong>do</strong> as fontes, pode-se constatar a diferença marcante entre as missões de<br />
Carpini e Rubruck. A primeira se constituiu numa <strong>em</strong>baixada diplomática de apelo e<br />
protesto. A outra foi puramente religiosa: seus m<strong>em</strong>bros pediram permissão para levar<strong>em</strong> a<br />
fé cristã aos líderes mongóis. Carpini fora ao Império Mongol por t<strong>em</strong>or aos seus<br />
guerreiros: as invasões à Europa Oriental eram recentes e ele procurou alertar o Ocidente<br />
quanto àquilo. Rubruck tinha mais receio <strong>do</strong> Islã <strong>do</strong> que <strong>do</strong>s mongóis, já que a l<strong>em</strong>brança<br />
de sua truculência na Rússia, Polônia e Hungria já se ia desvanecen<strong>do</strong>, pelo fato de os<br />
cavaleiros das estepes nunca mais ter<strong>em</strong> ultrapassa<strong>do</strong> a Rússia.<br />
40 LE GOFF, op. cit.<br />
24
CAPÍTULO III<br />
DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS FONTES<br />
Não é preciso ser estudioso de História para que se tenha, no mínimo, ouvi<strong>do</strong> falar<br />
<strong>em</strong> Marco Polo. Seu relato sobre sua estada de quase um quarto de <strong>século</strong> nos <strong>do</strong>mínios <strong>do</strong><br />
quinto grão-cã <strong>do</strong> Império Mongol, Kublai Cã, é ti<strong>do</strong> como o mais importante no que diz<br />
respeito a uma visão européia sobre o Oriente no <strong>século</strong> XIII.<br />
Viajante veneziano, Marco Polo (1254-1324) deve sua fama à narrativa de sua<br />
viag<strong>em</strong> pela Ásia, o Livro das maravilhas, também conheci<strong>do</strong> como O milhão (Il milione).<br />
Seu pai, Niccoló, e seu tio Maffeo, merca<strong>do</strong>res de Veneza, viajaram, antes dele, entre 1260<br />
e 1269, até Cambaluc (Pequim), na China, para onde fora transferida a capital <strong>do</strong> Império<br />
Mongol. Retornaram a Veneza com uma mensag<strong>em</strong> de Kublai Cã para o papa, na qual este<br />
pedia a presença de religiosos católicos <strong>em</strong> sua corte para conhecer a <strong>do</strong>utrina cristã.<br />
Voltaram a Pequim <strong>em</strong> 1271 com o jov<strong>em</strong> Marco, seguin<strong>do</strong> a Rota da Seda. A partir de<br />
1275, enquanto Niccoló e Maffeo negociavam, Marco cumpriu diversas missões na China –<br />
que seria totalmente conquistada por Kublai Cã <strong>em</strong> 1279 –, a serviço <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r. Tais<br />
viagens de Marco Polo permitiram-lhe estabelecer um impressionante retrato da China<br />
<strong>mongol</strong> e de outras regiões da Ásia, dita<strong>do</strong> a um escritor chama<strong>do</strong> Rustichello, seu<br />
companheiro de prisão, entre 1296 e 1299 – Marco Polo fora feito cativo pelos seus<br />
concorrentes comerciais, os genoveses.<br />
Na esteira <strong>do</strong>s contatos entre Ocidente e Oriente durante o <strong>século</strong> XIII, a<br />
historiografia muitas vezes não atribui o devi<strong>do</strong> valor a outras duas narrativas, anteriores<br />
mesmo às de Marco Polo: as <strong>do</strong>s frades da Ord<strong>em</strong> Menor Franciscana Carpini e Rubruck.<br />
Talvez porque Polo tenha ti<strong>do</strong> a sorte de haver consegui<strong>do</strong> um bom editor, já que o Livro<br />
das maravilhas foi “[...] muito célebre desde seu aparecimento e amplamente difundi<strong>do</strong>,<br />
mesmo antes da imprensa [...].” 1 E justamente essas narrativas serão descritas neste<br />
capítulo, narrativas tais que serv<strong>em</strong> como as fontes históricas desta monografia.<br />
1 YERASINOS, S. Sob os olhos <strong>do</strong> Ocidente [Introdução de 1980 para o relato de Marco Polo]. In: O livro<br />
das maravilhas. Porto Alegre: L&PM, 1999. p. 21.
26<br />
*<br />
À primeira fonte a ser descrita foi da<strong>do</strong> o título Enfrentan<strong>do</strong> os guerreiros tártaros<br />
medievais (Petrópolis: vozes, 1999. 83 p.). Tradução direta <strong>do</strong> latim para o português, feita<br />
pelo frade franciscano Ildefonso Silveira, Enfrentan<strong>do</strong>... apresenta o probl<strong>em</strong>a de não<br />
representar a obra Historia Mongalorum quos nos Tartaros appellamus (História <strong>do</strong>s<br />
mongóis, que chamamos de tártaros) integralmente.<br />
O nome da edição brasileira da segunda fonte deste trabalho é Viag<strong>em</strong> de um<br />
aventureiro medieval – Guilherme de Rubruc [sic] – 1253-1255 (Bragança Paulista: Edusf,<br />
1997. 164 p.). Assim como o relato de Carpini, o de Rubruck foi traduzi<strong>do</strong> pelo mesmo frei<br />
Ildefonso Silveira <strong>do</strong> latim para o português – o nome original da obra é Itinerarium Fratris<br />
Willelmi de Rubruc (Itinerário <strong>do</strong> frade Guilherme de Rubruck) – e também não está <strong>em</strong><br />
sua versão integral.<br />
Portanto, ambas as fontes se apresentam como opúsculos, “resumos”. Contu<strong>do</strong>, os<br />
relatos destas obras serv<strong>em</strong> para o propósito desta monografia, uma vez que seu tradutor<br />
consegue mostrar os aspectos capitais das jornadas daqueles explora<strong>do</strong>res medievais.<br />
Deve-se perceber que as descrições das fontes não serão estanques. Embora escritos<br />
com discrepância de alguns anos, os relatos de Carpini e Rubruck pod<strong>em</strong> ser analisa<strong>do</strong>s<br />
como compl<strong>em</strong>entares um ao outro. Por isso, comentários e trechos sobre uma das obras no<br />
mais das vezes não estarão imunes de comparações com a outra.<br />
Antes da descrição efetiva das fontes, no entanto, vejam-se breves biografias de<br />
seus autores. João (Giovanni) de Pian de Carpini foi o primeiro explora<strong>do</strong>r europeu <strong>do</strong><br />
Império Mongol digno de nota. Ele foi um <strong>do</strong>s companheiros e discípulos de seu<br />
conterrâneo Francisco de Assis. Nasci<strong>do</strong> aproximadamente <strong>em</strong> 1180, Carpini parece ser<br />
nativo da região italiana da Úmbria, mais precisamente da aldeia que lhe deu o nome: Pian<br />
de Carpini, cujo nome atual é Magione. Carpini desfrutava de grande reputação dentro da<br />
Ord<strong>em</strong> <strong>do</strong>s Frades Menores, por conta da qual encabeçou diversas missões franciscanas<br />
pela Europa, ten<strong>do</strong> alcança<strong>do</strong> o posto de superior provincial da Al<strong>em</strong>anha e da Espanha.<br />
Devi<strong>do</strong> aos ataques mongóis às regiões orientais da cristandade européia – o último <strong>do</strong>s<br />
quais <strong>em</strong> Liegnitz, na Polônia, <strong>em</strong> 9 de abril de 1241 –, o que deixou toda a Europa <strong>em</strong><br />
esta<strong>do</strong> de alerta, o papa Inocêncio IV enviou o franciscano Carpini <strong>em</strong> missão diplomática
27<br />
ao Império Gengiscânida. Alguns anos após a missão, e após ter si<strong>do</strong> nom<strong>ea</strong><strong>do</strong> arcebispo de<br />
Antivari (atualmente na Sérvia-Montenegro), Carpini faleceu, <strong>em</strong> 1252.<br />
As informações a respeito <strong>do</strong> frei Rubruck são mais escassas. Sabe-se que era nativo<br />
da região de Flandres (atual Bélgica). Segun<strong>do</strong> o frei Ildefonso Silveira, “[...] os que o<br />
estudaram situam a data de nascimento entre 1215 e 1230. Julgam que vivia como frade na<br />
França e que teria i<strong>do</strong> para a Palestina <strong>em</strong> 1248 com o rei Luís IX. Se nasceu <strong>em</strong> 1230, teria<br />
apenas dezoito anos... Deve ter-se filia<strong>do</strong> à província franciscana da Terra Santa, pois fala<br />
<strong>do</strong> ministro provincial da região como seu superior [...], Ficou <strong>em</strong> Accon (Acre) até 1252,<br />
<strong>do</strong>nde partiu para Constantinopla e de lá para a Mongólia, <strong>em</strong> 1253”, 2 a man<strong>do</strong> <strong>do</strong> rei Luís<br />
IX da França, para uma missão, pelo menos nominalmente, apenas religiosa.<br />
*<br />
O relato de Carpini, <strong>em</strong> sua edição brasileira, é dividi<strong>do</strong> <strong>em</strong> cinco capítulos,<br />
dispostos da seguinte forma: uma breve história das origens <strong>do</strong>s mongóis, desde o advento<br />
de Gêngis Cã; os relatos de sua jornada, capítulo mais longo e certamente mais importante;<br />
os hábitos e costumes <strong>do</strong>s mongóis; suas técnicas militares e de sepultamento; e uma<br />
brevíssima biografia <strong>do</strong> autor.<br />
O relato de Rubruck é segmenta<strong>do</strong> diferent<strong>em</strong>ente, <strong>em</strong> apenas duas partes. A<br />
primeira consta <strong>do</strong>s contextos <strong>do</strong> itinerário – como a geografia política (termo usa<strong>do</strong> pelo<br />
tradutor); o poderio <strong>do</strong>s mongóis; o espírito missionário das novas ordens religiosas <strong>do</strong><br />
<strong>século</strong> XIII (no caso, as ordens <strong>do</strong>minicana e franciscana); e a presença de cristãos<br />
nestorianos no Oriente – e de um pequeno glossário de termos e grafias, tanto os de orig<strong>em</strong><br />
latina quanto os de orig<strong>em</strong> <strong>mongol</strong>. A segunda parte, que toma quase 85% da obra, é a<br />
narrativa de viag<strong>em</strong> de Rubruck.<br />
As viagens de Carpini e Rubruck chamam atenção pela riqueza de detalhes de seus<br />
relatos e, principalmente, pela sua extensão geográfica. Estas duas missões não foram as<br />
únicas à Ásia nessa época (m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIII), mas foram as que mais penetraram<br />
2 SILVEIRA, O. F. M., I. Viag<strong>em</strong> de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255.<br />
Bragança Paulista: Edusf, 1997. p.10.
