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PARANÁ (1920-1930). 2006 - Universidade Federal do Paraná

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ARUANÃ ANTONIO DOS PASSOS<br />

“DEBAIXO DAS PENAS DA LEI”: JUSTIÇA E VIOLÊNCIA NO SUDOESTE DO<br />

<strong>PARANÁ</strong> (<strong>1920</strong>-<strong>1930</strong>).<br />

Monografia apresentada à disciplina de Estágio<br />

Supervisiona<strong>do</strong> em Pesquisa Histórica, <strong>do</strong><br />

Curso de História, Setor de Ciências Humanas,<br />

Letras e Artes, <strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>,<br />

como requisito parcial à obtenção <strong>do</strong> grau de<br />

Bacharel e Licencia<strong>do</strong> em História.<br />

Orienta<strong>do</strong>ra: Prof. Dra. Marion Brepohl de<br />

Magalhães Dias<br />

CURITIBA<br />

<strong>2006</strong>


DEDICATÓRIA<br />

Dedico este trabalho aos meus pais, Suzana e<br />

Antonio Sergio; a minha namorada e companheira<br />

Aline e ao melhor presente que já ganhei: meu<br />

irmão queri<strong>do</strong> Hanaurã. Por fim, dedico este<br />

trabalho a to<strong>do</strong>s que encontrei nesta estrada e que<br />

de algum mo<strong>do</strong> permanecem na minha memória e<br />

sobrevivem em minha vida.<br />

ii


AGRADECIMENTOS<br />

Aos meus pais Suzana e Antonio Sergio por simplesmente me darem a<br />

certeza de ser ama<strong>do</strong>, sem eles esse trabalho não teria se torna<strong>do</strong> possível;<br />

Ao meu avô João Maria <strong>do</strong>s Passos (in memoriam);<br />

Aos exemplos intelectuais que influenciaram sobremaneira a minha<br />

formação: Marcos Luis Ehrardt, Carlos Lima, Helenice Rodrigues da Silva<br />

Nilceu Jacob Deitos e Marion Brepohl de Magalhães Dias e, em especial Antonio<br />

Paulo Benatti.<br />

Aos que compartilharam de suas lembranças comigo: Fioravante Primon,<br />

Miguel Rufato, “Dona Angelina” e “Dona Queda”; e de mo<strong>do</strong> especial as minhas<br />

avós Iracema e Ema Pereira e também ao meu avô Vinicius.<br />

Aos amigos e companheiros que encontrei pelo caminho e que ajudaram<br />

de várias formas e em vários momentos: Alexandro Neun<strong>do</strong>rf, Deisi Lubenow,<br />

Marcos Timinski, Luiz Felipe e Valeska, Ricar<strong>do</strong>, Claudemir (“Fuzil”).<br />

A Daniele, Andréa e Ester da Biblioteca Central da <strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>.<br />

Ao Memorial <strong>do</strong> Ministério Público <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> nas pessoas de<br />

Liana Overcenko de Lara, Dr. Nilton Marcos Carias de Oliveira e Dr. Rui Pinto.<br />

Ao Fórum da Comarca de Clevelândia, nas pessoas de José e Marcos.<br />

A minha Tia Vera <strong>do</strong>s Passos pela ajuda com parte da <strong>do</strong>cumentação. E de<br />

mo<strong>do</strong> particular a minha tia Ivonete por toda ajuda. A elas o meu apreço.<br />

Ao meu tio Sergio pela acolhida e pelo carinho.<br />

A minha tia Diva e meus primos Sidnei, Felipe e o pequeno Gabriel por<br />

toda ajuda nos momentos oportunos.<br />

Gostaria ainda de registrar um agradecimento especial a Marion Brapohl<br />

de Magalhães, minha orienta<strong>do</strong>ra, pela atenção e pela crítica.<br />

Por fim, a minha namorada Aline, pelo amor, carinho e atenção de to<strong>do</strong><br />

tempo, apesar de todas as dificuldades.<br />

A to<strong>do</strong>s minha sincera gratidão.<br />

iii


De to<strong>do</strong> escrito só me agrada aquilo que um<br />

homem escreveu com seu próprio sangue.<br />

Escreve com sangue e aprenderás que sangue é<br />

espírito.<br />

iv<br />

Friedrich Nietzsche.


SUMÁRIO<br />

1. INTRODUÇÃO................................................................................................01<br />

2. UMA OUTRA FACE DA VIOLÊNCIA NA HISTÓRIA DO SUDOESTE DO<br />

<strong>PARANÁ</strong>..............................................................................................................09<br />

3. IDENTIDADE E SENSO DE JUSTIÇA.........................................................20<br />

4. “DEBAIXO DAS PENAS DA LEI”: PACÍFICO NO TEATRO DA<br />

VERDADE...........................................................................................................38<br />

5. VIOLÊNCIA, JUSTIÇA E VINGANÇA: ENTRE A CÓLERA E O ÓDIO...57<br />

6. FONTES DOCUMENTAIS.............................................................................66<br />

7. REFERÊNCIAS...............................................................................................67<br />

v


RESUMO<br />

O Presente trabalho analisa através de processo-crime executa<strong>do</strong> pela Comarca<br />

de Clevelândia contra Pacífico de Pinto Lima e José de Pinto Lima, em <strong>1920</strong>, as<br />

formas e as condições de relacionamento entre a violência popular e o senso de<br />

justiça no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> entre <strong>1920</strong>-<strong>1930</strong>. Para tanto, compreende-se a<br />

relação estabelecida entre a justiça e a violência como a relação de forças<br />

cambiantes entre campo de poder e violência. Sen<strong>do</strong> esta quase que uma técnica<br />

de defesa e organização social frente à fragilidade e inércia da maquinaria<br />

punitiva (a justiça). Essa perspectiva é capaz de dar um outro olhar para a<br />

violência na história da região, para além, da disputa pela terra e sua ocupação.<br />

Uma violência exercida pela população e que consistia em uma necessidade<br />

motivada pelos sentimentos populares diante <strong>do</strong>s problemas de funcionamento da<br />

aparelhagem judiciária. Para tanto, a meto<strong>do</strong>logia a ser seguida teve por base as<br />

considerações de Michel Foucault sobre o funcionamento e a estrutura de um<br />

sistema jurídico-punitivo e sobre o poder e as contribuições de Hannah Arendt<br />

sobre a violência, os sentimentos na esfera pública.<br />

PALAVRAS-CHAVE: justiça popular, violência, su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>.<br />

ABSTRACT<br />

The Present work analyzes through process-crime executed for the Judicial<br />

district of Clevelândia in against Pacific de Pinto Lima and José de Pinto Lima in<br />

<strong>1920</strong>, the forms and the conditions of relationship between the popular violence<br />

and the sense of justice in the southwest of the <strong>Paraná</strong> between <strong>1920</strong>-<strong>1930</strong>. For in<br />

such a way, it is understood relation established between justice and the violence<br />

as the relation of cambiantes forces between field of being able and violence.<br />

Being this almost that one technique of defense and social organization front to<br />

the fragility and inertia of the punitive machinery (justice). This perspective is<br />

capable to give one another look for the violence in the history of the region, for<br />

beyond, of the dispute for the land and its occupation. A violence exerted for the<br />

population and that it consisted ahead of a necessity motivated for the popular<br />

feelings of the problems of functioning of the judiciary equipment. For in such a<br />

way, the metho<strong>do</strong>logy to be followed had for base the considerations of Michel<br />

Foucault on the functioning and the structure of a legal-punitive system and on<br />

the power and the contributions of Hannah Arendt on the violence, the feelings in<br />

the public sphere.<br />

KEY-WORDS:popular justice, violence, southwest of the <strong>Paraná</strong>.<br />

vi


INTRODUÇÃO<br />

Se eu fosse antiquário, só teria olhos para as coisas<br />

velhas. Mas sou um historia<strong>do</strong>r. É por isso que amo<br />

a vida.<br />

Marc Bloch. Apologia da História.<br />

É, pois, pela faculdade que ele tem de fazer o<br />

passa<strong>do</strong> servir à vida e de refazer a história com o<br />

passa<strong>do</strong>, que o homem se torna homem.<br />

1<br />

Friedrich Nietzsche. Considerações<br />

Intempestivas, 2ªparte.<br />

Dedicar-se a um tema sobremaneira incômo<strong>do</strong>, tomar conhecimento das<br />

crueldades e da capacidade humana em fazer sofrer, não constituiu uma tarefa<br />

prazerosa. A capacidade que o homem possui de praticar a violência contra seus<br />

semelhantes por motivos vis exige de uma pesquisa sobre tal objeto, por vezes, certo<br />

distanciamento. O obstáculo se afirma na necessidade de se observar esse passa<strong>do</strong><br />

sem se descuidar da sensibilidade que constituiu e motivou as ações <strong>do</strong>s homens de<br />

outrora e lhe deram forma e razão. Desse mo<strong>do</strong>, a superação da perplexidade diante<br />

da barbárie e <strong>do</strong> fim da política pelo exercício da violência, constituiu um <strong>do</strong>s<br />

maiores desafios e motivações impostas a esse trabalho.<br />

Outra importante motivação para a realização deste trabalho nasceu e se<br />

fortaleceu por <strong>do</strong>is caminhos distintos, mas complementares. Um deles se localiza<br />

num espaço vazio, num espaço negligencia<strong>do</strong>, em uma memória ausente. Por ter<br />

nasci<strong>do</strong> e cresci<strong>do</strong> no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> e não ter ti<strong>do</strong> em minha educação nenhum<br />

conhecimento sobre a história de minha região e nem de minha cidade sinto-me<br />

alivia<strong>do</strong> de poder ter “acerta<strong>do</strong> as contas” com esse vazio. A memória nos faz tomar<br />

consciência de nossa condição, e também pode nos fazer tomar outras posturas<br />

diante <strong>do</strong> conhecimento e da vida.<br />

O segun<strong>do</strong> caminho que guiou as motivações desta pesquisa residiu nas suas<br />

possibilidades. O problema da violência na região su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> foi trata<strong>do</strong> na<br />

grande maioria <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s já realiza<strong>do</strong>s, como diretamente relacionada com a


disputa pela terra. Essa causalidade quase contingente entre a ocupação e disputa<br />

pela terra e a violência acabaram por, em sua construção, talvez inconscientemente,<br />

por construir uma noção causal que esconde em si outras violências que não a<br />

estritamente interessada na terra. Violências cotidianas, violências “corriqueiras”: a<br />

briga no bar, a discussão com o vizinho, o roubo de cavalos, os assassinatos por<br />

“encomenda”, os suicídios, os estupros e outras. Violências essas que acabam por<br />

desvelar um outro olhar possível sobre a violência na região. Foi sobre esse olhar e<br />

todas as suas possibilidades de teorização e abordagem que a idéia de se empreender<br />

tal pesquisa aos poucos se reafirmou e acabou por se realizar.<br />

Sen<strong>do</strong> mais específico constatamos que a historiografia <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />

<strong>Paraná</strong> se destaca pela abordagem de aspectos da ocupação e colonização que julgou<br />

capaz de explicar e analisar a questão da violência sempre relacionan<strong>do</strong> e buscan<strong>do</strong><br />

elementos explicativos dessa violência na disputa pela terra. Dentre os principais<br />

trabalhos que seguiram por esse caminho, destaca-se o estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> professor Rui<br />

Wachowicz, <strong>Paraná</strong>, Su<strong>do</strong>este: ocupação e colonização, que aborda a formação da<br />

sociedade su<strong>do</strong>estina desde a sua ocupação indígena até o levante <strong>do</strong>s posseiros de<br />

1957, além da constituição demográfica populacional da região. Wachowicz aborda<br />

a questão territorial e sua relação com a formação da sociedade <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este<br />

paranaense, com destaque para uma parcela da população importante na<br />

colonização: os caboclos, analisan<strong>do</strong> a ocupação e a colonização <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este através<br />

de <strong>do</strong>is eixos analíticos: o primeiro se volta para a estruturação populacional e<br />

demográfica com destaque para as migrações <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul e Santa Catarina<br />

para o su<strong>do</strong>este. O segun<strong>do</strong> para os conflitos pela terra e a as diversas configurações<br />

políticas que buscaram uma solução para o conflito: “Esta<strong>do</strong> das Missões”;<br />

Território <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> Iguaçu, CANGO 1 .<br />

1 Colônia Agrícola Nacional General Osório.<br />

2


Outros estu<strong>do</strong>s também se fazem importante na historiografia <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />

<strong>Paraná</strong>. Dentre eles destacam-se as dissertações de Maria Cristina Colnaghi 2 e<br />

Hermógenes Lazier 3 . De um mo<strong>do</strong> geral, tanto um trabalho quanto outro se volta<br />

para a questão da ocupação <strong>do</strong> território e os conflitos resultantes dessa ocupação<br />

“desordenada” e da disputa pela terra. Mais especificamente, o trabalho de Colnaghi<br />

se interessa pelo Levante <strong>do</strong>s Colonos de 1957, realizan<strong>do</strong> uma análise <strong>do</strong><br />

acontecimento, sua relação com a terra e sua violência, o papel das companhias e <strong>do</strong><br />

governo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Já Hermógenes Lazier, sem negligenciar a disputa pela terra,<br />

centraliza suas considerações na constituição demográfica e social da população que<br />

ocupou as terras <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este paranaense, sem se descuidar ainda de aspectos<br />

econômicos e políticos da organização social dessa população nesse território e de<br />

sua movimentação migratória.<br />

Outro estu<strong>do</strong> que merece destaque foi realiza<strong>do</strong> por Rubem Murilo Leão<br />

Rego 4 , no qual analisa a disputa pela terra pelo viés <strong>do</strong>s movimentos sociais no<br />

campo. O autor ainda considera essa “luta pela terra” como parte de uma expansão<br />

capitalista no campo, entenden<strong>do</strong> que o Levante <strong>do</strong>s Posseiros de 1957 teria si<strong>do</strong><br />

uma forma de resistência e contestação dessa ordem econômica imposta, ou seja, da<br />

luta de classes. De um la<strong>do</strong>, os posseiros e colonos sofren<strong>do</strong> uma expropriação por<br />

parte <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong>, <strong>do</strong> capital em expansão. A violência seria, dessa forma, a ação<br />

extrema resultante <strong>do</strong> conflito de interesses sobre esse objeto tão importante para<br />

ambos os la<strong>do</strong>s: colonos e capital.<br />

A análise marxista, ou seja, a interpretação de que a violência expressa<br />

interesses de proprietário e camponês explica, mas não de maneira satisfatória, a<br />

2<br />

COLNAGHI, Maria Cristina. Colonos e Poder: a luta pela terra no Su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>.<br />

Curitiba/<strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> (Dissertação de Mestra<strong>do</strong>): 1984.<br />

3<br />

LAZIER, Hermógenes. A estrutura agrária no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. Curitiba/<strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong><br />

<strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> (Dissertação de Mestra<strong>do</strong>): 1984.<br />

4<br />

REGO, Rubem Murilo Leão. Terra da violência: estu<strong>do</strong> sobre a luta pela terra no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />

<strong>Paraná</strong>. São Paulo: <strong>Universidade</strong> de São Paulo (Dissertação de Mestra<strong>do</strong>): 1979. Ver ainda: REGO,<br />

Rubem Murilo Leão. Tensões sociais na frente de expansão: a luta pela terra no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

(1940-1970). In: SANTOS, José. Revoluções Camponesas na América Latina. São Paulo: Editora<br />

Unicamp, 1985.<br />

3


violência em si, muito menos as intervenções <strong>do</strong> poder judiciário na violência<br />

cotidiana.<br />

Esses estu<strong>do</strong>s não dão conta, portanto, da análise sobre a instalação da justiça<br />

na região; por vezes, apenas tangencia<strong>do</strong>. Justamente porque, a disputa pela terra<br />

acaba por ofuscar outros fatores e outros elementos na prática da violência na região<br />

e tu<strong>do</strong> que isso possa carregar consigo, <strong>do</strong> cotidiano à revolta diante das “injustiças”<br />

na colônia. De um mo<strong>do</strong> mais geral, a violência, a justiça e o direito sempre<br />

despertaram o interesse <strong>do</strong>s historia<strong>do</strong>res, ora pelas fontes (sua quantidade e acesso),<br />

ora pela capacidade de compreensão de uma esfera de ação social que se tornou cada<br />

vez mais cotidiana na contemporaneidade e não nos faltam exemplos e experiências.<br />

Mas então, como realizar um estu<strong>do</strong> sobre a violência no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

por outra perspectiva? E com que instrumentos isso se tornou possível? E que pôde<br />

ser revela<strong>do</strong> através desse olhar?<br />

Partimos <strong>do</strong> princípio de que, se, por um la<strong>do</strong>, a implantação da justiça no<br />

su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> configura-se como parte integrante da estatização e aparelhagem<br />

de um sistema de controle e <strong>do</strong>minação política na região, por outro, ela conviveu<br />

com as dificuldades impostas por uma organização social que se desenvolveu sobre<br />

os pressupostos da violência instrumental; como técnica de regulação das<br />

impunidades frente à fragilidade e inoperância dessa aparelhagem ainda insipiente<br />

que custou para se estabelecer. Assim, um esforço maior por parte <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> só se<br />

concretizou a partir <strong>do</strong> momento em que a disputa pelas terras da região assumiu<br />

proporções de extrema violência.<br />

Essa relação entre uma aparelhagem judiciária que estava se solidifican<strong>do</strong> e<br />

uma violência que se constituía em uma rede de relações sociais, pôde ser analisada<br />

a partir das considerações de Michel Foucault sobre justiça, direito de punir e poder<br />

e as reflexões de Hannah Arendt sobre a violência e os sentimentos públicos, como<br />

ódio, a raiva e o ressentimento.<br />

Partin<strong>do</strong> das considerações de Foucault sobre o poder, visto não como uma<br />

coisa, mas sim como uma relação de forças, pode-se entender que a relação entre os<br />

4


sujeitos constitui uma relação de poder. Relação essa que pode ser encontrada nos<br />

discursos <strong>do</strong>s processos-crime e que pode ao mesmo tempo revelar duas camadas de<br />

compreensão, senão distintas, pelo menos exeqüíveis de uma mesma análise: o<br />

discurso jurídico “clássico” fundamenta<strong>do</strong> no Código de Leis, em uma gramática<br />

própria pertencente a uma lógica interna de funcionamento e as dificuldades<br />

encontradas por essa aparelhagem para se fazer instrumental e funcionar<br />

exemplarmente. Essa relação é perceptível, por exemplo, nos atos violentos<br />

populares e na reação da aparelhagem judiciária. Ou seja, o objeto que analisamos<br />

não na relação exata entre a justiça e a violência popular. Mas sim, na violência<br />

popular motivada pela agressão ao seu senso de justiça, e que só pôde ser observa<strong>do</strong><br />

através <strong>do</strong> embate entre as imposições da aparelhagem judiciária e a sua vontade em<br />

impor uma norma ao grupo social e em conter e punir a violência que praticava e,<br />

principalmente, ao seu mo<strong>do</strong> de fazer justiça.<br />

No entanto, o referencial foucaultiano não se encerra nas questões<br />

discursivas, simplesmente, porque o poder para Foucault constitui uma relação entre<br />

os sujeitos, um “campo de possibilidades tanto materiais (práticas, comportamentos,<br />

vínculos normativos etc.) quanto discursivas (idéias, valores, imaginários etc.)” 5 .<br />

Além de o processo judiciário ser produtor de uma determinada verdade em nome<br />

de uma verdade. Nesse senti<strong>do</strong> três noções assumem lugar central da contribuição de<br />

Foucault para uma análise dessa aparelhagem judiciária. Além da noção de poder, as<br />

noções de discurso e de prática foram preponderantes. Essas noções não são<br />

distintas, elas se entrecruzam e se complementam, porque Foucault entende que os<br />

discursos são práticas e que essas práticas podem ou não se remeter a um<br />

determina<strong>do</strong> saber. Paul Veyne, ao interpretar o méto<strong>do</strong> de Foucault, compreende<br />

que essa noção de discurso é capaz de nos demonstrar que, por exemplo, os<br />

5 MARTINS, Eduar<strong>do</strong>. Processos-crime: uma leitura foucaultiana. In: Anais Eletrônicos da XXII<br />

Semana de História – “O Golpe de 1964 e os dilemas <strong>do</strong> Brasil contemporâneo”. UNESP/Assis, 19<br />

a 22 de outubro de 2004.<br />

5


processos-crime, além de serem acontecimentos históricos, são elementos<br />

constitutivos de práticas de poder 6 .<br />

Complementan<strong>do</strong> essa análise de Foucault cabe aqui ressaltar que para<br />

Hannah Arendt a violência não é o mesmo que o poder, vigor ou força 7 . Para a<br />

pensa<strong>do</strong>ra a violência é justamente a ausência desse poder ou mesmo a sua<br />

transgressão sobre a política, porque Arendt entende que, “a violência sempre pode<br />

destruir o poder; <strong>do</strong> cano de uma arma emerge o coman<strong>do</strong> mais efetivo, resultan<strong>do</strong><br />

na mais perfeita e instantânea obediência. O que nunca emergira daí é o poder” 8 . O<br />

que isso nos faz pensar, de início, é que a violência é uma instância de ação humana<br />

que se relaciona mutuamente com uma vontade de <strong>do</strong>minação e a ausência da<br />

política. Para Arendt, a violência não é irracional, mesmo assim, ela considera que<br />

os sentimentos humanos, principalmente o ódio, é capaz de motivar uma violência.<br />

E se assim o é, podemos considerar que esse sentimento que motiva a violência só se<br />

manifesta “onde há razão para supor que as condições poderiam ser mudadas, mas<br />

não são. Reagimos com ódio apenas quan<strong>do</strong> nosso senso de justiça é ofendi<strong>do</strong>” 9 .<br />

Seguin<strong>do</strong> a perspectiva de Hannah Arendt sobre o exercício da violência<br />

abre-se um caminho proposto pela própria autora, em que, se relacionam justiça e<br />

violência. Sen<strong>do</strong> que, essa relação poderia ser guiada pela seguinte questão: até<br />

ponto em “(...) certas circunstâncias, a violência – o agir sem argumentar, sem o<br />

discurso ou sem contar com as conseqüências – é o único meio de reequilibrar as<br />

balanças da justiça 10 ”?<br />

A justiça constitui um <strong>do</strong>s grandes temas da obra e <strong>do</strong> pensamento de Hannah<br />

Arendt. Essa justiça encarada como uma instância <strong>do</strong> agir através de sua<br />

instrumentalidade (o julgamento) possui um caráter de “(...) revelação da identidade<br />

6 “O méto<strong>do</strong> consiste, então, para Foucault, em compreender que as coisas não passam das<br />

objetivações de práticas determinadas, cujas determinações devem ser expostas à luz, já que a<br />

consciência não as concebe”. In: VEYNE, Paul. Como se escreve a história/ Foucault revoluciona<br />

a história. 4.ed. Brasília: Editora da <strong>Universidade</strong> de Brasília, 1998.<br />

7 ARENDT, Hannah. Sobre a violência. 3.ed. rio de janeiro: Relume Dumará, 2001. p.13.<br />

8 Idem, ibidem, p.42.<br />

9 Idem, ibidem, p.47.<br />

10 Idem, ibidem, p.48.<br />

6


de que é próprio da ação e <strong>do</strong> discurso” 11 . O que faz com que a compreensão <strong>do</strong>s<br />

processos-crime desvele uma possibilidade de entendimento, justamente porque<br />

Arendt entende que o julgar só se realiza sobre o que se manifesta no mun<strong>do</strong> 12 . Se<br />

para Foucault o governar engloba o instituir, o normatizar e o gerir sobre os<br />

indivíduos, sen<strong>do</strong> que o aparelho judiciário contribui para essa tarefa ser bem<br />

sucedida. O conjunto de práticas, técnicas e saberes que lhe são inerentes<br />

encontraram na violência praticada pela população o seu grande opositor, e se<br />

concordamos com Arendt, isso se afirma justamente porque a violência pressupõe<br />

uma ausência de política. Nesse senti<strong>do</strong> justiça e violência no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong><br />

estabelecem uma relação a ser analisada mais de perto e mais que pertinente,<br />

constituem uma configuração existente e suplementar da ocupação e da colonização<br />

<strong>do</strong> su<strong>do</strong>este. Relação essa ainda pouco explorada.<br />

As nuances inevitáveis da pesquisa fizeram com que outras questões se<br />

colocassem. O caráter fragmentário, além da dificuldade de acesso à <strong>do</strong>cumentação,<br />

fez com que o objeto assumisse um caráter mais sutil. A análise dessa <strong>do</strong>cumentação<br />

exigiu maior sensibilidade e to<strong>do</strong> um demorar-se sobre aquilo que se poderia extrair<br />

de seus signos. Além <strong>do</strong> processo-crime de <strong>1920</strong> (contra Pacifico de Pinto Lima e<br />

seu filho), optamos por utilizar depoimentos orais, fontes jornalísticas e fotografias.<br />

