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Rogério Pereira da Cunha TEM ESTA POVOAÇÃO SOFRIDO ...

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<strong>Rogério</strong> <strong>Pereira</strong> <strong>da</strong> <strong>Cunha</strong><br />

<strong>TEM</strong> <strong>ESTA</strong> <strong>POVOAÇÃO</strong> <strong>SOFRIDO</strong> VEIXAMES PELA CAPITAL: A CÂMARA<br />

DE SÃO FRANCISCO DO SUL NA DÉCADA DE 1820 E SUA RELAÇAO COM<br />

OUTRAS ESFERAS ADMINISTRATIVAS.<br />

Curitiba<br />

2007<br />

Trabalho de conclusão de curso,<br />

apresentado para obtenção do grau de<br />

Bacharelado e Licenciatura em<br />

História pela Universi<strong>da</strong>de Federal<br />

do Paraná.<br />

Prof. Orientador: Dr Carlos A. M.<br />

Lima.


Resumo: Como se <strong>da</strong>vam as relações administrativas de uma comuni<strong>da</strong>de<br />

periférica dentro e fora de sua jurisdição? A partir dessa questão central trabalhou-se<br />

com documentos <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1820 <strong>da</strong> Câmara municipal de São Francisco buscando<br />

elementos que pudessem trazer à tona características que esclarecessem os contatos<br />

travados entre o centro e a locali<strong>da</strong>de, assim como a dinâmica interna <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>. Para se analisar a situação centro-periferia, foram utiliza<strong>da</strong>s algumas<br />

cartas/petições (1821-1823) envia<strong>da</strong>s pela Câmara, permitindo a obtenção <strong>da</strong> fotografia<br />

de deman<strong>da</strong>s momentâneas e, como a documentação é fragmentária, a análise foi<br />

centra<strong>da</strong> no discurso <strong>da</strong> municipali<strong>da</strong>de, não sendo possível a abor<strong>da</strong>gem de processos.<br />

O que se pôde verificar foi a existência de um discurso, produzido pela elite local, que<br />

visava ressaltar uma ineficiência redistributiva <strong>da</strong> capital Desterro, recorrendo ao poder<br />

central na busca de uma maior eqüi<strong>da</strong>de. Sem muito sucesso na apelação ao monarca, a<br />

elite local buscou meios de resolver o seu problema contornando a legislação, de modo<br />

que a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> capital <strong>da</strong> Província passa a ser momentaneamente ignora<strong>da</strong>. Além<br />

disso, encontrou-se a menção na documentação de funções que tradicionalmente não<br />

existiam, como a de Juiz de Fora <strong>da</strong> Província ou Ouvidor Geral <strong>da</strong> Câmara do Rio de<br />

Janeiro. O que pode ser apreendido disso tudo é que no início do século XIX, na<br />

capitania de Santa Catarina, houve muita confusão administrativa devido ao fato <strong>da</strong>s<br />

esferas ain<strong>da</strong> não possuírem, de forma clara e delimita<strong>da</strong>, as suas reais atribuições,<br />

sendo constante a sobreposição de raios de ação. Mais ain<strong>da</strong>, o período de<br />

independência assiste a um reordenamento administrativo e reajustamento de<br />

competências. Com a relação às relações internas, foi possível o estabelecimento de<br />

uma discussão conceitual sobre a categoria de ci<strong>da</strong>dão na déca<strong>da</strong> de 1820. O que se<br />

encontrou foi uma predominância do uso dessa categoria, sem ser encontrado atas que<br />

trouxessem o termo homens bons. Ci<strong>da</strong>dãos são encarados em São Francisco como<br />

todos aqueles que participam do processo político, não só ocupando cargos, mas<br />

enquanto votantes também. Ao se verificar os editais régios transcritos no livro <strong>da</strong><br />

Câmara, pode-se perceber como o Estado moderno permitiu um intercâmbio conceitual,<br />

ampliando a difusão de termos, uma vez que nesses mesmos documentos produzidos<br />

pelo poder central foi verificado o uso extensivo do conceito ci<strong>da</strong>dão.<br />

2


À Ana, Priscila e Else (in<br />

memorian), três mulheres que<br />

mu<strong>da</strong>ram minha trajetória.<br />

3


Sumário:<br />

Agradecimentos<br />

1. Introdução............................................................................................................ p.07<br />

1.1. Algumas questões sobre a organização do império português......... p.08<br />

1.2. A Câmara municipal: formação e papel dentro <strong>da</strong> organização do<br />

império...................................................................................................................... p.10<br />

2. Contexto................................................................................................................ p.13<br />

3. Sobre a relação <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul com outras instâncias<br />

administrativas......................................................................................................... p.24<br />

3.1. Relação entre a Câmara de São Francisco com as Cortes Gerais.... p.25<br />

3.2. Relação <strong>da</strong> Câmara com o Governador de Província........................ p.27<br />

3.3. Da relação entre a Câmara de São Francisco e a Junta Governativa <strong>da</strong><br />

Província de Santa Catarina................................................................................... p.33<br />

3.4. Da Relação <strong>da</strong> Câmara com o Imperador: Negociando a Adesão... p.40<br />

3.5. Relação com outras Câmaras............................................................... p.44<br />

3.6. Algumas conclusões.............................................................................. p.46<br />

4. Inventário <strong>da</strong> elite local <strong>da</strong> ilha de São Francisco do Sul................................. p.49<br />

4.1 Categorias que usavam para referirem-se a si.................................... p.49<br />

5. Conclusão.............................................................................................................. p.56<br />

6. Referências bibliográficas................................................................................... p.58<br />

4


Agradecimentos<br />

Certa vez, um profissional <strong>da</strong> universi<strong>da</strong>de me disse que esse espaço dos<br />

agradecimentos deveria ser guar<strong>da</strong>do para os que profissionalmente contribuíram com o<br />

trabalho; algo mais impessoal. Mas dessa vez vou quebrar esse conselho.<br />

Desde que entrei na universi<strong>da</strong>de, há quase cinco anos atrás, tenho imaginado<br />

este momento, confesso que nesse tempo todo não consegui encontrar uma maneira que<br />

julgo adequa<strong>da</strong> de proceder. Mas sinto uma alegria muito grande de ter chegado até<br />

aqui. Lembro-me do dia em que sai de casa, em outra ci<strong>da</strong>de, meu velho pai me<br />

acompanhou até a rodoviária e disse palavras que eu nunca vou esquecer: “Filho, hoje<br />

começa algo novo para você, que não podemos ain<strong>da</strong> imaginar muito bem o que será,<br />

mas é só uma fase, vai passar”. Não sei por que nunca esqueci aquelas palavras simples<br />

que sempre me aju<strong>da</strong>ram, nem sei qual poder mágico é esse que conferi a elas, mas só<br />

sei que nos momentos de tristeza elas me foram uma fortaleza.<br />

Pai e mãe, obrigado por gerarem o fruto do amor passado, obrigado por<br />

permitirem eu me criar sozinho, obrigado por indiretamente terem me preparado para o<br />

mundo. Meu irmão querido, nossa distância é o que fortalece o nosso elo. Decidi ganhar<br />

a vi<strong>da</strong> com o passado, o passado... Não é tão ruim assim, é só encara-lo. Um dia todos<br />

vamos conseguir vencer nossos medos e bloqueios e exorcizar o que nos pesa. E você<br />

meu pequeno grande homem, você vai ser grande, a ausência veio para te fazer grande.<br />

A ausência veio para nos fazer grande. Não posso deixar de mencionar também você a<br />

quem dedico este trabalho. Priscila, você é o maior presente que a vi<strong>da</strong> me deu;<br />

obrigado por me escolher.<br />

Aos meus grandes, eternos e ver<strong>da</strong>deiros amigos de Joinville (EMIJAYS)<br />

agradeço pelo carinho com que sempre me acolheram, por sempre me proporcionarem<br />

bons momentos, por serem uma <strong>da</strong>s poucas fugas que tenho desse mundo insano.<br />

Gostaria de agradecer a Universi<strong>da</strong>de Federal do Paraná que me deu acesso a<br />

uma educação de quali<strong>da</strong>de; ao grupo PET e aos vários integrantes que por lá passaram<br />

desde 2003. Alguns professores e professoras que tive também não podem deixar de ser<br />

mencionados: Sergio Na<strong>da</strong>lin, que me auxiliou nos primeiros passos na graduação e,<br />

como orientador do meu primeiro projeto, muito me ensinou; ao professor Luiz<br />

Geraldo; a professora Ana Paula Vosne Martins, minha tutora de PET por quase três<br />

anos, obrigado por tudo.<br />

5


Alguns bons amigos fiz também nesses tempos de universi<strong>da</strong>de, amizades que<br />

para sempre ficaram e para sempre durarão. Leonardo Marques; Rafael Benthien e<br />

Marcio Marchioro, três presentes que Curitiba me deu, ca<strong>da</strong> um tomando rumos<br />

diferentes; sentirei sau<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s nossas discussões. Meus colegas de sala Baiano,<br />

Henrique, Virgem, Alfredo Paulinha, Dani, Lu, valeu pelas farras.<br />

Agradeço ao MEC por ter cedido três anos e meio de bolsa PET. Alguns<br />

arquivos e pessoas muito aju<strong>da</strong>ram na elaboração desse trabalho: Patrícia do IHGSC foi<br />

muito gentil e atenciosa; Márcio, responsável pelo Arquivo <strong>da</strong> Câmara de São<br />

Francisco, agradeço a generosi<strong>da</strong>de e boa vontade; Denise Apareci<strong>da</strong>, agradeço as<br />

conversas e e-mails trocados sobre São Francisco; Rosangela, do CEDOPE, por ter me<br />

aju<strong>da</strong>do a transcrever parte <strong>da</strong> documentação.<br />

Para finalizar, gostaria de fazer uma menção especial a Carlos Lima, meu<br />

orientador há dois anos, obrigado pelo companheirismo e camara<strong>da</strong>gem, obrigado por<br />

abolir hierarquias, obrigado pelos cafezinhos, obrigado por ser um projeto de<br />

universi<strong>da</strong>de ambulante que tanto ensina e aju<strong>da</strong>. A minha satisfação por trabalhar com<br />

você e possuir sua amizade não são impossíveis de serem transmiti<strong>da</strong>s e expressa<strong>da</strong>s no<br />

papel.<br />

6


1. Introdução<br />

Essa pesquisa foi elabora<strong>da</strong> a partir <strong>da</strong> seguinte combinação: por meio de um<br />

corpus documental específico, lacunar e fragmentário, tentar compreender algumas<br />

questões relaciona<strong>da</strong>s às Câmaras na déca<strong>da</strong> de 1820, utilizando para isso o material<br />

sobre a vila de São Francisco. Essa déca<strong>da</strong> assiste a criação de diversos mecanismos<br />

administrativos: novas instâncias como as Cortes e Juntas, o estabelecimento de cargos<br />

como o do juiz de paz e a legislação como constituição de 1824 e a lei de 1828. Dessa<br />

maneira, buscarei estabelecer a relação <strong>da</strong> Câmara de São Francisco, enquanto uma<br />

esfera administrativa, sendo que dei especial ênfase às seguintes perguntas: Como se<br />

<strong>da</strong>va a relação entre diferentes esferas administrativas dentro <strong>da</strong> província/capitania de<br />

Santa Catarina e fora dela? Qual o comprometimento <strong>da</strong> elite local com os projetos<br />

centrais e regionais?<br />

Na medi<strong>da</strong> em que a pesquisa caminhava, outras questões foram aparecendo.<br />

Umas mais específicas outras mais gerais, que acabaram motivando a incorporação de<br />

outras discussões extras, além <strong>da</strong> formulação de uma série de hipóteses, contribuindo<br />

muito nas conclusões a que cheguei.<br />

Algumas dessas questões adicionais, que ficaram sem resposta, <strong>da</strong>do o caráter<br />

fragmentário do corpus documental, seriam: O papel <strong>da</strong>s Câmaras na independência,<br />

uma vez que, parte <strong>da</strong> documentação mostrou questões que permitiriam uma revisão <strong>da</strong><br />

interpretação liberal e também de uma historiografia que as percebe como instituições<br />

que encabeçaram a independência do Brasil garantindo, dessa forma, uma uni<strong>da</strong>de<br />

política na persona de D. Pedro I. Em vista disso, levanto a possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

independência ter sido um processo no qual o Estado monárquico buscou reformar o<br />

mesmo Estado. No decorrer do trabalho, principalmente nos capítulos 2 e 3, o leitor<br />

entenderá melhor os motivos que me levaram a tal formulação.<br />

A partir <strong>da</strong> abertura <strong>da</strong> documentação, tentarei averiguar as respostas possíveis<br />

para o meu repertório de perguntas, tendo em vista a abor<strong>da</strong>gem escolhi<strong>da</strong> relaciona<strong>da</strong><br />

ao formato do Estado português, com ênfase ao papel <strong>da</strong>s Câmaras dentro dessa<br />

organização na tentativa de estabelecer a especifici<strong>da</strong>de local <strong>da</strong> vila, que é o objeto <strong>da</strong><br />

presente pesquisa. As escolhas historiográficas que forneceram as idéias centrais de<br />

abor<strong>da</strong>gem constaram na discussão historiográfica, podendo o leitor então, obter<br />

maiores informações sobre tais escolhas.<br />

7


1.1 Algumas questões sobre a organização do império português.<br />

A historiografia muito tem caminhado nas últimas déca<strong>da</strong>s nas discussões sobre<br />

a estrutura e organização político-administrativa do Antigo Regime. 1 Sem dúvi<strong>da</strong>s, uma<br />