28<br />
naquele território. 3 O destino de ambos é o mesmo: chegar ao grão-cã, sucessor de Gêngis<br />
Cã, <strong>em</strong> seu “palácio” ambulante, onde quer que se encontre, para lhe entregar as mensagens<br />
<strong>do</strong> papa – Carpini – e <strong>do</strong> rei da França – Rubruck. 4<br />
*<br />
Carpini partiu de Lion, na França, <strong>em</strong> 16 de abril de 1245, juntamente com outro<br />
franciscano, Estêvão da Boêmia. Viajaram pela rota terrestre <strong>do</strong> norte da Europa. À medida<br />
que avançavam, iam obten<strong>do</strong> cartas de recomendação <strong>do</strong>s líderes das regiões por onde<br />
passavam, como Venceslau IV da Boêmia e Boleslau IV da Silésia (na Polônia) – onde se<br />
integrou ao grupo o frei Benedito da Polônia, como intérprete –, b<strong>em</strong> como informações<br />
sobre a viag<strong>em</strong>, até chegar<strong>em</strong> a Kiev, <strong>em</strong> fevereiro de 1246. Ali, receberam orientações de<br />
como tratar com os mongóis: “Por mercê de Deus chegara ali o senhor Wasilico (Basílio),<br />
duque da Rússia, <strong>do</strong> qual obtiv<strong>em</strong>os conhecimento mais completo sobre os tártaros. Disse-<br />
nos que, se quiséss<strong>em</strong>os chegar até eles, deveríamos ter muitos presentes para lhes dar [...],<br />
[senão] não conseguiríamos levar a efeito a <strong>em</strong>baixada.” 5 Além disso, foram orienta<strong>do</strong>s a<br />
usar<strong>em</strong> cavalos da raça <strong>mongol</strong> <strong>em</strong> sua jornada, pois eram adapta<strong>do</strong>s ao clima e à geografia<br />
da região das estepes eurasiáticas. Pouco depois de ter<strong>em</strong> parti<strong>do</strong> de Kiev, Estêvão da<br />
Boêmia a<strong>do</strong>eceu e não seguiu viag<strong>em</strong>.<br />
Em Kiev Carpini corroborou a imag<strong>em</strong> de terror que os mongóis causaram aos<br />
europeus quan<strong>do</strong> de seus ataques no início <strong>do</strong>s anos 1240. Ele observou, nos arre<strong>do</strong>res<br />
daquela cidade que fora o berço da civilização russa, centenas de ossadas humanas expostas<br />
ao t<strong>em</strong>po, fruto da crueldade <strong>mongol</strong>.<br />
É interessante perceber que as datas citadas por Carpini – e também, depois, por<br />
Rubruck – refer<strong>em</strong>-se s<strong>em</strong>pre ao calendário litúrgico católico. Por ex<strong>em</strong>plo: “Depois disso<br />
[da chegada a Kiev] partimos com ele [um guia] na segunda-feira da quadragésima (dez de<br />
fevereiro de 1246) e fomos conduzi<strong>do</strong>s até o primeiro posto de sentinelas <strong>do</strong>s tártaros. Na<br />
primeira sexta-feira depois <strong>do</strong> dia das Cinzas (vinte e três de fevereiro) [...] tártaros<br />
3 MOLLAT, M. Los explora<strong>do</strong>res del siglo XIII al XVI: primeras miradas sobre nuevos mun<strong>do</strong>s. Ciudad de<br />
México: Fon<strong>do</strong> de Cultura Económica, 1990 (1984). p. 16.<br />
4 Id.<br />
5 SILVEIRA, O. F. M., I. Enfrentan<strong>do</strong> os guerreiros tártaros medievais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 21-22.
29<br />
arma<strong>do</strong>s caíram furiosamente sobre nós, indagan<strong>do</strong> qu<strong>em</strong> éramos.” 6 Certamente isso era<br />
um reflexo de qu<strong>em</strong> ele era (um frei franciscano) e de qu<strong>em</strong> ele representava e para qu<strong>em</strong><br />
escrevia, o papa Inocêncio IV. Também pode retratar a sua convicção na fé católica diante<br />
de populações não-cristãs.<br />
Passan<strong>do</strong> por diversas vilas e por muitos guias, que s<strong>em</strong>pre queriam presentes,<br />
<strong>em</strong>bora tivesse apenas o necessário para a viag<strong>em</strong>, Carpini chegou ao cã da Horda de Ouro,<br />
Batu, <strong>em</strong> 4 de abril de 1246. O frade relata as dificuldades de mudar de cavalo “[...] até três<br />
ou quatro vezes por dia [...]”, 7 já que viajavam s<strong>em</strong> parar no amanhecer ao anoitecer. Vale<br />
l<strong>em</strong>brar que Carpini partiu de Kiev já durante o inverno, o que fez a viag<strong>em</strong> até Batu durar<br />
<strong>do</strong>is meses.<br />
Antes de ter com Batu, Carpini e seu companheiro Benedito da Polônia foram<br />
obriga<strong>do</strong>s ao costume xamânico <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is fogos: “Disseram-nos [...]: ‘ide com segurança,<br />
pois vos faz<strong>em</strong>os passar por entre os <strong>do</strong>is fogos por uma simples razão: se vós tramais<br />
algum mal contra nosso senhor [...], o fogo tira to<strong>do</strong> o mal.’ Respond<strong>em</strong>os:<br />
‘Atravessar<strong>em</strong>os para não sermos suspeitos de tais coisas.’” 8<br />
Dentro da ger de Batu, Carpini e Benedito expuseram seus objetivos <strong>em</strong> palavras.<br />
Depois, o frei afirma na fonte que “[...] entregamos a carta e pedimos que nos dess<strong>em</strong><br />
intérpretes [...], os quais nos foram da<strong>do</strong>s na Sexta-feira Santa (seis de abril).<br />
Cuida<strong>do</strong>samente a traduzimos no idioma ruteno [dialeto russo que originaria o ucraniano],<br />
sarraceno (persa) e tártaro. Essa tradução foi apresentada a Batu [...].” 9<br />
Após descrever Batu e a disposição das pessoas <strong>em</strong> torno de seu trono, no dia 7 de<br />
abril, “[...] Sába<strong>do</strong> Santo, fomos chama<strong>do</strong>s ao pavilhão; veio ao nosso encontro o<br />
procura<strong>do</strong>r de Bati [sic] e disse-nos da parte dele que iríamos ao Impera<strong>do</strong>r Guiuc [sic], na<br />
Mongólia [...]”, 10 o que causou t<strong>em</strong>or a Carpini, que, ten<strong>do</strong> parti<strong>do</strong> no dia da Ressurreição<br />
<strong>do</strong> Senhor (8 de abril), não sabia o que o aguardava, já que estava enfraqueci<strong>do</strong> pelo<br />