Isso revelou uma relação inesperada entre o senso de justiça, o estabelecimento da<br />

aparelhagem judiciária e a forjamento de uma identidade regional. Sobre a natureza<br />

diversa dessa <strong>do</strong>cumentação seguimos o mesmo “padrão” de análise, partin<strong>do</strong> das<br />

considerações de Foucault sobre o discurso, a prática e o poder. To<strong>do</strong> o <strong>do</strong>cumento,<br />

toda a imagem, to<strong>do</strong> o discurso precisaram ser decompostos a partir das camadas<br />

singulares que os transpuseram através <strong>do</strong> seu devir. Ou seja, buscou-se<br />

compreender as instâncias e condições de sua produção, sua autoria, seu destino, sua<br />

significação, seu efeito e sua materialidade.<br />

11 RIBAS, Christina Miranda. Justiça em tempos sombrios: a justiça no pensamento de Hannah<br />

Arendt. Ponta Grossa: Editora UEPG, 2005. p.168.<br />

12 RIBAS, Christina Miranda. Op.cit., p.163.<br />

7


Somente tal meto<strong>do</strong>logia tornou possível a percepção das <strong>do</strong>bras, das linhas<br />

de fuga e das formas constituintes e participantes <strong>do</strong>s elementos pertencentes à<br />

relação quase para<strong>do</strong>xal entre o senso de justiça popular e a violência motivada por<br />

sentimentos comuns ao grupo social. Por vezes, tivemos de vislumbrar nesta<br />

pesquisa a mesma “paixão que sustenta a imaginação cria<strong>do</strong>ra e a audácia de forjar<br />

interpretações”; muito pelas especificidades <strong>do</strong>s objetivos e hipóteses preferimos<br />

seguir a, “paixão que sustentada igualmente pela convicção de que o trabalho de<br />

compreensão é um ato de liberdade, que a compreensão crítica <strong>do</strong>s ódios é uma obra<br />

salutar, um meio de defender nossas liberdades sempre em situação de serem<br />

ameaçadas 13 ”.<br />

13 ANSART, Pierre. Hannah Arendt: a obscuridade <strong>do</strong>s ódios públicos. In: DUARTE, André;<br />

LOPREATO, Christiana; MAGALHÃES, Marion Brepohl de. A Banalização da Violência: a<br />

atualidade <strong>do</strong> pensamento de Hannah Arendt. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2004. p.33.<br />

8


UMA OUTRA FACE DA VIOLÊNCIA NA HISTÓRIA DO SUDOESTE DO<br />

<strong>PARANÁ</strong><br />

Cada sociedade nasce, aos seus olhos, no momento<br />

em que se faz a narrativa da sua violência.<br />

Jean-Pierre Faye.<br />

A história <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> possui em si mesma um estigma de<br />

violência e um curioso para<strong>do</strong>xo. Desde o momento <strong>do</strong> início <strong>do</strong> seu povoamento<br />

pode-se precisar que a região foi motivo de desentendimento, exploração, cobiça e<br />

sofrimento. Alguns estu<strong>do</strong>s importantes neste senti<strong>do</strong> buscaram analisar a relação<br />

entre os homens e a violência na região 14 . No entanto, a maioria desses estu<strong>do</strong>s<br />

tendeu por se voltar para a relação da violência com a disputa pela terra que remonta<br />

pelo menos ao século XIX. Argentinos, paranaenses, catarinenses, caboclos e índios<br />

já disputaram as terras <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. No entanto, a face complementar <strong>do</strong><br />

para<strong>do</strong>xo consiste no fato de que a região por muito tempo não teve um controle por<br />

parte de governo algum; ora pelas dificuldades de comunicação, ora pela distância<br />

mesma, que além de isolar tinha o efeito de tornar a região uma parte <strong>do</strong> to<strong>do</strong>,<br />

distante <strong>do</strong> “centro” o que fez com que e a região ficasse praticamente esquecida 15 .<br />

Durante a Guerra <strong>do</strong> Paraguai um contingente da Guarda Nacional se<br />

estabeleceu no su<strong>do</strong>este sen<strong>do</strong> que em 1884 a região foi elevada à categoria de<br />

freguesia pela Lei n° 22 da Assembléia Legislativa com o nome de “Bela Vista de<br />

Palmas” e em município em 1892, pela Lei n° 484. Mas, a história <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este<br />

desde que se tem conhecimento foi seccionada por interesses diversos nem sempre<br />

ordeiros e de pacífica realização em muito arbitrários e violentos. Alguns por<br />

necessidade outros por circunstância e vontade alheia. No século XVII bandeiras<br />

14 Dentre eles: COLNAGHI, Maria Cristina. Colonos e Poder: a luta pela terra no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />

<strong>Paraná</strong>. Curitiba/ <strong>Universidade</strong> <strong>Federal</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> (Dissertação de Mestra<strong>do</strong>): 1984. REGO, Rubem<br />

Murilo Leão. Terra da violência: estu<strong>do</strong> sobre a luta pela terra no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. São Paulo:<br />

<strong>Universidade</strong> de São Paulo (Dissertação de Mestra<strong>do</strong>): 1979.<br />

15 EL-KHATIB, Faissal. História <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>: municípios <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. 4ºvolume. 2.ed. Curitiba:<br />

Grafipar editora, 1969. p. 75.<br />

9


paulistas teriam atravessa<strong>do</strong> a região quan<strong>do</strong> buscavam as Missões Jesuíticas <strong>do</strong> Sul.<br />

Mas o crédito pela “descoberta <strong>do</strong>s Campos de Palmas” é remetida a Zacarias Dias<br />

Cortes que o teria feito em 1720, à procura de ouro 16 . Entre 1836 a 1839 duas<br />

expedições dirigem-se ao sertão sul com o objetivo de tomar posse das terras e<br />

instalar fazendas de cria, uma comandada por José Ferreira <strong>do</strong>s Santos e outra Pedro<br />

Siqueira Cortes. A importância dessas duas comitivas evidencia-se pelo início da<br />

colonização e ocupação <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este que só tomará densidade por volta de 1940 com<br />

a ação governamental paranaense. Mas, antes disso em 1835 um acontecimento da<br />

extrema importância se desenrolava mais ao sul: a Revolução Farroupilha, que<br />

durou dez anos e deu início ao movimento migratório de gaúchos para Santa<br />

Catarina e para o <strong>Paraná</strong>.<br />

Duas datas são marcantes no contexto de ocupação <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este: em 1882 é<br />

instalada a Colônia Militar de Chapecó, e no mesmo ano a de Chopim, “com o<br />

objetivo declara<strong>do</strong> de promover ‘a defesa da fronteira e proteção <strong>do</strong>s habitantes<br />

próximos, contra as correrias <strong>do</strong>s índios e de os atrair à <strong>do</strong>mesticidade’(Romário<br />

Martins)” 17 , e 1889, ano da instalação da Colônia Militar de Foz <strong>do</strong> Iguaçu. A<br />

instalação dessas Colônias Militares demonstra claramente a intenção de<br />

demarcação de territorialidade brasileira. Um exemplo da necessidade dessa<br />

demarcação e povoação foi à disputa com a Argentina pelo território <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este.<br />

No entanto a existência dessas colônias militares apenas resultou em uma defesa<br />

imediata <strong>do</strong> território, a sua ocupação e colonização não foi estimulada por essas<br />

colônias, tanto que a duração de sua vida foi efêmera.<br />

O território de Palmas, incluin<strong>do</strong> to<strong>do</strong> o su<strong>do</strong>este foi disputa<strong>do</strong> na definição<br />

pela fronteira entre o Brasil e a Argentina. A Argentina reivindicava que a fronteira<br />

fosse até os rios Chapecó e Chopin (ou seja, to<strong>do</strong> su<strong>do</strong>este), e o Brasil defendia que<br />

16 KRÜGER, Nival<strong>do</strong>. Palmas, uma história. In: Jornal da Biblioteca, Curitiba, dezembro de 2004 –<br />

Ano I - nº4, p. 09-10.<br />

17 Idem, ibidem, p.09.<br />

10


a fronteira deveria seguir os rios Santo Antonio e Peperi-guaçu 18 . Segun<strong>do</strong><br />

Hermógenes Lazier, “o Presidente Floriano Peixoto man<strong>do</strong>u a Washington o político<br />

e diplomata Barão <strong>do</strong> Rio Branco, que, com mapas e <strong>do</strong>cumentos irrefutáveis,<br />

defendeu a causa <strong>do</strong> Brasil”. O presidente Cleveland <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s deu ganho<br />

de causa ao Brasil e as terras passaram a pertencer oficialmente ao Brasil em 1895 19 .<br />

No perío<strong>do</strong> que vai de, pelo menos, 1848 a 1916, a região foi alvo de intensa<br />

o conflito que atingiu os limites da violência e da luta armada ao mesmo tempo em<br />

que impulsionou a povoação <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este pelos catarinenses. Em 1848 o governa<strong>do</strong>r<br />

de Santa Catarina, general Antero de Brito, reclamou ao Esta<strong>do</strong> de São Paulo (o<br />

Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> só passa a existir a partir de 1853), o avanço <strong>do</strong>s palmenses aos<br />

Campos de Lages. Dava-se início à questão de limites que desembocaria na<br />

chamada “Guerra <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong>” (1912-1916). Outra vez a violência passaria a<br />

fazer-se onipresente na vida social <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este e desta vez de forma intensa. A<br />

Guerra <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong> envolveu em si a Polícia <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> comandada pelo Coronel<br />

João Gualberto, os caboclos comanda<strong>do</strong>s pelo chama<strong>do</strong> Monge José Maria, além de<br />

grande parte da população regional. “A guerra” acabou exigin<strong>do</strong> a intervenção de<br />

forças militares de três exércitos além de milícias <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> e Santa Catarina. Os<br />

“fanáticos” 20 como eram chama<strong>do</strong>s os caboclos, venceram a primeira batalha,<br />

porém, “em 1914 começa a contra-ofensiva: são mobiliza<strong>do</strong>s 7 mil homens <strong>do</strong><br />

Exército, ate que, e somente em 1916, as forças de repressão oficial conseguem<br />

sufocar o movimento, num massacre sem precedentes. Ao to<strong>do</strong> foram mortos 20 mil<br />

18 LAZIER, Hermógenes. Análise Histórica da posse da terra no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. Curitiba:<br />

Biblioteca Publica <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>/ Secretaria <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> da Cultura e <strong>do</strong> Esporte, 1986. p.35.<br />

19 Idem, ibidem, p.35.<br />

20 Assim chama<strong>do</strong>s devi<strong>do</strong> às idéias propagadas por seu líder José Maria. O monge propagava um<br />

ideário messiânico onde a ordem só poderia ser estabelecida novamente pelo retorno da monarquia.<br />

Movimentos messiânicos podem aqui ser entendi<strong>do</strong>s enquanto movimentos que anunciam “o fim <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> para breve e o retorno <strong>do</strong> Messias, que estabelecerá, por manda<strong>do</strong> divino, a justiça e a ordem<br />

em favor <strong>do</strong>s desfavoreci<strong>do</strong>s – <strong>do</strong>nde sua organização e mobilização para preparar a população para<br />

essa segunda vinda” (BREPOHL DE MAGALHÃES, 2001, p. 35-36).<br />

11


homens” 21 . Firma-se em 1916 o acor<strong>do</strong> de divisas, resolven<strong>do</strong>-se assim, pelo menos<br />

legalmente, a questão de disputa.<br />

Mas, não haveria muito tempo para a paz. Já em 1924 ocorrem os sangrentos<br />

combates entre os revoltosos de 1924 <strong>do</strong> Tenentismo e as tropas legais. Sem contar<br />

que a formação da Coluna Prestes aconteceu em Foz <strong>do</strong> Iguaçu, sen<strong>do</strong> que os<br />

maiores confrontos acontecem na região de Capanema, Barracão e Cascavel<br />

atingin<strong>do</strong>-se territorialmente até Clevelândia, contabilizan<strong>do</strong> centenas de mortos.<br />

Em 1950 o governa<strong>do</strong>r Bento Munhoz da Rocha Neto cria os municípios de<br />

Pato Branco, Francisco Beltrão, Santo Antonio <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este, Capanema e Barracão,<br />

desmembra<strong>do</strong>s de Clevelândia. Esta ação visava à efetiva colonização <strong>do</strong> território<br />

<strong>do</strong> su<strong>do</strong>este, além de sua estruturação política e material. Antes, “até 1950 só<br />

existiam na região os municípios de Mangueirinha e Clevelândia e os Distritos de<br />

Pato Branco e Chopinzinho” 22 . Já em 1957 A Revolta <strong>do</strong>s Colonos 23 voltou a expor<br />

a violência na região para além da “ação governamental posterior” que “redun<strong>do</strong>u<br />

numa autentica reforma agrária, comandada com êxito pelo GETSOP” 24 , a região foi<br />

dilacerada por uma violência de extrema repressão. Os colonos subverteram a ordem<br />

estabelecida, tomaram varias cidades, dentre elas Santo Antonio <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este,<br />

Capanema, Pato Branco e Francisco Beltrão, além de terem destituí<strong>do</strong> muitas<br />

autoridades <strong>do</strong> poder 25 . É inegável que, “as condições iniciais da ocupação da região<br />

Su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> eram extremamente favoráveis: disponibilidade de terras férteis,<br />

com rica reserva florestal, e regime de pequena propriedade com obtenção de<br />

<strong>do</strong>mínio sem ônus para o camponês”. Mas como entender que, “a ocupação das<br />

21 BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion. <strong>Paraná</strong>: política e governo. Curitiba: SEED, 2001. p.37.<br />

22 COLNAGHI, Maria Cristina. O Processo político de Colonização <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este. in: PAZ,<br />

Francisco (org.). Cenários de Economia e Política. Curitiba, Editora Prephacio, 1991. p.8.<br />

23 A chamada Revolta <strong>do</strong>s Colonos de 1957 foi um movimento complexo que partiu <strong>do</strong>s colonos<br />

contra a Companhia de terras CITLA (Clevelândia Industrial Territorial Ltda), uma das<br />

coloniza<strong>do</strong>ras que teve ação na região.<br />

24 Idem, ibidem, p.10. GETSOP (Grupo Executivo para as Terras <strong>do</strong> Su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>): cria<strong>do</strong><br />

pelo Presidente João Goulart teve grande importância na desapropriação e na colonização das terras<br />

desapropriadas no su<strong>do</strong>este paranaense.<br />

25 COLNAGHI, Maria Cristina. O Processo Político de Ocupação <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este. in: PAZ, Francisco<br />

(org.). Cenários de Economia e Política. Curitiba: Editora Prephacio, 1991.<br />

12


terras su<strong>do</strong>estinas encontrou barreiras sólidas no caos administrativo resultante tanto<br />

<strong>do</strong> conflito de interesses entre a União, o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> e as companhias<br />

coloniza<strong>do</strong>ras, como da morosidade e inércia <strong>do</strong> aparelho judiciário” 26 ?. O resulta<strong>do</strong><br />

dessa dicotomia entre duas configurações sociais de uma mesma realidade: milhares<br />

de colonos foram mortos.<br />

Se, por um la<strong>do</strong> a Guerra <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong> marca em si mesma a luta <strong>do</strong>s<br />

caboclos 27 para que se sustentasse um mun<strong>do</strong> conflitante com uma modernidade<br />

imposta. A repressão é violenta e o massacre instrumentaliza<strong>do</strong> em nome dessa<br />

modernidade, dessa vontade de progresso. A sociedade cabocla agoniza sob a égide<br />

desse destino manifesto. Por outro, o Levante de 1957 possui em torno de si uma<br />

complexidade e uma cartografia própria e específica. Incentivou-se a povoação da<br />

região de muitas formas, divulgan<strong>do</strong>-se a facilidade de se conseguir terras, a<br />

qualidade dessas terras etc. Motivadas muitas levas populacionais migram de Santa<br />

Catarina e <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul se instalan<strong>do</strong> no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. Os caboclos<br />

vendiam a terra que:<br />

comparadas com as <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, eram quase de graça, férteis, sem pedras, quase<br />

plainas. O único problema, para os primeiros mora<strong>do</strong>res, era a quantidade de pinheiros<br />

existente, pois queriam trabalhar na agricultura. Por uma bagatela conseguia-se enormes<br />

áreas de terra, fáceis de cultivar, cobertas de pinheiro e de mata de lei, que lá no Rio Grande<br />

tinham um valor comercial. No Paranaã estão dan<strong>do</strong> a terra de graça. Só com a madeira dá<br />

pra pagar e sobra! De boca em boca se alastrava a noticia 28 .<br />

Ten<strong>do</strong> em vista essas práticas, e consideran<strong>do</strong>-as válidas, é compreensível<br />

que a atração e o interesse pelo su<strong>do</strong>este tenham motiva<strong>do</strong> uma migração<br />

extremamente importante para a constituição étnica da população da região. Das<br />

primeiras famílias ali instaladas que se tem conhecimento sabe-se que a família de<br />

Felisbello José Antonio teria chega<strong>do</strong> em 1903 vin<strong>do</strong> de Passo Fun<strong>do</strong>-RS, João<br />

Ribeiro Damasceno, fazendeiro e cria<strong>do</strong>r de ga<strong>do</strong> vin<strong>do</strong> de Clevelândia chega a<br />

26 COLNAGHI, Maria Cristina. Op.cit., p.8.<br />

27 Designação regional para posseiros e trabalha<strong>do</strong>res pobres. Mestiço de branco com índio.<br />

28 BOCCHESE, Néri França Fornari. Pato Branco: sua história, sua gente. Pato Branco: Imprepel,<br />

2004. p.58.<br />

13


Villa Nova (hoje Pato Branco) em 1910; ainda em 1910 Francisco Dambrowski<br />

(polonês), vin<strong>do</strong> também <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, “de onde fugiu por estar jura<strong>do</strong> de<br />

morte pelos ciganos, então, para se ver livre de ameaça, cruzou o rio Uruguai e<br />

encontrou um refúgio distante e de difícil acesso: Bom Retiro” 29 . Chegan<strong>do</strong> e se<br />

apossan<strong>do</strong> das terras da forma como quem bem queriam esses migrantes<br />

“dissidentes <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong> buscavam, além da terra, um refugio tranqüilo, para<br />

refazerem-se <strong>do</strong> massacre sofri<strong>do</strong> nas lutas com o governo brasileiro. Nessa busca,<br />

aqueles que partiam <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul procuravam um lugar para sobreviver e<br />

ao cruzar o rio Uruguai, as terras não tinham <strong>do</strong>no nem lei, e não era preciso prestar<br />

contas a ninguém” 30 . Destaca-se a falta e a fragilidade de uma estrutura e de uma<br />

aparelhagem <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. A povoação e a fraqueza da economia da região são <strong>do</strong>is<br />

grandes possíveis motivos dessa desatenção por parte <strong>do</strong> governo sobre a região<br />

su<strong>do</strong>este. A formação populacional demonstra claramente o caráter de poucas<br />

políticas aplicadas a uma organização e ocupação sistemáticas da região e quan<strong>do</strong><br />

esse projeto de legalização e distribuição da terra é cogita<strong>do</strong> e leva<strong>do</strong> a cabo os<br />

problemas alcançam grande efeito de violência e posterior repressão por parte <strong>do</strong><br />

governo 31 . A constituição e ocupação das terras <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este encontram ainda fator<br />

de peso na migração de famílias advindas de Palmas e Clevelândia e que iam se<br />

estabelecen<strong>do</strong> em Villa Nova e tomou corpo de vila e ao final <strong>do</strong>s anos vinte<br />

oficialmente era já uma vila.<br />

A colônia militar <strong>do</strong> Chopim que havia si<strong>do</strong> criada em 1882 foi emancipada e<br />

o Distrito emancipou-se em 1909. Esta emancipação levou à colonização <strong>do</strong><br />

su<strong>do</strong>este enquanto instrumento para se deter o avanço argentino. A locomoção era<br />

dificílima, demoran<strong>do</strong> dias, às vezes, de uma localidade a outra, no lombo <strong>do</strong> cavalo,<br />

neste aspecto um detalhe importante se sobressai porque “os rudes e desampara<strong>do</strong>s<br />

29 Idem, ibidem ,p.61. Observe-se que a Colônia Bom Retiro foi criada pelo governo em 1918,<br />

justamente para assentar os paranaenses da área <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong>. O território que corresponde hoje a<br />

Colônia Bom Retiro é o município de Pato Branco.<br />

30 Idem, ibidem, p.64.<br />

31 Destaca-se aí o Levante <strong>do</strong>s colonos de 1957.<br />

14


desbrava<strong>do</strong>res, não podiam perder tempo in<strong>do</strong> atrás <strong>do</strong>s direitos <strong>do</strong> cidadão. Nem<br />

adultos, em boa parte possuíam <strong>do</strong>cumentos. Muitos foragi<strong>do</strong>s não revelavam o<br />

nome para ninguém, assumiam um nome fictício que acabava sen<strong>do</strong> o nome das<br />

famílias deles” 32 . Não demorou muito para que acontecesse o “espera<strong>do</strong>”: “Bom<br />

Retiro estava se tornan<strong>do</strong> um aldeamento de desagrega<strong>do</strong>s das Leis <strong>do</strong> país” 33 .<br />

Dessa maneira, fez-se necessário que se criasse em março de <strong>1920</strong> “o Districto<br />

Judiciário de Bom Retiro, com a possibilidade de instalação de um cartório de<br />

registro na colônia pela Lei n. 1945” 34 . A primeira eleição aconteceu em junho de<br />

<strong>1920</strong> e sua instalação se deu em 1921.<br />

Fica situa<strong>do</strong> entre Dyonisio Cerqueira e Clevelândia, ten<strong>do</strong> as seguintes divisas: da<br />

cabeceira <strong>do</strong> rio Sant’Anna até a sua barra no rio Chopim, por este acima até a barra <strong>do</strong> rio<br />

Pato Branco, subin<strong>do</strong> por este e pelo seu afluente Lagea<strong>do</strong> Grande ate a linha divisória com<br />

S. Catharina, seguin<strong>do</strong> por ella ate encontrar a cabeceira <strong>do</strong> Rio Sant’Anna, por onde<br />

começou.<br />

Em <strong>1920</strong>, a pop. Esc. Do districto era de 262 crianças, o que correspondia a uma populaão<br />

geral de 310 almas.<br />

A fazenda Bom Retiro foi leg. Por D. Maria Isabel Belém e Almeida, dan<strong>do</strong> o titulo de 10<br />

de junho de 1893. a área era de 250.462 hectares 35 .<br />

O nome Villa Nova não aparece oficialmente nos <strong>do</strong>cumentos, era de uso<br />

popular. As eleições de 1929 marcam sobremaneira a dimensão de Villa Nova frente<br />

às eleições deste ano.Villa Nova ainda era distrito de Clevelândia e recebeu uma<br />

seção coletora de votos. Consta no registro:<br />

Pedro José Vieira, Presidente, Manuel Francisco Rosa, mesário, Abilio Vianna de Camargo,<br />

mesário e Noé Ayres de Mello secretario.<br />

Acta de Eleição para 30 deputa<strong>do</strong>s ao Congresso Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, para o biênio <strong>1930</strong><br />

a 1931.<br />

Aos vinte e sete dias <strong>do</strong> mez de outubro de mil novecentos e vinte e nove, as nove horas,<br />

neste Districto de Bom Retiro no edifício da escola pública onde funssiona a terceira secção<br />

eleitora, <strong>do</strong> município de Clevelândia instalada a meza conforme a acta acima lavrada,<br />

observan<strong>do</strong> todas as demais prescrições legais o Presidente declarou inicia<strong>do</strong> os trabalhos<br />

32 BOCCHESE, Néri França Fornari. Pato Branco: sua história, sua gente. Pato Branco: Imprepel,<br />

2004. p.65-7.<br />

33 Idem, ibidem, p.67.<br />

34 Idem, ibidem, p.67.<br />

35 Idem, ibidem, p.67.<br />

15


para a eleição de trinta deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Gresso Legislativo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Marca<strong>do</strong> para esta data<br />

abrin<strong>do</strong> a uma que estava sobre a meza, separada esta pelo gradil <strong>do</strong> recinto que se achava<br />

os eleitores, mas de onde apoderem os mesmos bem fiscalizar a eleição. Mostran<strong>do</strong> aos<br />

eleitores esta mesma vasia o Presidente fecho guardan<strong>do</strong> a chave com sigo outra digo<br />

entregan<strong>do</strong> a outra a mim secretario; a seguir anunciou que se ia proceder a chamada <strong>do</strong>s<br />

eleitores pela lista respectiva o que foi feito pelo mesário Abílio Vianna, designa<strong>do</strong> pelo<br />

Presidente, ten<strong>do</strong> compareci<strong>do</strong> 200 eleitores, com uma ausência de 14 36 .<br />

Os representantes escolhi<strong>do</strong>s para fazerem parte da mesa de votação foram<br />

escolhi<strong>do</strong>s ten<strong>do</strong>-se por base a sua reputação pessoal na Villa. Assim, por exemplo,<br />

Manoel Francisco Rosa era proprietário de um armazém de “secos e molha<strong>do</strong>s”,<br />

sen<strong>do</strong> conheci<strong>do</strong> pela população local da Villa. A importância da eleição reside na<br />

constatação de um início de instrumentalização de um aparelho governamental<br />

(neste caso eleitoral), que impõe em si mesmo uma visibilidade e uma sensação de<br />

importância e representatividade de Villa Nova perante o centro, neste caso<br />

Clevelândia. As eleições, a criação <strong>do</strong> Districto Judiciário, posteriormente em 1945<br />

a instalação <strong>do</strong> Telégrafo, a criação <strong>do</strong> Distrito Administrativo em 1947, em 1948 a<br />

instalação da Paróquia e finalmente em 1951 o nascimento <strong>do</strong> Município de Pato<br />

Branco. Mas não só isso, o aeroporto em 1952, ou mesmo a Escola Professor<br />

Agostinho Pereira em 1941 fazem parte de um conjunto amplo de acontecimentos<br />

unifica<strong>do</strong>res e constitutivos de uma organização extremamente complexa. Ao<br />

mesmo tempo, em que, estabelecem também legitimam determinada ordem, que não<br />

é dada, pelo contrário se encontra em um devir e que perpassa as relações de to<strong>do</strong><br />

corpo social e motivam mesmo a sua exigência e a sua imposição por parte da<br />

população. Estas instituições demarcam uma relação, cujos marcos, as origens,<br />

aparentemente localizáveis, podem em si mesmas conter um poder irresistível que<br />

abre uma janela para que observe a constituição de uma tecnologia de força social<br />

que não se limita à disputa pela terra, pela exploração da erva-mate ou <strong>do</strong>s<br />

pinheiros: a violência cotidiana, o status quo de permanente tensão poden<strong>do</strong> ser<br />

transposto a qualquer momento. Um bom exemplo é narra<strong>do</strong> pela historia<strong>do</strong>ra Néri<br />