<strong>da</strong>s grandes contribuições dessas discussões tem sido a reavaliação <strong>da</strong> abrangência do<br />

chamado poder absoluto.<br />

A argumentação em prol dessa relativização do poder absoluto tem caminhado<br />

na direção de discutir dois pontos básicos. O primeiro seria o de perceber que na teoria<br />

política pré-iluminista, a limitação do rei pela lei sempre esteve mais vinculado ao plano<br />

ético do que ao direito estrito; e em segundo estaria a constatação que mesmo nos<br />

tempos do absolutismo iluminista, nunca a teoria política autorizou o rei a governar de<br />

forma arbitraria 2 . Portanto, a categoria de “absolutismo” ou “centrali<strong>da</strong>de” 3 passam a<br />

perder dentro <strong>da</strong> historiografia a sua primazia enquanto modelo explicativo <strong>da</strong><br />

organização do Estado moderno.<br />

O Estado centralizado, enquanto sede única do poder passa a ser pensado<br />

enquanto uma situação ideal, o qual a época moderna não assistiu <strong>da</strong> forma como uma<br />

historiografia portuguesa mais romântica e nacionalista pintou. Admitir o papel<br />

importante exercido pelas periferias tiraria o brilhantismo <strong>da</strong> empreita<strong>da</strong> colonial 4 .<br />

Logo, a força centrípeta do Estado moderno deve ser questiona<strong>da</strong>, levando em<br />

conta a participação de instituições menores e periféricas que tiravam vantagens <strong>da</strong><br />

fraqueza do poder central para adquirirem certa autonomia. 5<br />

Dessa forma, uma infini<strong>da</strong>de de sujeitos e grupos como vice-reis, governadores,<br />

juízes, desembargadores, câmaras municipais, entre outras instancias e bandos passam a<br />

dividir com a coroa as atribuições administrativas do império. Essa descentralização<br />

1 HESPANHA, A. M. Para uma teoria <strong>da</strong> história institucional do Antigo Regime. In: HESPANHA, A.<br />

M.(Org) Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa, Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, s/<br />

<strong>da</strong>ta. pp. 09-89. Este texto fornece um panorama geral <strong>da</strong>s novas correntes interpretativas <strong>da</strong> organização<br />

político/administrativa de Portugal no Antigo Regime; HESPANHA, A. M. A constituição do Império<br />

português. Revisão de alguns enviesamentos correntes. In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>;<br />

GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos<br />

XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. pp. 163-188; HESPANHA, A. M. As Estruturas<br />

Políticas em Portugal na Época Moderna. In: TENGARRINHA, José (Org) História de Portugal. Bauru,<br />

EDUSC, 2 edição revista. pp. 117-181.<br />

2 HESPANHA, A. M. Para uma teoria <strong>da</strong> história institucional do Antigo Regime... pp. 60-61.<br />

3 HESPANHA, A. M. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes...<br />

p. 165.<br />

4 Op. Cit. p. 167.<br />

5 Op. Cit. p. 166.<br />

8


será muito mais evidente no ultramar, onde a distância <strong>da</strong> capital, símbolo <strong>da</strong><br />

centralização, permitirá maior autonomia. 6<br />

Essa especifici<strong>da</strong>de colonial cria aquilo que António Manuel Hespanha chamou<br />

de pluralismo administrativo. 7 O império português, por ser um conjunto vastíssimo e<br />

disperso de territórios espalhados pelo globo, apresenta uma dinâmica e varie<strong>da</strong>de de<br />

situações que exigem uma maior flexibili<strong>da</strong>de administrativa.<br />

Assim, o império português não se estrutura sobre uma única forma<br />

administrativa, cedendo às especifici<strong>da</strong>des locais e de momento, favorecendo o<br />

surgimento de um estatuto administrativo múltiplo. 8<br />

Além de uma multiplici<strong>da</strong>de administrativa, é notável uma heterogenei<strong>da</strong>de no<br />

estatuto político também, criando uma plurali<strong>da</strong>de de tipos de laços onde a autori<strong>da</strong>de<br />

dos nativos não poderia ser usurpa<strong>da</strong> ou submeti<strong>da</strong> ao poder central, limitando o raio<br />

possível de atuação <strong>da</strong> coroa. E, para além de uma heterogenei<strong>da</strong>de administrativa e<br />

política, tem-se também um pluralismo jurídico, em que ca<strong>da</strong> nação submeti<strong>da</strong> podia<br />

gozar do privilegio de manter o seu direito <strong>da</strong> terra, criando uma justiça autônoma e não<br />

oficial. 9<br />

Entretanto, a coroa se movimentou na tentativa de coibir ou ao menos reduzir a<br />

autonomia local. Essas tentativas do poder central podem ser eluci<strong>da</strong><strong>da</strong>s com a<br />

discussão do paradigma corporativo de administração que visava inserir na locali<strong>da</strong>de<br />

funcionários subordinados diretamente a coroa para controlarem setores estratégicos<br />

como o <strong>da</strong> justiça e fazen<strong>da</strong>. 10<br />

6<br />

Essa descentralização e autonomia local será também amplamente evidencia<strong>da</strong> no campo econômico.<br />

Pesquisas recentes têm revelado que o exclusivo colonial não era tão exclusivo assim, se mostrando como<br />

uma simplificação explicativa. Um exemplo seria o do tráfico de escravos onde foi percebido a formação<br />

de um binômio África/Brasil deixando Lisboa completamente alheia as relações comerciais estabeleci<strong>da</strong>s<br />

entre as duas regiões coloniais. Ver: ALENCASTRO, Luiz Felipe de, O Trato dos Viventes: Formação<br />

do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo; Cia <strong>da</strong>s Letras, 2000. Outro texto fun<strong>da</strong>mental para a apreensão de<br />

relações comerciais intracoloniais é: FERREIRA, Roquinaldo. Dinâmica do comercio intracolonial:<br />

Geribitas, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos (século XVIII). In: FRAGOSO, João;<br />

BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica<br />

Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. pp. 339-378.<br />

7<br />

Ver sobre pluralismo administrativo: HESPANHA, A. M. e SANTOS, Maria Catarina. Os poderes num<br />

império oceânico. In: HESPANHA, António Manuel (Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime,<br />

Vol. 4. Lisboa: Estampa. pp.395-413.<br />

8<br />

Op. Cit. p. 398. Dentro dessas formas múltiplas de organização pode-se destacar as capitaniasdonatarias;<br />

feitorias; municípios; fortalezas entre outras.<br />

9<br />

HESPANHA, A. M. A constituição do Império português. Revisão de alguns enviesamentos correntes...<br />

p. 170-174.<br />

10<br />

SUBTIL, José. Os poderes do centro: Governo e administracao: In HESPANHA, António Manuel<br />

(Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime, Vol. 4. Lisboa: Estampa. p. 182.<br />

9


Esses funcionários podem ser chamados de corpo burocrático que são<br />

compostos por letrados que passam a ter mais espaço dentro <strong>da</strong> administração.<br />

Caracteristicamente, esses participaram do poder não por serem carismáticos ou por<br />

privilegio de nascimento, mas em virtude do seu conhecimento e autori<strong>da</strong>de enquanto<br />

técnicos. Os objetivos dessa nova estrutura é diminuir a promiscui<strong>da</strong>de do público com<br />

o privado, modificando as relações entre o local e o centro, diminuindo a autonomia do<br />

primeiro. Por poder ser recrutado de qualquer cama<strong>da</strong> social, esse técnico, teoricamente,<br />

terá uma relação de intensa leal<strong>da</strong>de para com o centro que o promoveu, inclusive, essa<br />

fideli<strong>da</strong>de é o que poderá garantir sua ascensão dentro do corpo burocrático. 11<br />

Essa nova postura administrativa, como dito acima, visa intervir na<br />

administração dos corpos periféricos feita pelos respectivos chefes naturais 12 que<br />

normalmente têm sua legitimi<strong>da</strong>de embasa<strong>da</strong> pelo prestígio e poder econômico exercido<br />

na locali<strong>da</strong>de.<br />

Mas, esses funcionários, em muitos casos, estabeleceram uma rede de<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de e cumplici<strong>da</strong>de entre seus pares que, embora tenha buscado o<br />

enfraquecimento do poder local, em pouco contribuiu, em contraparti<strong>da</strong>, para o<br />

fortalecimento do poder <strong>da</strong> coroa. Esta elite político-administrativa do sistema de poder<br />

corporativo possuía grande autonomia jurisdicional, não sofrendo nenhum tipo de<br />

fiscalização do poder central. 13<br />

Mais adiante será retoma<strong>da</strong> essa discussão sobre esses funcionários régios que<br />

atuam no âmbito local, principalmente visando abor<strong>da</strong>r os papéis tradicionais dentro <strong>da</strong>s<br />

câmaras do juiz de fora e do ouvidor.<br />

1.2 A Câmara municipal: formação e papel dentro <strong>da</strong> organização do império.<br />

Com a reconquista, os portugueses se apropriam e continuam a usar boa parte <strong>da</strong><br />

organização jurídico-administrativa dos mulçumanos derrotados. O nascente reino<br />

português buscará formular rearranjos, onde a organização municipal será o resultado de<br />

11 HESPANHA, A. M. Para uma teoria <strong>da</strong> história institucional do Antigo Regime. In: HESPANHA, A.<br />

M.(Org) Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa, Fun<strong>da</strong>ção Calouste Gulbenkian, s/<br />

<strong>da</strong>ta. pp.74-78.<br />

12 Essa administração dos corpos periféricos foi cunha<strong>da</strong> como administração honorária. In:<br />

HESPANHA, A. M. Para uma teoria <strong>da</strong> história institucional do Antigo Regime. p. 76.<br />

13 SUBTIL, José. Os poderes do centro: Governo e administracao. p. 183.<br />

10


uma aliança traça<strong>da</strong> entre as comuni<strong>da</strong>des e o rei que concedia foros especiais de justiça<br />

e administração, tirando tais atributos <strong>da</strong> nobreza na tentativa de enfraquecer tal grupo.<br />

O chamado concelho, que sucede os forais, será uma assembléia aberta com a<br />

participação dos vizinhos que lentamente verá o fenômeno <strong>da</strong> concentração do poder<br />

local se focalizar nas mãos de poucas famílias. 14 As organizações municipais, portanto,<br />

<strong>da</strong>tam do inicio <strong>da</strong> formação de Portugal, sendo uma instituição bastante difundi<strong>da</strong> no<br />

mundo português quando <strong>da</strong> expansão ultramarina.<br />

Essas organizações municipais tiveram nas Câmaras a principal instituição<br />

administrativa <strong>da</strong> locali<strong>da</strong>de no império português, porém ca<strong>da</strong> uma possuindo uma<br />

configuração própria adquiri<strong>da</strong> historicamente e de acordo com as especifici<strong>da</strong>des<br />

regionais. Houve uma a<strong>da</strong>ptação <strong>da</strong>s suas instituições jurídicas e administrativas de<br />

acordo com as deman<strong>da</strong>s de ca<strong>da</strong> região do ultramar.<br />

No Brasil do século XVII, as Câmaras serviram para arreca<strong>da</strong>rem fundos e como<br />

entreposto administrativo entre a coroa e a população. 15 O contato entre Câmara<br />

(locali<strong>da</strong>de) e rei (centro) se <strong>da</strong>va predominantemente por intermédio do direito de<br />

petição, ou seja, cartas <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de endereça<strong>da</strong>s a capital do império recorrendo a<br />

justiça régia para mediar conflitos entre facções ou atritos com funcionários <strong>da</strong> própria<br />

burocracia estatal.<br />

Estima-se que o número de correspondências envia<strong>da</strong>s ao poder central não seja<br />

pequena, pois essa prática foi amplamente difundi<strong>da</strong> durante o período colonial. 16 Para<br />

Charles Boxer, a própria coroa incentivava tal prática visando, ao receber qualquer tipo<br />

de reclamação de seus funcionários, se inteirar <strong>da</strong>s informações dos assuntos coloniais,<br />

sendo, portanto esta técnica decisiva para o controle do estatal do processo de<br />

14 PEREIRA, Magnus R. de M., SANTOS, Antonio C. de A. O Poder Local e a Ci<strong>da</strong>de: A Câmara<br />

Municipal de Curitiba- Séculos XVII a XX. Curitiba: Aos quatro ventos, 2000. pp. 01-06.<br />

15 BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: FRAGOSO, João;<br />

BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica<br />

Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 199.<br />

16 Sobre esse tipo de comunicação entre centro e periferia ver: CARDIM, P., O. "Quadro<br />

Constitucional. Os Grandes Paradigmas de Organização Política: A Coroa e a<br />

Representação do Reino. As Cortes" In HESPANHA, A M. História de Portugal. O<br />

Antigo Regime (1620-1807), Lisboa, Editorial Estampa, vol. 04, 1993. Ver também:<br />

BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong> Baptista. As Fronteiras <strong>da</strong> Negociação: As Câmaras Municipais na América<br />

Portuguesa e o Poder Central. In: NODARI, Eunice; PEDRO, Joana Maria e IOKOI, Zil<strong>da</strong> M. Gricoli<br />

(Orgs) História: Fronteiras. São Paulo, ANPUH (FFLCH/USP) Vol I. pp.467-483.<br />