desgaste da viag<strong>em</strong>, pela fome e pelo frio.<br />
6 Ibid., p. 24.<br />
7 Ibid., p. 26.<br />
8 Ibid., p. 27.<br />
9 Ibid., p. 28.<br />
10 Ibid., p. 30.
30<br />
*<br />
A partir deste ponto da monografia, será descrita a fonte de Rubruck, muito mais<br />
detalhada que a de Carpini, até o mesmo momento anterior: a chegada ao cã da Horda de<br />
Ouro. Isso se explica porque o início da exploração propriamente dita começava nas terras<br />
entre os rios Don e Volga. Até ali, os <strong>do</strong>is frades, <strong>em</strong>bora tenham saí<strong>do</strong> de lugares<br />
diferentes – Carpini da Ucrânia, Rubruck da Criméia –, tinham percorri<strong>do</strong> rotas, ainda que<br />
não-freqüentadas, no mínimo conhecidas por merca<strong>do</strong>res ocidentais. 11<br />
Embora viajasse como missionário, e não como <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>r, Rubruck levava carta<br />
ao grão-cã <strong>do</strong> rei Luís IX da França, que enviou o frade com objetivos nominais<br />
unicamente religiosos, mas com o interesse político de uma aliança com os mongóis contra<br />
o Islã.<br />
Depois de um ano <strong>em</strong> Constantinopla preparan<strong>do</strong>-se para a viag<strong>em</strong>, Rubruck foi, via<br />
mar Negro, até o porto de Soldaia, na Criméia, aonde chegou <strong>em</strong> maio de 1253. No início<br />
de junho, Rubruck e seu grupo partiram por terra, até que, <strong>em</strong> 31 de julho, chegaram ao<br />
ordu de Sartak, filho de Batu. Antes, ainda <strong>em</strong> Soldaia, Rubruck se dirigiu aos<br />
comandantes daquela localidade:<br />
Na Terra Santa ouvimos dizer que vosso senhor Sartach [sic] era cristão; os cristãos alegraram-se<br />
muito ao ouvir<strong>em</strong> isso, e sobretu<strong>do</strong> o rei cristianíssimo da França, que lá peregrina e luta contra os<br />
sarracenos para arrebatar de suas mãos os sagra<strong>do</strong>s lugares; por isso quero ir a Sartach levar-lhe a<br />
carta <strong>do</strong> senhor rei, na qual lhe dá conselhos sobre a utilidade de toda a cristandade. 12<br />
Portanto, muitas das esperanças depositadas na conversão <strong>do</strong>s mongóis e numa possível e<br />
subseqüente aliança com os cristãos estavam na crença de que pelo menos um <strong>do</strong>s cãs da<br />
Mongólia havia si<strong>do</strong> batiza<strong>do</strong>.<br />
Até chegar ao pai de Sartak, b<strong>em</strong> como ao longo de toda a narrativa, Rubruck<br />
oferece uma visão minuciosa da vida e <strong>do</strong>s costumes mongóis, de um ponto de vista<br />
europeu, evident<strong>em</strong>ente. Apresenta aspectos das moradias mongóis, as ger, tendas feitas de<br />
feltro, decoradas internamente com borda<strong>do</strong>s com motivos naturais. Relata como os<br />
mongóis viviam <strong>em</strong> locomoção, com seus rebanhos, que mudavam de pastagens conforme<br />
11 MOLLAT, op. cit., p. 17.<br />
12 SILVEIRA, O. F. M., I. Viag<strong>em</strong> de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255.<br />
Bragança Paulista: Edusf, 1997. p. 26-27.
31<br />
o clima. No que concerne a costumes sócio-religiosos, que indicam as tradições <strong>do</strong><br />
xamanismo, Rubruck escreve que “[...] sobre a cabeça <strong>do</strong> senhor [o chefe da família] há<br />
s<strong>em</strong>pre, fixa na parede, uma imag<strong>em</strong> como boneca ou pequena estátua de feltro, que<br />
denominam ‘irmão <strong>do</strong> senhor’ e outra sobre a cabeça da mulher que chamam de ‘irmão da<br />
senhora’; entre as duas, mais no alto, há uma pequena imag<strong>em</strong> macilenta que é como que o<br />
guarda de toda a casa.” 13 Quanto à alimentação, o frade descreve o processo de produção da<br />
bebida típica <strong>mongol</strong>, o kumiss (chama<strong>do</strong> por ele de cosmos), desde a ordenha da égua até<br />
sua fermentação, que o torna alcoólico, pois “[...] alegra o interior <strong>do</strong> hom<strong>em</strong>; também<br />
inebria cabeças fracas e é muito diurético.” 14 Relata ainda a importância da carne na dieta<br />
<strong>mongol</strong>, b<strong>em</strong> como sobre sua maneira de vestir, bas<strong>ea</strong>da no uso de peles de diversos<br />
animais.<br />
Após esses ricos retratos antropológicos, Rubruck retoma o fio da narrativa de sua<br />
viag<strong>em</strong>. Durante os preparativos para encontrar Sartak, o franciscano apresenta um curioso<br />
mau-humor ao chamar os mongóis de pedinchões, pois “[...] não tomam as coisas pela<br />
força, mas ped<strong>em</strong> com insistência e s<strong>em</strong> constrangimento tu<strong>do</strong> que vê<strong>em</strong> [...].” 15 A atitude<br />
de pedir ao invés de roubar parece estar acorde com a Pax Mongolica, pela qual viajantes<br />
tinham o direito de circular<strong>em</strong> pelo Império Mongol s<strong>em</strong> ser<strong>em</strong> ataca<strong>do</strong>s, principalmente os<br />
merca<strong>do</strong>res.<br />
Durante a viag<strong>em</strong> de ida, Rubruck, da mesma forma como fizera Carpini, apresenta<br />
novidades <strong>em</strong> termos de noções geográficas, com descrições precisas – principalmente por<br />
parte <strong>do</strong> flamengo – de rios, lagos, montanhas e desertos até então conheci<strong>do</strong>s pelos<br />
europeus por outros nomes ou simplesmente desconheci<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s ocidentais. Os rios Tanais<br />
(Don) e Etilia (Volga) impressionam os <strong>do</strong>is viajantes. Para Rubruck o Volga “[...] era tão<br />
largo quanto o rio Sena de Paris.” 16<br />
Finalmente, <strong>em</strong> agosto de 1246, o grupo de Rubruck chegou ao ordu de Sartak.<br />
Koyak, um intermediário entre o frade e o filho de Batu, foi qu<strong>em</strong> apresentou a carta de<br />
Luís IX a este cã. Koyak era um jam, aquele que t<strong>em</strong> a tarefa de receber os <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res, e<br />
13 Ibid., p. 31.<br />
14 Ibid., p. 34-35.<br />
15 Ibid., p. 43.<br />
16 Ibid., p. 56.
32<br />
solidarizou-se com Rubruck, pois era cristão nestoriano, ainda que tenha fica<strong>do</strong> “[...]<br />
escandaliza<strong>do</strong> porque nada preparamos para levar.” 17 O frei justifica-se:<br />
Desculpei-me também de, como Religioso, não ter, n<strong>em</strong> receber, n<strong>em</strong> manipular ouro ou prata, com<br />
exceção da ‘capella’ [termo latino que designa os livros, as vestes litúrgicas e tu<strong>do</strong> que serve ao<br />
culto], com a qual servíamos a Deus; por isso não trazíamos nenhum presente para ele [Koyak] e seu<br />
senhor [Sartak]. Eu que tu<strong>do</strong> deixara não podia ser possui<strong>do</strong>r de coisas estranhas. 18<br />
Este trecho da fonte mostra o caminho de desapego a bens materiais segui<strong>do</strong> pelos<br />
franciscanos. Parece, também, que, diferent<strong>em</strong>ente de Carpini, que recebeu orientações<br />
quanto a esse aspecto <strong>do</strong> duque Basílio da Rússia, Rubruck nada sabia sobre o hábito<br />
<strong>mongol</strong> de “exigir” presentes de seus visitantes estrangeiros. Apesar disso, Koyak recebeu<br />
de Rubruck um garrafão de vinho e uma cesta com biscoitos.<br />
O frade foi manda<strong>do</strong>, então, à corte de Sartak com a carta de Luís IX, com a capella<br />
e com os livros. Ven<strong>do</strong> tais apetrechos, Koyak perguntou ao franciscano se não os daria<br />
como presente ao seu cã. Rubruck mostra o caráter evangeliza<strong>do</strong>r de sua jornada, e evita<br />
assim a perda de seu aparato litúrgico: “Ouvin<strong>do</strong> isso, fiquei apavora<strong>do</strong> [...]; dissimulan<strong>do</strong>,<br />
disse: ‘Senhor, pedimos que vosso senhor se digne receber este pão e vinho, não como<br />
presente [...], mas como bênção [...]. Ele verá a carta <strong>do</strong> senhor Rei [Luís IX] e por ela<br />
conhecerá a causa que nos trouxe a ele [...].’” 19<br />
Sobre a carta, Rubruck teve o cuida<strong>do</strong> de a traduzir para o siríaco – antiga língua<br />
litúrgica da Igreja Cristã da Síria –, árabe e turco antes de levá-la ao grão-cã. A tradução foi<br />
r<strong>ea</strong>lizada <strong>em</strong> Acre, na sede cruzada <strong>do</strong>s francos na Terra Santa.<br />
Em 2 de agosto de 1246, Koyak comunicou a Rubruck que “O senhor Rei [Luís IX]<br />
escreveu belas palavras ao meu senhor [Sartak], mas há nelas algumas coisas difíceis, sobre<br />
as quais nada ousaria fazer s<strong>em</strong> o conselho de seu pai [Batu]; por isso vocês dev<strong>em</strong> ir a seu<br />
pai.” 20 Com isso se confirmava que o boato sobre o batismo de Sartak era falso, o que pode<br />
ter si<strong>do</strong> o início da futura falta de interesse <strong>em</strong> contatar novamente os mongóis por parte de<br />