França Fornari Bocchese, desse “consenso”, dessa “ordem de papel” estabelecida<br />

36 BOCCHESE, Néri França Fornari. Op.cit., p.96.<br />

16


sem a imposição e instituição por uma aparelhagem judiciária repressiva (“uma<br />

ordem metálica”):<br />

Os caboclos e os colonos que chagavam em Villa Nova eram homens de muita fé. Rezar na<br />

capela to<strong>do</strong>s os <strong>do</strong>mingos era uma obrigação que ninguém discutia. Como a população<br />

andava sempre armada, também se ia às rezas com o facão, a faca, o revolver, a pistola ou a<br />

própria espingarda. Entrar na casa de Deus arma<strong>do</strong> não combinava, era consenso entre os<br />

mora<strong>do</strong>res. Mas, as autoridades saben<strong>do</strong> que não conseguiriam desarmar os mora<strong>do</strong>res,<br />

somente recomendavam prudência. O mais interessante era que, ao chegarem à capela,<br />

to<strong>do</strong>s indistintamente guardavam as suas armas debaixo <strong>do</strong> chapéu, em algum lugar no<br />

assoalho, ou na escada da própria capela. O chapéu era a identificação <strong>do</strong> <strong>do</strong>no e a<br />

segurança de que não seria mexida. O respeito era mutuo. Roubar nem passava pela cabeça.<br />

Terminada a reza, cada um pegava o seu chapéu e sua arma e voltava às vidas diárias 37 .<br />

Mas, não era apenas na casa de Deus que esse “consenso”, esse “respeito<br />

mutuo”, efetivava-se, além de ficar clara a fragilidade <strong>do</strong> gerenciamento das<br />

ilegalidades controladas 38 por parte dessa “autoridades”. A vida cotidiana era de<br />

certo mo<strong>do</strong>, regida por essa tensão constante moderada por um lugar social de certo<br />

mo<strong>do</strong> comum. Falan<strong>do</strong> sobre estes tempos o Sr. Fioravante afirmou que, “Pato<br />

Branco antigamente era brabo!”, e que em comparação aos dias de hoje indagou:<br />

“Pra que nóis anda arma<strong>do</strong>? Antigamente dava porque tinha bicho, tinha fera,<br />

percisava, hoje não percisa gente!” 39 .<br />

Porém, não raras vezes essa tecnologia pragmática de coexistência social, de<br />

tolerância comum era quebrada. Caso de ruptura dessa membrana de ordem tênue é<br />

a história fixada no imaginário popular <strong>do</strong> “Bandi<strong>do</strong> Guarapuava” ocorrida em 1939,<br />

conta Bocchese que:<br />

Naquele ano, no dia da festa [de São Pedro], às quatro horas da tarde, apareceu o mais<br />

temi<strong>do</strong> pistoleiro de Bom Retiro, o “desalma<strong>do</strong> Guarapuava”, acostuma<strong>do</strong> a mandar e<br />

nunca pedir nada. Deu ordens a um garoto para buscar na bodega uma garrafa de cachaça.<br />

O pai <strong>do</strong> menino interveio, dizen<strong>do</strong> ao garoto: “Você não é nenhum servo para ser manda<strong>do</strong><br />

desse jeito!” Do bate-boca ao uso da arma foi pra já, pois to<strong>do</strong>s os homens da vila, andavam<br />

37<br />

BOCCHESE, Néri França Fornari. Pato Branco: sua história, sua gente. Pato Branco: Imprepel,<br />

2004. p.160.<br />

38<br />

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 29.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2004.<br />

39<br />

PRIMON, Fioravante. Entrevista realizada em Pato Branco em 07 de out. de 2005.<br />

17


arma<strong>do</strong>s e bem arma<strong>do</strong>s. Não respeitaram o padroeiro, e enfrentaram o pistoleiro<br />

Guarapuava 40 .<br />

Esse acontecimento demonstra a quebra dessa “lei” não escrita, não dita e não<br />

imposta da forma como nosso senso orienta. Mas, para além da justificação <strong>do</strong><br />

rompimento dessa ordem, outros motivos podiam orientar essa violência de reação.<br />

A quebra <strong>do</strong> consenso podia perfeitamente - embora pareça que a sua violação não<br />

fosse constante – obedecer a motivos particulares e até mesmo sórdi<strong>do</strong>s. O abuso de<br />

poder por parte de pistoleiros como os famosos Augusto Cella e Raul Teixeira<br />

(ladrões de cavalo), destoavam da ordem social, porque eles pertencem a um estrato<br />

social da população ativo na colonização <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este e na sua formação<br />

demográfica: os bandi<strong>do</strong>s e foragi<strong>do</strong>s da justiça. Até, pelo menos, 1950,<br />

encontramos casos da ação desses homens que para<strong>do</strong>xalmente contribuíram para o<br />

estabelecimento <strong>do</strong> respeito mútuo entre os “homens de bem” de Villa Nova e<br />

legitimaram a violência enquanto mecanismo de defesa e de controle de uma ordem<br />

manifesta e necessária à sobrevivência <strong>do</strong> grupo. E não apenas isso. Contribuíram<br />

também para o crescimento de uma vontade de justiça que serviu para a legitimação<br />

da aceitação da instalação da aparelharem repressiva na região. Capangas, ladrões,<br />

bandi<strong>do</strong>s, foragi<strong>do</strong>s da lei, caboclos, explora<strong>do</strong>res versus uma aparelhagem jurídico-<br />

policial por se fazer; ainda frágil e com sérios problemas estruturais coexistiram<br />

desde os primeiros tempos fazen<strong>do</strong> <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este uma espécie de “far-west” caboclo<br />

no interior de um <strong>Paraná</strong> pujante, alçan<strong>do</strong> a partir <strong>do</strong>s anos 50 maior visibilidade<br />

nacional, principalmente através <strong>do</strong> café e que guardava em si mesmo as<br />

contradições de tal projeto moderniza<strong>do</strong>r.<br />

Neste senti<strong>do</strong> valeria ressaltar ainda uma palavra sobre a ocupação <strong>do</strong><br />

su<strong>do</strong>este e sua formação demográfica. Essa ocupação é tida como uma “ocupação<br />

extensiva da terra, que se caracterizava por uma ‘economia cabocla’, voltada<br />

40 BOCCHESE, Néri França Fornari. Op. cit., p.120.<br />

18


asicamente para a exploração da erva-mate, madeira e criação de suínos 41 ”. Para se<br />

ter noção <strong>do</strong> contexto de constituição da população no su<strong>do</strong>este tem-se que:<br />

De 1900 a <strong>1920</strong>, a população <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este passou de 3.000 habitantes para 6.000. A<br />

procedência desse aumento populacional assim pode ser resumida: a – peões e agrega<strong>do</strong>s<br />

das fazendas de Palmas e Clevelândia que à procura de espaço para sobreviver,<br />

embrenharam-se para o oeste; b – peões agrega<strong>do</strong>s á agricultores da região de Guarapuava e<br />

Campos Gerais paranaenses à procura de terras para subsistência; c – foragi<strong>do</strong>s da justiça<br />

<strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>, Sta. Catarina, Rio Grande <strong>do</strong> Sul e Corrientes, que transformaram o su<strong>do</strong>este em<br />

verdadeiro couto de foragi<strong>do</strong>s da lei; d – posseiros refugia<strong>do</strong>s da região <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong>,<br />

expulsos das terras da Brazil Railway Co.; e – argentinos e paraguaios que penetravam na<br />

região à procura de erva mate; f – crescimento vegetativo da região 42 .<br />

Mas não nos apressemos. A violência no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> é, por vezes,<br />

observada pela importância que assumiu através desses acontecimentos (Revolta de<br />

1957, Guerra <strong>do</strong> Contesta<strong>do</strong> etc.), pelo prisma da luta pela terra, pela disputa<br />

territorial intrínseca a ocupação da terra e a sua colonização. Mais um detalhe<br />

importante, por vezes somente menciona<strong>do</strong> constitui aos nossos olhos uma outra<br />

camada, uma outra territorialidade de poder e de organização social pouco estimada.<br />

Falo de uma camada muito mais cotidiana, de extrema dificuldade de pesquisa, no<br />

entanto, capaz de desvelar um olhar outro sobre relações entres os homens dessa<br />

região, capaz de desvelar uma outra face aos nossos olhos sombria, da violência no<br />

su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> em seus “primeiros” tempos. Uma violência aparentemente<br />

justificável e praticada em nome da ordem, uma “outra” violência. Uma violência<br />

<strong>do</strong>s homens sobre a vida e a morte.<br />

41 GOMES, Iria Zanoni. 1957: a revolta <strong>do</strong>s posseiros. 2.ed. Curitiba: Criar edições, 1987. p.15.<br />

42 WACHOWICZ, Ruy Christovam. <strong>Paraná</strong>, su<strong>do</strong>este: ocupação e colonização. 2.ed. Curitiba:<br />

Editora Vicentina, 1987. p.58.<br />

19


IDENTIDADE E SENSO DE JUSTIÇA<br />

20<br />

Existe no mapa regional<br />

Uma cidade sem igual<br />

Sua história é feita de pioneiros<br />

Seu nome é bem natural<br />

Anote aí para não esquecer<br />

E começar o seu dia em alto<br />

astral<br />

É Villa Nova...Quem diria!<br />

Que um dia você seria...<br />

Pato Branco, cidade natureza!<br />

Frei Nelson Rabelo<br />

Aparentemente dissimula<strong>do</strong> de toda formação e constituição social de um<br />

imaginário muito particular e poderoso, capaz de dar identidade a um grupo, a<br />

compreensão da formação de si mesma para si e para os outros é de extrema<br />

importância para a percepção <strong>do</strong> estabelecimento da aparelhagem judiciária<br />

punitivo-repressiva. O que se pretende neste capítulo não é uma sistematização de<br />

fatos “modela<strong>do</strong>res” de uma consciência punitiva que perpassaria um inconsciente<br />

social coletivo, mas apenas a demonstração de que uma série de acontecimentos de<br />

natureza diversa é participante, se não preponderante, pelo menos ativo, na<br />

constituição de uma mentalidade punitiva e disciplina<strong>do</strong>ra, em uma vontade um<br />

senso de justiça 43 .<br />

Encontramos muitas insígnias dessa configuração: a afirmação da cidade de<br />

Pato Branco enquanto “capital <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este”, formada por um povo trabalha<strong>do</strong>r e<br />

ordeiro, culturalmente eleva<strong>do</strong>, constituí<strong>do</strong> por europeus (alemães, italianos,<br />

poloneses), de forma direta (imigrantes), ou indireta (nestes casos, descendentes).<br />

Essa configuração de si mesmo objetivan<strong>do</strong> a normalização e a organização social<br />

implementa em si mesma um projeto arquiteta<strong>do</strong> para a ordem que por vezes<br />

ultrapassa a interpretação reducionista da política enquanto uma inevitável relação<br />

43 Sobre este aspecto da constituição de uma sociedade disciplina<strong>do</strong>ra e o <strong>Paraná</strong>, ver as<br />

considerações de Marion Brepohl de Magalhães. In: BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion.<br />

<strong>Paraná</strong>: política e governo. Curitiba: SEED, 2001. p.33 e seguintes.


<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> com a sociedade. Outras tecnologias políticas que não os esquemas<br />

estanques da realidade que observam o Esta<strong>do</strong> como opressor da sociedade, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

de um poder uniforme e unidireciona<strong>do</strong>, monolítico mesmo, não é capaz de<br />

satisfazer os contornos mais sutis <strong>do</strong> forjamento de uma identidade. Justamente<br />

porque, “no interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (e aí se incluem o poder Legislativo e o Judiciário)<br />

diversas forças e interesses estão representa<strong>do</strong>s” e por outro la<strong>do</strong>,<br />

as instituições que configuram os aparelhos de Esta<strong>do</strong> são interpeladas continuamente pela<br />

sociedade civil, por meio de instituições como a Imprensa, as organizações sociais<br />

(sindicatos, parti<strong>do</strong>s, associações de interesse as mais diversificadas, Igreja e outros), sem<br />

contar os movimentos sociais espontâneos são institucionaliza<strong>do</strong>s, que também realizam<br />

pressão contra esta ou aquela deliberação de ordem política 44 .<br />

Para além, de um Esta<strong>do</strong> enquanto centro de emissão de poder, o que se<br />

evidenciam são as relações sociais pelas quais as ações <strong>do</strong>s homens se efetivam. A<br />

membrana é extremamente delicada, ela perpassa o corpo social e a transpõe,<br />

constituem linhas de força, <strong>do</strong>bras, linhas de fuga que se encontram sob varia<strong>do</strong>s<br />

formatos, na sutileza jornalística diária e aparentemente inocente, na implantação de<br />

um pensamento, e no posicionamento local frente à ressonância da violência, da<br />

criminalidade e <strong>do</strong> banditismo. Mas, esse senso de justiça também vai ao cinema e é<br />

o mesmo distinto senhor que planeja a arquitetura das ruas e das praças. É um fazer-<br />

se e afirmar-se contínuo sob diversos aspectos formulada e muitas vezes<br />

inconsciente, um decalque, pratica<strong>do</strong>, tecnicamente processa<strong>do</strong>, e que contribui para<br />

a afirmação de si.<br />

Ao mesmo tempo em que essas ações são efetivadas em sociedade muitas<br />

delas não são planejadas miraculosamente e maquiavelicamente em nome de um<br />

destino, embora algumas delas assim o queiram. No entanto, a formação de uma<br />

identidade perpassa essas instâncias de ação: ações motivadas pela sua finalidade,<br />

44 BREPOHL DE MAGALHÃES, Marion. <strong>Paraná</strong>: política e Governo. Curitiba: SEED, 2001.<br />

p.12-13.<br />

21


ações imotivadas previamente etc. essas relações confirmam e legitimam o fazer-se<br />

pelo qual passa um grupo social.<br />

Em se tratan<strong>do</strong> da “formação das almas” <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este paranaense seria<br />

necessário que se levasse a cabo um estu<strong>do</strong> específico desse posicionamento local<br />

frente à imagem e a repercussão da violência na região. Não cabe, portanto em<br />

poucas páginas dar conta da amplitude dessa proposta, mas apenas demonstrar que<br />

essas relações perpassam a constituição de uma arqueologia da violência através da<br />

mentalidade popular sobre a justiça e a disciplinarização e normalização <strong>do</strong> corpo<br />

social e de que este devir influencia sobremaneira a implementação, não sem <strong>do</strong>r, da<br />

engrenagem jurídico-punitiva no su<strong>do</strong>este paranaense.<br />

Grande alusão e este mecanismo de afirmação de si encontra-se no Álbum<br />

Histórico de Pato Branco de 1966. Na apresentação, escrita por Victor S. Biasuz<br />

encontramos palavras mais que emblemáticas dessa constituição de identidade e<br />

uma sedimentação ideológica regional:<br />

Poderíamos ter feito algo excepcional, impressionante, que galvanizasse com da<strong>do</strong>s<br />

incorretos ou inseguros, a realidade que Pato Branco represente.<br />

Preferimos trazer à luz fatos históricos incontestáveis, que representam efetivamente o<br />

marco de hoje que é êste álbum.<br />

Somos o que somos!<br />

Vivemos o meio ambiente em fase de transição entre o pioneirismo migratório e a primeira<br />

geração castiça.<br />

São nossas condições:<br />

A luta normal pela vida, que obriga a maioria ao personalismo marcante.<br />

O pão-durismo generaliza<strong>do</strong> pela vontade férrea de progredir.<br />

A falta de entidades culturais em face a nossa infância.<br />

A grandiosidade e a beleza da amizade sincera, mesmo em grupos, que se consolida com a<br />

palavra “cumpadre”.<br />

O espírito religioso que une, conforta e faz esquecer os mais acirra<strong>do</strong>s adversários de<br />

futebol e política.<br />

As classes sociais não existem! – não existem ricos, e os pseu<strong>do</strong>s-ricos têm origem na<br />

dinastia <strong>do</strong> povo.<br />

A união <strong>do</strong>s habitantes em querer construir uma cidade digna.<br />

O apego de to<strong>do</strong>s em defender um nome:<br />

PATO BRANCO – CAPITAL DO SUDOESTE PARANAENSE! 45<br />

45 BIASUZ, Victor S. ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966.<br />

22


Ao longo de suas páginas o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> Álbum consiste fundamentalmente<br />

na demonstração através de fotografias daquilo que Pato Branco possui (comércio,<br />

escolas, hospitais, bares etc.), para afirmar assim o que se é, sen<strong>do</strong> que os elementos<br />

humanos e materiais se complementam em nome <strong>do</strong> progresso.<br />

O passa<strong>do</strong> assume neste senti<strong>do</strong>, através da comparação, um meio de<br />

demonstração <strong>do</strong> progresso regional. Sua exposição segue uma ordem hierárquica:<br />

em primeiro plano o corpo institucional: fórum, Promotor Público, Delegacia, Juiz,<br />

Delega<strong>do</strong>, tabelionato, segue-se na página seguinte: coletoria federal, Banco <strong>do</strong><br />

Brasil S/A, Estação da Copel, Posto de Saúde; 3º Batalhão da policia Militar, a<br />

Guarda Urbana <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>; o comércio: empórios, bar, hospital, Laboratório de<br />

Análises Clínicas, lojas, oficina mecânica, escritório de contabilidade,<br />

transporta<strong>do</strong>ra, serrarias, alfaiataria, ótica, posto de combustíveis, churrascaria, bar,<br />

banco <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> S/A, Banco Nacional <strong>do</strong> Comércio S/A, banco Comercial<br />

<strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> S/A, Banco Mercantil e Industrial <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> S/A, hotéis, clubes<br />

(Sociedade Esportiva Palmeiras, Sporte Clube Internacional, Esporte Clube<br />

Operário, Esporte Clube Industrial); escolas (Agostinho Pereira, Escola Teixeira de<br />

Freitas, Colégio das Irmãs, Rocha Pombo), Igreja Matriz, sapataria, farmácia, duas<br />

rádios (Celinauta 46 e a Rádio Pato Branco), foto, dentista, táxi, e, ao final a gráfica<br />

“A Razão Ltda”.<br />

A construção discursiva da apresentação de Victor S. Biasuz confrontadas<br />

com as fotografias possui uma coerência importante. O Álbum to<strong>do</strong> segue uma<br />

ordem que remete a um passa<strong>do</strong> não tão distante, chama<strong>do</strong> no Álbum de<br />

Curiosidades. Paralelamente há uma constituição de comparação com o primeiro a<br />

ser algo no grupo. Por exemplo:<br />

46 Um <strong>do</strong>s slogans da então Rádio Colméia (hoje Celinauta) que chegou a ir ao ar em 1954 dizia o<br />

seguinte: “Senhores ouvintes da Rádio Colméia de Pato Branco, ZYS 37 – 1520 quilociclos,<br />

transmitin<strong>do</strong> da praça Getúlio Vargas, de Pato Branco, a capital <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este, terra de fartura e de<br />

povo trabalha<strong>do</strong>r”. In: MIOTTO, Cirene Vanzella. Rádio Celinauta 50 anos: ondas que unem o<br />

su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. Pato Branco: FADEP, 2004. p.68.<br />

23


PRIMEIRO:<br />

Advoga<strong>do</strong> Climerio teixeira <strong>do</strong>s Santos (solicita<strong>do</strong>r) – Totais atuais: 10.<br />

(...)<br />

Dentista: Antonio Kinasti (prático) – Totais atuais: 5 forma<strong>do</strong>s.<br />

Engenheiro: Duílio T. Beltrão – Totais atuais: 8 (2 eng. Agrônomo).<br />

(...)<br />

Serraria: Pedro Bortot (proprietário) – Totais atuais 41.<br />

Veículo: (de passagem pelo perímetro urbano) de propriedade de Jose de Oliveira Macha<strong>do</strong><br />

(vulgo Jose Biriba) – definitivo: de propriedade de Manoel Francisco Rosa – Totais<br />

emplaca<strong>do</strong>s em 1.965: 12.056 veículos 47 .<br />

A comparação entre o ontem/passa<strong>do</strong> e o hoje/presente tem efeito de<br />

delimitar antes de tu<strong>do</strong> a progressão, o crescimento e a evolução <strong>do</strong> povo pato-<br />

branquense. Tal afirmação se sustenta justamente na construção discursiva e<br />

significante <strong>do</strong> Álbum. As curiosidades se organizam em uma lógica de trabalho, e<br />

hierarquia de importância através <strong>do</strong>s “grandes” homens capazes de tipificarem “o<br />

povo” <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este: nas palavras de Biasuz um povo com um “personalismo<br />

marcante”, no qual reside sua especificidade “pela vontade férrea de progredir”, que<br />

solidifica um projeto comum conti<strong>do</strong> no fato de haver uma “(...) união <strong>do</strong>s<br />

habitantes em querer construir uma cidade digna”.<br />

Assim a estrutura básica não contradiz seu objetivo. Muitas fotografias são de<br />

personalidades, personagens, “homens bons”: Dr. Promotor Público Josaphat Porto<br />

Lona Cleto, Meritíssimo Juiz de Direito Dilmar I. Kessler, a Tabeliã Dra.<br />

Evangelina V. Novaes, ao centro da página a “curiosidade” histórica conten<strong>do</strong> o 1º<br />

Juiz, 1º Promotor etc. Ao longo <strong>do</strong> álbum as imagens por vezes mostram as pessoas<br />

em trabalho, mostram a tecnologia (maquinário das empresas, os caminhões, carros,<br />

aparelhos cirúrgicos, etc.). Destaca-se quase no meio <strong>do</strong> Álbum uma página inteira<br />

dedicada ao aeroporto com uma foto <strong>do</strong> “Primeiro avião chega<strong>do</strong> nesta cidade, 4-13-<br />

1953”, onde consta o nome <strong>do</strong>s homens presentes na imagem; ao la<strong>do</strong> uma “Foto <strong>do</strong><br />

aeroporto atual 1.958”, e abaixo consta o seguinte texto:<br />

O primeiro campo de aviação, foi construí<strong>do</strong> sob a orientação de Aparício Henríques,<br />

Eliseu Ampessan e Antonio O<strong>do</strong>rik, com a colaboração da Prefeitura Municipal de Pato<br />

47 ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966, sem paginação.<br />

24


Branco, na pessoa de seu então Prefeito Sr. Pláci<strong>do</strong> Macha<strong>do</strong>, e ainda CANGO (Colônia<br />

Agrícola Nacional General Osório), nas pessoas <strong>do</strong> Dr. Glauco Olinger e Heitor Car<strong>do</strong>so<br />

(Zizinho).<br />

O atual campo de aviação, foi construí<strong>do</strong> por projeto <strong>do</strong> Dr. Dulcin<strong>do</strong> S. Muniz, e foi<br />

construí<strong>do</strong> pela Prefeitura Municipal da Adminitração <strong>do</strong> Dr. Harri Valdir Graef, e com a<br />

colaboração <strong>do</strong> comandante de Porto União, General Gerson De Sá Tavares.<br />

Foi inaugura<strong>do</strong> com a presença <strong>do</strong> então Governa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> Snr. Moises Lupion,<br />

candidato a sena<strong>do</strong>r Munhoz de Mello e deputa<strong>do</strong>s Aciolly Filho e Cândi<strong>do</strong> Macha<strong>do</strong> de<br />

Oliveira Netto 48 .<br />

Trata-se, pois, de um empreendimento <strong>do</strong> esforço e <strong>do</strong> trabalho de muitos. A<br />

questão <strong>do</strong> isolamento e das dificuldades de acesso a região encontra na construção<br />

<strong>do</strong> aeroporto em uma importante via de integração, um avanço para a região, de<br />

certo mo<strong>do</strong>, um marco importante. Assim, como também, a implantação <strong>do</strong> posto<br />

telegráfico em 1945, menciona<strong>do</strong> na ata <strong>do</strong> Posto Telefônico uma gramática<br />

parecida com a <strong>do</strong> Álbum:<br />

Ata de 8 de julho de 1945 às 15 horas, nesta Villa de Pato Branco, município de<br />

Clevelandia, Território <strong>do</strong> Iguaçu, foi instalada e inaugurada a Agencia Postal Telefônica de<br />

“Pato Branco” cujo material e arquivo foi entregue a Srª D. Iracy Cavalheiro Ramires de<br />

Mello Agente Postal Telefônico Interino pelo Sr. João Fabiano Cabral – telegrafista Classe<br />

H, Delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Snr Diretor Regional.<br />

Estavam presentes os senhores Pedro de Canto Pacheco, Guarda Referencial VII,<br />

encarrega<strong>do</strong> da XI Secção de Linhas e André Teles, guarda referencial VI. Em seguida o<br />

Snr. João Fabiano Cabral Delega<strong>do</strong> <strong>do</strong> Snr Diretor Regional, fez a entrega simbólica da<br />

agência ao Sr. Duílio Trevisani Beltrão, Engenheiro Civil, uma das pessoas mais esforçadas<br />

e batalha<strong>do</strong>ras para que esta realização fosse concretizada, que a recebeu em nome desta<br />

Vila, Jahyr de Freitas, Paulo Cantemo, Douglas Nascimento Car<strong>do</strong>so, Boanerges Alves<br />

Teixeira, Funcionários da Colônia Agrícola General Osório, Julio Pagnonceli, Escrivão de<br />

Paz, Antonio Comim, comerciante, Carlos Moacyr Tavares, Farmacêutico. Possidio<br />

Salomoni, Industrial, Nelson Neves, Comerciante, e demais pessoas que assinam esta ata. E,<br />

para constar, eu Juvenal Car<strong>do</strong>so, servin<strong>do</strong> de Secretário a escrevi e assino as demais<br />

pessoas presentes.<br />

Pato Branco, em 8 de julho de 1945 49 .<br />

A Ata traz uma configuração muito semelhante à configuração existente no<br />

Álbum Histórico de1966. Estão ali os homens importantes ritualizan<strong>do</strong> a conquista<br />

pelas “pessoas esforçadas e batalha<strong>do</strong>ras”, <strong>do</strong> Posto telefônico. Os Guardas, o<br />