11


colonização, ao mesmo tempo que permite a expressão <strong>da</strong>s deman<strong>da</strong>s e aflições dos<br />

colonos. 17<br />

Uma outra função <strong>da</strong>s Câmaras enquanto entreposto administrativo seria o de<br />

garantir um liga entre as diversas partes do império na figura do rei. Essa instituição<br />

municipal era um componente vital para a administração do império, pois, de certa<br />

forma, elas ofereciam estabili<strong>da</strong>de a um império extremamente móvel. 18 Nas colônias<br />

foram as Câmaras, pelo menos nos dois primeiros séculos <strong>da</strong> colonização, os órgãos<br />

fun<strong>da</strong>mentais no gerenciamento de boa parcela senão do comércio, ao menos <strong>da</strong> defesa<br />

e <strong>da</strong>s ren<strong>da</strong>s - tributos e donativos - impostos pela metrópole. 19<br />

Mas, o que deve ser amplamente ressaltado, para além <strong>da</strong>s contribuições <strong>da</strong>s<br />

Câmaras para a manutenção do império português, é a relativa autonomia que essa<br />

instituição desfrutou durante boa parte do período colonial. O espaço camarário sempre<br />

foi ocupado, como citado no primeiro parágrafo dessa seção, por uma elite regional que<br />

historicamente o conquista.<br />

17 Apud. BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong> Baptista. As Fronteiras <strong>da</strong> Negociação: As Câmaras Municipais na<br />

América Portuguesa e o Poder Central. p. 481. BOXER, C. R. Portuguese Society in the Tropics. The<br />

Municipal Councils of Goa, Macao, Bahia and Luan<strong>da</strong>. Madison and Milwakee, The University of<br />

Wisconsin Press, 1965.<br />

18 RUSSEL-WOOD, A. J. R. O governo local na América Portuguesa: um estudo de divergência<br />

cultural. In: Revista de História, São Paulo; jan-mar de 1977, Vol LV, n. 109. p. 27.<br />

19 BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>. As Câmaras Municipais no Império Português: o exemplo do Rio de<br />

Janeiro. Revista Brasileira de História. [online]. 1998, vol. 18, no. 36 [citado 2006-09-11], pp. 251-580.<br />

Disponível em: . ISSN 0102-0188. doi: 10.1590/S0102-01881998000200011.<br />

Acessado em setembro de 2006.<br />

12


2. Contexto<br />

Será importante para o encaminhamento <strong>da</strong> pesquisa, traçar alguns pontos <strong>da</strong>s<br />

condições que pairavam sobre a região de São Francisco do Sul no período colonial.<br />

Essa necessi<strong>da</strong>de se dá pela escassez de material de apoio que possa permitir um<br />

dialogo. Para a déca<strong>da</strong> de 1820 e 1830 não existem muitas pesquisas que possam<br />

auxiliar o presente trabalho 20 , portanto há a necessi<strong>da</strong>de de se levantar questões sobre o<br />

Brasil Meridional em fins do século XVIII, condições e ativi<strong>da</strong>des econômicas,<br />

circulação de viajantes e cronistas e captar quem eram os homens que encabeçavam a<br />

Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

O Sul sempre foi alvo de preocupações <strong>da</strong> monarquia lusa, devido ao fato de seu<br />

povoamento, como o de outras regiões <strong>da</strong> colônia, sempre se mostrar como um empecilho<br />

para a colonização efetiva. Portugal e Espanha travaram longas disputas durante o período<br />

colonial a fim de sustentar ou conquistar territórios meridionais. Portugal ambicionava a<br />

parte oriental do Rio <strong>da</strong> Prata e desde a fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> Colônia de Sacramento em 1680 até<br />

fins do século XVIII, infindáveis querelas se amargaram entre os dois países. 21<br />

A região meridional <strong>da</strong> América Portuguesa possuía instituições jurisdicionais<br />

fracas (séculos XVII e XVIII), ou seja, por tratados era tido como um território português,<br />

mas na prática a presença <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de administrativa e militar lusa era ínfima, <strong>da</strong>ndo<br />

margem à investi<strong>da</strong>s de potências imperiais internacionais. Como exemplo dessa situação<br />

pode ser citado a Invasão Espanhola <strong>da</strong> Vila de Desterro na déca<strong>da</strong> de 1770.<br />

Para a historiadora catarinense Laura Machado Hübener: “A ilha e a costa<br />

catarinense foram povoa<strong>da</strong>s em função <strong>da</strong>s necessi<strong>da</strong>des estratégicas <strong>da</strong> Coroa<br />

Portuguesa e não em função de objetivos econômicos... 22 ”. Essas necessi<strong>da</strong>des<br />

estratégicas seriam de acordo com a autora e <strong>da</strong> historiografia de um modo geral, de cunho<br />

militar. O Brasil meridional foi um pe<strong>da</strong>ço do Império Português altamente vulnerável a<br />

20 A historiografia sobre Santa Catarina apresenta bons trabalhos sobre o século XIX, entretanto, a<br />

maioria dessa produção se concentra sobre a segun<strong>da</strong> metade do século XIX.<br />

21 Uma breve discussão sobre as disputas entre Portugal e Espanha sobre o domínio <strong>da</strong> região meridional<br />

<strong>da</strong> América do Sul pode ser encontra<strong>da</strong> em: SANTOS, Antonio C. A. O Desbravamento Dos Sertões Da<br />

Capitania De São Paulo E A Presença Portuguesa Na Porção Meridional Da América. IN: Plano para<br />

sustentar a posse <strong>da</strong> parte meridional <strong>da</strong> América Portuguesa (1772). PEREIRA, Magnus R. de M. (org).<br />

– Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2003, pp. 1-3; Série Monumenta.<br />

22 HÜBENER, Laura Machado. O Comércio <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de de Desterro no Século XIX. Florianópolis :<br />

UFSC, 1981. p 15.<br />

13


investi<strong>da</strong>s de corsários estrangeiros, assim como também era cobiçado por reinos sedentos<br />

por um pe<strong>da</strong>ço do Novo Mundo.<br />

To<strong>da</strong>via, nas linhas seguintes do seu texto, a autora sugere que:<br />

“O interesse pela região, por parte <strong>da</strong> Coroa portuguesa, tornou-se bastante nítido no século<br />

XVIII. Serviria de ponto de apoio à conquista, contribuindo para a fixação de portugueses à<br />

margem esquer<strong>da</strong> do Rio <strong>da</strong> Prata. A cobiça pela região fun<strong>da</strong>mentou-se em dois fatores: o<br />

interesse político <strong>da</strong> expansão em direção ao Prata e o interesse econômico na pecuária do Rio<br />

Grande do Sul”. 23<br />

Sendo assim, na contradição <strong>da</strong> autora, a parte meridional passa a ter, além de um<br />

projeto militar, um econômico também, não podendo ser descarta<strong>da</strong> essa hipótese, como<br />

nos sugere Hübener no primeiro excerto do seu texto.<br />

No século XVII, o interesse pelo Sul passa a ser uma questão de Estado, já que essa<br />

região se apresenta como uma possibili<strong>da</strong>de paliativa de saí<strong>da</strong> <strong>da</strong> crise estabeleci<strong>da</strong> pela<br />

concorrência enfrenta<strong>da</strong> pelo açúcar brasileiro no mercado externo com o produto <strong>da</strong>s<br />

Antilhas. O couro e a criação de gado se mostravam como ativi<strong>da</strong>des capazes, porém não<br />

tão rentáveis como o açúcar, de manter a colonização viável. 24 Desse modo, é nesse século<br />

que o território que viria a ser a Província de Santa Catarina têm os seus primeiros núcleos<br />

de povoação: Nossa Senhora <strong>da</strong> Graça do Rio São Francisco em 1658; Nossa Senhora do<br />

Desterro em 1672; e Santo Antonio dos Anjos <strong>da</strong> Laguna em 1680. Por mais que não<br />

sejam locali<strong>da</strong>des intimamente liga<strong>da</strong>s ao pastoril, e muito menos foram cria<strong>da</strong>s para isso,<br />

demonstra que já há a intenção do estabelecimento de todo um complexo territorial que<br />

viria em breve, além de proteger militarmente, articular comercialmente a região sul.<br />

Essas três vilas foram estabeleci<strong>da</strong>s por vicentistas que escolheram, no litoral,<br />

pontos que possuem portos naturais, na eminência de, após a a<strong>da</strong>ptação e início <strong>da</strong><br />

produção, estar geograficamente aptos para a comunicação com outras regiões, assim<br />

como para o comércio. Dessa maneira buscariam o desenvolvimento <strong>da</strong> região e a sua<br />

inserção em um circuito muito mais amplo. Ao que tudo indica, a ocupação dessas regiões<br />

favoreci<strong>da</strong>s pelas suas comodi<strong>da</strong>des naturais, foram sugeri<strong>da</strong>s pelos governantes <strong>da</strong> época,<br />

mostrando a atenção especial que o Sul vinha recebendo e como se estava tentando<br />

vincular essa região aos interesses coloniais.<br />

É de se concluir, portanto, que a Coroa lusa estava muito ciente <strong>da</strong> importância de<br />

se manter como signatária <strong>da</strong> região Sul, frente às ameaças estrangeiras. Vale lembrar<br />

23 HÜBENER, Laura Machado. Op. Cit. p. 15.<br />

24 Cf: NADALIN, Sergio Odilon. PARANA: Ocupação doTterritório, População e Migrações. Curitiba :<br />

SEED, 2001. p. 46.<br />

14


também que, num período sem fronteiras configura<strong>da</strong>s, o povoamento, pela lei do uti<br />

possidetis, se mostrava pelo direito <strong>da</strong> época como a maneira mais viável para manter o<br />

domínio. Portugal, por se tratar de uma monarquia instável economicamente, preferia tudo<br />

menos se envolver em conflitos internacionais, já bastava às querelas com os holandeses<br />

por todo o século XVII.<br />

Pela complexi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> região, o Sul, portanto, passa a ser um problema que<br />

necessitava de soluções eficientes que pudessem assegurar a continuação do domínio<br />

lusitano. Desse modo é cria<strong>da</strong> a Província de Santa Catarina, em 1738, quando são<br />

desmembrados os territórios <strong>da</strong> Ilha de Santa Catarina e do continente do Rio Grande de<br />

São Pedro, que passam agora a ser subordinados ao Rio de Janeiro e não mais a São Paulo.<br />

Com o novo estatuto jurídico-administrativo, a região passa a ter um governador de<br />

Província que levaria a cabo o projeto de fazer o Estado luso mais presente a essa região<br />

tão periférica e entregue a sua própria sorte, passando então Santa Catarina a ser o ponto<br />

mais meridional <strong>da</strong> soberania portuguesa no território americano. 25<br />

Data desse período também o projeto <strong>da</strong> imigração açoriana. Esses homens e<br />

mulheres oriundos <strong>da</strong>s ilhas Atlânticas integram, a partir de 1750, a população existente na<br />

recente Província de Santa Catarina. Trata-se de uma ação que visa solucionar um<br />

problema que aconteceu: as três vilas cria<strong>da</strong>s no século anterior acabaram sendo<br />

populações isola<strong>da</strong>s umas <strong>da</strong>s outras.<br />

Concentrando-se principalmente na Vila de Desterro e região, essas novas famílias<br />

passaram a fazer parte e contribuir para um mosaico étnico que continha além dos<br />

insulares, descendentes de vicentistas, índios, mestiços e negros.<br />

Segundo Saint-Hilaire que esteve na Província sulina na déca<strong>da</strong> de 1820 - porém<br />

escreveu suas notas de viagem só na déca<strong>da</strong> de 1840 - Santa Catarina, no ano de 1750, só<br />

tinha 147 homens brancos, poucos índios, aprisionados ou que se juntaram pacificamente<br />

aos portugueses, e alguns negros livres 26 . Cerca de meio século depois <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

primeira leva de imigrantes açorianos, a população <strong>da</strong> província já chegava a 23 865<br />

25<br />

PIAZZA, Walter F., HÜBENER, Laura Machado. SANTA CATARINA HISTÓRIA DA GENTE.<br />

Florianópolis : Lunardelli, 1989. p. 33.<br />

26<br />

Essa informação embasa a idéia de escravos que adquiriam a manumissão se enfiavam para os confins<br />

do Brasil na busca de terras livres para a agricultura e como não podia deixar de ser, a região meridional<br />

do Brasil passa a ser um desses locais de esperanças negras em busca <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de desassisti<strong>da</strong> pelo<br />

homem branco. Vale lembrar que são informações cita<strong>da</strong>s por Saint-Hilaire como sendo <strong>da</strong> província<br />

como um todo e não só <strong>da</strong> Ilha de Santa Catarina, Desterro. Porém sugiro que a fonte do autor, o viajante<br />

FRAZIER só tenha realmente conhecido a Ilha de Santa Catarina. Na época <strong>da</strong> viagem de FRAZIER, já<br />

existiam vilas com aproxima<strong>da</strong>mente 50 anos de fun<strong>da</strong>ção, o que nos leva a crer que os habitantes <strong>da</strong><br />

província fossem maior do que o sugerido por FRAZIER e aceito por Saint-Hilaire.<br />