Luís IX. O trecho a seguir é ainda mais elucidativo:<br />
17 Ibid., p. 59.<br />
18 Ibid., p. 59-60.<br />
19 Ibid., p. 61.<br />
20 Ibid., p. 64.
33<br />
Antes de deixarmos Sartach [sic] disse-nos Coiac [sic] [...]: “Não digais que nosso senhor é cristão;<br />
ele não é cristão, mas <strong>mongol</strong>.” Porque o nome “cristão” se lhes afigurava nome de um povo;<br />
exaltam-se a tanta soberba que, <strong>em</strong>bora alguns talvez creiam <strong>em</strong> Cristo [nestorianos], não quer<strong>em</strong> ser<br />
chama<strong>do</strong>s cristãos; quer<strong>em</strong> que seu nome, isto é, “moal” [sic] seja eleva<strong>do</strong> acima de to<strong>do</strong> nome e não<br />
quer<strong>em</strong> ser chama<strong>do</strong>s tártaros. Soube que os tártaros são outro povo. 21<br />
Durante a viag<strong>em</strong> <strong>do</strong> ordu de Sartak ao de Batu, aparec<strong>em</strong> outras importantes<br />
descrições geográficas, como a que confirma que o mar Cáspio era fecha<strong>do</strong>, ao contrário <strong>do</strong><br />
que se pensava na Europa. Espanta<strong>do</strong> com a distribuição longitudinal da “cidade” de Batu,<br />
no dia seguinte à chegada a Sarai – sede da Horda de Ouro, atual Volgogra<strong>do</strong>, na Rússia –,<br />
Rubruck relata:<br />
Nosso guia l<strong>em</strong>brou-nos de nada falarmos antes de Batu ordenar e que, então, faláss<strong>em</strong>os<br />
brev<strong>em</strong>ente. Perguntou também se já havíeis [referin<strong>do</strong>-se a Luís IX, pois o relato era dirigi<strong>do</strong> a ele]<br />
envia<strong>do</strong> algum <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>r a ele. Respondi que havíeis envia<strong>do</strong> a Guiuc-Cã [sic] [ou seja, o frei<br />
Carpini]; disse também que não enviastes <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res a ele n<strong>em</strong> cartas a Sartach [sic] senão<br />
quan<strong>do</strong> crestes que eram cristãos, e que fizestes não por me<strong>do</strong>, mas pela satisfação de que eram<br />
cristãos. 22<br />
Note-se que há um equívoco de Rubruck, quan<strong>do</strong> este dá a entender que Luís IX<br />
enviara Carpini. Na verdade, fora o papa Inocêncio IV que o fizera. E também o boato<br />
sobre a cristianização de cãs da Mongólia foi estendi<strong>do</strong> por Rubruck, talvez para facilitar o<br />
argumento com o qual poderia ter com o cã da Horda de Ouro.<br />
Como Carpini, Rubruck descreve o trono de Batu: “[...] os homens sentavam-se<br />
espalha<strong>do</strong>s à direita e as mulheres à esquerda [...].” 23 Ao ficar frente-a-frente com Batu,<br />
Rubruck expôs seu intuito de propagar entre seu povo a fé cristã, contan<strong>do</strong>-lhe sobre o<br />
suposto batismo de seu filho Sartak. Segun<strong>do</strong> o frade, o cã da Horda de Ouro “[...] man<strong>do</strong>u<br />
então que me levantasse, perguntan<strong>do</strong> pelo vosso nome [o <strong>do</strong> rei da França], pelo meu, pelo<br />
<strong>do</strong> meu companheiro e <strong>do</strong> intérprete [...]. Disse ter ouvi<strong>do</strong> que [vós, Luís IX] partistes de<br />
vossa terra com um exército contra alguém com qu<strong>em</strong> estáveis <strong>em</strong> guerra. Respondi:<br />
‘contra os sarracenos que violam a casa de Deus <strong>em</strong> Jerusalém.’” 24 Essa passag<strong>em</strong> r<strong>em</strong>ete<br />
ao contexto das Cruzadas, cujos inimigos <strong>do</strong> momento (m<strong>ea</strong><strong>do</strong>s <strong>do</strong> <strong>século</strong> XIII) eram os<br />
21 Ibid., p. 66. Sobre a última oração da citação, ver nota 22, capítulo I da monografia.<br />
22 Ibid., p. 70.<br />
23 Ibid., p. 71.<br />
24 Ibid., p. 72.
34<br />
mamelucos. Portanto, esse é um <strong>do</strong>s trechos que confirmam a hipótese de que Luís IX<br />
buscava aliança com os mongóis.<br />
Assim como acontecera a Carpini, Rubruck foi envia<strong>do</strong> ao grão-cã, agora Mongke.<br />
Só que o grupo é desfeito por ord<strong>em</strong> de Batu: “Que sigam os <strong>do</strong>is sacer<strong>do</strong>tes [Rubruck e<br />
Bartolomeu de Cr<strong>em</strong>ona, com um <strong>do</strong>s escravos] e o clérigo [o turcomano Gosset, com o<br />
outro escravo] volte a Sartach [sic].” 25<br />
*<br />
Resgate-se agora o relato de Carpini a partir de Batu. Este frade descreve os lugares<br />
e povos pelos quais passou, s<strong>em</strong> se ater tanto a detalhes, como faz Rubruck. Cita os<br />
comanos (quiptchaques), os naimanos e os mongóis propriamente ditos no seu caminho<br />
para o leste: “[...] entramos na terra <strong>do</strong>s mongalos [sic], que chamamos de tártaros. Como<br />
cr<strong>em</strong>os, por esta terra viajamos por três s<strong>em</strong>anas, cavalgan<strong>do</strong> velozmente; e no dia de Santa<br />
Maria Madalena (vinte e <strong>do</strong>is de julho), chegamos aonde estava Guiuc [sic], antes de sua<br />
eleição como Grão-cã <strong>do</strong>s mongóis.” 26 Analisan<strong>do</strong> o trecho, deve-se ter <strong>em</strong> mente o<br />
contexto da kurultai que elegeu Guyuk grão-cã, como assinala<strong>do</strong> no capítulo II desta<br />
monografia.<br />
Carpini acompanhou to<strong>do</strong> o processo de entronização de Guyuk Cã. “Quan<strong>do</strong><br />
chegamos lá [a Caracórum] já tinha si<strong>do</strong> arma<strong>do</strong> um grande pavilhão [...], que, a nosso<br />
juízo, era tão grande que podia abrigar mais de duas mil pessoas”, relata. 27 A cerimônia<br />
durou alguns dias, durante os quais o frei observou o aparato de segurança, os povos e os<br />
envia<strong>do</strong>s presta<strong>do</strong>res de vassalag<strong>em</strong>.<br />
Depois da entronização efetiva, Guyuk Cã chamou Carpini e seu companheiro até<br />
ele, assim como fazia com os que lhe iam render homenagens e oferecer presentes.<br />
Segun<strong>do</strong> o frei, “[...] fomos pergunta<strong>do</strong>s se queríamos também oferecer presentes, mas já<br />
tínhamos consumi<strong>do</strong> nossas reservas.” 28 Guyuk Cã d<strong>em</strong>orava pra os atender. Carpini,<br />
25 Ibid., p. 73.<br />
26 SILVEIRA, O. F. M., I. Enfrentan<strong>do</strong> os guerreiros tártaros medievais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 32.<br />