48 BIASUZ, Victor S. ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966.<br />

49 BOCCHESE, Néri França Fornari. Op. cit., p.154-5.<br />

25


Diretor, o engenheiro, Funcionários da administração, o comerciante, o<br />

farmacêutico, o industrial. Poderemos visualizá-los (talvez não exatamente os<br />

mesmos) na criação <strong>do</strong> Distrito Administrativo em 1947. Estes serão encontra<strong>do</strong>s<br />

certamente na Instalação da Paróquia São Pedro Apóstolo em 1948, e em outros<br />

momentos. Mas, ela é de certo mo<strong>do</strong> artificial e contrasta com a diferença não<br />

negligenciada por Victor S. Biasuz segun<strong>do</strong> a qual, “vivemos o meio ambiente em<br />

fase de transição entre o pioneirismo migratório e a primeira geração castiça”.<br />

Geração castiça, de raça e de boa qualidade. Caberia então, questionar até que ponto<br />

essa afirmação/construção de si não destoa da fragilidade da colonização e das<br />

dificuldades na implementação <strong>do</strong> aparelho judiciário? Justamente porque há uma<br />

ruptura, uma mudança mesma na mentalidade e nas práticas da população em<br />

relação aos criminosos e a criminalidade no su<strong>do</strong>este antes de 1940. Neste senti<strong>do</strong>, é<br />

inegável que “os bandi<strong>do</strong>s conheci<strong>do</strong>s pela população eram respeita<strong>do</strong>s e ajuda<strong>do</strong>s<br />

por ela, com troca de cavalos, pernoite nos paióis, alimentação, montarias aos<br />

comparsas. Havia também um respeito <strong>do</strong>s próprios delinqüentes, com os protegi<strong>do</strong>s<br />

<strong>do</strong> outro salafrário” 50 . Pode-se entender que tal atitude é compreensível se observada<br />

à luz mesma daquele consenso e respeito mútuo de to<strong>do</strong>s para com to<strong>do</strong>s que<br />

pairava e objetivava a continuidade da ordem contratual frente à fragilidade<br />

eminente <strong>do</strong> embrionário aparelho judiciário-policial. Encontramos na emancipação<br />

da Vila e o nascimento da cidade de Pato Branco um <strong>do</strong>cumento emblemático <strong>do</strong><br />

tamanho <strong>do</strong> esforço político e da necessidade se constituir uma nova ordem de um<br />

poder que encontra dificuldades de impor sua normalização, sua disciplinarização da<br />

população em “novos” termos. Agora o poder busca sua instrumentalização, toma<br />

corpo e visibilidade, interfere na vida cotidiana, regulariza ações e distribui no<br />

espaço-tempo a sua <strong>do</strong>minação. De certo mo<strong>do</strong>, o Código de Posturas <strong>do</strong> Município<br />

de Pato Branco (cria<strong>do</strong> pela Lei nº 05/53, de 1º de fevereiro de 1953), possui esse<br />

caráter de “verdadeiro catecismo cívico para os integrantes de uma sociedade<br />

emergente, destinada pelas circunstâncias a imprimir á vida autônoma de Pato<br />

50 BOCCHESE, Néri França Fornari. Op. cit., p.169.<br />

26


Branco o senso de ordem, <strong>do</strong> respeito, da harmonia, da civilidade, <strong>do</strong> progresso” 51 .<br />

Assim, segue abaixo alguns artigos exemplares de tais objetivos conti<strong>do</strong>s no texto<br />

<strong>do</strong> Código.<br />

Art. 33 – É proibi<strong>do</strong> a condução de cadáveres aos cemitérios em caixões abertos.<br />

Art. 52 – É proibi<strong>do</strong> colocar em lugar público, lixos, madeiras ou quaisquer outros objetos<br />

que possam causar danos, ameaçar perigos, impedir o trânsito ou molestar os transeuntes.<br />

Art. 64 § 2º - Os proprietários são obriga<strong>do</strong>s a conservar em bom esta<strong>do</strong> seus passeios.<br />

Art. 105, Parágrafo Único. Não serão permiti<strong>do</strong>s cobertos com taboinhas em prédios e<br />

edículos, situa<strong>do</strong>s dentro <strong>do</strong>s perímetros urbano e suburbano.<br />

Art. 116 – É expressamente proibi<strong>do</strong> ter ou conservar ga<strong>do</strong>s de qualquer espécie, solto no<br />

perímetro urano das cidades, vilas e ou zonas, onde possam prejudicar praças e jardins.<br />

Art 118 – To<strong>do</strong>s os proprietários de cães devem matriculá-los anualmente e neste ato<br />

pagarem o imposto devi<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com a tabela em vigor.<br />

Art. 148 – As pessoas que exercerem atividade manipulan<strong>do</strong> gêneros alimentícios em<br />

hotéis, padarias, açougues, casas de frutas, bares, deverão possuir atesta<strong>do</strong> de Saúde<br />

passa<strong>do</strong> pela autoridade competente e usar quan<strong>do</strong> em serviço aventais branco.<br />

Art. 155 – É expressamente proibida a conservação de águas estagnadas em to<strong>do</strong> o território<br />

<strong>do</strong> Município, nas quais possam se desenvolver larvas e mosquitos.<br />

Art. 160 – Os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> perímetro urbano devem cuidar diariamente, das limpezas de<br />

calçadas e passeios de suas habilitações.<br />

Art. 188 – De igual mo<strong>do</strong> não é permiti<strong>do</strong> o uso de bancos e cadeiras sobre os passeios no<br />

perímetro urbano.<br />

Art. 189 – É proibi<strong>do</strong> o uso de estalar chicotes no perímetro urbano e nas povoações.<br />

Art. 190 – É proibi<strong>do</strong> a quem quer que seja espantar animais de qualquer espécie, de<br />

montaria, atrela<strong>do</strong>s, conduzi<strong>do</strong>s por peões ou mesmo soltas usan<strong>do</strong> para esse fim qualquer<br />

meio.<br />

Art. 191 – É veda<strong>do</strong> o trânsito com veículos e animais de qualquer espécie, arrea<strong>do</strong>s ou não,<br />

vagan<strong>do</strong> pelas vias e logra<strong>do</strong>uros públicos <strong>do</strong> perímetro urbano.<br />

Art. 192 – To<strong>do</strong>s os veículos que trafeguem no território municipal, são obriga<strong>do</strong>s a trazer<br />

em lugar bem visível a chapa com o número de ordem e ano a que se referir.<br />

Art. 194 – To<strong>do</strong>s os veículos deverão trazer faróis, ou sinais, quan<strong>do</strong> em trânsito, a noite,<br />

pelo perímetro urbano.<br />

Art. 197 – É também passível de penalidades, por infração, além da ordem criminal, toda<br />

pessoa que arruinar ou depredar obras públicas marcos, taboletas, placas e qualquer objeto<br />

de utilidade ou uso púbico.<br />

Art. 199 – Não é permiti<strong>do</strong> a maiores de dezoito anos banharem-se durante o dia, despi<strong>do</strong>s<br />

em qualquer curso de água ou lagoas.<br />

Art. 256 – Toda pessoa que resistir, desobedecer, desacatar a autoridade ou funcionários<br />

municipal no exercício de suas funções, incorrerá em responsabilidade criminal de acor<strong>do</strong><br />

com o capítulo segun<strong>do</strong> <strong>do</strong> título décimo primeiro da parte especial <strong>do</strong> Código Penal<br />

Brasileiro 52 .<br />

51<br />

VOLTOLINI, Sittilo. Retorno 4: Pláci<strong>do</strong> Macha<strong>do</strong>: primeiro Prefeito de Pato Branco. Pato<br />

Branco: Imprepel, 2004. p.75.<br />

52<br />

Cf. VOLTOLINI, Sittilo. Retorno 4... p. 76-77.<br />

27


É inegável que o Código tinha um objetivo claro de impor normas ao<br />

comportamento, interferin<strong>do</strong> nas relações intepessoais, e destas com o espaço<br />

urbano nascente. Modelar o comportamento às novas condições estabelecidas ao<br />

novo aparelho um pouco estranho ao habitual. Essa “ruptura” de uma ordem e sua<br />

sobreposição por outra agora condicionada a uma organização de Esta<strong>do</strong> com sua<br />

gramática própria certamente necessita desse instrumento inicial (o Código), já este<br />

surge antes <strong>do</strong> corpo administrativo ser oficializa<strong>do</strong>. Apenas, no dia 3 de fevereiro é<br />

que ocorre a formalização da “equipe administrativa”. No entanto não nos iludamos.<br />

Essa passagem de uma modelagem social onde imperava a incerteza e uma<br />

ordenação social licenciosa sedimentada por uma membrana de ordem e respeito<br />

(um pacto, um consenso) tênue, para uma ordenação gerida pela maquinaria estatal<br />

político-repressiva não se deu de forma mecânica e/ou automática, nem mesmo<br />

instantânea. A imprensa, o rádio, as lideranças, os atos governamentais, tu<strong>do</strong> isso<br />

contribuiu para que se moldasse esse tipo ideal de sociedade civilizada e ordeira. A<br />

violência não encontrou seu fim ou sua rarefação na simples existência de uma<br />

aparelhagem e de um código comportamental que lhe voltasse o olhar e lhe punisse.<br />

A violência se sustentou na fragilidade dessa aparelhagem, em seus problemas e<br />

dificuldades em seu devir de densidade e estruturação material que an<strong>do</strong>u e contou<br />

com a ajuda extrema das outras vias de reforço de seu projeto.<br />

Algumas histórias ilustram muito bem a situação dessa aparelhagem<br />

“capenga” de policiamento e repressão ao banditismo e delinqüência num<br />

movimento antinatural da própria configuração social demográfica <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este. A<br />

primeira delegacia de Pato Branco se situava na principal Avenida de Pato Branco, a<br />

Avenida Tupy, e “não oferecia segurança alguma, pois até as grades das janelas<br />

eram de madeira. A própria guarda deixava o preso à vontade e ia para os balcões<br />

das bodegas” 53 .<br />

Exemplo da relação entre as “autoridades” e a população é relata<strong>do</strong> pelo Sr.<br />

Rufato. Sabe-se que, “o crime mais bárbaro de que se tem conhecimento em Pato<br />

53 VOLTOLINI, Sittilo. Op.cit., p.168.<br />

28


Branco, foi pratica<strong>do</strong> em 1948, estarrecen<strong>do</strong> o povo que, numa reação violenta<br />

quanto inesperada, interveio no caso, fazen<strong>do</strong> justiça com as próprias mãos 54 ”.<br />

Conta o Sr. Rufato a sua versão para o acontecimento:<br />

Aquele causo que eu tava falan<strong>do</strong> <strong>do</strong> meu cunha<strong>do</strong> que mataram licha<strong>do</strong>. Que licha<strong>do</strong>, nem<br />

licha<strong>do</strong> foi, foi estraça<strong>do</strong>. Ele deve ta em torno de cinqüenta ano. E veio duas famia <strong>do</strong> Rio<br />

Grande e essas duas famia veio e se acamparam embaixo <strong>do</strong> Hotel <strong>Paraná</strong> e vamo supor.<br />

Saiu eu e a muié dele pra cidade e daí veio o marva<strong>do</strong> que dizia é o caboclinho e assassino.<br />

Ele garro, pego queria dinheiro e queria dinheiro e nóis não tinha e pra rouba ele garro e<br />

mato o casal e sobro o cunha<strong>do</strong> e a cunhada.<br />

E daí o que ele roubo uma peça de algodão. Uma peça antigamente comprava peça de<br />

algodão, não tenho lembrança de quantos metro dava, acho que foi uns 20 metro. Dinheiro<br />

ele não encontro lá no momento. E daí essa... esse cliente saiu e antes de os <strong>do</strong>no vortá lá<br />

onde hoje bem dize é o cemitério lá no que era a loja <strong>do</strong> Eurico Ponte ele foi esconde essa<br />

peça de ropa lá, aquele tempo bem dize era saída da cidade, hoje tem muito mais cidade pra<br />

frente, então foi onde que descobriram esse cliente que mato o casal que sabia ainda que<br />

ficou em casa. Foi que descobriu onde ele tava, era poca gente né? poca cidade,<br />

encontraram facilmente esse cliente e fincaram na cadeia. Ah! Viro aquele alvoroço<br />

imenso! e daí então garro e quan<strong>do</strong> souberam que ele tava preso eles foram pra tira ele da<br />

cadeia e daí o delega<strong>do</strong> disse, eu não posso dexa oceis tira ele da cadeia de forma nenhuma,<br />

me compromete eu, compromete eu daí então, diz óia de tarde eu vo pega e vou leva ele<br />

pra Clevelandia, pra comarca. E vocês querem pega ele memo, fiquem ali numa artura da<br />

rua na cidade ai e voceis (...) peguem ele tire <strong>do</strong> jipe e façam o que quiserem.<br />

Daí garraram e fizeram isso aí ficaram já de prontidão, mais ou menos sabiam a hora que<br />

saia de lá, o delega<strong>do</strong> falou a hora que saia aí garro e esperaram no Banco <strong>do</strong> Brasil e por ai<br />

e quan<strong>do</strong> vinha vin<strong>do</strong> invadiram a rua e cercaram o jipe e foram garran<strong>do</strong> e estraçan<strong>do</strong> ele<br />

54 VOLTOLINI, Sittilo. Retorno: origens de Pato Branco. Pato Branco: Artepres, 1996. p.121.<br />

Basea<strong>do</strong> em uma série de depoimentos orais, conta o professor Sittilo que: “Numa tarde de maio<br />

desse mesmo ano, chegavam a Pato Branco mais duas famílias, para aqui fixarem residência e,<br />

como atividade principal, tencionavam montar uma ferraria. Vinham de Passo da galinha, hoje<br />

General Carneiro. No entardecer daquele mesmo dia, lá pelas 19 horas, no entanto, sobreveio-lhe a<br />

desgraça. Ainda no trabalho de acomodação da mudança e higiene da casa e pátios, o senhor<br />

Demétrio Hass fora buscar água numa fonte próxima. Nesse local foi abati<strong>do</strong> por um tiro de<br />

espingarda de caça, tipo pica-pau, de grosso calibre, que lhe abriu um rombo no peito. Da Luz, sua<br />

esposa, que estava limpan<strong>do</strong> o pátio, teve a cabeça partida com um golpe de coronha da arma com<br />

que fora morto Demétrio. Julgan<strong>do</strong>-a morta, o assassino invadiu a casa de onde se encontrava Maria<br />

Mazurechen, dan<strong>do</strong> banho a um bebe de uns 15 dias. Avançou sobre ela a faca. Mortalmente ferida,<br />

com a criança no colo, suplican<strong>do</strong> que o agressor não a matasse, tombou cain<strong>do</strong> sobre a criança,<br />

quebran<strong>do</strong>-lhe a espinha. No chão recebeu mais golpes. Dezessete ao to<strong>do</strong>. (...) A noticia da chacina<br />

se espalhou rápi<strong>do</strong>. (...) O crime consternou Pato Branco que saiu à procura <strong>do</strong> criminoso descrito<br />

pelos meninos. Não só as autoridades...o povo se pôs a caça <strong>do</strong> autor <strong>do</strong> bárbaro morticínio. (...)<br />

ainda com as roupas sujas de sangue, em Passo da Pedra, unharam o assassino, entregan<strong>do</strong>-a às<br />

autoridades. Era homem de uns 30 anos, de nome Sebastião, emprega<strong>do</strong> <strong>do</strong> ex-<strong>do</strong>no da propriedade<br />

comprada pelas infortunadas famílias. Sabe<strong>do</strong>r da data de chegada <strong>do</strong>s novos proprietários, supon<strong>do</strong><br />

que estivesse também com o dinheiro para pagamento das terras, para se apossar dele, invadiu o<br />

local, abaten<strong>do</strong> uma peça de teci<strong>do</strong> de chita.<br />

29


mais que um cachorro pegan<strong>do</strong> um gato e foi uma... pau e paulada e tapa e soco e daí foi<br />

aquele alvoroço (...). mais ou menos cem pessoas.<br />

E daí tinha uma muié conheci ela fia mais velha <strong>do</strong> Luiz Bertol<strong>do</strong> casada com Ivo<br />

Zancanarro ela veio pra Pato Branco junto com minha irmã, que a minha irmã mora aqui,<br />

tem 75 ano ela foi almoça na casa de um til dela, que era o Henrique Balancelli então na<br />

ocasião ela tá na praça e viu aquele alvoroço e só garro e viu as costa <strong>do</strong> rapaz que tiraram<br />

<strong>do</strong> jipe e depois não viu mais nada... e desce <strong>do</strong> hotel <strong>Paraná</strong> e choveu o povo imenso, tomo<br />

conta da praça e garraram soco e soco e até que mataram que daí onde tava meu cunha<strong>do</strong> e<br />

pode encontra a foto eu posso reconhece ele. (...).<br />

O mari<strong>do</strong> da falecida garro e pego um canivete e por ultimamente garro e finco em cima da<br />

barriga e deu um pisão em cima e interro o canivete na barriga <strong>do</strong> vivente e depois diz ela<br />

que viu pincharam numa valeta, aquele tempo era estrada de chão (...) morreu e fico ali<br />

mesmo 55 .<br />

A atitude <strong>do</strong> Delega<strong>do</strong> Nico Dom é bastante representativa. Ela denota uma<br />

realidade em que o maquinário policial não tem condições de garantir a segurança<br />

<strong>do</strong> preso e muito menos conter o ódio e a justiça popular, sua atitude é explicita no<br />

momento em que ele define sua posição em que não pode deixar a multidão invadir<br />

a cadeia já que ele seria comprometi<strong>do</strong>. A seqüência desse acontecimento é também<br />

de grande interesse por revelar uma prática contrária as ordens e calores comuns a<br />

aparelhagem jurídica. Segun<strong>do</strong> Voltolini:<br />

Ante a ferocidade da turba na execução <strong>do</strong> criminoso, baixou feroz por aqui a Secretaria de<br />

Segurança <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, com o então tenente Lapa designa<strong>do</strong> Delega<strong>do</strong> Especial para o caso,<br />

personagem da<strong>do</strong> a condutas truculentas e desmedidas em missões sob sua<br />

responsabilidade. Por indiretamente, ou diretamente, ten<strong>do</strong> a famosa foto por suporte, Lapa<br />

saiu à busca <strong>do</strong>s identifica<strong>do</strong>s. Ordenou desarmamento geral da população. Um magote de<br />

policiais num caminhãozinho, varreu a área, recolhen<strong>do</strong> armas de fogo e armas brancas. Até<br />

facão de lavra<strong>do</strong>r in<strong>do</strong> pra roça pegaram. Iniciaram-se as detenções e um fato novo se<br />

inseriu na questão, determinan<strong>do</strong> a severidade da pena aplicada: entre os indicia<strong>do</strong>s presos<br />

figuravam ‘amigos e inimigos’ políticos. Para aqueles, a amenidade; para estes, o pau<br />

comeu solto. Diante disso, uns implica<strong>do</strong>s se mandaram de Pato Branco por um bom tempo,<br />

que ninguém estava a fim de levar uma sumanta de cacetete. Três presos foram submeti<strong>do</strong>s<br />

a desalma<strong>do</strong> tratamento vexatório. Obriga<strong>do</strong>s a ingerir elevada <strong>do</strong>se de purgante, amarra<strong>do</strong>s<br />

de pés juntos e mãos para trás, foram deixa<strong>do</strong>s no centro da vila, defronte da igreja matriz,<br />

na Praça Brasil, para fazê-los passar a maior vergonha <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, quan<strong>do</strong> o organismo não<br />

fosse capaz de conter a pressão intestinal 56 .<br />

55 RUFATO, Miguel. Entrevista realizada em 07/10/2005.<br />

56 VOLTOLINI, Sittilo. Op. cit. p.123-124.<br />

30


A reação <strong>do</strong> aparelho judiciário-repressivo foi imediata e seguiu uma certa<br />

lógica dentro <strong>do</strong> contexto em que as coisas se passaram. A única saída era a<br />

demonstração de que esse tipo de atitude popular, essa justiça popular, não pode<br />

encontrar espaço na sociedade. Em boa medida porque o julgamento ocorre sem<br />

processo contrarian<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s princípios <strong>do</strong> direito. Mas, também porque o julgar,<br />

processar e aplicar a pena em sociedade se estabelece através de um órgão e um<br />

sistema próprios de produção/investigação/verificação de verdade e de punição de<br />

excessos, infrações e imposturas 57 . Toda essa grande máquina tropeça frente aos<br />

casos de linchamento e justiça popular porque constitui uma linha de fuga sobre a<br />

“formação” de uma imagem local de uma comunidade de trabalho, valor, de<br />

honestidade, dessa “geração castiça”, de boa qualidade e religiosa, de fé. Essa<br />

grande máquina tropeça diante <strong>do</strong>s casos de linchamento também porque essa<br />

justiça popular, de um mo<strong>do</strong> geral, descarta a sua função – não por ela não a<br />

conhecer, mas por ela não acontecer -, age pelo ódio e pela indignação motivada<br />

pelo momento. Ela não solicita essa maquinaria, em seu momento de ação. Não lhe<br />

cobra e nem lhe pede nada, ela passa por cima de to<strong>do</strong>s os preceitos humanistas e<br />

humanizantes <strong>do</strong> criminoso, ela não discute e tampouco raciocina frente a essa<br />

maquinaria racional, não busca o diálogo com ela e não lhe deve satisfação. To<strong>do</strong> o<br />

seu ódio e indignação se baseiam em função de <strong>do</strong>is pontos básicos: a justiça não<br />

raras vezes falha; e segun<strong>do</strong>: o crime pratica<strong>do</strong> não é tolerável e o criminoso não<br />

57 Michel Foucault ressalta que a partir <strong>do</strong> século XVIII e das reformas penais ocorridas na Europa<br />

diversas mudanças teóricas sobre o regime <strong>do</strong> gerenciamento das penas fizeram com a estrutura de<br />

funcionamento da justiça assumisse grande parte de seus elementos atuais. Nesse senti<strong>do</strong> a punição<br />

passa a se concentrar agora na representação da pena e não mais a sua aplicação aos corpos <strong>do</strong>s<br />

criminosos. Para que a consciência <strong>do</strong> individuo seja cristalizada por uma justiça “invisível”, mas<br />

onipresente e onipotente (bem ao gosto <strong>do</strong> universo penal kafkiano) <strong>do</strong>nde o julgamento necessita<br />

uma racionalização seguin<strong>do</strong> um senso comum. “Aban<strong>do</strong>no, então das penas legais; rejeição da<br />

tortura, necessidade de uma demonstração completa para fazer uma verdade justa, retirada de<br />

qualquer correlação entre os graus da suspeita e os da pena”. In: FOUCAULT, Michel. Vigiar e<br />

Punir. 29.ed. Petrópolis: Vozes, 2004. p.82.<br />

31


merece piedade. O suplício faz o justiça<strong>do</strong> que ten<strong>do</strong> quebra<strong>do</strong> o consenso de não<br />

agressão merece seu destino 58 .<br />

É a gestão de uma violência legitimada por outra que eleva a segunda a um<br />

nível de aceitação e de compreensão e que põe em xeque toda construção identitária<br />

local e to<strong>do</strong> ‘fazer-se’ civilizacional conseqüentes da colonização e ocupação <strong>do</strong><br />

território. Família, tradição, modernidade, qualidade, enriquecimento regional,<br />

integração são palavras chaves que encontramos nessa construção ideológica que se<br />

afirma, de tal mo<strong>do</strong>, que assume ponto seguro e verídico das condições de vida em<br />

sociedade da região. Passa-se por cima da violência, da destruição <strong>do</strong>s recursos<br />

naturais (ciclo da madeira), da disputa vertiginosa pelo enriquecimento fácil, como<br />

se toda a história <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este fosse uma grande empreitada de progresso e evolução<br />

sem igual.<br />

Esta é a construção feita pelo Álbum histórico de 1966. Grande parte das suas<br />

imagens mostra pessoas trabalhan<strong>do</strong>, a arquitetura <strong>do</strong>s prédios, os “homens bons”, a<br />

tecnologia já presente na região etc. O efeito é mapear o que somos e já fomos num<br />

passa<strong>do</strong> não tão distante e demonstrar pelas fotografias (que não mentem!), aquilo<br />

que somos e o quanto progredimos. A sustentação dessa construção identitária que<br />

afirma um modus vivendi e um status quo que deve se manter se afirma nos castiçais<br />

da: religiosidade (que caminhou paralela à colonização), o trabalho e na tradição de.<br />

Assim, quan<strong>do</strong> o Álbum trata da Igreja afirma que:<br />

Há cerca de oitenta anos os Padres Franciscanos atendem o su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>. Visitavam<br />

Pato Branco, antes que houvesse capela alguma. Celebravam as missas em casas de família.<br />

Colaboraram na construção de centenas de capelas, que hoje formam dezenas de paróquias.<br />