15


indivíduos e em 1812 já eram contabilizados 33 049 habitantes, entre esses, 7 578 eram<br />

escravos e 665 eram negros ou mulatos livres. 27 Portanto, quase 23% <strong>da</strong> população era<br />

composta por escravos e, se acrescentado o número de mestiços e livres, o número<br />

chegava a quase 25%. Desse modo, o mito criado de que Santa Catarina era uma Província<br />

eminentemente branca é uma falácia. Muitos autores que escreveram tal coisa estão mais<br />

atentos aos processos migratórios dos europeus no século XIX do que na formação inicial<br />

de núcleos consideráveis de população na região sul.<br />

O padre Aires de Casal escreveu seu tratado de geografia intitulado Corografia<br />

Brasílica pouco antes <strong>da</strong>s an<strong>da</strong>nças do viajante francês por Santa Catarina. A primeira<br />

edição <strong>da</strong> obra de Casal entra no prelo em 1817 e sai impressa pela Tipografia Real no ano<br />

de 1818. Vale ressaltar que o padre nunca colocou a sola dos pés na Província sulina,<br />

entretanto, dedicou um capítulo inteiro para discorrer sobre a natureza e a população do<br />

local, de modo tal que o padre afirma: “A maior parte <strong>da</strong> população desta Província<br />

(Santa Catarina) he oriun<strong>da</strong> <strong>da</strong>s ilhas dos Açores: os Negros (sic) não sam numerozos, e<br />

os Mestiços (sic) ain<strong>da</strong> menos”. Ora, ou o conceito de numerosos do padre é bastante<br />

diferente do censo comum ou há outras questões imbrica<strong>da</strong>s na sua escolha.<br />

Dentre essas questões se torna interessante anotar que, além do dito padre nunca ter<br />

vindo para o Sul, era ele um intelectual de Corte, que não estava preocupado com rigor e<br />

método científico. Além do mais, no microcosmo <strong>da</strong> Corte o que vale é promover a sua<br />

própria classe e isso estava se <strong>da</strong>ndo pela postura do autor em deixar as terras do Rei mais<br />

“Brancas”.<br />

O comprometimento do padre com o rei pode ser apreendido pelas cartas troca<strong>da</strong>s<br />

entre os mesmos. Casal pede e ganha do rei à mercê <strong>da</strong> publicação e monopólio na ven<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> sua obra, por um período de 14 anos, e o rei percebe na obra do padre uma valorosa<br />

contribuição para o conhecimento dos confins, assim como <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des do seu<br />

Império. 28<br />

Dentro <strong>da</strong> intenção do padre de promover a monarquia de D. João VI, podem-se<br />

localizar as suas investi<strong>da</strong>s ao acrescentar em seu livro, que possui o sugestivo título de<br />

Corografia Brasílica, a descrição dos territórios <strong>da</strong> atual república do Uruguai, boa parte<br />

do Paraguai, algumas províncias argentinas, assim como a Guiana. É de se sugerir,<br />

inclusive, que essa obra se mostrou como um belo trabalho aos olhos dos ideólogos <strong>da</strong><br />

27 SAINT-HILAIRE, August. Viagem a Curitiba e a Província de Santa Catarina. São Paulo:<br />

Itatiaia/Edusp, 1978. pp. 128. O autor recolhe esses <strong>da</strong>dos de SOUTHEY.<br />

28 AIRES de CASAL, Manuel. Corografia Brasílica. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945. 1° Ed :<br />

1817. A sessão <strong>da</strong>s trocas de cartas não possui número de páginas.<br />

16


idéia de Império Luso-Brasileiro, afinal de contas uma obra que chegava a ampliar as<br />

fronteiras e já via como certa a manutenção de locali<strong>da</strong>des recém conquista<strong>da</strong>s era algo<br />

muito engrandecedor. Para Caio Prado Jr. tal incorporação está mais vincula<strong>da</strong> numa velha<br />

preocupação de fronteiras “naturais”, isto é, fixa<strong>da</strong>s por acidentes geográficos marcantes<br />

(nesse caso, a hidrografia americana) 29 . Com essa análise, Caio Prado absolve Casal de<br />

qualquer pretensão a ideólogo <strong>da</strong> monarquia, entretanto, não é descarta<strong>da</strong> a apropriação<br />

feita <strong>da</strong> sua obra pelos pensadores do Estado luso-brasileiro. 30<br />

Além do padre Aires de Casal, outro ilustre cronista conhecido como Visconde de<br />

São Leopoldo (que chegou a visitar a vila de Desterro), também relata certa prosperi<strong>da</strong>de<br />

na Província de Santa Catarina. Para este último, a ilha de Santa Catarina:<br />

“... mereceu ser em 1726 cria<strong>da</strong> Vila, com a denominação de Desterro; ... posteriormente...,<br />

povoa<strong>da</strong> de quase vinte mil almas, prosperando em comércio pela comodi<strong>da</strong>de e segurança do seu<br />

porto, declarado franco pelo tratado 22 do Tratado de Comércio de 19 de fevereiro de 1810,<br />

celebrado com a Grã-Bretanha, foi-lhe <strong>da</strong>do um juiz de fora do cível, crime e órfãos por alvará de<br />

17 de junho de 1811; na independência do Brasil a vila do Desterro foi eleva<strong>da</strong> à categoria de<br />

ci<strong>da</strong>de, por Carta de Lei de 20 de Março de 1823...” 31<br />

São Leopoldo, mesmo caracterizando em seus escritos Santa Catarina como<br />

“...província do Império de segun<strong>da</strong> ordem....” , ain<strong>da</strong> assim sugere certa prosperi<strong>da</strong>de<br />

material para a região. Mas, ao contrário deste último cronista, o padre Pizarro e Araújo<br />

insinua que a província sempre enfrentou muitas dificul<strong>da</strong>des. Nas palavras do religioso:<br />

“Mesmo com tal crescimento populacional, a produção e o comércio não floresceu e a<br />

Província continuou a viver em estado de penúria”. Pizarro levanta a questão <strong>da</strong>s<br />

dificul<strong>da</strong>des econômicas advirem <strong>da</strong> precarie<strong>da</strong>de nos transportes <strong>da</strong> produção, assim<br />

como <strong>da</strong> comunicação entre os lugarejos, além do infindável número de homens que<br />

sempre são absorvidos pelas obrigações militares em detrimento do trabalho que esses<br />

poderiam estar imprimindo a terra. Além disso, outro fator que, segundo o padre, trouxe<br />

carestia à região foi à toma<strong>da</strong>, sem ser efetuado qualquer espécie de pagamento, de farinha<br />

pelos Armazéns Reais. 32<br />

29 AIRES de CASAL, Manuel. Op. Cit. p. 20<br />

30 Porém, Casal enquanto alguém engajado na corte fluminense, sem dúvi<strong>da</strong>s nenhuma tinha o interesse<br />

de agra<strong>da</strong>r El-Rey, de modo tal que não se pode descartar totalmente a sua premeditação em colaborar<br />

com a monarquia.<br />

31 PINHEIRO, José Feliciano Fernandes. Anais <strong>da</strong> Província de São Pedro. Petrópolis, Vozes (col:<br />

Dimensões do Brasil), 1978.1° Ed : 1819. p. 218.<br />

32 PIZARRO E ARAUJO, Jose de Souza Azevedo. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:<br />

Imprensa Nacional, 1948. Vale lembrar que seguindo sugestões como a de Pizarro e Araújo, autores como<br />

Walter Fernando Piazza, Laura Machado Hübener e Fernando Henrique Cardoso foram induzidos a afirmar que<br />

o comércio <strong>da</strong> Província de Santa Catarina era praticamente nulo, usando como argumentos às idéias de que a<br />

17


Dessa forma, há um impasse entre os três autores até agora utilizados. O primeiro,<br />

Aires de Casal, entende a região como um local de certa prosperi<strong>da</strong>de econômica,<br />

considerando a vila de Desterro como abasta<strong>da</strong>, a de São Francisco como uma locali<strong>da</strong>de<br />

de porte médio e apenas Laguna como uma região sem muita expressão econômica. 33<br />

Também percebendo na locali<strong>da</strong>de certo sucesso material, tem-se José Feliciano<br />

Fernandes Pinheiro, mais conhecido por visconde de São Leopoldo. Este último dá uma<br />

atenção especial em sua obra as vilas de Laguna e Desterro, deixando de lado maiores<br />

informações sobre São Francisco. É provável que o cronista, na ver<strong>da</strong>de, nunca tenha ido a<br />

São Francisco, advindo <strong>da</strong>í a sua omissão. Vale lembrar também que, por ser governador<br />

de São Pedro, e por esta província estar mais próxima a Laguna e Desterro, era mais fácil<br />

tomar conhecimento de notícias sobre as duas últimas vilas. Quando o visconde esboça<br />

algumas palavras sobre São Francisco do Sul, essas são to<strong>da</strong>s basea<strong>da</strong>s nos registros<br />

produzidos por Saint-Hilaire, do qual era amigo. 34 Já o padre Pizarro e Araújo, ao<br />

contrário dos dois primeiros, relata como visto acima, que as condições de vi<strong>da</strong> na<br />

Província sulina não eram na<strong>da</strong> fáceis.<br />

To<strong>da</strong>via, como será que Saint-Hilaire, enquanto viajante que mais tempo passou na<br />

região, percebia a situação material e social? Pois bem, para este viajante, “a província é<br />

pobre”, e as pessoas do litoral, desde Paranaguá até Desterro são em boa parte, “...<br />

mestiços...;... indolentes...;... se alimentam mal...; ... comem terra...; [e]... se entregam a<br />

libertinagem 35 ”. É claro que não se pode levar ao pé <strong>da</strong> letra as conclusões do francês que<br />

veio para o Brasil a serviço do governo do seu país e que escreveu seus relatos quase vinte<br />

anos depois de sua passagem por aqui.<br />

Entretanto, Saint-Hilaire é o autor que mais fornece informações sobre a vi<strong>da</strong> social<br />

e econômica <strong>da</strong> região, principalmente sobre São Francisco do Sul, alvo desta pesquisa.<br />

Este relata que as mulheres <strong>da</strong> vila não são ariscas como as do norte mineiro, sendo<br />

comum conversar com sujeitos recém-chegados, não se “esquivando” do viajante.<br />

Sobre o comércio local e a movimentação portuária, Saint-Hilaire relata “um<br />

elevado número de tavernas e várias lojas sorti<strong>da</strong>s 36 ”, sugerindo certa circulação de bens<br />

população masculina era, em grande numero, absorvi<strong>da</strong>s pelo serviço militar e que o calote real desestimulou os<br />

investimentos dos habitantes <strong>da</strong> região na agricultura. Segundo palestra recente <strong>da</strong> professora Beatriz Gallotti<br />

Mamigonian, houve, no mínimo desde o começo do século XIX, intensas ativi<strong>da</strong>des liga<strong>da</strong>s a agricultura e<br />

utilizando-se de mão-de-obra escrava, ao contrário do que foi escrito por Piazza, Cardoso e Osvaldo Cabral, que<br />

negam a existência de números significativos de escravos na Província.<br />

33 AIRES de CASAL, Manuel. Op. Cit. Pp 196-199.<br />

34 PINHEIRO, José Feliciano Fernandes. Op Cit. pp. 232-238.<br />

35 SAINT-HILAIRE, August. Op. Cit. pp. 97-185.<br />

36 SAINT-HILAIRE, August. Op. Cit. pp 143<br />

18


e capital pela vila, comprova<strong>da</strong> pela oferta de produtos que não existiria se não houvesse<br />

um mercado capaz de consumi-las.<br />

São Francisco do Sul também mostrava uma determina<strong>da</strong> inserção dentro do<br />

comércio de abastecimento do mercado interno. Seus principais produtos eram a farinha,<br />

madeira e conchas para o fabrico de cal, mas a farinha de mandioca era o produto mais<br />

exportado, tanto em volume como em receitas. Em contraparti<strong>da</strong>, recebia produtos de<br />

Paranaguá, Rio de Janeiro, Santos etc... É provável que a região tenha se vinculado a<br />

comerciantes cariocas naquilo que João Fragoso e Manolo Florentino chamaram de<br />

“adiantamento/endivi<strong>da</strong>mento 37 ”. Ou seja, os cariocas assumiam o papel de fornecedores<br />

de escravos, assim como outras mercadorias não encontra<strong>da</strong>s na vila e em contraparti<strong>da</strong><br />

recebiam principalmente farinha para seu próprio consumo ou para uma redistribuição<br />

dentro do mercado interno; ou como no caso <strong>da</strong> cachaça, que também era produzi<strong>da</strong> na<br />

vila, a usavam para funcionar como moe<strong>da</strong> de troca no tráfico transatlântico.<br />

Segundo Saint-Hilaire, “em 1819, quinze embarcações, quase to<strong>da</strong>s destina<strong>da</strong>s a<br />

capital e seis delas pertencentes a comerciantes <strong>da</strong> região, foram buscar mercadorias ali,<br />

composta de farinha de mandioca, arroz e tabuas”. Isso nos mostra uma ação onde os<br />

cariocas descarregavam produtos na vila e depois carregavam suas embarcações com<br />

mercadorias exporta<strong>da</strong>s por São Francisco. O processo contrário também acontecia onde<br />

mercadores locais carregavam seus bergantins ou sumacas com mercadorias para<br />

exportação, levando-as até o porto carioca para novamente carregarem seus navios com<br />

importações.<br />

João Fragoso mostra em seu trabalho uma tabela com os levantamentos <strong>da</strong><br />

movimentação portuária de entra<strong>da</strong>s de mercadorias no porto fluminense nos anos de<br />