27 Ibid., p.33.<br />
28 Ibid., p.37.
35<br />
então, começava a colher informações que poderiam ser úteis à cristandade européia, <strong>em</strong><br />
caso de possíveis ataques ao Ocidente.<br />
Passa<strong>do</strong>s alguns dias <strong>do</strong> advento de Guyuk Cã, intermediários disseram a Rubruck<br />
que “[...] lançáss<strong>em</strong>os por escrito nossas palavras e explicáss<strong>em</strong>os nossa missão e<br />
entregáss<strong>em</strong>os tu<strong>do</strong> a ele.” 29 Após várias complicações na tradução, para a qual foi<br />
necessária ajuda de estrangeiros que habitavam Caracórum, Carpini conseguiu que o grão-<br />
cã conhecesse seu conteú<strong>do</strong>.<br />
Guyuk Cã respondeu também com uma carta, e intermediários assim disseram:<br />
“‘[...] tende cuida<strong>do</strong> de entender tu<strong>do</strong> b<strong>em</strong> [o conteú<strong>do</strong> da resposta], pois não seria<br />
conveniente que viésseis de r<strong>em</strong>otas regiões e não entendêsseis tu<strong>do</strong> muito b<strong>em</strong>.’ Eles então<br />
transcreveram a carta <strong>em</strong> língua sarracena [persa] para que pudesse encontrar no Ocidente<br />
qu<strong>em</strong> a traduzisse [...].” 30 O frade Ildefonso Silveira traduziu assim a carta para o<br />
português:<br />
29 Ibid., p.40.<br />
30 Ibid., p.41.<br />
31 Ibid., p.41-42.<br />
A fortaleza de Deus, impera<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong>s os homens, envia ao grande papa esta carta [...].<br />
Aconselhan<strong>do</strong>-me sobre o mo<strong>do</strong> de estabelecer paz entre nós e tu, Papa e to<strong>do</strong>s os cristãos, tu nos<br />
enviaste um <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>r, como ouvimos de tuas palavras e se conclui de tua carta. Se, portanto, vós,<br />
Papa e to<strong>do</strong>s os reis e governantes, desejais manter paz conosco, não tardeis, de mo<strong>do</strong> algum, <strong>em</strong> vir<br />
até nós para estabelecer a paz e então ouvireis a nossa resposta e ao mesmo t<strong>em</strong>po conhecereis nossa<br />
vontade. No texto de tua carta é dito que nós dev<strong>em</strong>os ser batiza<strong>do</strong>s e nos tornar cristãos. Ao que<br />
respond<strong>em</strong>os, com poucas palavras, que não compreend<strong>em</strong>os absolutamente por que deveríamos<br />
fazê-lo. Quanto ao outro ponto de que nos falavas na tua carta, isto é, de que te maravilhas com tanta<br />
matança de homens, sobretu<strong>do</strong> cristãos, <strong>em</strong> particular de poloneses, morávios e húngaros,<br />
respond<strong>em</strong>os <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong> que também não entend<strong>em</strong>os isso. Todavia, para que não pareça que<br />
quer<strong>em</strong>os deixar o assunto, diz<strong>em</strong>os que se deve responder-te <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> seguinte: porque não<br />
obedeceram n<strong>em</strong> à palavra de Deus, n<strong>em</strong> à ord<strong>em</strong> de Gêngis-Cã, n<strong>em</strong> de Cã [neste caso, Oguedai Cã,<br />
o segun<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r, morto <strong>em</strong> 1241] e, reunin<strong>do</strong> o grande conselho, mataram os nossos<br />
<strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res, por isso Deus ordenou que os aniquiláss<strong>em</strong>os e os entregou <strong>em</strong> nossas mãos [aqui<br />
parece que Guyuk Cã confunde os cristãos com os corásmios, que eliminaram <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res<br />
mongóis quan<strong>do</strong> estes foram exigir submissão, ainda nos t<strong>em</strong>pos de Gêngis Cã]. De resto, se deus<br />
não tivesse feito isso, que coisa teria podi<strong>do</strong> fazer um hom<strong>em</strong> a outro hom<strong>em</strong>? Mas vós, homens <strong>do</strong><br />
Ocidente, credes que sé existis vós, cristãos e desprezais os outros. Como podeis conhecer a qu<strong>em</strong><br />
Deus concede seu favor? Nós, a<strong>do</strong>ran<strong>do</strong> Deus, com a fortaleza de Deus devastamos toda a terra <strong>do</strong><br />
Oriente e <strong>do</strong> Ocidente. E se esta não fosse a fortaleza de deus, que poderiam fazer os homens? Se<br />
escolheis a paz e intencionais entregar-nos as vossas forças, vós, Papa, juntamente como os<br />
poderosos entre os cristãos, não terdes de mo<strong>do</strong> algum a vir a mim para estabelecer a paz e então<br />
saber<strong>em</strong>os que quereis paz conosco. Se, porém, não crerdes nesta missiva de Deus e nossa e não<br />
escutardes o conselho de vir a nós, então saber<strong>em</strong>os com certeza que quereis ter guerra conosco.<br />
Depois disso, o que acontecerá não sab<strong>em</strong>os; só Deus o sabe. 31
36<br />
A própria carta-resposta de Guyuk Cã dá idéia da mensag<strong>em</strong> de Inocêncio IV, cujo<br />
conteú<strong>do</strong> não foi coloca<strong>do</strong> no relato por Carpini. Havia um clamor para que não mais<br />
houvesse matanças de cristãos, b<strong>em</strong> como, aos olhos de Deus, o papa afirmava ser aquilo<br />
condenável. Também existia o pedi<strong>do</strong> para que os mongóis se tornass<strong>em</strong> cristãos. O grão-<br />
cã afirmava não compreender nada daquilo. Na lógica <strong>do</strong>s mongóis, qu<strong>em</strong> não se lhes<br />
submetesse deveria ser destruí<strong>do</strong>, já que, como está no começo da carta, o grão-cã era o<br />
“impera<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong>s os homens”. Conseqüent<strong>em</strong>ente, to<strong>do</strong>s deveriam aceitar essa pr<strong>em</strong>issa.<br />
Sobre o pedi<strong>do</strong> para ser batiza<strong>do</strong>, Guyuk Cã despreza o cristianismo romano, s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>er a<br />
ira divina que se lhe poderia abater, de acor<strong>do</strong> com o que Inocêncio IV escrevera. 32 Além<br />
disso, Guyuk Cã “[...] tomou a carta papal como a vinda de um chefe político, de qu<strong>em</strong> os<br />
príncipes eram vassalos, e como oferta de submissão”, 33 e convoca o próprio papa para se<br />
lhe submeter.<br />
A viag<strong>em</strong> de retorno de Carpini teve início <strong>em</strong> nov<strong>em</strong>bro de 1246 e durou <strong>do</strong>ze<br />
meses, durante os quais passou por tantas ou mais adversidades quantas na ida. Voltou pelo<br />
mesmo caminho, passan<strong>do</strong> pelo ordu de Batu, <strong>em</strong> maio de 1247, e chegou a Kiev <strong>em</strong> junho<br />
<strong>do</strong> mesmo ano. Em nov<strong>em</strong>bro, Carpini entregou a carta a Inocêncio IV, não s<strong>em</strong> o alertar<br />
acerca <strong>do</strong> perigo <strong>mongol</strong>. O frei foi uma espécie de espião da cristandade, como se verifica<br />
neste excerto:<br />
Na corte <strong>do</strong> grão-cã acham-se concentra<strong>do</strong>s guerreiros e príncipes <strong>do</strong> exército. Plano: um exército<br />
deve entrar pela Hungria, o segun<strong>do</strong> pela Polônia, como fomos informa<strong>do</strong>s. Virão para lutar por<br />
dezoito anos contínuos, como foi programa<strong>do</strong> [...]. Tu<strong>do</strong> isso é firme e verdadeiro, a não ser que o<br />
Senhor, por sua graça, mande algum imprevisto, como fez quan<strong>do</strong> atacaram a Hungria e a Polônia.<br />
Eles deviam prosseguir por trinta anos, mas o impera<strong>do</strong>r [Oguedai Cã] morreu envenena<strong>do</strong> [1241], e<br />
por isso interrompeu a guerra até agora. 34<br />
Carpini conclama a Europa a unir-se pela sua defesa contra os gengiscânidas. Por isso o frei<br />
também sugere que armas e méto<strong>do</strong>s de guerra usar, afirman<strong>do</strong> que se dev<strong>em</strong> imitar os<br />
mongóis, dada sua superioridade bélica, seja pelo contingente de guerreiros, seja pela<br />
mobilidade de sua cavalaria.<br />
32<br />
PHILLIPS, E. D. Os mongóis. Lisboa: Verbo, 1971. (Coleção história Mundi; n. 9). p. 91-92.<br />
33<br />
Ibid., p. 92.<br />
34<br />
SILVEIRA, O. F. M., I. Enfrentan<strong>do</strong> os guerreiros tártaros medievais. Petrópolis: Vozes, 1999. p. 69-<br />
70.