A primeira capela foi construída em Pato Branco no ano de <strong>1930</strong>. a segunda capela foi<br />

construída em 1941. A terceira, a atual igreja matriz foi iniciada em 1960 ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong><br />

inaugurada em 29 de junho de 1965 59 .<br />

58 Sobre esse aspecto é vali<strong>do</strong> ressaltar o fato de que um determina<strong>do</strong> grupo social estabelecen<strong>do</strong><br />

um pacto possui o direito de exercer determina<strong>do</strong> poder sobre os indivíduos que o compõe, assim “o<br />

corpo, a imaginação, o sofrimento, o coração a respeitar não são, na verdade, os <strong>do</strong> criminoso que<br />

deve ser puni<strong>do</strong>, mas os <strong>do</strong>s homens que, ten<strong>do</strong> subscrito o pacto, têm o direito de exercer contra<br />

ele o poder de se unir”. In: FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 29.ed. Petrópolis: Vozes, 2004.<br />

p.77.<br />

59 ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966.<br />

32


O que deve ser evidencia<strong>do</strong> aqui é a importância dessa religiosidade e da<br />

construção que se faz a partir dela enquanto uma característica própria <strong>do</strong> povo <strong>do</strong><br />

su<strong>do</strong>este. Acaban<strong>do</strong>-se por negligenciar propositalmente a outra face (s) em nome de<br />

uma imagem que deve se solidificar e que facilitara sobremaneira a implantação e<br />

aceitação, e porque não, <strong>do</strong>cilização da população que “há cerca de oitenta anos” é<br />

atendida pelos padres franciscanos. No texto acima sobre a igreja fica claro a<br />

evocação da tradição (há oitenta anos) e da importância civilizacional <strong>do</strong>s<br />

franciscanos da região. O texto se conclui com “as origens” citan<strong>do</strong> o primeiro,<br />

segun<strong>do</strong> e terceiro vigários. Logo adiante encontramos outro exemplo efetivo da<br />

mesma estrutura discursiva.<br />

ADOLFO CHIOCHETTA<br />

Um <strong>do</strong>s pioneiros!<br />

Oriun<strong>do</strong> de Paim Filho, então Município de Lagôa Vermelha, veio para o <strong>Paraná</strong> em 1-4-<br />

1931., Reside ainda em Pato Branco, onde constituiu numerosa família.<br />

Em sua propriedade, no perímetro sub-urbano da cidade, possue Serraria, criação de ga<strong>do</strong> e<br />

suínos 60 .<br />

Logo abaixo desse texto em proporção espacial equivalente uma fotografia<br />

com o texto: “A<strong>do</strong>lfo Chiochetta e Espôsa”, e ao la<strong>do</strong> duas fotografias mostran<strong>do</strong> a<br />

sua criação de ga<strong>do</strong>. Eis o pioneiro. Ele deixou a sua terra e migrou para o su<strong>do</strong>este<br />

apostan<strong>do</strong> nesta terra, ele é reconheci<strong>do</strong> pelo seu progresso e pelo progresso que<br />

trouxe para a região com a sua labuta. Essa tipificação populacional é clara e seu<br />

efeito visual e textual fixam a idéia, impõe a expressão, marcam os corpos, dão<br />

contornos às <strong>do</strong>bras de estratificação e afirmam a certeza na bondade, no trabalho e<br />

no progresso. Outro exemplo claro dessa estruturação que atravessa o Álbum<br />

modifica em partes o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> “pioneiro”, lhe atribui uma variação agora como<br />

inovação, novidade. A dubiedade <strong>do</strong> termo “pioneiro” é tecnicamente de extrema<br />

utilidade e se faz desse mo<strong>do</strong>. É o caso <strong>do</strong>s,<br />

60 ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966.<br />

33


Deriva<strong>do</strong>s de Cimento Pato Branco Ltda.<br />

Pioneira em Pato Branco e na região no fabrico de tubos, blotec, ladrilhos, vasos, mourões,<br />

pias, enfim, tu<strong>do</strong> o que se refere em artefatos de cimento 61 .<br />

E também da Heemann & Cia. Ltda:<br />

A pioneira no ramo na região, serralheira, fabrica de peneira para brita<strong>do</strong>r, arame para<br />

cerca, vitros para igrejas, portões artísticos e comuns 62 .<br />

E ainda na Casa Rádio Técnica Sonora Ltda. Por ser, “A pioneira em utilidades<br />

elétro-<strong>do</strong>mésticas”. Estes exemplos denotam que a formação da idéia <strong>do</strong> povo<br />

trabalha<strong>do</strong>r perpassa muito sutilmente a relação também com o fora <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este 63 ,<br />

assim:<br />

Em 27 de março de 1.957, mercê aos esforços <strong>do</strong> sócio-funda<strong>do</strong>r a Ford Company Exports,<br />

Inc. sob o nº de ordem 12 – assinada pelo gerente geral de vendas, nomeava para<br />

Revende<strong>do</strong>r Ford em Pato Branco: “Ottilio N. Ama<strong>do</strong>ri & Cia. Ltda”.<br />

Em 17 de maio de 1.965 ficou a Família Ford de Pato Branco enlutada pelo falecimento de<br />

seu funda<strong>do</strong>r 64 .<br />

O fora, no caso da “Família Ford de Pato Branco”, seria a autorização externa para a<br />

revenda <strong>do</strong>s veículos Ford, uma espécie de reconhecimento e de visibilidade vinda<br />

<strong>do</strong> exterior proporcionada pelos “esforços” <strong>do</strong> funda<strong>do</strong>r da “família”. Porém, o<br />

exemplo que contém em si mesma é a propaganda da Transporta<strong>do</strong>ra Sulina.<br />

61 Idem, ibidem.<br />

62 Idem, ibidem.<br />

63 Sen<strong>do</strong> que sob essa égide outro exemplo visível é encontra<strong>do</strong> no hino municipal de Francisco<br />

Beltrão data<strong>do</strong> de 1985. Segue letra na íntegra <strong>do</strong> hino de Francisco Beltrão. Rejubilam teus filhos/<br />

No calor que encerra/ O amor a esta terra/ Ó Francisco Beltrão!/ Pisou, um dia, este solo brava<br />

gente/ no anseio das conquistas de um lugar./ O chão se fez caminho e sol luzente,/ Do azul, fez<br />

esperanças emanar/ Chegaram de rincões, plagas sulinas,/ Com braços e ideal de pioneiros./ E<br />

ven<strong>do</strong> nestas terras vastas minas,/ Cantaram sob o teto <strong>do</strong>s pinheiros./ Plantaram sua bandeira neste<br />

chão./ Seus lares e o trabalho como esteio./ A Cango foi o berço na canção/ A embalar estes filhos<br />

no seu seio./ E nascia, devagar, singela vila:/ Marrecas, promissora e hospitaleira./ nos braços desta<br />

força a construí-la,/ Fulgurava a riqueza da madeira./ Muita gente esta terra conheceu,/ Entre os<br />

nomes de célebre memória./ E Francisco Beltrão resplandeceu,/ Para sempre, nas páginas da<br />

história. LETRA: Cladi Levan<strong>do</strong>wski, MÚSICA: Al<strong>do</strong> Hasse. In:<br />

http://www.franciscobeltrao.pr.gov.br/ Acessa<strong>do</strong> em 04/07/<strong>2006</strong>.<br />

64 ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966.<br />

34


(....) Com filial na cidade de Fco. Beltrão à Rua Amazonas, 30, e uma frota de veículos<br />

próprios, tem marcante atuação no progresso de toda a região. Ten<strong>do</strong> na pessoa <strong>do</strong> Dr.<br />

Dario Virgilio Rost seu gerente, alia<strong>do</strong> a pessoal altamente especializa<strong>do</strong> nos serviços de<br />

transportes e merca<strong>do</strong>rias, pode a Cia, Sulina de Transportes oferecer o que há de melhor no<br />

gênero Independente disto, existe a segurança (indenização imediata em casos de quebra ou<br />

extravio de merca<strong>do</strong>rias) que já se tornou uma constante dessa modelar organização.<br />

Outro fato digno de nota, é o interesse <strong>do</strong>s concessionários da Sulina na aplicação de suas<br />

rendas na própria região onde labutam, mostra disto a formação de duas firmas<br />

transporta<strong>do</strong>ras, acima mencionadas.<br />

(...)<br />

A Cia. Sulina de Transportes é a pioneira, ela transporta o progresso para tôdas as<br />

direções 65 .<br />

Além <strong>do</strong> Álbum de 1966, outro marco de extrema importância na afirmação e<br />

na constituição de uma imagem local baseada no passa<strong>do</strong> regional é a obra feita por<br />

Rudi Bodanese, “Lembranças de Vila Nova: a evolução de Pato Branco através de<br />

imagens fotográficas” 66 . O livro, rico em fotografias, se inicia com uma poesia<br />

creditada a Nylzamira Cunha Bejes escrita em 1976:<br />

PATO BRANCO<br />

Ao povo de Pato Branco<br />

Aos primeiros albores da alvorada<br />

Chega-se, finalmente, a Pato Branco,<br />

Após a noite inteira, pela estrada,<br />

Vadear-se rios, transpon<strong>do</strong> barranco.<br />

Mas tu<strong>do</strong> aquilo com que o viajante<br />

Depara na cidade a<strong>do</strong>rmecida<br />

É um trato bom, já no primeiro instante,<br />

Toda a atenção, é uma boa acolhida.<br />

Cidade nova, mas já florescente;<br />

O povo ativo, num clima tão quente,<br />

Tranqüilo enfrenta o sol nas avenidas.<br />

E o tom avermelha<strong>do</strong> da calçada<br />

Comprova a terra rica, abençoada,<br />

Desta cidade cheia de subidas.<br />

Na apresentação Bodanese esclarece que apesar das dificuldades da pesquisa<br />

“De qualquer forma, tem este livro o propósito de homenagear aos pioneiros desta<br />

65 ÁLBUM ÁBUM HISTÓRICO: PATO BRANCO – <strong>PARANÁ</strong>, 1966.<br />

66 BODANESE, Rudi. Lembranças de Vila Nova: a evolução de Pato Branco através de imagens<br />

fotográficas. Pato Branco: Darnol, 1982.<br />

35


terra, cita<strong>do</strong>s aqui ou não, que com seu suor, plantaram ontem a semente da vida<br />

melhor de que hoje desfrutamos”. Ao longo da obra a objetivação discursiva se<br />

assemelha em muito ao Álbum histórico de 1966 e se afasta daquele por não possui<br />

um caráter propagandístico e de vitrine da realidade. Assemelham-se pelo seu<br />

esforço em evidenciar o progresso, o desenvolvimento, a fé, a civilidade e a ordem<br />

pelo trabalho <strong>do</strong>s homens bons e pela característica mesma <strong>do</strong> povo. A primeira<br />

fotografia mostra a Igreja e data de 1935, sobre ela afirma Bodanese que “O<br />

catolicismo esteve sempre presente na formação da Vila e no seu<br />

desenvolvimento 67 ” e em seguida: “a fé sempre esteve presente no espírito<br />

desbrava<strong>do</strong>r, valente e sincero <strong>do</strong> homem da terra” 68 . Na seqüência, através de uma<br />

fotografia de 1940 retratan<strong>do</strong> algumas casas, sobre esta segue o seguinte texto: “No<br />

início da década de 40, já era possível notar o crescimento da futura cidade, todas as<br />

construções eram de madeira, material abundante na região. A maioria <strong>do</strong>s seus<br />

habitantes era composta de imigrantes <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, batalha<strong>do</strong>res por uma<br />

vida melhor” 69 . Ao longo das páginas palavras como “crescimento” e<br />

“adensamento” são constantes em muitos textos anexa<strong>do</strong>s às fotografias. Da<br />

exploração da madeira, as partidas de futebol, o primeiro cinema instala<strong>do</strong> em 1948,<br />

visitas de políticos (Prefeito de Clevelândia em 1948, Bento Munhoz da Rocha Neto<br />

em 1950, Adhemar de Barros em 1952), cenas de religiosidade, sen<strong>do</strong> que em uma<br />

foto segue a inscrição: “Em outubro de 1963, na promoção da Semana bíblica,<br />

foram apresentadas diversas alegorias” e segue “Entre os quadros apresenta<strong>do</strong>s,<br />

houve figurações de inúmeras passagens bíblicas, num espetáculo que teve a total<br />

participação da comunidade” 70 . O viés político da obra de Bodanese deixa clara a<br />

importância da política e <strong>do</strong>s políticos para o crescimento e o progresso da cidade. A<br />

última foto é panorâmica e mostra a extensão <strong>do</strong> perímetro urbano da cidade e se<br />

encerra ao estilo <strong>do</strong> Álbum Histórico de 1966, ressaltan<strong>do</strong> signos da evolução local:<br />

67 BODANESE, Rudi. Op. cit., p.9.<br />

68 Idem, ibidem, p.47.<br />

69 Idem, ibidem, p.11.<br />

70 Idem, ibidem, p.51.<br />

36


“O município conta atualmente com 173 industrias, 14 agencias bancarias, 90<br />

escolas (<strong>do</strong> 1º ao 2º grau), com aproximadamente 12.600 alunos”, a “Capital <strong>do</strong><br />

Su<strong>do</strong>este” como é chamada, já iniciava sua afirmação enquanto, “pólo educacional”,<br />

sen<strong>do</strong> também indica<strong>do</strong>r não apenas de educação, mas de progresso.<br />

Em 1982 já encontraríamos uma população em Pato Branco organizada, a<br />

colonização estaria encerrada, o governo operante e o aparelho judiciário-repressivo<br />

demarca<strong>do</strong> e localiza<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> visível a sua capacidade de <strong>do</strong>minação muito mais<br />

satisfatória. A violência seria uma necessidade agora ignorada de um passa<strong>do</strong> difícil<br />

e de um projeto de igual amplitude. A criação imagética <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> de luta, trabalho<br />

e progresso, resultante da “semente <strong>do</strong>s pioneiros”, parecia já estar solidificada e<br />

certamente a sua função pôde ser cumprida. O senso de justiça já não pertence mais<br />

ao corpo comunitário. Toda injustiça e to<strong>do</strong> crime serão julga<strong>do</strong>s de forma civilizada<br />

pelo órgão competente: a justiça burocrática. Não cabe à sociedade ordeira fazer<br />

valer desses mecanismos “bárbaros” e sanguinários <strong>do</strong> “justiçamento” para manter<br />

um status quo suportável para convivência. Por vezes, é difícil precisar até que<br />

ponto toda essa construção discursiva foi ou não decisiva, mas certamente a sua<br />

representatividade não se esgota em si mesma, o axioma que possui foi muito útil na<br />

construção de uma verdade e de uma sociabilidade que destoa, e até mesmo se opõe,<br />

a violência “legitimada” da justiça popular. Essa ruptura é inerente a progressiva<br />

implantação e equiparação <strong>do</strong> aparelho jurídico-repressivo. Já se encontra aí a<br />

diluição no corpo social dessa imagem, e os versos de Waldemar Shüler, por certo,<br />

fizeram parte da pedagogia escolar, da então, incipiente imprensa pato-branquense,<br />

<strong>do</strong>s corpos e das “almas” 71 .<br />

.<br />

71 Rica terra natalina/ O seu povo é cordial/Na capital su<strong>do</strong>estina/ No Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>/ Bom retiro<br />

na idade nova/ Primeiro nome assim a<strong>do</strong>tou/ O seu povo se contentou/ Vila Nova foi se afastan<strong>do</strong>/<br />

Em cidade ela se formou/ Pato Branco foi a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>/ O seu povo se alegrou. In: SCHÜLER,<br />

Waldemar. Canção Su<strong>do</strong>estina. In: MARCONDES, Gilson. Ecos Pato-Branquense: contos,<br />

crônicas e poesias. 1976/1977.<br />

37


“DEBAIXO DAS PENAS DA LEI”: PACÍFICO NO TEATRO DA VERDADE<br />

38<br />

Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e<br />

humana nem sempre se alcança sem o grotesco e<br />

alguma vez o cruel.<br />

Macha<strong>do</strong> de Assis.<br />

Clevelândia <strong>1920</strong>. Voltemos ao início da ocupação <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este. Vimos até<br />

então, como a organização social <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este antes da efetivação das políticas <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> para a sua ocupação produziu formas especificas de sociabilidades e de<br />

relações de poder, por um la<strong>do</strong>, necessárias e sofisticadas, e por outro, relações<br />

delicadas, tênues e de controle e repressão muito difíceis. “Os pioneiros”, ao se<br />

fixarem na região a partir da década de 20, teriam chega<strong>do</strong> à região abrin<strong>do</strong> as<br />

chamadas “picadas”. Dessa forma, “foram chegan<strong>do</strong> Francisco Índio da América<br />

Lima, João Ribeiro, José de Campos, a família Venâncio, Antonio Alves de<br />

Andrade, Pacífico Pinto de Lima, João Macário <strong>do</strong>s Santos e muitos outros” 72 .<br />

Pacífico Pinto de Lima se encontra inseri<strong>do</strong> neste contexto social,<br />

vivencian<strong>do</strong> essas relações. A história de sua vida e morte 73 é de grande<br />

representatividade na apresentação <strong>do</strong>s problemas, <strong>do</strong>s lapsos e da fragilidade em<br />

que o “consenso” (“pacto”, “contrato” etc.) exterior a uma administração e<br />

regulação pelo Esta<strong>do</strong> - em seu senti<strong>do</strong> estrito - de seu funcionamento. A<br />

historia<strong>do</strong>ra Néri França Fornari Bocchese afirma o seguinte sobre Pacífico de Pinto<br />

Lima.<br />

72 KRÜGER, Nival<strong>do</strong>. Su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong>: história de bravura, trabalho e de fé. Curitiba:<br />

Posigraf, 2004. p. 90. Consta ainda, segun<strong>do</strong> o autor, e basean<strong>do</strong>-se em pesquisa realizada pela<br />

Câmara Municipal de Pato Branco que Pacífico Pinto de Lima teria si<strong>do</strong> o primeiro Subdelega<strong>do</strong> da<br />

Vila (p.96).<br />

73 Fundamentan<strong>do</strong>-se na coleta de centenas de depoimentos pertencentes ao Projeto Resgate<br />

Histórico (que teve seu desenvolvimento apoia<strong>do</strong> pelo CEFET/PR Unidade Pato Branco), que<br />

originou uma produção de obras acerca da história <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este e de Pato Branco, dentre elas a série<br />

RETORNO em quatro volumes escritos por Sittilo Voltolini, além <strong>do</strong> livro de Néri França Fornari<br />

Bocchese. Ver: VOLTOLINI, Sittilo. Retorno: origens de Pato Branco. Dois Vizinhos, Artepres,<br />

1996; BOCCHESE, Neri França Fornari. Pato Branco sua história sua gente: história de Pato<br />

Branco. Pato Branco: Imprepel, 2004.


O Senhor Osório Prates narrou à comissão <strong>do</strong> Projeto resgate Histórico que quan<strong>do</strong> veio<br />

com o seu pai, Antonio Rodrigues Prates, já residia em Villa Nova a família de Pinto de<br />

Camargo, antiga e numerosa, uma das primeiras a se estabelecer nesse lugar. Essa família<br />

acabou se dividin<strong>do</strong> em duas: os Pinto Brabos e os Pinto de Camargo. O sobrenome, muitas<br />

vezes, era da<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com o mo<strong>do</strong> de vida que se levava.<br />

Pacifico Pinto pertencia à família Pinto Brabos. Morava em Clevelândia onde tinha boas<br />

relações com os políticos e trabalhava em Villa Nova. Nesta, chegou ao cargo de Inspetor.<br />

Foi um grande safrista, malandro, sanguinário e temi<strong>do</strong>. Intitulava-se proprietário de todas<br />

as terras da região de Fartura, de Caçar<strong>do</strong>zinho em Vitorino, até Mariópolis, ao longo <strong>do</strong><br />

divisor d’água com Santa Catarina. Na área, só ficava moran<strong>do</strong> quem ele quisesse.<br />

Ninguém podia ser seu vizinho, pois, Pacifico largava a porcada nas roças, e ai de quem<br />

reclamasse. Se fossem de outros mora<strong>do</strong>res os animais soltos, estes, eram incorpora<strong>do</strong>s ao<br />

patrimônio de Pacifico Pinto.<br />

Caboclos eram contrata<strong>do</strong>s por Pacífico para derrubarem o mato. Eles eram vigia<strong>do</strong>s para<br />

não fugir. No último dia de trabalho, bem alimenta<strong>do</strong>s e felizes, iam fazer o acerto com o<br />

patrão, só que um <strong>do</strong>s capangas os acompanhavam por uma picada pré-estabelecida. No<br />

trajeto, a certa altura <strong>do</strong> mato, havia uma profunda cova disfarçada com folhas e vegetação<br />

rasteira. Ali mesmo, os capangas imobilizaram os trabalha<strong>do</strong>res, enfiavam os de<strong>do</strong>s pelas<br />

narinas e puxavam a cabeça para trás degolan<strong>do</strong>-os feito bichos; ainda se mexen<strong>do</strong> eram<br />

joga<strong>do</strong>s na vala.<br />

Mais tarde, quan<strong>do</strong> os caboclos começaram a descobrir as maldades cometidas a man<strong>do</strong> de<br />

Pacifico, ou seja, as valas com os corpos, deixaram de trabalhar para ele.<br />

Por isso, para fazer roças, Pacífico começou a trazer homens de Clevelandia, pois lá se<br />

comportava, era to<strong>do</strong> como homem de bem, que empreitava o serviço de derrubada <strong>do</strong><br />

mato. Terminada a derrubada, fazia questão de que o pagamento fosse com testemunhas,<br />

dava um bom almoço e cachaça. Mas, quan<strong>do</strong> o trabalha<strong>do</strong>r ia embora, a uma certa<br />

distancia das terras de Pacífico, ocorria novamente a chacina, os capangas matavam o<br />

homem, jogavam o corpo no rio Pato Branco ou no rio Chopim, com umas pedras<br />

amarradas no pescoço para que o corpo não flutuasse.<br />

Somente a viúva, ou os familiares, vinha em busca <strong>do</strong> empreiteiro e acabavam convenci<strong>do</strong>s<br />

por Pacifico de que o trabalha<strong>do</strong>r, porta<strong>do</strong>r de uma boa quantia de dinheiro, havia volta<strong>do</strong><br />

para Santa Catarina ou Rio Grande <strong>do</strong> Sul, deixan<strong>do</strong> a viúva ou a família aban<strong>do</strong>nadas.<br />

Somente no final da década de 20, um capanga de Pacifico, compadeci<strong>do</strong> com o desespero<br />

de uma viúva, delatou o fato <strong>do</strong>s desaparecimentos <strong>do</strong>s empreiteiros.<br />

Assim, em 1928 foram descobertos os crimes cometi<strong>do</strong>s por Pacífico Pinto. E este foi<br />

leva<strong>do</strong> a julgamento, em Clevelandia. No dia <strong>do</strong> julgamento reuniram-se em Villa Nova<br />

quinze cavaleiros chefia<strong>do</strong>s por Pedro facão, da família Lemos <strong>do</strong> Amaral, mora<strong>do</strong>res da<br />

Fazenda da Barra. Bateram em Clevelândia e lá reuniram as famílias das vitimas, amigos e<br />

conheci<strong>do</strong>s e dirigiram-se para a Intendência onde o julgamento havia começa<strong>do</strong>. Como<br />

Pacífico tinha muito dinheiro, contratou <strong>do</strong>is advoga<strong>do</strong>s de Curitiba. Ainda, avisou à<br />

comunidade de Clevelândia que compraria as testemunhas.<br />

Quan<strong>do</strong> Pedro Facão chegou com os seus homens, o tiroteio foi acirra<strong>do</strong>. Aa Intendência,<br />

que era a prefeitura e também as demais dependências oficiais <strong>do</strong> município, ficou uma<br />

fumaceira só. O corpo de Pacífico Pinto ficou irreconhecível. E os advoga<strong>do</strong>s gritan<strong>do</strong> por<br />

clemência, agarra<strong>do</strong>s um ao outro, fugiram por entre a multidão, que fez justiça, cansada de<br />

presenciar as barbaridades e impunidade com que Pacífico agia em Villa Nova 74 .<br />

74 BOCCHESE, Neri França Fornari. Op. cit. p.81-83.<br />

39


Exatamente em <strong>1920</strong>, Pacífico de Pinto Lima e seu filho José de Pinto Lima<br />

são processa<strong>do</strong>s por agressão. Esse <strong>do</strong>cumento, soma<strong>do</strong> aos depoimentos orais,<br />

constitui as maiores “marcas” deixadas por Pacífico na história da região. Dessa<br />

forma, a análise e reconstrução <strong>do</strong>s acontecimentos desse processo serão o “fio<br />

condutor” deste capítulo. Sua importância reside nas pistas e nas possibilidades que<br />

ele proporciona para a compreensão <strong>do</strong> establishment próprio da região frente ao<br />

posicionamento da aparelhagem judiciária e sua maquinaria de imposição e<br />

funcionamento específicos na década de <strong>1920</strong> até pelo menos 1950.<br />

Com uma duração de quase três meses o processo se inicia em 24/02/<strong>1920</strong><br />

com o Exame de Corpo Delito e os depoimentos no mesmo dia <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s<br />

(Pacífico de Pinto Lima e seu filho José de Pinto Lima). No Auto <strong>do</strong> Exame de<br />

Corpo Delicto,redigi<strong>do</strong> pelo Escrivão, Pedro Augusto Car<strong>do</strong>so e “assegura<strong>do</strong>” pelo<br />

Delega<strong>do</strong>, Lydio Albuquerque deveria responder a nove quesitos fundamentais,<br />

segun<strong>do</strong> o que se segue:<br />

Primeiro: Si há offensa physica produzin<strong>do</strong> dôr ou alguma lesão no corpo, embora sem<br />

derramamento de sangue. Segun<strong>do</strong>: Qual instrumento ou meio que a occasionou. Terceiro:<br />

Se foi occasionada por veneno, substancia anesthesicas, incêndio, asphyxia, ou inundação;<br />

Quarto: Si por sua natureza e séde pode ser causa efficiente da morte; Quinto: Si a<br />

constituição ou esta<strong>do</strong> mórbi<strong>do</strong> anterior <strong>do</strong> offendi<strong>do</strong> concorrem para tornal-o<br />

irremediavelmente mortal; Sexto: Si póde resultar a morte, não por ser mortal a lesão, e sim<br />

por deixar o offendi<strong>do</strong> de observar o regimen medico hygienico reclama<strong>do</strong> porr seu esta<strong>do</strong>;<br />

Setimo: Si resultou ou póde resultart mutilação ou amputação, deformidade ou privação<br />

permanente de algum orgão ou membro; Oitavo: Si resultou ou póde resultar qualquer<br />

enfermidade incurável que prive para sempre o offendi<strong>do</strong> de poder exercer seu trabalho;<br />