1812, 1813, 1814, 1817, 1822. Esses <strong>da</strong>dos foram extraídos <strong>da</strong> Gazeta do Rio de Janeiro 38 .<br />

Na dita tabela, Santa Catarina ocupa em alguns momentos o segundo lugar no volume de<br />

exportações, atrás somente do Rio Grande do Sul. Isso ocorre nos anos de 1812 e 1814.<br />

Nos anos de 1813, 1817 e 1822, tem além do Rio Grande do Sul, Cabo Frio a sua frente no<br />

volume exportado.<br />

Isso sugere que os mercadores <strong>da</strong> vila foram atores de uma movimentação<br />

considera<strong>da</strong> de produtos e capital, provavelmente gerando alguns excedentes e permitindo<br />

37 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O Arcaísmo como projeto: Mercado atlântico, socie<strong>da</strong>de<br />

agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840. Rio de Janeiro<br />

: Civilização Brasileira, 2001.<br />

38 FRAGOSO, João Luís. Homens de Grossa Aventura: Acumulação e Hierarquia na Praça Mercantil do<br />

Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. pp. 106-108.<br />

19


processos de acumulação endógena via participação no fornecimento de alimentos para o<br />

mercado interno.<br />

Segundo os <strong>da</strong>dos de Saint-Hilaire, em 1820, a vila de São Francisco possuía um<br />

total de 4 028 habitantes, desses, 871 eram cativos, ou seja, o equivalente a<br />

aproxima<strong>da</strong>mente 21,6% <strong>da</strong> população. Esses números, se levados a sério, sugerem que a<br />

ca<strong>da</strong> cinco habitantes, um era cativo, portanto que foi uma mão-de-obra utiliza<strong>da</strong><br />

intensamente para a produção, provavelmente de forma campesina e não de plantation. 39<br />

Já para 1841, Saint-Hilaire traz que a população total na paróquia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de era de 6 536 e<br />

destes, 1 057 eram escravos 40 , reduzindo assim a proporção de 21,6 para 16,1% de<br />

escravos num período de vinte anos. Temos aí duas possibili<strong>da</strong>des: a primeira é que a<br />

proibição do tráfico na déca<strong>da</strong> de 1830 tenha afetado o fornecimento de peças para a vila;<br />

a segun<strong>da</strong> estaria vincula<strong>da</strong> a um possível gra<strong>da</strong>tivo período de desaquecimento no<br />

comercio <strong>da</strong> farinha, o que geraria menos investimentos por parte dos produtores e<br />

mercadores. Entretanto, ambas as situações são hipóteses que necessitam de uma análise<br />

mais atenta em fontes primárias.<br />

O fato é que já na primeira déca<strong>da</strong> do século XIX, houve um forte aquecimento na<br />

comercialização <strong>da</strong> farinha. Entre 1799 e 1811, segundo Fragoso, a farinha já apresenta<br />

números superiores ao do açúcar, sugerindo que o mercado interno se mostrava muito mais<br />

atrativo do que a plantation agro exportadora, de modo que as receitas são positivas tendo<br />

a farinha uma média de crescimento de 10,4% ao ano. 41<br />

Além disso, o Rio de Janeiro não era o único e talvez nem o mais importante<br />

mercado comprador <strong>da</strong> farinha de São Francisco do Sul, o porto de Santos também<br />

comprava mercadorias <strong>da</strong> Vila. No ano de 1801, São Francisco bateu o recorde quanto à<br />

farinha de mandioca que chegou ao porto santista, num total de 950 alqueires gerando uma<br />

ren<strong>da</strong> de 460$000 réis. 42<br />

Em 1818 os números <strong>da</strong> farinha em volume diminuem para 800 alqueires, mas a<br />

receita aumenta para 880$000 réis, e além <strong>da</strong> farinha, aparece também arroz (56$000) e<br />

tábuas (553$000). Com um total de 1:489$000 réis exportado, São Francisco do Sul<br />

apresenta um desempenho melhor do que Desterro, que só atinge 421$200 réis no<br />

39<br />

Cf Teodor Shanin : Este autor define produção camponesa como sendo de caráter familiar, ou seja,<br />

mesmo que se use mão-de-obra escrava, está apenas tem a função de complementar a força de trabalho,<br />

não sendo, portanto a economia fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> de forma colossal nesse tipo de trabalhador e sim no<br />

trabalho familiar. IN:FRAGOSO, João Luís. Op. Cit.<br />

40<br />

SAINT-HILAIRE, August. Op. Cit. pp 146.<br />

41<br />

FRAGOSO, João Luís. Op. Cit. p. 20<br />

42<br />

Anais do Museu Paulista. Tomo XV, São Paulo: 1961 p. 59.<br />

20


comércio com Santos. Mas, tanto Desterro como São Francisco do Sul apresentam balança<br />

comercial desfavorável. A primeira importou de Santos 1:469$600 e a segun<strong>da</strong><br />

3:047$960. 43 Talvez esse déficit com Santos poderia ser compensado com um superávit no<br />

comércio com outras regiões, ou talvez a vila importava mais do que exportava. Ain<strong>da</strong> são<br />

necessários a leitura de documentos primários que tragam essas informações, mas isso não<br />

será desenvolvido na presente pesquisa.<br />

Portanto, pode-se afirmar com to<strong>da</strong> a certeza <strong>da</strong><strong>da</strong> pela documentação que São<br />

Francisco do Sul possuía uma elite mercantil que em certo sentido possuía estabili<strong>da</strong>de por<br />

não depender de modo sistemático do mercado externo, sempre tão repleto de oscilações.<br />

A plantação e comercialização de produtos essências para a sobrevivência, como é o caso<br />

<strong>da</strong> farinha, garantiu como visto acima, nas primeiras déca<strong>da</strong>s do século XIX boas receitas<br />

para essa elite mercantil.<br />

A historiografia mais recente tem colocado que, ao contrário do que se pensava, a<br />

classe abasta<strong>da</strong> do Brasil não era a dos fazendeiros, mas sim os comerciantes. Esses<br />

detinham o grosso do capital financeiro circulante. Os homens de negócios passam a<br />

introjetar o “ideal aristocrático que consistia em transformar a acumulação gera<strong>da</strong> na<br />

circulação de bens em terras, homens e sobrado. Constituía-se, assim, uma economia<br />

colonial tardia, arcaica por estar fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na contínua reconstrução <strong>da</strong> hierarquia<br />

excludente.” 44 . Desse modo temos uma classe de afortunados pelo comércio que ostentam<br />

os modos de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> classe agrária.<br />

A presente pesquisa ain<strong>da</strong> não consegue sustentar que a elite mercantil era também<br />

detentora de terras e bens, entretanto, é possível a constatação de que muitos dos<br />

mercadores <strong>da</strong> região foram eleitos para cargos <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do<br />

Sul.<br />

Ao comparar os nomes arrolados nas atas nos anos de 1821 e 1829 que ocupavam<br />

cargos <strong>da</strong> administração pública com uma pequena relação de donos de embarcações,<br />

acharam-se alguns indivíduos que pertenciam a ambas as listas. Os eleitos foram<br />

encontrados nas atas <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul 45 e os donos de<br />

embarcações mercantes numa pequena lista não serial <strong>da</strong> Relação dos Passaportes<br />

43 Boletim do Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo. São Paulo: 1943. pp. 51 e 55.<br />

44 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. Op. Cit. P. 21.<br />

45 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul. Sem número <strong>da</strong> folha.<br />

21


Expedidos pela Secretária do Governo <strong>da</strong> Ilha de Santa Catharina 46 . Esse material abrange<br />

apenas de fevereiro de 1812 até outubro do mesmo ano.<br />

Foram eleitos quatro homens como eleitores em 1821. Desses, o Capitão e Juiz<br />

Ordinário Antonio Carvalho Bueno e Jacinto Fernandes Dias possuíam embarcações. O<br />

primeiro teve uma sumaca sua de nome Princesa Leopoldina com capaci<strong>da</strong>de de carga<br />

de seis mil arrobas, apresa<strong>da</strong> por corsários argentinos. 47 Antonio de Carvalho Bueno<br />

aparece por diversas vezes nas atas <strong>da</strong> Câmara nos anos de 1821 e 1829, ora como Juiz<br />

Presidente de sessões, ora como vereador. Até em 1835 são encontra<strong>da</strong>s referencias a<br />

seu nome como vereador.<br />

Já as sumacas de Jacinto Fernandes Dias apresentam o maior número de<br />

passaportes pedidos a Secretária <strong>da</strong> Ilha de Santa Catarina. São contados três sumacas<br />

pertencentes a Dias de um total de cinco embarcações de comerciante de São Francisco<br />

do Sul. Das dez requisições de passaportes, sete eram para as sumacas N. S. <strong>da</strong> Graça<br />

(com três pedidos), S. Francisco de Paula (com dois pedidos) e Vencedora (com dois<br />

pedidos também) 48 . To<strong>da</strong>s às vezes as suas embarcações estavam indo ou vindo do Rio<br />

de Janeiro, portanto a maior parte <strong>da</strong>s suas transações comerciais era feita com o porto<br />

do carioca. Vale lembrar que essa lista <strong>da</strong>ta de 1812, ano em que de acordo com a<br />

Gazeta do Rio de Janeiro, Santa Catarina ocupa o segundo lugar no volume comercial<br />

do Rio de Janeiro, atrás somente do Rio Grande do Sul.<br />

Algumas ressalvas devem ser feitas a essa documentação. A primeira delas é que<br />

sua abrangência é de apenas alguns meses, mais ou menos sete. A outra, e mais<br />

importante, é a de que essa documentação corresponde a um passo burocrático que as<br />

embarcações deveriam <strong>da</strong>r.<br />

Um fator leva a crer que São Francisco do Sul não respeitasse to<strong>da</strong> essa regra.<br />

Esse fator na<strong>da</strong> mais é do que a constatação de que para conseguir o dito passaporte, as<br />

sumacas de São Francisco eram obriga<strong>da</strong>s a se dirigirem para o sul, em Desterro, para<br />

depois retornar para a rota comercial que era no sentido norte. As três sumacas de<br />

Jacinto Fernandes Dias se dirigiam para o Rio de Janeiro, exigindo uma rota no sentido<br />

46 (RIHGSC) Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Vol III, 1914: Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices. 1915. pp. 94-101.<br />

47 Op. Cit. RIHGSC. p 101<br />

48 A documentação é confusa em relação ao senhorio dessas embarcações. Num dos passaporte, as<br />

sumacas N. S. <strong>da</strong> Graça e S. Francisco de Paula aparcem como pertencentes a Francisco de Paula Reis.<br />

Pode ter ocorrido alguma confusão na transcrição feita pelo RIHGSC ou os dois indivíduos podem ter<br />

tido alguma espécie de socie<strong>da</strong>de.<br />

22


sul-norte; em na<strong>da</strong> convinha ir mais ao sul para depois voltar todo o percurso referente à<br />

distância de Desterro a São Francisco.<br />

As demais embarcações também tinham sua rota comercial aponta<strong>da</strong> para o<br />

norte. Nove dos dez passaportes indicavam o Rio de Janeiro e apenas um tinha<br />

Pernambuco como destino. Uma possibili<strong>da</strong>de é que essas embarcações que foram a<br />

Desterro o fizeram por necessi<strong>da</strong>des comerciais, não muito preocupa<strong>da</strong>s com suas<br />

atribuições burocráticas, a fim de completar uma carga ou descarregar mercadorias, mas<br />

na<strong>da</strong> pode ser afirmado categoricamente.<br />

Das quase cinqüenta concessões de passaportes arrola<strong>da</strong>s na lista <strong>da</strong> Secretária<br />

do Governo <strong>da</strong> Ilha de Santa Catarina, apenas oito são para as embarcações de São<br />

Francisco. Em partes, esses baixos números em relação a Desterro e Laguna podem<br />

também serem explicados pelas sugestões <strong>da</strong><strong>da</strong>s acima.<br />

Além de Antonio Carvalho Bueno e Jacinto Fernandes Dias, também estava na<br />

relação Francisco de Paula Reis que foi eleito superintendente; também tinha o nome na<br />

lista de compromissários os donos de embarcações de José Francisco <strong>Pereira</strong> e José<br />

Joaquim de Souza. Este último tem como indicação na fonte que além de ser o senhorio<br />

<strong>da</strong> embarcação, também é o mestre, demonstrando ser um comerciante menos abastado.<br />

Sua embarcação também era menor classifica<strong>da</strong> como lancha.<br />

23


3. Sobre a relação <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul com outras instâncias<br />

administrativas.<br />

Nesta parte do trabalho serão feitas algumas discussões sobre como se <strong>da</strong>va a<br />

relação de São Francisco do Sul com as diversas instâncias. Entre elas pode-se citar a<br />

Junta <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong>, a Junta Governativa <strong>da</strong> Província, as Cortes Constituintes, a<br />

Governadoria <strong>da</strong> Província, outras Câmaras e o Imperador. Vale lembrar que a partir de<br />

1821, as Juntas Governativas irão centralizar a administração <strong>da</strong>s Províncias. A Junta <strong>da</strong><br />