37<br />
*<br />
Retornan<strong>do</strong> à obra de Rubruck, observamos que seguiu a comitiva de Batu, que<br />
saíra de Sarai, até um certo ponto, a partir <strong>do</strong> qual o grupo cristão foi conduzi<strong>do</strong> por um<br />
guia indica<strong>do</strong> pelo cã. Os três homens – Rubruck, Bartolomeu e um <strong>do</strong>s escravos –<br />
recebiam os piores cavalos, mas para o narra<strong>do</strong>r, “[...] providenciavam um cavalo mais<br />
forte, pois eu era muito pesa<strong>do</strong>.” 35<br />
Padecen<strong>do</strong> de fome e frio durante esta jornada de quatro meses até Caracórum,<br />
passan<strong>do</strong> por diversos povos, os três chegaram à corte de Mongke Cã <strong>do</strong>is dias depois <strong>do</strong><br />
Natal de 1253. Foram interroga<strong>do</strong>s quanto ao propósito da viag<strong>em</strong>, cuja resposta foi a<br />
mesma dada tantas vezes: o boato de que Sartak tornara-se cristão. Então,<br />
[...] perguntaram se [vós, rei da França] queríeis estabelecer paz com eles. Respondi: “Ele enviou<br />
carta a Sartach [sic] como cristão e se soubesse que não era cristão, jamais lhe teria escrito. Quanto a<br />
estabelecer paz, digo-vos que não cometeu nenhuma injúria; se assim fizesse, não compreen<strong>do</strong> por<br />
que causa devereis fazer guerra a ele e ao seu povo, já que, de boa vontade, como hom<strong>em</strong> justo que<br />
é, quereria <strong>em</strong>endar-se e propor paz. Se vós, s<strong>em</strong> razão, quiserdes mover guerra contra ele e seu<br />
povo, esperamos que Deus [...] nos ajudará.” Eles, admira<strong>do</strong>s, s<strong>em</strong>pre repetiam: “Se não viestes<br />
propor paz, para que viestes?” 36<br />
Isso dá noção da arrogância <strong>mongol</strong> <strong>em</strong> relação a outros povos. Como na carta de Guyuk<br />
Cã a Inocêncio IV, verifica-se aqui a idéia de <strong>do</strong>minação total e de submissão.<br />
Igual a Carpini, Rubruck s<strong>em</strong>pre cita as datas <strong>do</strong> calendário litúrgico. Nas oitavas<br />
<strong>do</strong>s Inocentes de 1254 (4 de janeiro), o frei e seu acompanhante foram conduzi<strong>do</strong>s à corte<br />
móvel <strong>do</strong> novo impera<strong>do</strong>r, Mongke Cã. Dentro de sua ger, o frade se admirou com a<br />
magnanimidade <strong>do</strong> grão-cã.<br />
Leva<strong>do</strong> à sua presença, Rubruck comunicou-se com o comandante <strong>do</strong> <strong>império</strong> por<br />
meio de um intérprete. O pitoresco desse episódio começa com o fato de que a tenda de<br />
Mongke Cã estava repleta de bebidas. 37 “Para nosso infortúnio”, relata o franciscano,<br />
35<br />
SILVEIRA, O. F. M., I. Viag<strong>em</strong> de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255.<br />
Bragança Paulista: Edusf, 1997. p.79.<br />
36<br />
Ibid., p. 92-93.<br />
37<br />
Os mongóis, <strong>em</strong>bora não fabricass<strong>em</strong> bebidas alcoólicas, com exceção <strong>do</strong> kumiss, eram muito afeitos a elas.
38<br />
“nosso intérprete estava perto <strong>do</strong>s copeiros, que lhe deram muita bebida e logo ficou<br />
ébrio.” 38 O frade relata assim o primeiro encontro com o grão-cã:<br />
Tiv<strong>em</strong>os que ajoelhar-nos. Ele tinha como intérprete um nestoriano e eu ignorava que fosse cristão;<br />
nós tínhamos nosso intérprete, que era o que era, e já estava bêba<strong>do</strong>. Eu disse: “[...] rend<strong>em</strong>os graças<br />
e louvores a Deus que nos trouxe de tão longínquas regiões para vermos Mangu-Cã [sic], a qu<strong>em</strong><br />
Deus deu tanto poder na terra [...].” Depois contei-lhe: “Senhor, ouvimos que Sartach [sic] era<br />
cristão [...]. Por isso vi<strong>em</strong>os até ele e o senhor rei [Luís IX] man<strong>do</strong>u carta por nós, que continham<br />
[s<strong>em</strong> grifo no original] palavras pacíficas; entre tais palavras ele test<strong>em</strong>unhava sobre que homens<br />
éramos e rogava permitisse que moráss<strong>em</strong>os <strong>em</strong> sua terra, pois nosso ofício é ensinar os homens a<br />
viver<strong>em</strong> segun<strong>do</strong> a lei de Deus [...]. [...] suplicamos, pois [...] que nos dê licença para des<strong>em</strong>penhar o<br />
serviço de Deus <strong>em</strong> favor de vós, de vossas esposas e de vossos filhos [...]. Dê-nos ao menos licença<br />
de permanecer até que passe este frio [...]. 39<br />
Um aspecto notável nesse excerto é que Rubruck e Bartolomeu continham a carta.<br />
Logo, observa-se que tal foi extraviada, s<strong>em</strong> que se mencione ao longo da fonte de que<br />
maneira. Por isso o frade teve que transmitir a mensag<strong>em</strong> de Luís IX oralmente. Além<br />
dessa dificuldade, houve ainda a <strong>em</strong>briaguez <strong>do</strong> intérprete de Rubruck, o que pode ter<br />
dificulta<strong>do</strong> a compreensão por parte de Mongke Cã. Ao frei pareceu também o grão-cã<br />
ébrio. A resposta <strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r dá idéia de conquista universal, por meio de uma<br />
interessante metáfora: “Como o sol espalha seus raios por toda a parte, assim meu poder e o<br />
de Batu irradiam-se por toda a parte.” 40 Percebe-se aqui a idéia de existência de uma<br />
espécie de diarquia de Batu e Mongke Cã. Aquele se <strong>em</strong>penhara bravamente para que este<br />
se tornasse o grão-cã, pois eram alia<strong>do</strong>s muito liga<strong>do</strong>s e porque Batu não queria aban<strong>do</strong>nar<br />
a administração da Horda de Ouro.<br />
O impera<strong>do</strong>r decidiu aceitar o pedi<strong>do</strong> de estadia. Mas não respondeu imediatamente<br />
sobre o conteú<strong>do</strong> da mensag<strong>em</strong> de Luís IX. Ao longo <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> <strong>em</strong> que viveu na corte de<br />
Mongke Cã, Rubruck teve alguns encontros com ele, o mais curioso <strong>do</strong>s quais juntamente<br />
com outros religiosos, cada qual representan<strong>do</strong> sua crença, para um debate teológico. O<br />
impera<strong>do</strong>r man<strong>do</strong>u reunir<strong>em</strong>-se um nestoriano, um católico (Rubruck), um muçulmano e<br />
um budista. Isso d<strong>em</strong>onstra a curiosidade que as culturas sedentárias causavam aos<br />
mongóis, além da tolerância religiosa. O Império Gengiscânida parecia ser um terreno fértil<br />
para a propagação de religiões mais b<strong>em</strong> fundamentadas que o xamanismo local. Teria si<strong>do</strong><br />
38 SILVEIRA, O. F. M., I. Viag<strong>em</strong> de um aventureiro medieval - Guilherme de Rubruc - 1253-1255.<br />
Bragança Paulista: Edusf, 1997. p. 100.<br />
39 Ibid., p. 101-102.<br />
40 Ibid., p. 102.
39<br />
uma grande chance de convencer o grão-cã a converter-se a alguma delas, o que acabou não<br />
ocorren<strong>do</strong>.<br />
Mais <strong>do</strong> que os <strong>do</strong>is meses pedi<strong>do</strong>s por Rubruck, o impera<strong>do</strong>r aceitou que ele e seu<br />
acompanhante ficass<strong>em</strong> por mais cinco. Então o franciscano pôde constatar o verdadeiro<br />
caráter cosmopolita de Caracórum. Havia gente de todas as regiões conquistadas pelos<br />
mongóis. O que causa mais curiosidade é a amizade estabelecida entre Rubruck e um<br />
artesão francês, mestre Guilherme de Bouchier, mora<strong>do</strong>r da corte. Ele fora seqüestra<strong>do</strong><br />
junto com sua esposa, uma húngara, <strong>em</strong> Budapeste, quan<strong>do</strong> da invasão da Hungria por<br />
parte de Batu contra o rei Béla IV, <strong>em</strong> 1241, juntamente com outros estrangeiros, como um<br />
tal Basílio, húngaro filho de ingleses. Este encontro com europeus que habitavam a corte<br />
foi de extr<strong>em</strong>a sorte para Rubruck, pois, <strong>em</strong> conhecen<strong>do</strong> a língua <strong>mongol</strong>, podiam ajudar<br />
nas interpretações entre ele e o impera<strong>do</strong>r, como de fato aconteceu como o filho <strong>do</strong> mestre<br />
Guilherme. É também curioso observar que Rubruck chegou a rezar uma missa no perío<strong>do</strong><br />
de Páscoa (Quinta-feira Santa, 9 de abril de 1254), o que alegrou os nestorianos da corte.<br />