Nono: si produziu incommo<strong>do</strong> de saude que inhabiblite o offendi<strong>do</strong> <strong>do</strong> serviço activo por<br />

mais de trinta dias 75 .<br />

O início <strong>do</strong> processo traz no Auto de Corpo de Delito uma primeira avaliação<br />

<strong>do</strong>s efeitos da agressão cometida através da análise <strong>do</strong>s peritos da gravidade, <strong>do</strong>s<br />

limites e das conseqüências para o “offendi<strong>do</strong>” (neste caso Joaquim Félix Rodrigues<br />

<strong>do</strong>s Santos) da agressão em si. Inicia-se já uma produção de verdade que legitimará<br />

e institucionalizará a abertura de um processo conduzi<strong>do</strong> pelos trâmites da justiça<br />

75 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.4.<br />

40


enquanto órgão “à parte”, independente na sociedade. Na perícia realizada por<br />

Olympio Vergett e João Dario Pacheco constará na redação <strong>do</strong> Auto pelo Escrivão<br />

Pedro Augusto Car<strong>do</strong>so, que:<br />

Em seqüência passaram os peritos a fazer o exame ordena<strong>do</strong>, como se segue: encontraram o<br />

punho <strong>do</strong> braço direito destronca<strong>do</strong> em conseqüência de pauladas produzidas por<br />

instrumento contundente, e que portanto respondem aos quesitos pela forma seguinte: ao<br />

primeiro; sim; ao segun<strong>do</strong>, instrumento contundente, ao terceiro; quarto, quinto e sexto não;<br />

ao sétimo sim, ao oitavo sim, ao nono; não pode exercer o serviço em trinta dias; e<br />

finalmente quanto ao valor <strong>do</strong>s danos causa<strong>do</strong>s que arbitraram em duzentos mil reis. E são<br />

estas as declarações que em sua consciência e debaixo <strong>do</strong> juramento presta<strong>do</strong> tem a fazêr 76 .<br />

A relação de verdade constitutiva de uma ordem discursiva lógica em sua<br />

forma jurídica já se estabelece no Auto de Exame de Corpo Delito por duas<br />

verificações. A primeira diz respeito à condição <strong>do</strong>s peritos na condição de médicos<br />

e especialistas, detentores de um saber capaz de emitir um mapeamento da agressão;<br />

e a segunda de que eles o fazem sob juramento e “consciência”, ou seja, estão ao<br />

fazer seu trabalho sob o signo <strong>do</strong> juramento consciente sob pena de incorrer em<br />

crime de falso testemunho. Esse segun<strong>do</strong> ponto talvez assuma uma importância mais<br />

que significativa na construção <strong>do</strong> principal mecanismo discursivo e estrutural de<br />

uma lógica de verdade e psicologia <strong>do</strong> depoente em consciência da importância e<br />

gravidade de seus atos e palavras, sen<strong>do</strong> que as conseqüências <strong>do</strong>s mesmos lhe são<br />

colocadas subjudice.<br />

Ainda na Delegacia, como é de praxe, os envolvi<strong>do</strong>s são ouvi<strong>do</strong>s uma<br />

primeira vez. Abre-se um Auto de perguntas ao “offendi<strong>do</strong>” e aos “accusa<strong>do</strong>s”.<br />

Joaquim Félix (“offendi<strong>do</strong>”), quan<strong>do</strong>:<br />

pergunta<strong>do</strong> qual seu nome, edade, esta<strong>do</strong>, filiação, naturalidade e profissão. Respondeu<br />

chamar-se Joaquim Felix Rodrigues <strong>do</strong>s Santos, com desoito anos de edade, solteiro, filho<br />

de Luiz Felix, natural <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul, jornaleiro. Pergunta<strong>do</strong> como se tinha passa<strong>do</strong><br />

o facto em que sahiu o offendi<strong>do</strong>. Respondeu que no dia quinze <strong>do</strong> corrente pela tarde<br />

achava-se em casa de moradia de Pacifico de Pinto Lima ajudan<strong>do</strong> a assignalar uns porcos<br />

76 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.5.<br />

41


quan<strong>do</strong> foi agredi<strong>do</strong> a rabo de tatu por Pacifico de Pinto Lima e seu filho José de Pinto<br />

Lima, que também se achava presente, que ten<strong>do</strong> José descarrega<strong>do</strong> uma pancada com o<br />

rabo de tatu, ele depoente, levou o braço para defender-se o que occasionou o<br />

destroncamento <strong>do</strong> punho. Ele atribuiu o facto da agreção ao motivo de ter i<strong>do</strong> elle depoente<br />

em casa de João de Quadros que é desafeto de Pacifico. E como nada mais lhe foi<br />

pergunta<strong>do</strong> nem respondi<strong>do</strong>, assigna o presente auto o cidadão João Dario Pacheco, por não<br />

saber elle escrever, depois de lhe ser li<strong>do</strong> e acha<strong>do</strong> conforme, o qual vai também assigna<strong>do</strong><br />

pelo Delega<strong>do</strong> Lýdio Albuquerque; de que tu<strong>do</strong> <strong>do</strong>u fé. Eu Pedro Augusto Car<strong>do</strong>so, o<br />

escrivão o escrevi 77 .<br />

Esta é a versão <strong>do</strong> agredi<strong>do</strong> Joaquim Félix e que assumirá corpo e densidade<br />

ao longo <strong>do</strong> processo. Por hora, o que se sobressai destas afirmações é que a<br />

denúncia e a agressão estão, separadas por quase dez dias. O segun<strong>do</strong> da<strong>do</strong><br />

importante é de que Joaquim Félix estaria “ajudan<strong>do</strong> assignalar uns porcos” quan<strong>do</strong><br />

ocorre a agressão, ou seja, estava trabalhan<strong>do</strong> para Pacifico; observe-se que o<br />

agredi<strong>do</strong> denomina-se jornaleiro (trabalha<strong>do</strong>r por jornada). O terceiro da<strong>do</strong><br />

importante é a causa da agressão afirmada por Joaquim: a ida dele a casa de um<br />

“desafeto” de Pacifico.<br />

Esse terceiro da<strong>do</strong> entra em conformidade com parte da argumentação <strong>do</strong><br />

Adjunto de promotor na denúncia feita junto ao Juiz Municipal.<br />

O Adjunto de Promotor Público deste Município, usan<strong>do</strong> suas atribuições que a lei confere,<br />

vem perante V.S. denunciar aa Pacifico Pinto de Lima, brazileiro, casa<strong>do</strong>, cria<strong>do</strong>r, residente<br />

neste Município e a José Pinto de Lima, brazileiro, saca<strong>do</strong>, agricultor, residente neste<br />

Município, pelo crime que passa a expor:<br />

Constantes são os boatos de desordens praticadas pelos denuncia<strong>do</strong>s, sem que, entretanto,<br />

tivessem eles de comparecer em juízo, se bem que, já ti<strong>do</strong>s no conceito publico como<br />

homens violentos.<br />

Hoje, porem, cabe a esta Promotoria em cumprimento de seus deveres, denuncial-os, por<br />

terem segun<strong>do</strong> se vê <strong>do</strong> inquérito junto produzi<strong>do</strong> na pessoa de Joaquim Felix Rodrigues<br />

<strong>do</strong>s Santos com um chicote “rabo de tatu”, o ferimento que se acha descrito no auto de<br />

corpo delicto de fls (ferimentos grandes).<br />

Da prova testemunhal consta que, o denuncia<strong>do</strong> Pacifico Pinto de Lima por diversas vezes<br />

tem procedi<strong>do</strong> violentamente com algumas pessoas, citan<strong>do</strong> dentre elas, o nome de Manoel<br />

Bonifácio carneiro, então negociante n’esta Vila 78 .<br />

77 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.7.<br />

78 Idem, ibidem, p.2.<br />

42


A fundamentação da denúncia <strong>do</strong> Adjunto de Promotor (Ernesto de Araújo<br />

Góes), baseia-se inicialmente nos “boatos” que a justiça (instrumento: autoridades,<br />

magistra<strong>do</strong>s etc.) deve (e é seu dever enquanto Promotor), averiguar em nome da<br />

ordem e da própria justiça (no senti<strong>do</strong> de dar a cada um o que lhe é de direito), e se<br />

for a situação aplicar a lei (instrumento máximo de normalização e de vida). Tais<br />

boatos devem ser postos sob investigação jurídica de verdade e aplicação da punição<br />

– que segun<strong>do</strong> o promotor – deve acontecer pelas provas de que ele efetivamente<br />

agrediu Joaquim Félix (e o Auto de Corpo Delicto comprovaria esse argumento), e<br />

que o comportamento (detalhe para que apenas Pacifico é cita<strong>do</strong>), de Pacifico é<br />

desordeiro e violento “com algumas pessoas”.<br />

Denúncia feita, o próximo passo é a inquirição das testemunhas, ao to<strong>do</strong> sete<br />

são solicitadas pelo Promotor. Essa “fase” <strong>do</strong> processo se inicia em 27/02 (três dias<br />

após a queixa na delegacia). A Primeira testemunha (“informante”) é:<br />

Severiano Barbosa de Oliveira, com trinta annos de edade, casa<strong>do</strong>, lavradôr, natural <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> de Santa Chatharina residente neste termo, não sabe ler nem escrever, e aos<br />

costumes disse nada testemunha que ten<strong>do</strong> presta<strong>do</strong> o comprisso da lei prometeu dizer a<br />

verdade <strong>do</strong> que soubesse e lhe fosse pergunta<strong>do</strong>, e sen<strong>do</strong> inqueri<strong>do</strong> sobre o facto constante<br />

na portaria de folhas duas, que lhe foi lida Disse 79 : que no dia quinze <strong>do</strong> corrente mêz, pela<br />

tarde estava em sua casa quan<strong>do</strong> ali chegou o offendi<strong>do</strong>, appresentan<strong>do</strong> um braço<br />

destronca<strong>do</strong> e lhe disse, que, estan<strong>do</strong> a ajudar aos accusa<strong>do</strong>s a assignalar uns porcos, estes<br />

sem motivo plausível, pois entre elles não havia ti<strong>do</strong> discussão de espécie alguma, foi<br />

rapidamente aggredi<strong>do</strong> a relho e a rabo de tatu pelos accusa<strong>do</strong>s pacífico Pinto de Lima e seu<br />

filho Jose, que para defender-se levantou obraço direito; que o offendi<strong>do</strong> contou-lhe mais<br />

que ao saltar a cerca para escapar-se Jose Pinto de Lima saccou <strong>do</strong> revolver com o intuito<br />

de atiral-o, o que não levou a effeito devi<strong>do</strong> a intervenção da mulher <strong>do</strong> mesmo José 80 .<br />

79 Essa estrutura discursiva se manterá durante toda inquirição das testemunhas, ela é condição<br />

suficiente e indispensável para que se afirme a legitimidade daquilo que o <strong>do</strong>ente estará afirman<strong>do</strong>,<br />

sen<strong>do</strong> que pode-se atribuir a essa estrutura discursiva a mesma função <strong>do</strong> encerramento de to<strong>do</strong><br />

depoimento onde basicamente e com pouca ou nenhuma alteração o seguinte: “E como nada mais<br />

disse nem lhe foi pergunta<strong>do</strong>, deu-se por fin<strong>do</strong> seu depoimento que depois de lhe sêr li<strong>do</strong> e acha<strong>do</strong><br />

conforme o assigna o Cidadão (...), por não saber lêr nem escrevêr, com o Delega<strong>do</strong>, <strong>do</strong> que tu<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>u fé! Eu Pedro Augusto Car<strong>do</strong>so, o Escrivão o escrevi”. Essa estrutura sofre pequena alteração no<br />

caso <strong>do</strong> depoente saber ler e escrever. Observe-se que a validade <strong>do</strong> depoimento realizada é<br />

afirmada pela presença das autoridades e de sua conformidade com o méto<strong>do</strong>, a forma e as<br />

condições com que o depoente declarou o seu conhecimento e sua opinião dentro da “objetividade”<br />

da pergunta que lhe foi feita.<br />

80 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>. p.10-11.<br />

43


Essa primeira inquirição das testemunhas tem em vista o estabelecimento das<br />

condições gerais <strong>do</strong> acontecimento em questão, através da percepção mais imediata<br />

<strong>do</strong> fato. Para a análise e compreensão desses primeiros depoimentos é importante<br />

que se sobressaia a descrição individual de cada depoente, já cada uma dessas<br />

discursividades constituirá o maior peso na construção da verdade <strong>do</strong> processo,<br />

conseqüentemente interferin<strong>do</strong> no seu curso e no seu fechamento advin<strong>do</strong> com a<br />

sentença <strong>do</strong> Juiz. Além <strong>do</strong> mais, cada uma dessas “intervenções” poderá acrescentar<br />

ou não elementos para as hipóteses e possibilidades em torno das relações de poder<br />

estabelecidas entre a estrutura social e perpassan<strong>do</strong> a forma jurídica de<br />

funcionamento e sua aplicabilidade.<br />

A segunda testemunha, “João de Oliveira Vianna com quarenta e cinco annos<br />

de edade, viúvo, lavradôr, natural e residente neste Município, saben<strong>do</strong> lêr e<br />

escrevêr (...)” 81 ; feita a apresentação a segunda testemunha afirma o que segue:<br />

(...) no dia desesseis <strong>do</strong> corrente mez, chegou em sua casa, Severiano Barbosa de Oliveira<br />

em companhia <strong>do</strong> offendi<strong>do</strong> e contou a elle depoente que Pacifico Pinto Lima e seu filho<br />

José haviam aggredi<strong>do</strong> a Joaquim Felix a chicote e rabo de tatu provocan<strong>do</strong> no mesmo o<br />

destroncamento <strong>do</strong> punho <strong>do</strong> braço direito; que elle depoente não teve ocasião de ver o<br />

offendi<strong>do</strong>. Que sabe não ser a primeira vez, que Pacifico Pinto de Lima e seus filhos<br />

provocaram turbulências, ten<strong>do</strong> já por diversas vezes espanca<strong>do</strong> outras pessoas inclusive<br />

Manoel Bonifácio Carneiro, que foi espanca<strong>do</strong> por Pacifico no recinto desta Villa 82 .<br />

A reputação de desordem e violência evocada pelo Promotor na denúncia<br />

contra os acusa<strong>do</strong>s encontra no depoimento de João de Oliveira Vianna respal<strong>do</strong>, já<br />

que não seria a primeira vez que Pacifico teria agredi<strong>do</strong> alguém. A terceira<br />

testemunha, Joaquim Norberto Ferreira, “quarenta e cinco annos de edade,, viúvo,<br />

81 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.11.<br />

82 Idem, ibidem, p.11.<br />

44


natural e residente neste município, não saben<strong>do</strong> lêr nem escrevêr, lavradôr (...)” 83 ,<br />

traz um detalhe a mais a trama afirman<strong>do</strong> “que no dia desesseis <strong>do</strong> corrente mêz,<br />

soube que, Pacifico de Pinto Lima e seu filho José haviam manda<strong>do</strong> chamar<br />

Severiano Barbosa de Oliveira e como este estivesse na roça, Joaquim Félix<br />

Rodrigues <strong>do</strong>s Santos foi atender o chama<strong>do</strong>, sen<strong>do</strong> nesta occasião aggredi<strong>do</strong> pelos<br />

accusa<strong>do</strong>s que lhe produsiram o ferimento que appresenta”. Além, <strong>do</strong> fato de que ele<br />

“soube que”, o que certamente não poderem saber é como ele soube e em que<br />

condições soube <strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong>, tem-se que seu depoimento de certo mo<strong>do</strong><br />

complementa e se encaixa com o da quarta testemunha: João Bueno de Quadros,<br />

“com quarenta e três annos de edade, casa<strong>do</strong>, lavradôr, residente neste município,<br />

não sabe lêr nem escrevêr(...)” 84 , e que, “(...) disse que sabe que Severiano Barbosa<br />

de Oliveira e Joaquim Félix de Oliveira <strong>do</strong>s santos, retiraram-se de agrega<strong>do</strong>s de<br />

Pacifico Pinto de Lima ignoran<strong>do</strong> porem qual o motivo da retirada <strong>do</strong>s mesmos” 85 .<br />

Peça importante surge com esse depoimento. Percebemos que pode haver uma<br />

relação especifica entre Pacifico e os offendi<strong>do</strong>s Joaquim Félix e Severiano (que é<br />

casa<strong>do</strong> com a mãe de Joaquim Félix). Eles eram agrega<strong>do</strong>s de Pacifico. A relação<br />

estabelecida é de trabalho e de obrigação. Qual o motivo que os fez se retirarem da<br />

propriedade de Pacifico? As imposições, cobranças e violência? Ou mesmo a<br />

exploração <strong>do</strong> seu trabalho? Ou ainda outro motivo qualquer que desconhecemos?<br />

A quinta e última testemunha deste primeiro inquérito, João Ribeiro das<br />

Chagas, “(...) com trinta e oito annos de edade, casa<strong>do</strong>, natural deste Esta<strong>do</strong>,<br />

commerciante residente neste Município sabe lêr e escrevêr (...)” 86 , afirma apenas<br />

que, “(...) em dias deste mêz, que não se recorda passou em sua casa o offendi<strong>do</strong><br />

Joaquim Félix <strong>do</strong>s Santos appresentan<strong>do</strong> um sinal no rosto e um braço machuca<strong>do</strong> e<br />

que lhe disse ter si<strong>do</strong> aggredi<strong>do</strong> por Pacifico Pinto de Lima e seu filho José Pinto de<br />

83 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.11.<br />

84 Idem, Ibidem, p.12.<br />

85 Idem, ibidem, p.12.<br />

86 Idem, ibidem, p.13.<br />

45


Lima” 87 . Após os depoimentos iniciais advém o relatório <strong>do</strong> delega<strong>do</strong> de<br />

imprescindível importância dentro da lógica interna <strong>do</strong> processo.<br />

Do presente relatório consta que, no dia 15 <strong>do</strong> corrente pela tarde, Pacifico Pinto de Lima e<br />

seu filho José Pinto de Lima conseguiram attrahir a sua moradia ao offendi<strong>do</strong> Joaquim Felix<br />

Rodrigues <strong>do</strong>s santos, naturalmente de caso pensa<strong>do</strong> para fugirem as vistas de testemunhas,<br />

e o aggrediram a – chicote produzin<strong>do</strong>-lhe lesão descripta no auto de corpo de delicto de<br />

folhas duas. Pelo depoimento da testemunha João de Oliveira Vianna, deduz-se que o<br />

accusa<strong>do</strong> Pacífico de Pinto Lima, já por outras vezes tem procedi<strong>do</strong> de forma mais ou<br />

menos idêntica e como os accusa<strong>do</strong>s tenham incorri<strong>do</strong> no artigo 304 <strong>do</strong> Código Penal da<br />

República, o Escrivão faça remessa destes autos ao Senhor Adjunto de Promotor Público<br />

deste Termo, por intermédio <strong>do</strong> Meritíssimo Senhor Juiz Municipal em exercício, para fins<br />

de direito 88 .<br />

Voltamos ao começo <strong>do</strong> processo tramitante nos moldes tradicionais da<br />

justiça. Voltamos à denúncia <strong>do</strong> Promotor e a partir de agora toda uma verdade<br />

baseada em provas e evidências transcorrera sobre um fio tenso que condensa em si<br />

a disputa entre defesa e acusação, para uma finalidade posta: culpa<strong>do</strong> ou inocente;<br />

verdade e mentira são postas em termos práticos pela investigação jurídica. Na<br />

defesa é solicita<strong>do</strong> que se conceda “poderes especiais e gerais para acompanhar<br />

to<strong>do</strong>s os termos da acção criminal” a Luiz Loureiro de Go<strong>do</strong>y Mello, “brasileiro,<br />

casa<strong>do</strong>, commerciante, residente nesta Villa”. Da parte <strong>do</strong> “offendi<strong>do</strong>” é escolhi<strong>do</strong><br />

seu “perceptor” Severiano Barboza de Oliveira.<br />

A partir de dezesseis de março de mil novecentos e vinte, se inicia a segunda<br />

seqüência de inquérito as testemunhas. Agora inquiridas não pelo Delega<strong>do</strong>, mas<br />

pelo suplente de Juiz Doutor Antonio Ribeiro de Brito na presença <strong>do</strong> escrivão, e <strong>do</strong><br />

defensor, Luiz loureiro de Go<strong>do</strong>y Mello. Nesta segunda seqüência de inquirição se<br />

intensifica a subjetividade de cada testemunha no que se refere primeiro ao que sabe<br />

sobre os envolvi<strong>do</strong>s sua reputação e seu comportamento, e secundariamente alguns<br />

outros aspectos como trabalho e relações sociais e de sociabilidades <strong>do</strong>s envolvi<strong>do</strong>s<br />

87 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.13.<br />

88 Idem, ibidem, p.14.<br />

46


com vizinhos, comunidade etc., ten<strong>do</strong> em vista, obviamente, a afirmação ou não da<br />

reputação de “violentos” <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, a primeira testemunha João de Oliveira Vianna, em sue<br />

depoimento contradiz quase que totalmente o que havia afirma<strong>do</strong> em seu primeiro<br />

depoimento. Agora ele afirma que, “(...) há muito conhece os denuncia<strong>do</strong>s e sabe ter<br />

elles boa conduta social que não conhece Joaquim Félix <strong>do</strong>s Santos senão há pouco<br />

tempo, não poden<strong>do</strong> assim informar sobre o comportamento d’ella” 89 . Adiante é<br />

dada a palavra ao defensor <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s que requere que se pergunte a testemunha<br />

se é vizinho <strong>do</strong>s denuncia<strong>do</strong>s e há quantos annos e se durante este tempo teria visto<br />

os denuncia<strong>do</strong>s espancarem alguém, ou se a sua família teria já si<strong>do</strong> desacatada<br />

pelos denuncia<strong>do</strong>s. Respondeu que, “a seis annos reside a duas léguas de distância<br />

<strong>do</strong>s denuncia<strong>do</strong>s; e durante este espaço de tempo não vira os mesmos denuncia<strong>do</strong>s<br />

espancarem pessoa alguma em tão pouco ella testemunha fora com sua família<br />

espanca<strong>do</strong>s ou desacata<strong>do</strong>s pelos denuncia<strong>do</strong>s” 90 . É um outro depoimento que se<br />

modifica substancialmente, antes João de Oliveira Vianna afirmara que sabia não ser<br />

a primeira vez que Pacifico e seu filho haviam provoca<strong>do</strong> “turbulências” e que já<br />

haviam “por diversas vezes espanca<strong>do</strong> outras pessoas”. Um detalhe importante é o<br />

da distancia que a testemunha mora em relação ao acusa<strong>do</strong>, duas léguas,<br />

aproximadamente treze quilômetros. Se acontecesse de Pacifico cometer qualquer<br />

ato contra outrem seria possível que João de Oliveira Vianna visse ou ouvisse<br />

alguma coisa? Até que ponto seu testemunho poderia, mesmo sen<strong>do</strong> contraditória ao<br />

primeiro e questionável, assumir valor dentro <strong>do</strong> processo?<br />

A segunda testemunha, João Bueno de Quadros, não se contradiz como João<br />

de Oliveira Vianna, no caso deste surge uma informação inédita ate então. João<br />

Bueno de Quadros reafirma a imagem de boa conduta <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s, e ao responder<br />

a pergunta <strong>do</strong> defensor, surge em elemento muito importante para a defesa <strong>do</strong>s<br />

denuncia<strong>do</strong>s posteriormente. Luiz Loureiro Go<strong>do</strong>y de Mello solicita que se pergunte<br />

89 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.22.<br />

90 Idem, ibidem, p.23.<br />

47


a testemunha “se existe ou existiu entre elles e os denuncia<strong>do</strong>s alguma desafeição ou<br />

inimisade e se sabe se os denuncia<strong>do</strong>s tem ganho fortuna com o seu trabalho onde<br />

residem, ao que a testemunha respondeu que ella testemunha não era desaffecta <strong>do</strong>s<br />

denuncia<strong>do</strong>s e que sabe que os denuncia<strong>do</strong>s tem ganho fortuna com o seu<br />

trabalho” 91 . Aqui já se vislumbra um <strong>do</strong>s principais argumentos posteriores da<br />

defesa que se baseia nesse ganho de fortuna, nessa prosperidade pelo trabalho de<br />

Pacífico.<br />

A terceira testemunha traz algumas importantes afirmações para a<br />

constituição de algumas hipóteses de extrema qualificação na constituição da relação<br />

entre a constatação de que a violência é ou não praticada por Pacífico e seu filho. No<br />

depoimento de Severiano Barbosa de Oliveira, destaca-se a afirmação de que<br />

Joaquim Félix era empreiteiro <strong>do</strong>s denuncia<strong>do</strong>s 92 , e ainda que;<br />

não sabe de nenhuma testemunha occular <strong>do</strong> facto criminoso; que Joaquim Norberto e<br />

Francisco Nunes, se queixaram que os dennuncia<strong>do</strong>s detioraram suas roças e mal trataram<br />

sua criação de porcos, que, não sabe ou não conhece na circunvisinhança pessoas outras<br />

espancadas pelos denuncia<strong>do</strong>s, saben<strong>do</strong> porem que no logar Villa Nova deste termo mora<br />

um tal Tavares que elle testemunha não conhece mas sabe ter si<strong>do</strong> mesmo espanca<strong>do</strong> pelos<br />

dennuncia<strong>do</strong>s por lhe ter dito a ella testemunha os mesmos dennuncia<strong>do</strong>s 93 .<br />