Real Fazen<strong>da</strong> passará a ser controla<strong>da</strong> por ela e o cargo de governador <strong>da</strong> Província será<br />

extinto, passando-se suas atribuições também para a Junta Governativa.<br />

O corpo documental utilizado foi o <strong>da</strong>s correspondências <strong>da</strong> Câmara, tanto as<br />

recebi<strong>da</strong>s como as emiti<strong>da</strong>s. Trata-se de um material muito fragmentário que não<br />

permite fechar questões devido ao seu caráter unilateral. Na maioria dos pontos, têm-se<br />

apenas ou a visão <strong>da</strong> Câmara de São Francisco ou a <strong>da</strong>s demais esferas administrativas.<br />

Entretanto, a partir delas, discussões de suma importância para o desenvolvimento do<br />

trabalho surgem, permitindo, mesmo que sem muitas conclusões, avaliar uma série de<br />

relações.<br />

Sabe-se que essas correspondências/petições eram uma espécie de canal de<br />

expressão e de protesto autorizado pela coroa, a qual reconhecia o poder terapêutico que<br />

poderia ter um espaço de comunicação entre rei e súditos. Partindo para questões<br />

imagéticas, temos como ilustração desse ato uma imagem extremamente recorrente na<br />

literatura <strong>da</strong> época do Antigo Regime 49 : a figura do pai que ouvia os seus filhos.<br />

Portanto, tratam-se de documentos que contém uma grande riqueza de detalhes, <strong>da</strong>do o<br />

seu caráter não burocrático – a correspondência não fazia parte dos cerimoniais, nem<br />

<strong>da</strong>s obrigações administrativas. Era um documento produzido pelas necessi<strong>da</strong>des<br />

momentâneas, o que permite ao historiador a obtenção de fotografias muito particulares<br />

e localiza<strong>da</strong>s <strong>da</strong> época. À medi<strong>da</strong> que uma série de questões vão se repetindo nessas<br />

fotografias pode-se adentrar um pouco mais ao contexto do local, captando e<br />

apreendendo uma série de anseios e deman<strong>da</strong>s <strong>da</strong> elite e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de como um todo.<br />

49 CARDIM, P., O. "Quadro Constitucional. Os Grandes Paradigmas de Organização Política: A Coroa e a Representação do Reino. As Cortes" In HESPANHA,<br />

A M. História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), Lisboa, Editorial Estampa, vol. 04, 1993.<br />

24


3.1 Da relação entre a Câmara de São Francisco com as Cortes Gerais.<br />

A relação entre a Câmara Municipal de São Francisco do Sul e as Cortes Gerais<br />

reuni<strong>da</strong>s em Lisboa no começo <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1820 se configura como uma situação<br />

conjuntural. Não se trata de uma relação estabeleci<strong>da</strong> de longa <strong>da</strong>ta, pois as Cortes<br />

Gerais se firmaram enquanto esfera administrativa na déca<strong>da</strong> de 1820 50 , em decorrência<br />

<strong>da</strong> Revolução do Porto, e sua permanência enquanto fórum legítimo só vai até o ano de<br />

1822, quando se processa a emancipação política do Brasil.<br />

A Câmara de São Francisco do Sul redigiu uma carta em 1821 para que chegasse<br />

as Cortes - quiçá ao rei D. João VI - por meio do deputado eleito pela Província de<br />

Santa Catarina, Lourenço Rodrigues de Andrade. Sabe-se que este deputado tomou<br />

assento nas Cortes na <strong>da</strong>ta de 19 de novembro de 1821 51 e provavelmente deve ter<br />

levado àquela instância essa e outras petições, entretanto na<strong>da</strong> consta no acervo <strong>da</strong><br />

Câmara Municipal de São Francisco do Sul que indique um retorno as reclamações<br />

feitas nessa carta. Talvez não tenha <strong>da</strong>do tempo tendo em vista que as Cortes Gerais, já<br />

em 1822 com o processo de independência, passaram a não representar mais na<strong>da</strong><br />

dentro <strong>da</strong> organização política do Brasil.<br />

Nesta correspondência específica pode-se perceber que as diversas reclamações<br />

tendem a propor uma revisão <strong>da</strong> relação existente entre São Francisco do Sul e uma<br />

série de outras instâncias administrativas. 52 . Essas reclamações caminham de maneira<br />

sistemática na direção de uma revisão <strong>da</strong> questão tributária.<br />

Em suma, se trata de uma relação, como citado acima, conjuntural. Pela<br />

documentação apresenta<strong>da</strong> é permitido entender melhor como São Francisco se<br />

enxergava ou procurava se mostrar em relação às esferas que considerava prejudicial ao<br />

seu desenvolvimento do que propriamente trazer luz a uma suposta afini<strong>da</strong>de com as<br />

Cortes Constituintes.<br />

50 Aqui é claro que considerando apenas o recorte <strong>da</strong> presente pesquisa, pois é sabido que as Cortes<br />

portuguesas vão ter uma extensa atuação política no século XVII.<br />

51 TOMAZ, Fernando. Brasileiros Nas Cortes Constituintes de 1821-1822. IN: MOTA, Carlos<br />

Guilherme. 1822 Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 101.<br />

52 Como, por exemplo, a Junta <strong>da</strong> Província (termo usado pela fonte para se referir a Junta <strong>da</strong> Real<br />

Fazen<strong>da</strong>) e a governadoria de Santa Catarina.<br />

25


O excerto a seguir traz um pouco do discurso que os camaristas procuraram<br />

propagar na tentativa de ressaltar que as discrepâncias administrativas estavam gerando<br />

uma grave assimetria dentro <strong>da</strong> Província:<br />

“Aqui se emcontra hum Terreno com bastante suficiencia para se poder firmar nelle, huma<br />

grande Villa, e in<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de, asim como formoza Marinha, excelente barra, e estendendo o seo<br />

Destrito a 29 Leguas mais, ou menos, por to<strong>da</strong> esta extenção se imcontrão Terras propias para<br />

Lavoura, e que produzem abun<strong>da</strong>ntes frutos, e pela sua antegui<strong>da</strong>de, e estes respeitos poderia<br />

ter tido hum grande augmento Se não focem as circunstancias, que a tem reduzido ao estado <strong>da</strong><br />

major pobreza, porque principiarão os veixames dos Povos pela maneira que aodiente<br />

proporemos.” 53<br />

Segundo essas autori<strong>da</strong>des locais, a vila tinha totais condições físicas para se<br />

desenvolver, entretanto, entraves que serão expostos e discutidos mais adiante<br />

atrapalhariam e sufocariam o potencial de crescimento <strong>da</strong> região. Termos como “estado<br />

de major pobreza” e “vexaimes dos Povos” remetem a um discurso que visa firmar uma<br />

posição inferior em relação às outras vilas <strong>da</strong> Capitania. Isso pode ser encarado como<br />

uma estratégia de São Francisco, onde ressaltar a assimetria era um caminho para se<br />

buscar maior simetria. Portanto, recorrer as Cortes Gerais, que nesse momento são a<br />

principal esfera do poder central, torna-se uma tentativa de buscar uma maior justiça<br />

distributiva dentro <strong>da</strong> Capitania; essa será apenas uma <strong>da</strong>s inúmeras tentativas que a vila<br />

fará, por intermédio <strong>da</strong> sua Câmara.<br />

3.2 Relação <strong>da</strong> Câmara com o Governador de Província.<br />

Como colocado no início desse capítulo, o cargo de governador <strong>da</strong> Capitania<br />

será extinto com o surgimento <strong>da</strong> Junta Governativa, mas como mais adiante irá se<br />

propor, a diferenciação entre Junta e governador ain<strong>da</strong> não era muito clara para a vila.<br />

Trocavam-se as instituições, mas o que se percebia em São Francisco, enquanto<br />

periferia <strong>da</strong> Capitania era uma continui<strong>da</strong>de de políticas e pessoas ocupando os<br />

principais cargos <strong>da</strong> administração. Devido a tal constatação, se mostra interessante à<br />

53 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

26


pesquisa expor um pouco <strong>da</strong> relação conflitante entre a vila e os governadores anteriores<br />

a criação <strong>da</strong> Junta.<br />

A governadoria <strong>da</strong> Província foi cria<strong>da</strong> em 1747 com algumas atribuições que<br />

seriam: representar a autori<strong>da</strong>de portuguesa nos confins meridionais <strong>da</strong> colônia; garantir<br />

a posse do território contra investi<strong>da</strong>s estrangeiras; além de articular e desenvolver o<br />

comércio na região.<br />

São Francisco, Desterro e Laguna são vilas que foram fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s já no século<br />

XVII 54 . Portanto, a governadoria <strong>da</strong> Província é cria<strong>da</strong> quase um século após os<br />

primeiros germes de colonização. A grande função do primeiro governador <strong>da</strong> Província<br />

é fortificar a região de Desterro diante <strong>da</strong>s ameaças estrangeiras. Foi o medo português<br />

de perder a região que os levou a adotar qualquer medi<strong>da</strong> que atendesse a região de<br />

Desterro, pois até então, a ilha era uma penitenciária ambulante, onde degre<strong>da</strong>dos do<br />

império eram desterrados em Desterro. 55<br />

No princípio não existia uma predileção do poder central em privilegiar essa ou<br />

aquela vila <strong>da</strong> Capitania, entretanto, ao criar a governadoria em Desterro, esta irá com o<br />

passar do tempo adquirir uma posição de destaque dentro do contexto regional, fruto<br />

<strong>da</strong>s regalias administrativas e tributárias de uma capital. Será função <strong>da</strong> elite dessa<br />

locali<strong>da</strong>de, ou de funcionários de fora que lá se estabeleceram, implementar a justiça<br />

redistributiva de recursos. Seja a redistribuição feita por uma família influente ou por<br />

um indivíduo importante, uma aristocracia dominante ou um grupo de burocratas, o fato<br />

é que eles muitas vezes tentarão aumentar seu poder político através <strong>da</strong> maneira pela<br />

qual redistribuem os bens 56 e, aumentando o seu poder político, automaticamente<br />

também estarão fortalecendo o papel <strong>da</strong> vila de Desterro dentro <strong>da</strong> organização regional.<br />

Esse papel de destaque de Desterro passa a se fortalecer ano após ano num<br />

processo natural de solidificação ante os vizinhos <strong>da</strong> Capitania. É claro que tal situação<br />

54 Nossa Senhora <strong>da</strong> Graça do Rio São Francisco foi fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1658 por Manoel Lourenço de Andrade<br />

que recebeu uma procuração de um herdeiro de Pero Lopes de Souza; Nossa Senhora do Desterro foi<br />

fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por Francisco Dias Velho por volta de 1672, porém a morte deste e a conseqüente deban<strong>da</strong><strong>da</strong> de<br />

seus filhos, a população de Desterro quase que desaparece. Essa terá um novo agente fun<strong>da</strong>dor, Manoel<br />

Manso de Avelar, que a partir de 1715 voltará a colonizar Desterro; Santo Antonio dos Anjos de Laguna<br />

tebe sua fun<strong>da</strong>ção <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1680. Ver: PIAZZA, Walter F., HÜBENER, Laura Machado.<br />

SANTA CATARINA HISTÓRIA DA GENTE. Florianópolis : Lunardelli, 1989. pp. 28-31.<br />

55 SALOMON, Marlon. O Exílio <strong>da</strong> Desordem e a Segurança <strong>da</strong> Ilha de Santa Catarina no Século XVIII.<br />

IN: BRANCHER, Ana & AREND, Silvia Maria F. História de Santa Catarina: Séculos XVI a XIX.<br />

Florianópolis: ed. Da UFSC, 2004. pp. 79-92.<br />

56 POLANYI, K. A grande transformação: as origens <strong>da</strong> nossa época. Tradução Fanny Wrobel. Rio de<br />

Janeiro: Campos, 1980. p. 66.<br />

27


de força não seria bem vista pelas demais vilas, entretanto a eficácia <strong>da</strong> capital<br />

prevalece, mas não sem resistências <strong>da</strong>s demais elites locais.<br />

A documentação leva a crer que a relação entre os governadores e São Francisco<br />

do Sul era pauta<strong>da</strong> pela tensão existente, motiva<strong>da</strong> por diferentes projetos. Como numa<br />

relação de gato e rato, Desterro tentava impor os tributos, normalmente por ordem régia<br />

e São Francisco tentava fugir disso o quanto podia. Além <strong>da</strong> questão tributária, o<br />

serviço militar também se mostrava como ponto de atrito entre as duas instâncias.<br />

Em carta resposta 57 do governador João Vieira Tovar Albuquerque, <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 8<br />

de novembro de 1817:<br />

“Recebi a carta de V. Mcês, e vejo seu conteúdo, a respeito <strong>da</strong> grande falta, que dizem faz<br />

nessa Villa e Districto, a sahi<strong>da</strong> de homens para o serviço de Sua Mag.: agradeço o interesse<br />

que tomão a bem de to<strong>da</strong> essa povoação: comtudo eu não posso deixar de puxar alguma gente<br />

desse Districto, por fazer parte desta Capitania, e serem todos Vassallos do melhor de todos os<br />

soberanos, a quem temos huma estreita obrigação de defender, e não só defendemos a Coroa,<br />

mas defendemos os nossos próprios Lares.<br />

Tenho mais a dizer a V. Mcês, que dos sol<strong>da</strong>dos que vierão ficarão somente 8 que para a conta<br />

de 30, que pedi desse Districto, faltão 22; serem Milicianos ou Paizanos he huma e a mesma<br />

cousa. Portanto rogo V. quirão concorrer a bem do Real Serviço, para que venhão mais 10<br />

homens, solteiros e Paizanos, <strong>da</strong>quelles que menos falta fizerem, e não poço deixar de me<br />

persuadir, que em todo esse Districto, na hajão alguns homens vadios, que são exactamente<br />

aquelles que eu mais desejo por fazerem menor falta.<br />

Eu procurarei to<strong>da</strong>s as occaziões em promover todos os interesses de to<strong>da</strong> esta Capitania, pois,<br />

não tenho outro desejo, nem outros interesses combinando estes com os interesses do Serviço de<br />