Na última audiência com o grão-cã, na qual houve a decisão de não aderir a<br />
qualquer religião cujas leis haviam si<strong>do</strong> apresentadas, o impera<strong>do</strong>r professou sua fé com um<br />
discurso desconcertante:<br />
Nós, mongóis, cr<strong>em</strong>os que não existe senão um só Deus, pelo qual viv<strong>em</strong>os e morr<strong>em</strong>os e dele t<strong>em</strong>os<br />
o coração reto [...]. Como Deus deu à mão vários de<strong>do</strong>s, assim deu aos homens vários caminhos [...].<br />
Deus deu a vós as Escrituras e não as guardais [referin<strong>do</strong>-se a uma afirmação sua de que os seres<br />
humanos não seguiam os ensinamentos de Deus]; a nós deu adivinhos e nós faz<strong>em</strong>os o que eles nos<br />
diz<strong>em</strong>, e viv<strong>em</strong>os <strong>em</strong> paz. 41<br />
Com isso, dá-se ensejo a que Rubruck deixe Caracórum. O franciscano pediu que as<br />
palavras <strong>do</strong> grão-cã foss<strong>em</strong> redigidas para que se as entregasse a Luís IX. Fica patente a<br />
diferença entre as missões de Carpini (diplomática) e Rubruck (religiosa) neste trecho, <strong>em</strong><br />
que o frei se dirige ao impera<strong>do</strong>r, mostran<strong>do</strong> o ideário franciscano:<br />
41 Ibid., p. 131.<br />
Senhor, nós não somos homens guerreiros; gostaríamos que coubesse o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> àquele<br />
que o governasse mais justamente, segun<strong>do</strong> a vontade de Deus. Nosso ofício é ensinar aos homens a<br />
viver<strong>em</strong> segun<strong>do</strong> a vontade de Deus; para isso vi<strong>em</strong>os [...] e de boa vontade ficaríamos, se fosse <strong>do</strong><br />
vosso agra<strong>do</strong> [...], [pois] tenho sua licença [<strong>do</strong>s senhores da cristandade] para ir para onde eu quiser,
40<br />
aonde for necessário pregar a palavra de Deus; parece-me que isto é necessário nestas partes [e],<br />
mand<strong>em</strong> ou não os <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res, voltarei se for de vosso agra<strong>do</strong>. 42<br />
Isso era quase um apelo para permanecer ali, ou para voltar <strong>em</strong> outra época, mas o grão-cã<br />
não se sensibilizou, dizen<strong>do</strong>: “Tu tens longa viag<strong>em</strong> para fazer, fortalece-te com alimentos,<br />
parta chegares forte à tua terra.” 43 Tal resposta causou enorme frustração ao frei Rubruck,<br />
que nunca mais teria oportunidade de regressar ao coração <strong>do</strong> Império Mongol.<br />
Após alguns dias completou-se a carta-resposta de Mongke Cã:<br />
É vontade de Deus eterno [Tengri, o Céu Eterno]: na terra não haverá a não ser um só senhor,<br />
Gêngis-Cã, filho de Deus [...], e onde quer que os ouvi<strong>do</strong>s possam ouvir, por onde quer que o cavalo<br />
possa andar, ali façais ouvir-se e compreender-se [esta mensag<strong>em</strong>] [...]. Pela força de Deus eterno,<br />
pelo grande poderio <strong>do</strong>s mongóis, esta seja a ord<strong>em</strong> de Mangu-Cã [sic] para o senhor rei <strong>do</strong>s francos<br />
e to<strong>do</strong>s os outros senhores e sacer<strong>do</strong>tes e o grande <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s francos [...]. [...] quis<strong>em</strong>os enviar<br />
<strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res como vossos preditos sacer<strong>do</strong>tes. Eles responderam que entre vós e nós há território<br />
<strong>em</strong> guerra [...] e caminhos difíceis; por isso t<strong>em</strong>iam não poder conduzir a salvo nossos <strong>em</strong>baixa<strong>do</strong>res<br />
até vós; mas se nós lhes confiáss<strong>em</strong>os nossas letras com nossa ord<strong>em</strong>, eles a enviariam ao rei Luís<br />
[...]. Se não quiserdes ouvir n<strong>em</strong> crer [nesta ord<strong>em</strong>] [...] e organizardes um exército contra nós,<br />
sab<strong>em</strong>os o que pod<strong>em</strong>os; aquele que tornou fácil o que era difícil, que tornou próximo o que era<br />
longe, o Deus eterno sabe. 44<br />
Doente, o frei Bartol<strong>em</strong>eu de Cr<strong>em</strong>ona ficou na corte, com permissão de Mongke<br />
Cã, pois afirmava que morreria caso tivesse que enfrentar as agruras da viag<strong>em</strong> de retorno.<br />
A separação foi <strong>do</strong>lorosa, pois parecia que os <strong>do</strong>is amigos nunca mais se veriam, como de<br />
fato aconteceu. Em 18 de agosto de 1254, Rubruck partiu com seu intérprete, um guia e um<br />
servo. Foi outra jornada difícil, pelo mesmo caminho da ida. Chegou ao ordu de Batu <strong>em</strong><br />
16 de set<strong>em</strong>bro de 1254. Em agosto de 1255, um ano após sua partida de volta, Rubruck<br />
chegou ao Chipre, <strong>do</strong>mínio cruza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s francos, onde acreditava estar Luís IX. Mas este já<br />
havia retorna<strong>do</strong> à França, para onde foi, finalmente, o frei Rubruck.<br />
42 Ibid., p. 132-134.<br />
43 Ibid., p. 134.<br />
44 Ibid., p. 139-141.
CONCLUSÃO<br />
Analisan<strong>do</strong> as fontes escritas por Carpini e Rubruck, pod<strong>em</strong> ser verificadas algumas<br />
idéias distintas e outras s<strong>em</strong>elhantes quanto aos seus objetivos.<br />
O frade Carpini foi o <strong>em</strong>issário direto <strong>do</strong> papa Inocêncio IV junto ao grão-cã da<br />
Mongólia, neste caso Guyuk Cã, que havia acaba<strong>do</strong> de chegar ao trono de seu Império.<br />
Carpini tinha recomendações precisas, bas<strong>ea</strong>das no que fora discuti<strong>do</strong> no Concílio de Lion<br />
de 1245: a unidade da Cristandade e a defesa contra os mongóis.<br />
O primeiro aspecto não possuía apenas objetivos religiosos, pois “ [...] parece que o<br />
papa Inocêncio III (1198-1216) [...] sonha <strong>em</strong> instaurar, no Ocidente, uma espécie de<br />
teocracia, onde to<strong>do</strong>s os príncipes t<strong>em</strong>porais se submeteriam ao patronato <strong>do</strong> papa, vigário<br />
de Cristo.” 1 “Esse êxito deveu pouco ao poder t<strong>em</strong>poral <strong>do</strong> Papa, à base territorial que lhe<br />
era oferecida pelo patrimônio de S. Pedro. Foi por ter reforça<strong>do</strong> seu poder sobre os bispos e<br />
especialmente por ter canaliza<strong>do</strong> para si os recursos financeiros da Igreja [...], encabeçan<strong>do</strong><br />
a codificação <strong>do</strong> direito canónico [sic], que o papa<strong>do</strong>, no <strong>século</strong> XII e, especialmente, no<br />
<strong>século</strong> XIII, se transformou numa monarquia supranacional eficaz.” 2 Estava <strong>em</strong> jogo, então,<br />
o poder t<strong>em</strong>poral da Igreja, cujo ápice aconteceu com o próprio Inocêncio III, <strong>em</strong> 1215,<br />
quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> quarto Concílio de Latrão, por meio <strong>do</strong> qual foram impostas decisões como a<br />
obrigação da confissão e da comunhão pascais.<br />
No entanto, essas imposições papais acarretaram r<strong>ea</strong>ções de alguns soberanos,<br />
sobretu<strong>do</strong> de Frederico II, coroa<strong>do</strong> impera<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Sacro Império <strong>em</strong> 1200. Tais r<strong>ea</strong>ções<br />
geraram conflitos entre Frederico II e o papa<strong>do</strong>, que o levaram a ser excomunga<strong>do</strong> duas<br />
vezes pelo papa Gregório IX, <strong>em</strong> 1227 e 1239. Essa aparente vitória pontifical ficou selada<br />
no Concílio de Lion de 1245, quan<strong>do</strong> Frederico II foi deposto, já sob o papa<strong>do</strong> de Inocêncio<br />
IV. A Al<strong>em</strong>anha passou então a ser “[...] um mosaico de Esta<strong>do</strong>s praticamente autônomos<br />
[...], [chocan<strong>do</strong>-se] <strong>em</strong> toda a parte os principa<strong>do</strong>s laicos, eles próprios enfraqueci<strong>do</strong>s pela<br />
1 HEERS, J. Hiatória medieval. São Paulo: Difusão Européia <strong>do</strong> Livro, 1974. p. 135.<br />
2 LE GOFF, J. A civilização <strong>do</strong> Ocidente medieval. Lisboa: Estampa, 1995 (1964). v. 1. (Nova História, n.<br />
14). p. 135.