A saída da defesa para esta basilar e incisiva declaração de Severiano se<br />

concentra na seguinte insinuação:<br />

Dada a palavra ao defensor <strong>do</strong>s accusa<strong>do</strong>s, por elle foi requeri<strong>do</strong> que se perguntasse à<br />

testemunha se Joaquim Felix é filho de sua mulher e quantos annos tem se vive debaixo <strong>do</strong><br />

seu pátrio poder, quem fez a queixa e indicou as testemunhas a autoridade e quanto os<br />

dennuncia<strong>do</strong>s maltrataram a criação de Nunes e Joaquim Norberto e bem assim as<br />

plantações por elles detioradas; a o que a testemunha respondeu que a a victima é filho de<br />

sua mulher Maria Theo<strong>do</strong>ra e conta com sete annos de edade e há seis annos vive sobre o<br />

pátrio poder delle depoente, que fora elle testemunha que fizera a queixa <strong>do</strong> facto criminoso<br />

e as testemunhas foram indicadas ao Delega<strong>do</strong> de Policia Poe elle depoente, que à seis<br />

91 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>, p.25.<br />

92 Idem, ibidem, p.26.<br />

93 Idem, ibidem, p.26.<br />

48


annos mais ou menos foi quan<strong>do</strong> o dennuncia<strong>do</strong> Pacífico maltratou a criação de Joaquim<br />

Norberto e <strong>do</strong>is annos quan<strong>do</strong> detiorou as roças de Chico Nunes 94 .<br />

Eis aí mais um forte argumento que constituirá o ataque da defesa sobre os<br />

ofendi<strong>do</strong>s. A hipótese, ou melhor, dizen<strong>do</strong>, a tese que a defesa buscará sustentar terá<br />

uma de seus pontos principais no fato de que a principal testemunha é diretamente<br />

liga<strong>do</strong> à vítima. A vítima é filho de sua mulher; o que ele sabe, sabe somente por<br />

ouvir dizer que envolve o “ficar saben<strong>do</strong>” e que judicialmente não se sustenta por<br />

não possuir a prova jurídica, elemento que pode anular uma sentença. A quarta<br />

testemunha – Laurin<strong>do</strong> Pinheiro Guarita – apenas afirma esse fio condutor que<br />

interliga todas as testemunhas: elas apenas “ficaram saben<strong>do</strong>” ou “ouviram dizer” o<br />

que aconteceu, ninguém viu e o fator autóptico está ausente. Apenas evidencias e<br />

uma luta discursiva em torno da possibilidade <strong>do</strong> crime pelas opiniões testemunhais<br />

ao que se refere ao comportamento <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s. A prova jurídica se situa apenas<br />

tangenciada pela sua indução consensual <strong>do</strong> depoimento testemunhal. A relação de<br />

dubiedade e de incerteza nas afirmações acaba por somar pontos a defesa sen<strong>do</strong> que<br />

o processo é inicia<strong>do</strong> pela denúncia, o denunciante através da justiça, deverá provar<br />

que está certo, que possui razão bastante para exigir a punição <strong>do</strong>s criminosos. No<br />

entanto, o terreno <strong>do</strong> possível não é condição única para a verdade jurídica. Dessa<br />

forma, Laurin<strong>do</strong> Pinheiro (quarta testemunha), apenas afirma que ficou saben<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />

aconteci<strong>do</strong> por que a vítima lhe disse, e que não lhe consta que os denuncia<strong>do</strong>s<br />

sejam de mau procedimento, nem tão pouco Joaquim Félix. Esses quatro<br />

depoimentos acontecem em 16 de março.<br />

O processo passa por uma série de entraves na localização e intimação de<br />

testemunhas, sen<strong>do</strong> que, apenas no dia quatorze de maio a quinta e sexta<br />

testemunhas prestarão seus depoimentos. Antes disso, porém, em sete de abril de mil<br />

novecentos e vinte Luiz Loureiro de Go<strong>do</strong>y, defensor <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s envia <strong>do</strong>cumento<br />

ao Juiz Municipal, onde manipulan<strong>do</strong> os diversos códigos jurídicos e interpretan<strong>do</strong>-<br />

94 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime...Idem,<br />

ibidem, p.26-27.<br />

49


os a seu mo<strong>do</strong> ele esforça-se para travar o andamento <strong>do</strong> processo. Seus argumentos<br />

são os seguintes:<br />

1º que no auto de corpo delicto foi arbitra<strong>do</strong> valor danno causa<strong>do</strong> a suposta victima. 2º que<br />

a queixa foi feita por Severiano Barboza de Oliveira, ainda que verbalmente, mas, instruiu-a<br />

conforme sua afirmativa em denuncia deste juízo, pela qual tornou-se pessoa competente;<br />

constituiu advoga<strong>do</strong> para promover tu<strong>do</strong> quanto de direito lhe fosse permiti<strong>do</strong>. 3º que,<br />

Severiano Barboza de Oliveira assim, poden<strong>do</strong>, presumiu-se autor da causa, promoven<strong>do</strong><br />

uma acção reipersicutoria (entre os Romanos Lei aquilia). Procuran<strong>do</strong> desfarçadamente<br />

demandar, não uma acção crime, mas uma acção toda civil, como bem definiu Corrêa<br />

Telles, Doutrina das Acções § 438 nota 1 e 1 (a). 4º que tu<strong>do</strong> o sumario si<strong>do</strong> promovi<strong>do</strong> na<br />

forma <strong>do</strong> artigo 408 <strong>do</strong> Código Penal da República, ultrapassou em delonga ao estatuí<strong>do</strong> em<br />

lei, sem que, com tu<strong>do</strong> transparecesse o menor indicio de criminalidade aos accusa<strong>do</strong>s. 5º<br />

que sen<strong>do</strong> uma acção toda cumulativa conforme Direito <strong>do</strong>s Decretais, Corrêa Telles,<br />

ensina, em a Doutrina das Acções § 457 nota 2 e2 9 a ), que primeiro se deve conhecer da<br />

civil, por independêr da acção criminal, não se cumula a acção criminal a civil. E como<br />

sen<strong>do</strong> uma acção de natureza prevista pela n.I <strong>do</strong> artigo 205, combina<strong>do</strong> com a primeira<br />

parte <strong>do</strong> n.I <strong>do</strong> artigo 210, o supplicante pede a V.S. que seja ao autor lança<strong>do</strong> da accusação,<br />

por ter deixa<strong>do</strong> corrêr a revelia, e julgada perempta a acção, depois mandar juntas a presente<br />

aos autos 95 .<br />

É de se pôr em relevo a habilidade visível <strong>do</strong> defensor <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s. Ele<br />

manipula muito bem a sintaxe própria de um advoga<strong>do</strong>. O Sr. Luiz Go<strong>do</strong>y utiliza<br />

uma estratégia muito peculiar e comum no universo <strong>do</strong> direito. Ele aponta supostas<br />

irregularidades na ação movida contra Pacífico nos termos da lei. Cruzan<strong>do</strong> Código<br />

Civil e Penal o defensor arrola cinco questões que invalidariam o processo, todas<br />

versan<strong>do</strong> sobre a falha de natureza no processo e ainda, salientan<strong>do</strong> nos primeiros<br />

itens que Severiano Barboza de Oliveira autor da queixa fez-se advoga<strong>do</strong> da vítima,<br />

transportou “disfarçadamente” a ação <strong>do</strong> âmbito penal para o civil, além de que a<br />

ação ten<strong>do</strong> ultrapassa<strong>do</strong> o prazo estabeleci<strong>do</strong> por lei <strong>do</strong>nde não se comprovou<br />

nenhum indício de criminalidade. A argumentação é coerente e de extrema<br />

importância, como verificaremos, em sua última cartada ao final <strong>do</strong> processo e<br />

encontra pontos tangenciais na própria sentença <strong>do</strong> Juiz.<br />

Segue-se mais de um mês <strong>do</strong> dia que o defensor <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s solicitou que se<br />

juntasse aos autos suas considerações (7/abril/<strong>1920</strong>), até o dia em que o Juiz solicita<br />

95 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>. p.32.<br />

50


que se intimem Francisco Faria Sobrinho, João Ribeiro Chagas e Joaquim Norberto<br />

Ferreira, sen<strong>do</strong> que apenas o primeiro deveria depor. Na data determinada<br />

(14/maio/<strong>1920</strong>), “Francisco Faria Sobrinho com edade de trinta <strong>do</strong>is annos, casa<strong>do</strong>,<br />

cria<strong>do</strong>r residente neste Município, saben<strong>do</strong> ler e escrever (...)” 96 , afirmou que:<br />

(...) vira já não se recorda <strong>do</strong> tempo o paciente em Villa Nova deste termo lhe disen<strong>do</strong> elle<br />

que se achava machuca<strong>do</strong>, não poden<strong>do</strong> ella testemunha informar-se se os machucões eram<br />

muitos porque a victima estava com a mão enrolada na tipóia, que não sabe ingormar se os<br />

taes machucões deram logar a deformidade da mão da victima, saben<strong>do</strong> que ella estava se<br />

moven<strong>do</strong> ou andan<strong>do</strong> perfeitamente. Que não ouviu dizer quem foi autor de taes<br />

machucões, que não sabe que é operário Joaquim Felix Rodrigues, sim que elle trabalha<strong>do</strong>r<br />

rural, que não sabe informar quanto á sua conducta, que para elle testemunha os<br />

denuncia<strong>do</strong>s tem boa conducta civil, não poden<strong>do</strong> informar de sua conducta contra outros<br />

ou contra a sociedade, que quanto aos actos de violências praticadas pelo denuncia<strong>do</strong><br />

Pacifico Pinto Lima com relação a Bonifácio Carneiro, de que allega a Promotoria na<br />

denuncia não sabe informar porque não se achava presente naquella epocha 97 .<br />

Seu posicionamento é de neutralidade. Diz não se recordar. Francisco Farias<br />

Sobrinho mora em Villa Nova e se Pacífico trabalhava lá, contratava caboclos e<br />

exercia seu poder é bem provável que esta testemunha tenha si<strong>do</strong> coagida a manter<br />

esta postura. Talvez me<strong>do</strong>, talvez imposição, ou até mesmo ameaça. Por certo que a<br />

pergunta solicitada que se fizesse a testemunha pelo defensor é emblemática:<br />

Dada a palavra ao Adjunto <strong>do</strong> Promotor, por elle nada foi requeri<strong>do</strong>, dada a palavra aos<br />

dennuncia<strong>do</strong>s na pessôa de seu defensôr, por elle foi requeri<strong>do</strong> que se fizesse a testemunha<br />

a pergunta seguinte: se sabe se Joaquim feliz Rodrigues e Severiano Rodrigues constituíram<br />

advoga<strong>do</strong> para pleitear indenisação pelos ferimentos que diz aquelle ter recebi<strong>do</strong>, o que<br />

deferi<strong>do</strong> pelo Juiz a testemunha disse não sabêr 98 .<br />

Esta suposição <strong>do</strong> defensor <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s perpassa praticamente to<strong>do</strong> o<br />

processo como se fosse uma tese a ser confirmada e que acabará por se confirmar,<br />

não deixa de ser uma estratégia de afirmação e legitimação de uma verdade que se<br />

quer estabelecer e se confirmar. A sexta testemunha – João Ribeiro das Chagas –<br />

96 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>. p.37.<br />

97 Idem, ibidem, p.37-38.<br />

98 Idem, ibidem, p. 38.<br />

51


com trinta e oito anos, casa<strong>do</strong>, comerciante, saben<strong>do</strong> ler e escrever, mantém uma<br />

postura muito semelhante a de Francisco Faria: “neutralidade”. Mas em sua fala se<br />

destacam duas coisas. A primeira diz respeito ao machuca<strong>do</strong>s da vítima. João<br />

Ribeiro diz ter visto tais machuca<strong>do</strong>s e que eles “não deixariam deformidade na<br />

junta <strong>do</strong> braço” 99 e ainda que, “ella não esta <strong>do</strong>ente 100 ”, além de que segun<strong>do</strong> lhe<br />

consta a vítima tem bom comportamento assim como os acusa<strong>do</strong>s; e a segunda<br />

permeia a questão de Joaquim Félix estar trabalhan<strong>do</strong> para Pacífico porque ele<br />

testemunha não sabe se quan<strong>do</strong> aconteceu o “conflito vertente trabalhava em<br />

serviços pertencentes a Pacífico Pinto de Lima” 101 . Caberia a essa altura <strong>do</strong><br />

processo se questionar que o fato <strong>do</strong> padrasto de Joaquim Félix ter se torna<strong>do</strong> seu<br />

advoga<strong>do</strong>. Seria mesmo por interesse, ou pela falta de condições para contratar um?<br />

E por que motivo ele não faz pergunta alguma a nenhuma testemunha durante to<strong>do</strong><br />

processo? Isso se deve ao fato de não saber como se portar e agir em tal esfera de<br />

ação social que possui suas próprias regras? São questões importantes e de difícil<br />

resposta.<br />

Em seguida o Ajunto <strong>do</strong> Promotor solicitou que se desistisse da inquirição de<br />

uma testemunha (Joaquim Ferreira Norberto), principalmente por este estar moran<strong>do</strong><br />

em Santa Catarina. Logo após Pacífico e seu filho são interroga<strong>do</strong>s. Salienta-se nas<br />

suas falas que quan<strong>do</strong> pergunta<strong>do</strong>s sobre onde estariam no tempo em que se deu o<br />

crime, os <strong>do</strong>is dizem coisas muito parecidas, dizem que só souberam <strong>do</strong> aconteci<strong>do</strong><br />

quan<strong>do</strong> foram cita<strong>do</strong>s em suas roças. Aparentemente soa como se tivessem si<strong>do</strong> bem<br />

instruí<strong>do</strong>s por um advoga<strong>do</strong>, já que durante to<strong>do</strong> processo quan<strong>do</strong> se pronunciam<br />

demonstram estarem prepara<strong>do</strong>s para responderem aquilo que precisavam<br />

responder. Mantém uma coerência, não se equivocam nem contradizem, são claros e<br />

seus discursos se encaixam com toda movimentação de seu defensor.<br />

99 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime Idem,<br />

ibidem, p.39.<br />

100 Idem, ibidem, p.39.<br />

101 Idem, ibidem, p.39.<br />

52


O processo chega ao seu percurso final, o prazo para a sentença está se<br />

esgotan<strong>do</strong>. Há poucas ou nenhuma prova testemunhal, há sim indícios. Um último<br />

lance, uma última cartada seca e ligeira: Ernesto de Araújo Goés (Adjunto de<br />

Promotor) faz a seguinte requisição:<br />

Em vista das provas <strong>do</strong>s autos, opino pela condenação <strong>do</strong>s indicia<strong>do</strong>s como incursos nas<br />

penas <strong>do</strong> art. 300 <strong>do</strong> código Penal da republica. Clevelândia 15 de Maio de <strong>1920</strong>. O<br />

Adjunto de Promotor Publico.<br />

Ernesto de Araújo Goés 102 .<br />

Da<strong>do</strong> o lance e mostradas as cartas é a vez de extensamente se argumentar em<br />

favor da absolvição <strong>do</strong>s réus. Luiz loureiro de Go<strong>do</strong>y Mello (defensor) muito bem<br />

municia<strong>do</strong> e sem negligenciar palavras, categoricamente afirma o que se segue.<br />

Meretissimo Sr.Dr. Juiz Julga<strong>do</strong>r.<br />

Desde o primeiro lance de vista as muitas páginas que compõe estes autos, bem<br />

circunstanciada ficou a façanha vexatória da nova forma de conto <strong>do</strong> vigário, intenta<strong>do</strong> por<br />

Severiano Barboza que, começan<strong>do</strong> com uma queixa a Policia, teve como resulta<strong>do</strong>, o<br />

<strong>do</strong>cumento apreciável que se vê no mesmo, (...), a sensaboria d’uma comedia, sem origem,<br />

engendrada pelo menor Joaquim Felix Rodrigues, que representou no acto, papel de<br />

papagaio falante mal ensina<strong>do</strong>. O comparsa Severiano Barboza, que levantou a lebre, foi<br />

mais longe, promoven<strong>do</strong> accusação sem comtu<strong>do</strong> dar a triste tragédia, uma origem<br />

concebível e concludente.<br />

(...).<br />

De tu<strong>do</strong> o mais que <strong>do</strong>s autos consta, nem uma prova digna de sentença, existe contra os<br />

accusa<strong>do</strong>s, não passan<strong>do</strong> tu<strong>do</strong> de um Blaque em proveito próprio, da qual foram os<br />

protagonistas Severiano Barboza e seu entia<strong>do</strong> Joaquim Felix Rodrigues. Fácil é conjeturarse:<br />

não vai a tempos i<strong>do</strong>s, neste mesmo termo, houve uma utoridade que, quan<strong>do</strong><br />

engendrava suas maquiavélicas perseguições, espalhava a noticia de um crime; depois<br />

intimava-os seus ouvintes a comparecerem em audiências, e ahi interroga<strong>do</strong>s sobre o que<br />

ouviram dizer a respeito, tanto foi que um bello dia certa testemunha distinguiu-se<br />

declaran<strong>do</strong> só ter ouvi<strong>do</strong> daquella autoridade; eis o que se dá com o caso (...) Joaquim Felix<br />

Rodrigues aproveitan<strong>do</strong>-se de leves machucaduras, soube tira partin<strong>do</strong>, aludin<strong>do</strong> a boa fé de<br />

to<strong>do</strong>s os que ouviram sua narrativa, inclusive os peritos, bem fingin<strong>do</strong> o deslocamento <strong>do</strong><br />

punho da mão direita, deixan<strong>do</strong> porem a fragilidade da mentira, bme palpável, na parte que<br />

diz não haver o mesmo ignorar os motivos que originaram a aggressão de <strong>do</strong>is homens<br />

fortes e valentes contra um menor, que a pezar, teve a superioridade de lutar, e agarrar-se<br />

com uma só mão a cerca e uma fazenda de criar (que to<strong>do</strong>s sabem o que seja) escapan<strong>do</strong>-se<br />

a fúria <strong>do</strong>s aggressores. Que prodígio 103 !...<br />

102 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>. p.42.<br />

103 Idem, ibidem, p. 44.<br />

53


Depois dessa argumentação inicial que buscou desconstruir as<br />

indeterminações e incongruências nas narrativas cruzadas entre si. A retórica e<br />

persuasão são admiráveis extremamente sintonizadas com o perfil de um advoga<strong>do</strong><br />

profissional da área. Segue adiante a principal tese defendida por Luiz Loureiro.<br />

Segun<strong>do</strong> a qual:<br />

É inacreditável e no entanto procurou-se provar, isto-é o queixoso Joaquim Felix Rodrigues<br />

segunda<strong>do</strong> por seu pae a<strong>do</strong>ptivo, procurou dar a tela cores que a não possuía, para receber,<br />

depois de prova<strong>do</strong>, indenização que garantisse-os para o futuro contra a precisão ou<br />

necessidade de trabalhar, cujos boatos verídicos só a defeza teve conhecimento depois de<br />

inqueridas as testemunhas que disso têm sciencia (...) 104 .<br />

Tu<strong>do</strong> conspiran<strong>do</strong> contra os inocentes, cobiça<strong>do</strong>s pela avareza daqueles que<br />

desejavam se aproveitar de sua fortuna. Autoridades, peritos, boatos e a “marcha <strong>do</strong><br />

processo”. Tu<strong>do</strong> conspira em uma “trama” surreal para se tirar proveito de uma<br />

situação sem provas, de um processo contra inocentes. Um grande circo: essa é a<br />

imagem construída pela defesa, habilmente manipulada em nome de uma pretensão<br />

injusta e absurda. Um insulto à justiça.<br />

No dia seguinte (17/maio/<strong>1920</strong>) a esta última cartada da defesa, o Juiz<br />

pronuncia sua sentença. O Meritíssimo descreve o histórico <strong>do</strong> processo, seu início,<br />

suas causas, recorre aos códigos jurídicos, demonstran<strong>do</strong> autoridade e “notório saber<br />

de causa”, aos moldes da lei e <strong>do</strong> sistema de produção de uma verdade legitima<br />

apreensível ao senso comum. Em suas considerações específicas o Juiz argumenta<br />

que pela vítima ter falta<strong>do</strong> ao exame de sanidade <strong>do</strong> 31º dia após o aconteci<strong>do</strong>, podia<br />

se deduzir que esta já se encontrava boa. Sua segunda consideração versa sobre os<br />

depoimentos testemunhais que segun<strong>do</strong> o seu conceito não possuíram nenhuma<br />

prova de que o crime foi cometi<strong>do</strong> pelos acusa<strong>do</strong>s sen<strong>do</strong> ainda que em suas palavras,<br />

“não ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> prova<strong>do</strong> nenhum outro facto que desabamos <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vida<br />

particular delles e também para com a sociedade” 105 , sen<strong>do</strong> que, “portanto julgo<br />

104 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime...Idem,<br />

ibidem, p.44.<br />

105 Idem, ibidem, p.50.<br />

54


improcedente a denuncia <strong>do</strong> ministério publico para impronunciar sen<strong>do</strong> de facto<br />

impronuncia<strong>do</strong> tenho Pacifico Pinto de Lima e José Pinto de Lima, usan<strong>do</strong> das<br />

athribuições que confere o juiz (...)” 106 .<br />

No entanto, apesar dessas considerações, o que assume singular importância<br />

são as palavras iniciais <strong>do</strong> Juiz ao proferir sentença.<br />

O presente processo ultrapassou o prazo da lei para conclusão, por circunstancias<br />

insuperáveis. A razão de ser este termo judiciário, embora pouco povoa<strong>do</strong> ainda, mais tu<strong>do</strong><br />

aproximadamente uns cento e cincoenta qilometros de extensão, cuja extensão quase toda<br />

de certões e perigosos; termo que se confirma com o Esta<strong>do</strong> de santa Catharina e republica<br />

Argentina, dan<strong>do</strong> isso logar a imperiosas difficuldaades e demora em citação de<br />

testemunhas; realizan<strong>do</strong> por vezes o official de justiça, no praso de um mais antecessores no<br />

juiza<strong>do</strong> “verdadeiras caçadas de testemunhas”, e outros tantos embaraços que só em<br />

acontecer, concorrem para que a justiça por mais solicita e severa no cumprimento de seus<br />

deveres, não possa, infelizmente, dar uma marcha mais rápida na punição <strong>do</strong>s criminosos e<br />

repressão ao crime.<br />

É assim, que tenho o desprazer amargo de dizer, apezar de meus ingentes esforços em<br />

senti<strong>do</strong> contrário, este processo com mas de <strong>do</strong>is mezes de inicio, somente agora veio a<br />

ponto de ser nelle proferi<strong>do</strong> sentença 107 .<br />

Em sua “confissão” ao mesmo tempo reclamatória e justifica<strong>do</strong>ra, Antonio<br />

Ribeiro de Brito (juiz) põe à mostra as principais dificuldades encontradas<br />

efetivamente para o estabelecimento e funcionamento orgânico da justiça. Porém,<br />

uma camada muito sutil da sua fala e que de certo mo<strong>do</strong> perpassa e secciona em<br />

muitos pontos to<strong>do</strong> processo não se mostra inteira. A violência e os perigos da<br />

região não se dão necessariamente pela sua extensão, mas pela população e sua<br />

organização e suas relações nesse espaço, pouco e de forma mutilada gerencia<strong>do</strong> por<br />

uma aparelhagem que tenta se posicionar como gestora de uma ordem que destoa<br />

em muito <strong>do</strong> “consenso” de não agressão que pairava por sobre a cabeça <strong>do</strong>s vivos.<br />

Obviamente que o processo contra Pacifico e José (seu filho), demonstra a relação<br />

entre uma justiça (dita formal) que tenta se estabelecer esse “consenso”, esse status<br />

quo regula<strong>do</strong>r dessa sociedade a qual se constituiu historicamente através de uma<br />

normalização paralela e que passou a coexistir com esse aparelho formal repressivo<br />

106 COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA. Processo-crime contra<br />

Pacifico Pinto de Lima e José de Pinto Lima. <strong>1920</strong>. p.50.<br />

107 Idem, ibidem. p.49.<br />

55


e regula<strong>do</strong>r característico <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> (justiça). Em outras palavras, é a luta de uma<br />

justiça que busca naturalizar-se em uma sociedade organizada sobre o mesmo ou<br />

semelhante principio de direito, mas que se realizava, se praticava por outros meios<br />

por outras estratégias. É na ruptura desse “pacto consensual” de to<strong>do</strong>s para com<br />

to<strong>do</strong>s que muitas vezes não se escreve e não se diz, é que encontraremos pessoas<br />

recorren<strong>do</strong> à justiça formal – o que certamente pode ser o caso <strong>do</strong> processo contra<br />

Pacífico – por não possuir outra alternativa ou por não ter condições de responder na<br />

mesma moeda. É nesta relação – e a conclusão deste processo é exemplar nesse<br />

senti<strong>do</strong> – ou melhor, dizen<strong>do</strong>, na falha desta mudança de comportamento que agora<br />

recorrerá à justiça institucional (estatal), a qual expressa a vontade de justiça e a<br />

própria noção comum da “justiça cega”.<br />

Se o linchamento ocorreu, certamente foi um mecanismo de ruptura extrema<br />

de uma ordem em nome desta mesma ordem e mais intrinsecamente da noção de<br />

justiça, dessa vontade de direito insipiente. O fato de Pacifico ser lincha<strong>do</strong> se<br />

justifica pela atribuição de sua culpabilidade, em relação a este crime e outros, não<br />

ten<strong>do</strong> a justiça através de suas ferramentas e estratégias conseguin<strong>do</strong> puni-lo, por<br />

isto a população mesma o fará a seu mo<strong>do</strong>. Na sentença <strong>do</strong> Juiz ficam claras as<br />

dificuldades e a fragilidade desse sistema jurídico, ainda embrionário, e até mesmo<br />

rudimentar. Sua sofisticação demorará décadas para ocorrer e certamente que a<br />

fixação na população de uma imagem da região relacionada ao trabalho, ao povo<br />

pioneiro, corajoso e desbrava<strong>do</strong>r de uma terra rica, promissora e de paz, participou,<br />

senão diretamente, pelo menos nos subterrâneos da formação de um espírito de<br />

direito e de justiça. Porém, até a inscrição nos corpos de tais noções, a epígrafe usual<br />

nos processos destes tempos teria um senti<strong>do</strong> muito mais intenso <strong>do</strong> que apenas a<br />

função de nexo textual. É exatamente “debaixo das penas da lei”, nos subterrâneos<br />