S. Magestade.<br />

Logo que eu esteja dezembaraçado, conto hir a essa Villa, passar huma revista ao Batalhão<br />

desse Districto, para ver o seu estado, e para o por em uma perfeita organização: espero que<br />

nessa occasião todos os Sol<strong>da</strong>dos e Paizanos se reunão nessa Villa, afim de ter o prazer de os<br />

ver e conhecer a todos.” 58<br />

Essa carta recebi<strong>da</strong> pela Câmara é uma resposta do governador a uma primeira<br />

correspondência que pede a não obrigatorie<strong>da</strong>de do envio de homens de São Francisco<br />

para servirem militarmente fora <strong>da</strong> vila. Entretanto, o governador, em nome dos reais<br />

serviços, se mostra inflexível: pede pelo menos mais dez homens.<br />

Em 23 de novembro de 1817, a Câmara deliberara remeter os dez recrutas que<br />

haviam sido pedidos pelo governador <strong>da</strong> capitania “para o serviço <strong>da</strong> campanha”,<br />

para a guerra que se travava no Sul. Os recrutas achavam-se presos e as conduções<br />

estavam prepara<strong>da</strong>s. Na mesma ocasião, apresentou-se a Câmara o sargento de<br />

milícias Salvador Estevão <strong>da</strong> Silva e por ele foi dito que quatro noites antes, prendera<br />

57<br />

Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol VIII : Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1919. p. 61.<br />

58<br />

Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol VIII : Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1919.<br />

28


Prudente Pinto Ribeiro, por ordem <strong>da</strong> Câmara, e ao <strong>da</strong>r-lhe voz de prisão, o recruta<br />

puxou de uma faca de ponta e “com ela não só ultrajou a ele sargento, como feriu um<br />

sol<strong>da</strong>do que o acompanhava”. Recolhido à cadeia, o preso “nela insultou a ele,<br />

sargento, e a to<strong>da</strong>s as autori<strong>da</strong>des com palavras escan<strong>da</strong>losas e prometeu tirar a vi<strong>da</strong><br />

dele, sargento”. E, achando-se o queixoso na sala livre <strong>da</strong> casa <strong>da</strong> Câmara,<br />

coman<strong>da</strong>ndo a guar<strong>da</strong> <strong>da</strong> prisão, ali apareceu inopina<strong>da</strong>mene o P. Hipólito Pinto<br />

Ribeiro, coadjutor do vigário <strong>da</strong> paróquia e irmão do preso. Armado de “duas pistolas<br />

e uma espa<strong>da</strong>”, o padre acometeu o guar<strong>da</strong>, procurando o sargento “para vingar a<br />

prisão do seu irmão” e prometendo tirar-lhe a vi<strong>da</strong>. 59<br />

Não é por menos que a Câmara fugia <strong>da</strong> obrigação de man<strong>da</strong>r homens para<br />

servirem fora de São Francisco. O jeito como eram escolhidos provocava feri<strong>da</strong>s na<br />

comuni<strong>da</strong>de, rompendo certos pactos e colocando em risco a autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> elite local. O<br />

não recrutamento era uma deman<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de local que a elite buscava atender sob a<br />

ameaça de ver, em caso de falha, a sua liderança perder o prestígio. A elite só tinha sua<br />

autori<strong>da</strong>de respeita<strong>da</strong> na medi<strong>da</strong> em que fosse capaz de retribuir a submissão e o<br />

reconhecimento prestado pela comuni<strong>da</strong>de. Uma relação que se dá em uma cadeia de<br />

dom e contradom, poderia ser quebra<strong>da</strong> com a possibili<strong>da</strong>de do recrutamento. A elite<br />

percebe esse perigo de ser a responsável pela quebra do laço social e para que isso não<br />

aconteça, buscará incessantemente saí<strong>da</strong>s para o problema. 60<br />

Esse outro trecho <strong>da</strong> documentação também eluci<strong>da</strong> os sentimentos e as<br />

conseqüências do recrutamento:<br />

“Alem disto tem sido oprimi<strong>da</strong> a Povoação com repetidos recrutamentos para se comporem as<br />

Tropas que guarnecem a Capital cujo procedimento tem redon<strong>da</strong>do em prejuizo ao Paiz, não só<br />

pela evacuação de seus ábitantes, como pela falta que estes fazem a agricultura, e com este<br />

Sentimento de serem tirados de sua Patria para onde Varios não Voltarão como acontece aos<br />

que se axão thé oje, na Campanha do Sul deixando seos propios Lares fugitivos Vivem.” 61<br />

59<br />

PEREIRA, Carlos Costa. História de São Francisco do Sul. Florianópolis; Ed <strong>da</strong> UFSC, 1984. PP. 89-<br />

90.<br />

60<br />

Em suma, o recrutamento deve ser encarado sociologicamente como uma quebra <strong>da</strong>s soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des <strong>da</strong><br />

vila. À medi<strong>da</strong> que a elite não fosse capaz de manter a paz com a permanência dos homens em São<br />

Francisco, ela perde sua função dentro <strong>da</strong> organização social. Nas socie<strong>da</strong>des de antigo regime, a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de caracteriza um projeto social baseado na justiça distributiva e ao mesmo tempo, na rígi<strong>da</strong><br />

hierarquia social. Justiça sendo pratica<strong>da</strong> numa socie<strong>da</strong>de desigual criará formas especificas de<br />

reciproci<strong>da</strong>de. LEVI, Giovanni. Reciproci<strong>da</strong>d Mediterrânea. Revista Tiempos Modernos.<br />

61<br />

Representação <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul envia<strong>da</strong> as Cortes Gerais. Arquivo <strong>da</strong> Câmara de<br />

São Francisco do Sul.<br />

29


Em contraparti<strong>da</strong>, o não recrutamento significava para as autori<strong>da</strong>des locais ter<br />

problemas com a capital <strong>da</strong> Capitania, quebrar a relação com Desterro. Como sair desse<br />

impasse? Mais adiante, na sessão sobre a relação com o imperador, será coloca<strong>da</strong> a<br />

estratégia utiliza<strong>da</strong> por essa elite para resolver esse problema.<br />

As discórdias entre o governador e a vila se deram também de forma indireta. O<br />

tenente-coronel de milícias Francisco de Oliveira Camacho - que tinha a amizade,<br />

amparo e uma relação de compadrio 62 com o governado Tovar Albuquerque 63 - ao<br />

exercer a função de capitão-mor <strong>da</strong> vila, entrou em constantes embates com a Câmara.<br />

De acordo com Documentos trocados entre Câmara/Imperador e Câmara/Junta, os edis<br />

colocam que:<br />

“...o Tenente coronel Francisco de Oliveira Camacho tenha causado a este povo tão grande<br />

desasocego, sem outro fim mais do que o de sustentar e manter sua desmascara<strong>da</strong> opinião<br />

contra a vontade de tantos;” 64<br />

A documentação não esclarece quais eram os problemas do tenente-coronel com<br />

as pessoas <strong>da</strong> terra, mas a ver<strong>da</strong>de é que o dito Francisco de Oliveira Camacho era uma<br />

pedra no sapato <strong>da</strong> elite de São Francisco, pois em diversas oportuni<strong>da</strong>des tomara ele<br />

partido pela causas <strong>da</strong> capital.<br />

Como prova dessa aliança de nível pessoal de Francisco de Oliveira Camacho<br />

com os administradores de Desterro, pode-se conferir que, por ordem régia, fica a cargo<br />

de Desterro encaminhar uma investigação e <strong>da</strong>r um parecer sobre o caso, sendo que esta<br />

o faz favorável ao dito tenente-coronel. 65<br />

<strong>da</strong> tributação:<br />

Outro ponto de atrito constante entre governador e vila era a difama<strong>da</strong> questão<br />

“Já desde os passados Annos, tem esta Povoação sofrido Veixames pela Capital oje Provincia,<br />

porque peSuhindo só duas Villas como São Laguna, e este Rio de Sam Francisco onde quaze<br />

todos Seus ábitantes são lavradores, por isso annualmente por ordem dos Governadores se<br />

fizerão fintas ánuais em farinha de guerra para [ileg.] <strong>da</strong>s Tropas, e estas com tal rigori<strong>da</strong>de<br />

que avalisando-se Suas rossas se lhes taxava o numero de alqueires que devião dár, e com<br />

exactidão tal que acontecem de muintas vezes as dittas rossas não <strong>da</strong>rem aquele numero de<br />

alqueires lhes erá neceSsario comprar para imteirar: depois se proveSe esta mesma finta anual<br />

por derama a porproção <strong>da</strong>s emcha<strong>da</strong>s, e deste trabalho tão laboriozo nem o areceberão<br />

pagamento algum...” 66<br />

62 CABRAL, O swaldo. Juízes de fora. Nossa Senhora do Desterro. 1950.<br />

63 PEREIRA, Carlos Costa. História de... p. 89.<br />

64 Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol IV: Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1915. Carta <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul transcrita <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de<br />

dezembro de 1822.<br />

65 Op. Cit. Ata <strong>da</strong> Sessão 41 transcrita <strong>da</strong>tade de dezembro de 1822.<br />

66 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

30


Portanto, além do inegável mal-estar provocado dentro <strong>da</strong> vila pelo<br />

recrutamento, ain<strong>da</strong> tinha a cobrança de fintas de farinha para as tropas. É difícil<br />

imaginar mesmo que as esferas administrativas de Desterro pudessem ser bem vistas na<br />

periférica São Francisco do Sul. Sua elite se via pressiona<strong>da</strong> pela própria comuni<strong>da</strong>de<br />

local para intervir na busca de uma justiça distributiva. Há, portanto uma busca<br />

imaterial, de justiça e uma busca material, de redistribuição de bens.<br />

O movimento é uma constante dentro desse período: a comuni<strong>da</strong>de pressiona a<br />

elite local, esta, por meio <strong>da</strong> sua Câmara, se movimenta na busca de eqüi<strong>da</strong>de - do justo<br />

que domina uma socie<strong>da</strong>de desigual, hierarquiza<strong>da</strong> e corporativa; justo segundo os<br />

princípios <strong>da</strong> justiça distributiva: a ca<strong>da</strong> um de acordo com seu status social. 67<br />

Desterro também sabia equilibrar as tensões na medi<strong>da</strong> em que era capaz de<br />

estabelecer alianças com indivíduos <strong>da</strong> vila. Foi citado o caso do tenente-coronel de<br />

milícias Francisco de Oliveira Camacho. Essas estratégias individuais e localiza<strong>da</strong>s<br />

normalmente se <strong>da</strong>vam com os indivíduos que ocupavam os cargos militares que eram<br />

nomeados pelo governador; a nomeação era um início de alianças e formação de uma<br />

cadeia de dom/contradom.<br />

Esses chamados coman<strong>da</strong>ntes deveriam prestar sempre total apoio ao<br />

governador, sendo leais a autori<strong>da</strong>de dele. Não se pedia que enfrentasse as autori<strong>da</strong>des<br />

locais, entretanto, a figura de poder maior que deveria orbitar na vi<strong>da</strong> desses indivíduos<br />

era a do governador.<br />

“Deve conservar a amizade do Reverendo vigário e igualmente tel-a com a câmara, capitãomor,<br />

capitães de auxiliares, deixando-lhes livres as suas privativas jurisdicções, <strong>da</strong>s quaes devese<br />

instruir quando for possível, para que não deixem usurpar as que lhe pertencem na quali<strong>da</strong>de<br />

militar, que representa nesta villa no poder a pessoa do Illmo. Snr. Governador desta Capitania,<br />

por abandonar a sua autori<strong>da</strong>de e offender ao sagrado respeito que se deve ao mesmo Snr.” 68<br />

Outro ponto interessante também <strong>da</strong>s funções do coman<strong>da</strong>nte militar nomeado<br />

pelo governador era:<br />

“... cui<strong>da</strong>r e fazer todo o possível para que o Dr. Ouvidor, câmara, vigário e povo respeitem no<br />

ultimo grau de perfeição ao Illmo. Snr. Governador e as suas ordens com grande submissão e<br />

fiel obediência, sem jamais consentirem em tempo algum que qualquer individuo, tanto na<br />

67 LEVI, Giovanni. Reciproci<strong>da</strong>d Mediterrânea. Revista Tiempos Modernos.<br />

68 Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol III de 1914: Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1915. pp. 21-28. Indicações <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des e <strong>da</strong> conduta do coman<strong>da</strong>nte<br />

instalado em S. Francisco Xavier e Nossa Senhora <strong>da</strong> Graça. 01 de março de 1791.<br />