discórdia [...].” 3 E, na Itália, “O conflito Papa<strong>do</strong>-Império favoreceu a independência das<br />
cidades [...].” 4<br />
Quanto à defesa contra os mongóis, o Concílio de Lion lhe fez menção por conta<br />
<strong>do</strong>s ataques perpetra<strong>do</strong>s por Batu à Europa oriental. O terror deixa<strong>do</strong> nos corações e mentes<br />
<strong>do</strong>s europeus foi mais um fator que fez Inocêncio IV enviar Carpini ao Império Mongol.<br />
A conclusão a que se pode chegar quanto à missão deste franciscano é que o papa<br />
Inocêncio IV queria transformar aquela vitória política aparente contra o Sacro Império <strong>em</strong><br />
uma vitória efetiva. Além disso, observan<strong>do</strong> que essa disputa só enfraqueceu a Cristandade,<br />
fragmentan<strong>do</strong> o Sacro Império, Inocêncio IV tenta sensibilizar o grão-cã Guyuk quanto à fé<br />
cristã, por meio de uma carta condenan<strong>do</strong> os ataques nômades e suplican<strong>do</strong> que estes não<br />
voltass<strong>em</strong> a ocorrer, bas<strong>ea</strong><strong>do</strong> nas idéias católicas. O sumo pontífice parecia pensar que era<br />
melhor ter os mongóis como alia<strong>do</strong>s <strong>do</strong> que como inimigos, da<strong>do</strong> o rastro de destruição<br />
deixa<strong>do</strong> por eles na Europa oriental. O relato de Carpini, que alerta para o perigo <strong>mongol</strong>,<br />
haja vista a supr<strong>em</strong>acia militar <strong>do</strong> <strong>império</strong> asiático, pode confirmar esta hipótese. Se tivesse<br />
si<strong>do</strong> efetivada a conversão <strong>do</strong>s mongóis ao cristianismo, Inocêncio IV poderia argumentar<br />
da seguinte maneira: se o Império Mongol, que reunia uma profusão de povos, cada qual<br />
com seus costumes e religiões, conseguia manter a unidade, por que a Europa não<br />
conseguia? E seria ainda melhor se esta unidade <strong>mongol</strong> tivesse como base religiosa o<br />
cristianismo. Além disso, não se pode perder de vista o contexto das Cruzadas. Se a Ásia<br />
<strong>mongol</strong> e a Europa se uniss<strong>em</strong> sob o id<strong>ea</strong>l cristão, o Islã teria poucas chances de se manter.<br />
Neste senti<strong>do</strong>, deve-se abordar a jornada <strong>do</strong> frei Rubruck. Neste caso, já não é um<br />
papa que envia um missionário religioso, mas um monarca, Luís IX da França. Note-se que<br />
o esfacelamento político <strong>do</strong> Sacro Império andava <strong>em</strong> senti<strong>do</strong> contrário ao <strong>do</strong><br />
fortalecimento <strong>do</strong> reino da França nas mãos de Luís IX. Esta região, desde o <strong>século</strong> XII,<br />
vinha-se libertan<strong>do</strong> de obrigações feudais mais severas, estabelecen<strong>do</strong> um governo cujos<br />
integrantes eram eleitos pelo próprio monarca.<br />
3 HEERS, op. cit., p. 137.<br />
4 Id.<br />
Esses êxitos se apresentam como frutos de uma dupla política: de um la<strong>do</strong>, a utilização hábil<br />
<strong>do</strong>s poderes de suserania e o confisco <strong>em</strong> seu proveito <strong>do</strong>s principais direitos feudais; por<br />
outro la<strong>do</strong>, a procura de sóli<strong>do</strong>s apoios junto aos homens livres, el<strong>em</strong>entos das cidades ou<br />
42
camponeses, beneficia<strong>do</strong>s pelo desenvolvimento <strong>do</strong>s centros urbanos e os <strong>em</strong>preendimentos<br />
de aberturas de ár<strong>ea</strong>s para cultivo. 5<br />
Luís IX tinha forte ligação com a Igreja, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> sagra<strong>do</strong> rei da França, o que<br />
confirma a aliança entre a Santa Sé e aquele reino. Além disso, a sagração enfatiza o<br />
aspecto divino que envolve as monarquias européias. Luís IX foi-se fortalecen<strong>do</strong>, à medida<br />
que “[...] liquida as intrigas e rompe as alianças <strong>do</strong>s barões mais amiúde pela diplomacia e<br />
pelo ouro <strong>do</strong> que pelas armas”, 6 ao contrário <strong>do</strong> que ocorria no Sacro Império. A partir da<br />
posição <strong>do</strong> rei da França, as monarquias feudais começaram a se sobrepor ao poder<br />
pontifical. E um sinal desse poder crescente <strong>do</strong> rei da França, dessa sua <strong>em</strong>ergente<br />
independência política <strong>em</strong> relação à Igreja, está justamente no fato de que Luís IX não<br />
pediu autorização papal para enviar o frei Rubruck ao Império Mongol, ainda que o caráter<br />
da viag<strong>em</strong> tenha si<strong>do</strong>, pelo menos <strong>em</strong> tese, estritamente religioso. O próprio Rubruck, no<br />
seu relato, pede que não seja trata<strong>do</strong> como missionário diplomata, mas simplesmente como<br />
prega<strong>do</strong>r da palavra de Deus. Carpini, sim, foi <strong>em</strong> missão diplomática oficial da Igreja, <strong>em</strong><br />
nome da Cristandade <strong>ocidental</strong> como um to<strong>do</strong>, não <strong>em</strong> nome da França, somente.<br />
E é aqui que se mostram as hipóteses que vão além <strong>do</strong> aspecto religioso, tão<br />
enfatiza<strong>do</strong> por Rubruck. Mais uma vez deve-se r<strong>em</strong>eter ao contexto das Cruzadas. Ora,<br />
Luís IX era um cavaleiro cruza<strong>do</strong>, tão importante, que as duas últimas incursões com o<br />
objetivo de conquistar a Terra Santa aos sarracenos levam seu nome: as Cruzadas de São<br />
Luís, 1248-1254 e 1270. Portanto, é evidente que o rei da França tinha a idéia de extirpar os<br />
muçulmanos da Terra Santa. E tal ocorreria com mais facilidade se o grão-cã da Mongólia<br />
– agora Mongke – estabelecesse com ela aliança política. E, além de um possível pacto<br />
contra o Islã, a aliança com o Império Gengiscânida poderia ser politicamente favorável a<br />
Luís IX dentro da própria Europa, uma vez que o poder <strong>do</strong> soberano da França aumentaria,<br />
caso fosse necessário o uso das forças armadas mongóis <strong>em</strong> seu benefício.<br />
O probl<strong>em</strong>a que se observa, ao se analisar<strong>em</strong> as fontes, <strong>em</strong> ambos os casos –<br />
Carpini e Rubruck –, e muito b<strong>em</strong> frisa<strong>do</strong> por Venkatachar, 7 é a ignorância entre as duas<br />
5 Ibid., p. 138.<br />
6 Ibid., p. 142.<br />
7 VENKATACHAR, C. S. The Historical Context of Encounters between Asia and Europe (as seen by an<br />
Asian). In: RAGHAVAN, I. (ed.). The Glass Curtain Between Asia and Europe: a symposium on the<br />
historical encounters and the changing attitudes of the peoples of the East and the West. Lon<strong>do</strong>n: Oxford<br />
University Press, 1965. p. 31-51.<br />
43
partes envolvidas. Não houve sensibilidade, talvez n<strong>em</strong> mesmo inteligência suficiente para<br />
que se efetivasse a aliança, principalmente no caso de Luís IX e Mongke Cã. Nenhuma das<br />
partes aceitou ceder. O grão-cã porque considerava que to<strong>do</strong>s os povos deveriam<br />
subordinar-se aos mongóis, numa concepção de poder universal, tão b<strong>em</strong> ex<strong>em</strong>plificada na<br />
carta-resposta enviada por ele a Luís IX. O rei da França, porque não aceitou “rebaixar-se”<br />
a outro monarca, ainda mais porque se tratava de um “bárbaro”.<br />
É claro que outros fatores dev<strong>em</strong> ser leva<strong>do</strong>s <strong>em</strong> consideração. O Império Mongol,<br />
desde a morte de Gêngis Cã, <strong>em</strong>bora tenha alcança<strong>do</strong> seu apogeu com Mongke, sofria<br />
politicamente a cada sucessão imperial. As lutas internas eram ferrenhas e a divisão <strong>do</strong><br />
território <strong>em</strong> vários canatos trouxe uma gradual desestabilização, ainda mais pela tendência<br />
<strong>mongol</strong> de assimilação. E, dada a negativa <strong>mongol</strong> de aliança com a Europa <strong>ocidental</strong>, Luís<br />
IX parece ter deixa<strong>do</strong> de considerar essa hipótese, voltan<strong>do</strong>-se para os probl<strong>em</strong>as da França<br />
e de suas possessões na Terra Santa. Em suma, probl<strong>em</strong>as internos também ajudaram a<br />
minar uma possível aliança.<br />
44
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LISTA DE ANEXOS:<br />
ANEXOS<br />
ANEXO 1 – Quadro gen<strong>ea</strong>lógico (p. 50): os sucessores de Gêngis Cã (1227-1336)<br />
ANEXO 2 – Mapas:<br />
• Mapa 1 (p. 51): O Império Mongol à morte de Gêngis Cã (1227). Fonte:<br />
http://www.nationalgeographic.com/f<strong>ea</strong>tures/97/genghis/khanmap.html<br />
• Mapa 2 (p. 52): O Império Mongol dividi<strong>do</strong> <strong>em</strong> canatos (inclui as rotas de invasão<br />
de Gêngis Cã e de seus sucessores). Fonte: www.lacma.org/khan/resources.htm<br />
• Mapa 3 (p. 53): Os <strong>do</strong>mínios mongóis, de 1300 a 1405. Fonte: www.websterdictionary.org/definition/Mongol%20Empire<br />
• Mapas 4 e 5 (p. 54): As rotas de Carpini e Rubruck, respectivamente. Fonte:<br />
http://depts.washington.edu/uwch/silkroad/maps