<strong>do</strong> cotidiano dessa sociedade é que encontraremos Pacífico Pinto de Lima, suas<br />

ações, comportamentos e seu fúnebre destino.<br />

56


VIOLÊNCIA, JUSTIÇA E VINGANÇA: ENTRE A CÓLERA E O ÓDIO<br />

57<br />

A justiça é, portanto, retribuição e permuta na<br />

hipótese de um poder mais ou menos igual: é assim<br />

que na origem a vingança pertence ao <strong>do</strong>mínio da<br />

justiça, ela é uma permuta.<br />

Nietzsche. Humano, demasia<strong>do</strong> humano.<br />

Dir-se-á que to<strong>do</strong> saber está liga<strong>do</strong> a formas<br />

essenciais de crueldade.<br />

Michel Foucault, Doença Mental e Psicologia.<br />

Vimos até aqui como a violência no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> se constituiu e se<br />

relacionou com a sociedade que se estabelecia e se formava na região antes da<br />

efetiva atenção concedida por parte <strong>do</strong> governo <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> e da gradual aparelhagem<br />

judiciária na região. As conseqüências de tal relação fizeram com que a sociedade se<br />

organizasse de tal mo<strong>do</strong> que a violência passou a ser uma espécie de ferramenta de<br />

organização e controle <strong>do</strong>s excessos e das irregularidades. A questão que se coloca<br />

era a de que se não havia um órgão repressor, de que mo<strong>do</strong> uma irregularidade era<br />

determinada? A questão é apenas aparente porque os indivíduos dessa sociedade<br />

necessitavam de um mínimo de respeito para que esse grupo social se sustentasse,<br />

caso contrário, uma guerra de to<strong>do</strong>s contra to<strong>do</strong>s seria deflagrada. Desse mo<strong>do</strong> se, a<br />

violência era elemento de transgressão e ao mesmo tempo regulação <strong>do</strong> social, quais<br />

seriam os meios analíticos de se empreender um estu<strong>do</strong> sobre a violência na região?<br />

Sabe-se que em se tratan<strong>do</strong> de conhecimento histórico, qualquer definição<br />

não é capaz de esgotar um conceito. “Revolução” e “agitação”, no fun<strong>do</strong>, os<br />

historia<strong>do</strong>res sabem que a dimensão e especificidade de tais conflitos os tornam<br />

diferentes, mas qualquer tentativa de definição “fechada”, específica seria perigosa.<br />

Em outras palavras, o “conceito não tem limites determina<strong>do</strong>s” 108 . Porém, o maior<br />

problema reside no fato de que “um conceito histórico permite, por exemplo,<br />

108 VEYNE, Paul. Como se escreve a História/ Foucault revoluciona a história. 4.ed. Brasília:<br />

Editora <strong>Universidade</strong> de Brasília, 1998. p.106.


designar um evento como uma revolução; isto não significa que, empregan<strong>do</strong> esse<br />

conceito, saibamos ‘o que é’ uma revolução” 109 . Neste senti<strong>do</strong>, o perigo reside nas<br />

palavras que nos remetem a falsas essências e que povoariam pontos universais<br />

inexistentes 110 . O conceito em história acaba por ser problema devi<strong>do</strong> a sua<br />

imobilidade em relação à realidade <strong>do</strong>s acontecimentos. Paul Veyne utiliza o<br />

exemplo de um estu<strong>do</strong> hipotético sobre as religiões para demonstrar como o<br />

historia<strong>do</strong>r deveria proceder diante <strong>do</strong> problema conceitual-generalizante,<br />

“religião”. Afirma que diante de tal problema “o historia<strong>do</strong>r deveria proceder<br />

empiricamente e evitar a<strong>do</strong>tar, na idéia que ele tenha de uma religião determinada,<br />

tu<strong>do</strong> o que o conceito de religião guarda das outras religiões” 111 . Dentro da<br />

epistemologia histórica não podemos falar então em “a religião”, ou “a<br />

criminalidade”, cada acontecimento espaço-temporal guarda especificidades<br />

próprias que poderiam “descaracterizar” um conceito.<br />

No entanto, isso não impede que o historia<strong>do</strong>r utilize conceitos, mas para<br />

eles, os conceitos são mais flexíveis. Sob essa consideração é que se tornou um<br />

possível uma análise da violência no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> por outra perspectiva. Um<br />

olhar que viu na violência não apenas a luta pela terra, mas também uma outra luta<br />

pela terra, uma outra violência, uma violência que tinha uma função social:<br />

organizar e ordenar a sociedade diante de duas questões. A primeira e mais evidente<br />

era a inoperância da aparelhagem judiciária-repressiva e to<strong>do</strong> seu instrumental<br />

(polícia etc.); a segunda, e que se relaciona com a primeira é a da necessidade de<br />

auto-gerenciamento das injustiças e das violências na região. Esse segun<strong>do</strong> aspecto<br />

fazia com que uma segunda violência se justificasse pela primeira. Desse mo<strong>do</strong>, é<br />

que o linchamento de Pacifico pode ser compreendi<strong>do</strong> enquanto um fenômeno de<br />

regulação social ao mesmo tempo em que veículo de vazão de sentimentos<br />

populares como ódio, a vingança e o próprio senso de justiça.<br />

109 Idem, ibidem, p.107.<br />

110 VEYNE, Paul. Op.cit.,p.107.<br />

111 Idem, ibidem, p.110.<br />

58


Nesse senti<strong>do</strong>, Hannah Arendt afirma que “a violência freqüentemente<br />

advenha <strong>do</strong> ódio 112 ”, o que parece ser o sentimento aplicável ao grupo de familiares<br />

e amigos das vítimas de Pacífico e responsável em parte pelo seu linchamento.<br />

Muito provavelmente, porque essas pessoas tinham a impressão de que havia,<br />

“razão para supor que as condições poderiam ser mudadas, mas não são” 113 , ou seja,<br />

diante da impunidade <strong>do</strong>s crimes pratica<strong>do</strong>s por Pacífico, a população acabou<br />

alimentan<strong>do</strong> um ódio que se materializou no linchamento, porque “reagimos com<br />

ódio apenas quan<strong>do</strong> nosso senso de justiça é ofendi<strong>do</strong> (...)” 114 , o que esclarece em<br />

muito o porque agir de forma tão extremada contra alguém, ten<strong>do</strong> em vista ainda<br />

que “a violência – o agir sem argumentar, sem o discurso ou sem contar com as<br />

conseqüências – é o único mo<strong>do</strong> de reequilibrar as balanças da justiça” 115 , talvez por<br />

isso a justiça popular no su<strong>do</strong>este tenha si<strong>do</strong> a “tecnologia de organização social”<br />

efetivada por seus habitantes diante de tais circunstâncias e acontecimentos. É neste<br />

senti<strong>do</strong> que Arendt afirma que a violência coletiva possui um caráter atrativo, ela é o<br />

vetor de transposição e exacerbação de interesses e vontades diante da oportunidade<br />

de vazão <strong>do</strong> ato violento. Por isso, o ato “linchamento” no su<strong>do</strong>este não se encerra<br />

no caso de Pacífico, mas acontece novamente em 1946 na região, quan<strong>do</strong> um<br />

latrocida encontrou dura sorte no que deveria ser a sua transferência da cidade<br />

diante da revolta popular que não permitiu.<br />

Assim, é imprescindível que se estabeleça que o território e a população no<br />

caso de Pacífico estejam intrinsecamente relaciona<strong>do</strong>s com a segurança e a justiça<br />

na região su<strong>do</strong>este na década de <strong>1920</strong>. Ou seja, neste perío<strong>do</strong> a região começava a se<br />

colonizar efetivamente através da migração de colonos <strong>do</strong> Rio Grande <strong>do</strong> Sul e de<br />

Santa Catarina, que se deu de forma ilegal e sem organização oficial <strong>do</strong>s aparelhos<br />

de controle <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, acontecimento que só se intensificará na década de 1950 com<br />

as políticas <strong>do</strong> governo Bento Munhoz da Rocha Neto. Em outras palavras, os<br />

112 Idem, ibidem, p.47.<br />

113 ARENDT, Hannah. Op.cit. p. 47.<br />

114 Idem, ibidem, p.47.<br />

115 Idem, ibidem, p.48.<br />

59


mecanismos de controle e regulação sobre a população, extremamente co-<br />

relaciona<strong>do</strong>s com o território e sua configuração, não estavam estabeleci<strong>do</strong>s de<br />

forma sistemática e operacional. Daí, o “vácuo” de justiça estatal (formal) e de<br />

administração de injustiças e crimes. Não haven<strong>do</strong> saída para a população, a única<br />

alternativa seria que seu corpo social, em maioria, através de um conjunto de<br />

concepções 116 morais e éticas, efetivasse um mecanismo de ordenação da desordem<br />

e <strong>do</strong>s excessos de seus indivíduos. Muito resumidamente seria essa a forma com que<br />

o “governo <strong>do</strong>s homens” pode ser estabeleci<strong>do</strong> em um território “sem” aparelhagem<br />

de Esta<strong>do</strong> propriamente dita. Importante seria, a partir disso, tentar compreender de<br />

que forma essa população tornou-se um problema para o governo e em que medida<br />

e de que forma o governo respondeu. No caso de Pacífico e os acontecimentos de<br />

violência que se avolumaram em torno <strong>do</strong>s seus atos, é de fundamental importância<br />

que se leve em consideração a forma com que esse mecanismo de segurança<br />

realiza<strong>do</strong> pela população através <strong>do</strong> linchamento pôde ser legítimo e justificável aos<br />

olhos de seus carrascos e juízes 117 .<br />

Porém, a violência está presente num campo empírico muito maior <strong>do</strong> que<br />

apenas num corpo institucional, ela se verifica no cotidiano, no dia-a-dia, nas<br />

relações entre homens e mulheres e destes com as crianças, há ainda a violência em<br />

nome de um destino manifesto ou não, além da violência na política e suas várias<br />

facetas.<br />

Em seu ensaio “Sobre a Violência” 118 de 1969, Hannah Arendt expõe, de<br />

início, uma distinção fundamental entre a violência, o poder, a força e o vigor<br />

porque são palavras que se referem a “fenômenos distintos e diferentes, e que<br />

116 Entendi<strong>do</strong> aqui no senti<strong>do</strong> posto por Michel Foucault, onde o “governo’, num senti<strong>do</strong> bem<br />

amplo, seria as, “técnicas e procedimentos destina<strong>do</strong>s a dirigir a conduta <strong>do</strong>s homens”. In:<br />

FOUCAULT, M. Resumo <strong>do</strong>s Cursos <strong>do</strong> Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge<br />

Zahar Editor, 1997. p.101.<br />

117 Assim mesmo com uma lacuna <strong>do</strong>cumental pode-se especular que o linchamento de Pacifico se<br />

relaciona intrinsecamente com o fato de a justiça e seu sistema interno de funcionamento não terem<br />

si<strong>do</strong> capazes de realizar justiça, sen<strong>do</strong> que a população o fez a seu mo<strong>do</strong>.<br />

118 ARENDT, Hannah. Sobre a Violência. 3.ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.<br />

60


dificilmente existiriam se assim não fosse” 119 porque implicam, pra além de um<br />

problema de gramática, em uma perspectiva histórica 120 . Assim não são sinônimos<br />

porque a violência é um fenômeno em si mesmo 121 . A violência se distinguiria<br />

segun<strong>do</strong> Arendt “por seu caráter instrumental” 122 . Na análise construída pela<br />

filósofa destaca-se ainda a noção de que “a violência pode ser justificável, mas<br />

nunca será legitima” 123 , porque “sua justificação perde em plausibilidade quan<strong>do</strong><br />

mais o fim almeja<strong>do</strong> distancia-se no futuro. Ninguém questiona o uso da violência<br />

em defesa própria porque o perigo é não apenas claro, mas também presente, e o fim<br />

que justifica os meios é imediato” 124 . Porém, para a pensa<strong>do</strong>ra, poder e violência<br />

aparecem freqüentemente juntos, assim a idéia-comum de governo enquanto a<br />

<strong>do</strong>minação <strong>do</strong> homem pelo homem através da violência se dissolve; através da<br />

afirmação de Hannah Arendt, de que a violência pode transpor e superar o poder, ou<br />

melhor, a “violência sempre pode destruir o poder” 125 . A violência então, se<br />

encontraria extremamente relacionada com os seus implementos, suas ferramentas<br />

num contexto que pôde ser proporciona<strong>do</strong> porque, “o <strong>do</strong>mínio pela violência advém<br />

de onde o poder está sen<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong>” 126 , então não resta alternativa que o uso <strong>do</strong>s<br />

implementos da violência para o estabelecimento da <strong>do</strong>minação.<br />

As agressões praticadas por Pacífico contra os caboclos da região parece<br />

condizer com essa relação de estabelecimento da <strong>do</strong>minação através da violência<br />

diante <strong>do</strong> enfraquecimento <strong>do</strong> seu poder e de seu desejo de poder. Dessa forma<br />

“poder e violência são opostos” 127 , e se “a violência pode destruir o poder; ela é<br />

absolutamente incapaz de criá-lo” 128 , mas o que dizer <strong>do</strong> fato de que a complexidade<br />

em se conceituar a violência advém justamente da capacidade que esta [a violência],<br />

119 Idem, ibidem, p.36.<br />

120 Idem, ibidem, p.36.<br />

121 Idem, ibidem, p.31.<br />

122 ARENDT, Hannah. Op.cit., p.37.<br />

123 Idem, ibidem, p.41.<br />

124 Idem, ibidem, p.40.<br />

125 Idem, ibidem, p.42.<br />

126 Idem, ibidem, p.42.<br />

127 Idem, ibidem, p.44.<br />

128 Idem, ibidem, p.44.<br />

61


possui de criar novas formas de atuação e de efetivação em práticas diversas?<br />

Hannah Arendt parece não considerar que se a violência, mesmo distinta <strong>do</strong> poder,<br />

for capaz se fazer enquanto fonte de efeitos de poder específicos, ela pode se<br />

aproximar de uma relação de poder. Muito certamente, o poder de que trata Arendt é<br />

eminentemente o político, porém e a própria autora defende esta idéia, a política não<br />

se restringe a uma esfera localizável e específica de ação, mas a uma prática que se<br />

estabelece entre homens e que garante a preservação da vida e felicidade <strong>do</strong> homem.<br />

Assim, o problema desta violência criminosa (linchamento) de um grupo<br />

contra uma pessoa, pode ser compreendi<strong>do</strong> historicamente de que forma, com que<br />

instrumentos, por qual perspectiva? A análise <strong>do</strong> processo de <strong>1920</strong> contra Pacifico<br />

nos levanta possibilidades. O que se sobressai é que a inoperância <strong>do</strong> aparelho<br />

judiciário que ao mesmo tempo legitimou uma ação violenta em nome da justiça e<br />

ordem motivou e alimentou os sentimentos populares capazes de agir violentamente.<br />

Essa afirmação não exclui toda subjetividade contida <strong>do</strong> ato da vingança motivada<br />

principalmente pela cólera e pelo ódio e sua relação com uma violência primeira<br />

(neste caso a praticada por Pacífico e seu filho). É nesse emaranha<strong>do</strong> de causas<br />

sentimentos, atos e efeitos, que podemos compreender o lugar da violência, <strong>do</strong><br />

cotidiano e da vida dessas pessoas no su<strong>do</strong>este paranaense regidas sob as insígnias<br />

da malsã e da imprevisibilidade constante diante da eminência <strong>do</strong> ato violento.<br />

Em síntese, para concluir, Este trabalho se concentrou em torno de “uma<br />

violência” que permanece por se fazer: “trata-se <strong>do</strong>s pequenos incidentes violentos<br />

da vida cotidiana que constituem a vida social (...). Essa violência endêmica é ainda<br />

mais interessante de estudar por fazer parte das tensões sociais ao mesmo tempo – e<br />

isso para<strong>do</strong>xalmente – que das formas de sociabilidade” 129 . Justamente porque ao<br />

historia<strong>do</strong>r, “permite melhor compreender as sociedades passadas nas relações que<br />

mantém com o sangue, a <strong>do</strong>r, o combate, as rixas, os conflitos” 130 ; ao mesmo tempo<br />

em que torna possível a análise de formas sutis que salientam aspectos das<br />

129 FARGE, Arlette. Violência. In: BURGUIÈRE, André. Dicionário das Ciências Históricas. Rio<br />

de Janeiro: Imago, 1993.p.771.<br />

130 Idem, ibidem. p.771.<br />

62


sociedades repousam também sobre o crime, o conflito, a crise, “com tu<strong>do</strong> que isso<br />

provoca de horror, com tu<strong>do</strong> o que isso faz nascer de solidariedades e contra-<br />

solidariedades” 131 ; onde – e o caso de Pacífico comprova – a violência é capaz de<br />

catalisar ao seu re<strong>do</strong>r diversas manifestações de sensibilidades coletivas, emoções<br />

capazes de motivar atitudes extremas em nome de seus próprios sentimentos.<br />

Porém, é necessário que não se confunda essa violência <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong><br />

<strong>Paraná</strong> em ato de violência e Esta<strong>do</strong> de violência; porque, “a inexistência de atos de<br />

violência pode coexistir pacificamente com um esta<strong>do</strong> de violência” 132 , e este é um<br />

aspecto da violência no su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> neste perío<strong>do</strong>. Por vezes, e o caso de<br />

Pacífico nos demonstra, esse esta<strong>do</strong> de violência (ou para ser preciso, esta<strong>do</strong> de<br />

possibilidade eminente da expressão <strong>do</strong> ato violento), coexistia com a realidade<br />

social. Nele residem atos de violência em nome de uma ordem social.<br />

Se, a violência pode ser entendida também como “instância central de<br />

definição de toda relação política entre os homens” 133 , essa relação não pode ser<br />

encarada como determinante da política, porque para Hannah Arendt a política é a<br />

instância pública da preservação da vida e da promoção da felicidade <strong>do</strong> homem.<br />

Assim, Arendt afirma que o poder enquanto poder é gera<strong>do</strong> mutuamente pelos<br />

cidadãos e a violência isola e dispensa os indivíduos, enquanto o poder é um fim em<br />

si, a violência é “puramente instrumental. Ou seja, não é mais que um meio para<br />

atingir determina<strong>do</strong> fim através da coerção” 134 . Sen<strong>do</strong> assim, para Arendt o poder<br />

“nace siempre, cuan<strong>do</strong> los hombres se reunen y actúan juntos; su legitimidad no se<br />

131 Idem, ibidem. p.771.<br />

132 PADILHA, Tarcísio. Natureza da violência. In: Filosofia Ideologia e Realidade Brasileira. Rio<br />

de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1971. p.181-2.<br />

133 DUARTE, André. Modernidade, Biopolítica e Violência: a crítica arendtiana ao presente. In:<br />

DUARTE, André; LOPREATO, Christiana; MAGALHÃES, Marion Brepohl de. A Banalização da<br />

Violência: a atualidade <strong>do</strong> pensamento de Hannah Arendt. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2004.<br />

p.35.<br />

134 Idem, ibidem, p.36.<br />

63


asa en los fines ni medios que un grupo asume; nace del poder que coincide con la<br />

fundación del grupo” 135 .<br />

Fundação <strong>do</strong> grupo, relação social, identidade e senso de justiça, sentimentos<br />

populares. Através desses elementos que pudemos perceber as práticas sutis, as<br />

formas elementares de relação social fundamentadas no conflito, na <strong>do</strong>r, no ódio e<br />

no desejo de vingança. O processo contra Pacífico e seu filho possibilitaram o<br />

acesso a essa esfera de ação e de relacionamento entre os homens, perpassada pela<br />

imposição de um comportamento, visto como necessário ao convívio pacífico entre<br />

os homens e que é media<strong>do</strong> e estrutura<strong>do</strong> pelo aparelho judiciário. Assim, e partin<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> modelo meto<strong>do</strong>lógico de Arendt da análise <strong>do</strong>s ódios públicos e exposto por<br />

Pierre Ansart, e que analisa a relação entre sistema político e sentimentos e paixões<br />

públicas 136 , é que, a relação entre a maquinaria da justiça e a violência popular<br />

desvelou uma camada de um passa<strong>do</strong> localiza<strong>do</strong> entre a imposição da <strong>do</strong>minação, a<br />

formação de uma identidade e a violência “legitimada” por uma violência primeira.<br />

Em outras palavras buscamos a compreensão <strong>do</strong>s ódios e sentimentos populares<br />

catalisa<strong>do</strong>s no ato violento não apenas pelos seus efeitos e conseqüências, mas<br />

principalmente pela sua relação com um sistema político de <strong>do</strong>minação por fazer-se.<br />

Poderá se questionar até que ponto esse esquema interpretativo pode ser<br />

váli<strong>do</strong> para aplicação à história <strong>do</strong> su<strong>do</strong>este <strong>do</strong> <strong>Paraná</strong> antes da década de 1940<br />

(marcada pela intensificação da ocupação e colonização <strong>do</strong> território), onde não<br />

havia a ação extensiva e austera de um sistema político estatal. Tal problema se<br />

resolve novamente pela perspectiva de análise proposta neste trabalho. Através <strong>do</strong><br />

recorte temporal localiza<strong>do</strong> justamente antes <strong>do</strong> gradativo aumento populacional e,<br />

focan<strong>do</strong> o olhar sobre as relações de “forças subterrâneas” cambiantes entre os<br />

135 H. Arendt. “Da violência”. Cita<strong>do</strong> por: HEUER, Wolfgang. Poder, Violência, Terror: la<br />

república imperfecta y sus peligros. In: DUARTE, André; LOPREATO, Christiana;<br />

MAGALHÃES, Marion Brepohl de. A Banalização da Violência: a atualidade <strong>do</strong> pensamento de<br />

Hannah Arendt. Rio de janeiro: Relume Dumará, 2004. p.79.<br />

136 ANSART, Pierre. In: DUARTE, André; LOPREATO, Christiana; MAGALHÃES, Marion<br />

Brepohl de. A Banalização da Violência: a atualidade <strong>do</strong> pensamento de Hannah Arendt. Rio de<br />

janeiro: Relume Dumará, 2004. p.21.<br />

64


poderes exerci<strong>do</strong>s pelos sujeitos sociais e a violência instrumental exercida pela<br />

população, podemos reafirmar o posicionamento da política não apenas enquanto a<br />

relação entre Esta<strong>do</strong> e sociedade, mas de um mo<strong>do</strong> sutil, das relações mais<br />

elementares e cotidianas existentes entre os homens.<br />

Por vezes, que se o linchamento de Pacifico ocorreu a conclusão que<br />

pudemos constatar é que este foi sim instrumento popular de realização da justiça,<br />

chamada aqui de justiça popular. Por certo, que esse senso de justiça viola<strong>do</strong> não<br />

possui o mesmo teor conceitual que a justiça “formal” possui. Esse senso ultrapassa<br />

o limite <strong>do</strong> principal elemento da justiça estatal: a racionalidade. Enquanto a justiça<br />

popular é motivada pelos sentimentos obscuros (fundamentalmente o ódio e a<br />

vingança), a justiça formal se estrutura em torno de to<strong>do</strong> um sistema de justificação<br />

de seus atos, sanções e normas. Enquanto a justiça popular é motivada pelo<br />

momento, a justiça formal segue a démarche <strong>do</strong> processo e seus percalços. E se a<br />

justiça formal manipula os valores <strong>do</strong> humanismo, da igualdade e <strong>do</strong> direito e da lei<br />

a justiça popular não necessidade de qualquer moralidade ou valor que não aquele<br />

que ela quer resgatar. A justiça popular só necessita de sua própria vontade, de seu<br />

próprio desejo pela vingança, só necessita deixar-se levar pela cólera que transpõe<br />

sua vontade. Eis que uma outra história se torna possível; eis que surgem<br />

personagens anônimos e “apaga<strong>do</strong>s” da história, eis que se revela diante de nós toda<br />

essa máquina de organização social que hoje nos parece estranha. No entanto, ao<br />

tomar nota de tal história de subversão de nossos valores mais caros em nome de<br />

uma organização social fundamentada na violência adquirimos consciência de que<br />

essa justiça era um mo<strong>do</strong> de justiça, mesmo que pelo sangue, mesmo que pela <strong>do</strong>r.<br />

65


1. Processo-crime.<br />

FONTES DOCUMENTAIS<br />

COMARCA DE PALMAS. JUÍZO DO TERMO DE CLEVELÂNDIA.<br />

Processo-crime contra Pacifico Pinto de Lima e José Pinto de Lima. <strong>1920</strong>. 52<br />

páginas.<br />

2. Documentação oral.<br />

Fioravante Primon. Depoimento coleta<strong>do</strong> por Aruanã Antonio <strong>do</strong>s Passos em<br />

Pato Branco em 07/10/2005.<br />

Miguel Rufato. Depoimento coleta<strong>do</strong> por Aruanã Antonio <strong>do</strong>s Passos em<br />

Pato Branco em 07/10/2005.<br />

3. Outras fontes impressas<br />

BODANESE, Rudi. Lembranças de Vila Nova: a evolução de Pato Branco<br />

através de imagens fotográficas. Pato Branco: Darnol, 1982.<br />

MARCONDES, Gilson. Ecos Pato-Branquense: contos, crônicas e poesias.<br />

1976/1977.<br />

BIASUZ, Victor S. Álbum histórico: Pato Branco – <strong>Paraná</strong>, 1966.<br />

4. Fonte em meio eletrônico.<br />

HINO DE FRANCISCO BELTRÃO. Letra: Cladi Levan<strong>do</strong>wski, Música:<br />

Al<strong>do</strong> Hasse. Disponível em http://www.franciscobeltrao.pr.gov.br/, acesso<br />

em 04/07/<strong>2006</strong>.<br />

66


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