31


ausência como na sua presença, dê suppostas e sinistras interpretações às suas respeitáveis<br />

ordens; porque a restricta observância nesta regra além de ser obrigação inherente ao estado<br />

de súbdito tem por legitima conseqüência a tranqüili<strong>da</strong>de e socego dos povos, a quem o respeito<br />

e temor do castigo faz conter nos seus deveres sem sucitarem murmurações e dosobediencias, e<br />

facilmente se conduzem para a sua felici<strong>da</strong>de e augmento;com um meio insinuante se lhes vae<br />

persuadindo <strong>da</strong> grande vantagem que tiram <strong>da</strong> sincera vontade com que obedecem ao superior,<br />

que Deus lhes deu para cui<strong>da</strong>r nos seus interesses , e castigal-os pelos seus crimes, sempre a fim<br />

de felicital-os.” 69<br />

O excerto acima retrata bem o que o governador exigia do coman<strong>da</strong>nte<br />

nomeado: este deveria garantir dentro <strong>da</strong> vila que a autori<strong>da</strong>de do governador fosse não<br />

só respeita<strong>da</strong>, como reconheci<strong>da</strong> também. A tarefa desse chefe militar local era bastante<br />

complexa, pois em troca do poder a ele outorgado pelo governador, era sua obrigação<br />

retribuir com o zelo, obediência e reconhecimento dos locais para com o governador.<br />

Este via como civilizatória a sua interferência e autori<strong>da</strong>de na vila de São Francisco do<br />

Sul:<br />

“Os povos do Rio de S. Francisco (fallando genericamente) são muito humildes, obedientes e<br />

generosos, ain<strong>da</strong> que não deixam de ser desconfiados, do que parece causa a sua grande<br />

pobreza, que os põe na necessi<strong>da</strong>de de an<strong>da</strong>rem de humildes trajos. É necessário tratal-os com<br />

bom modo, soffrendo as suas ignorâncias e rustici<strong>da</strong>des, na consideração de que nesta vila<br />

ain<strong>da</strong> tudo esta na infância, ao mesmo tempo que elles naturalmente não deixam de ter<br />

habili<strong>da</strong>des; é necessário ensinal-os com paciência e despetal-os <strong>da</strong> inércia e estupidez que os<br />

tem posto mal e lamentável exemplo dos seus antepassados, que como mal epidêmico tem<br />

grassado por um funesto encadeamento até o presente. Isto se não pode fazer em pouco tempo,<br />

porque além de não conseguir, é emprudencia com a humana força querer fazer mu<strong>da</strong>r em um<br />

instante todos os costumes encanecidos de um povo; porém gradualmente se virá a conseguir,<br />

aplicando to<strong>da</strong>s as forças no intuito de o fazer feliz.” 70<br />

Em vista disso, as estratégias para manutenção/fuga do poder do centro <strong>da</strong><br />

Capitania se dão numa via de mão dupla. O governador tem seus métodos de se fazer<br />

presente na vila e a elite local, assim como a comuni<strong>da</strong>de, não aceita passivamente essa<br />

autori<strong>da</strong>de sem demonstrar o mínimo de resistência. Dentro desses encadeamentos<br />

sociais pode-se perceber to<strong>da</strong> uma série de anseios que visam o poder, a justiça, a<br />

eqüi<strong>da</strong>de, a redistribuição, uma maior simetria, enfim, relações conflituosas que<br />

demonstram a dinâmica e a fluidez social <strong>da</strong> colônia no final do século XVIII e início<br />

do XIX.<br />

69 Op. Cit. pp. 21-28.<br />

70 Op. Cit. pp. 21-28.<br />

32


3.3 Da relação entre a Câmara de São Francisco e a Junta Governativa <strong>da</strong><br />

Província de Santa Catarina.<br />

As Juntas Governativas Provinciais foram instituições nasci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Revolução do<br />

Porto. A sua implantação no Brasil <strong>da</strong>ta de 1821, sendo portanto, uma instância também<br />

considera<strong>da</strong> conjuntural. Era de início, subordina<strong>da</strong> diretamente as Cortes Gerais de<br />

Portugal 71 , mas com o desenrolar <strong>da</strong> emancipação, parte de sua estrutura vai ser<br />

utiliza<strong>da</strong> na organização do Império Brasileiro.<br />

As suas atribuições de jurisdição eram a administrativa, civil, policial e<br />

econômica. Devido a esta última atribuição, a Junta <strong>da</strong> Província também tinha como<br />

subordina<strong>da</strong> a Junta <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong> que antes era geri<strong>da</strong> pelo governador. Esta, na<br />

Província de Santa Catarina, foi cria<strong>da</strong> em 19 de abril de 1817 por decreto real 72 . Sua<br />

extinção <strong>da</strong>ta de 1831, continuando atuante no período em que a Junta Governativa<br />

controlava a capitania.<br />

A Junta de Santa Catarina era forma<strong>da</strong> por cinco membros, eleitos por votantes<br />

de to<strong>da</strong> a Província, que fossem maiores de i<strong>da</strong>de e donos de meios de subsistência<br />

proveniente de raiz, do comércio, <strong>da</strong> indústria ou de algum emprego. 73<br />

De modo geral, as Juntas de todo o Brasil seguem uma trajetória pareci<strong>da</strong> no que<br />

diz respeito ao seu posicionamento entre as Cortes Gerais e o Rio de Janeiro. Os anos de<br />

1821-1822 vão presenciar to<strong>da</strong> uma tentativa de cooptar adeptos de uma ou outra causa.<br />

Essas causas seriam a <strong>da</strong> continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> união entre Brasil e Portugal, pretendi<strong>da</strong> pelas<br />

Cortes Gerais, ou a separação política que começa a amadurecer enquanto projeto no<br />

ano de 1822. O jovem Pedro de Alcântara passa a ser visto pela elite colonial brasileira<br />

como uma saí<strong>da</strong> para a continui<strong>da</strong>de e ampliação de uma maior autonomia comercial<br />

dos brasileiros, intensifica<strong>da</strong> desde a vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> família real para o Brasil em 1808.<br />

Esse jogo de pleiteamento de alianças que o poder central buscava com o local,<br />

em muito serviu para as Juntas, tendo em vista que essa disputa entre as duas esferas<br />

centrais garantia um poder de negociação e certa autonomia local.<br />

71 [[[ORGANIZADOR. Título. Dados <strong>da</strong> edição, verbete “nome do verbete”.]]] Dicionário de Brasil<br />

Colonial MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA.<br />

72 PACHECO, Darcy. Um Estudo Sobre a Junta <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong> de Santa Catarina. Período 1817-1831.<br />

Dissertação de mestrado, UFSC;1979. Mimeo. No anexo 2 há uma cópia impressa do decreto.<br />

73 IDEM<br />

33


As Juntas são, portanto, considera<strong>da</strong>s esferas que protegem os interesses locais,<br />

porém não deixam de ser a instância máxima dentro de uma Província, ou seja, são<br />

locais em relação as Cortes Gerais e ao Rio de Janeiro, mas são centrais - se for possível<br />

usar essa categoria para esse caso - nas relações trava<strong>da</strong>s dentro <strong>da</strong> sua Província. Uma<br />

espécie de centro <strong>da</strong> periferia.<br />

Ao pensar Santa Catarina e sua Junta, a pesquisa tem mostrado que em se<br />

tratando de processos eleitorais, São Francisco foi representa<strong>da</strong>. Enviou quatro eleitores<br />

em 1821.<br />

“E sendo por este modo thomados em relação os nomes dos nomeados Compromisarios logo<br />

elle Juis prezidente os poblicou em altas Vozes determinandolhes que em hua Sala Separa<strong>da</strong> e<br />

Comferindo entre Si nomeem quatro Eleitores que pertence man<strong>da</strong>r a cabeça <strong>da</strong> Comarca na<br />

forma <strong>da</strong>s Reais Ordeins e que tendo aSim nomeados Virão aprezentar nesta Junta suas<br />

Nomeaçoins e para Constar mandou elle Juiz fazer este Termo que asignou Com os<br />

excrutinadores e Eu Joaquim Joze de Oliveira Secretario que o Escrevy e asigney” 74<br />

Entretanto, na correspondência/petição envia<strong>da</strong> as Cortes Gerais no mesmo ano<br />

de 1821, a Câmara de São Francisco deixa claro certo descontentamento na sua relação<br />

com a Junta. Vale lembrar que a Junta irá dirigir a capitânia, e depois província de Santa<br />

Catarina, por todo o processo de emancipação. Ela representa mu<strong>da</strong>nças no comando,<br />

juntando em si atribuições militares, que antes cabiam ao governador <strong>da</strong> capitania e<br />

atribuições tributárias que cabiam a Junta <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong>. É, enfim, uma tentativa <strong>da</strong>s<br />

Cortes Gerais em centralizar o poder local visando reduzir sua autonomia e aumentar a<br />

influência lusa nas capitanias.<br />

Sabe-se que as Juntas <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong> são reali<strong>da</strong>de de controle tributário no<br />

Brasil desde 1767, quando entram dentro do quadro administrativo para substituir as<br />

antigas Provedorias. Entre suas principais funções estavam à arreca<strong>da</strong>ção e envio do<br />

Erário Régio e a administração financeira regional. 75<br />

A grande questão a ser coloca<strong>da</strong> é por que Santa Catarina só terá sua Provedoria<br />

substituí<strong>da</strong> por uma Junta <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> em 1817, exatamente meio século depois do<br />

estabelecimento dessas esferas administrativas. Algumas respostas são possíveis. Uma<br />

delas seria a de que com a vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> família real e sua corte, que gerou um grande<br />

aumento dos gastos públicos, passou-se a necessitar <strong>da</strong> contribuição de todos os confins<br />

<strong>da</strong> América portuguesa, até porque as capitanias mais ricas do nordeste não suportavam<br />

74 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

75 Dicionário de Brasil Colonial MARIA BEATRIZ NIZZA DA SILVA.<br />

34


mais sozinhas o peso do Erário Régio. Esse movimento gerou grandes<br />

descontentamentos locais, uma vez que freqüentemente as Juntas <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> assumiram<br />

a arreca<strong>da</strong>ção de alguns impostos municipais, reduzindo as receitas <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des,<br />

gerando dificul<strong>da</strong>des nas contas locais e diminuição <strong>da</strong> autonomia <strong>da</strong>s câmaras. 76<br />

Além disso, o Estado vê a necessi<strong>da</strong>de de se infiltrar de maneira mais profun<strong>da</strong><br />

na região meridional. Desde a segun<strong>da</strong> metade do século XVIII, os problemas de<br />

fronteira entre Portugal e Espanha estão presentes no cotidiano <strong>da</strong> região sul, criando<br />

inclusive certa paranóia em diversas comuni<strong>da</strong>des para a defesa de investi<strong>da</strong>s externas 77 .<br />

Paranóia multiplica<strong>da</strong> pela invasão de Desterro em 1777 e pelos conflitos na região<br />

cisplatina. Desterro se apresentava como região estratégica para assegurar meios para a<br />

efetivação e desenvolvimento <strong>da</strong> colonização <strong>da</strong> capitania de São Pedro e como porto de<br />

agua<strong>da</strong> para as embarcações militares que desciam para a região Cisplatina. 78<br />

Outra resposta possível seria que, conforme uma série de tabelas de<br />

movimentações financeiras usa<strong>da</strong>s ao longo desse trabalho como os relatórios <strong>da</strong> Gazeta<br />

do Rio de Janeiro e os levantamentos do porto de Santos, a capitania de Santa Catarina<br />

paulatinamente durante o final do século XVIII e início do XIX, vai assumindo um<br />

papel importante no abastecimento do mercado interno de gêneros fun<strong>da</strong>mentais como<br />

farinha e peixe. Esse crescimento comercial pode sim ter instigado o poder central a<br />

exercer um maior controle tributário sobre Santa Catarina.<br />

Se for avaliado historicamente, a duração <strong>da</strong> Junta <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong> foi curta.<br />

Somente quatorze anos foram o suficiente para a Província assistir o seu surgimento e<br />

esfacelamento. Sua curta existência está diretamente liga<strong>da</strong> a questões particulares <strong>da</strong><br />

região Sul e a atitudes tributárias que oneravam as comuni<strong>da</strong>des, além <strong>da</strong> sua<br />

dependência de recursos externos a sua arreca<strong>da</strong>ção.<br />

Os esforços de guerra consumiam em média 85% <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção provincial 79 ,<br />

não permitindo, dessa forma, a redistribuição dos impostos arreca<strong>da</strong>dos em forma de<br />

melhorias como construção de estra<strong>da</strong>s e pontes, contratação de professores e uma série<br />

de coisas mais que eram reivindicados por São Francisco do Sul. Essa ineficiência<br />

redistributiva seria o grande motivo de discussões entre a Câmara e a Junta Provincial.<br />

76 Op. Cit.<br />

77 Em São Francisco são comuns documentos trocados entre locali<strong>da</strong>de e centro onde os primeiros<br />

reclamam à necessi<strong>da</strong>de de se investir na construção de uma fortaleza que possa garantir a segurança <strong>da</strong><br />

vila<br />

78 PACHECO, Darcy. Um Estudo Sobre a Junta <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong>... Op Cit.<br />

79 Idem Op. Cit.<br />

35


Com uma arreca<strong>da</strong>ção deficitária, freqüentemente a Junta, a fim de manter as<br />

tropas, obtinha empréstimos dos comerciantes em espécie e dos agricultores em gêneros<br />

alimentícios, sobretudo a farinha. Da<strong>da</strong> à condição de sempre estar com a arreca<strong>da</strong>ção<br />

mais baixa do que o necessário para sal<strong>da</strong>r seus compromissos, a Junta entrou em um<br />

constante endivi<strong>da</strong>mento. A Câmara, em nome de alguns agricultores, leva para a esfera<br />

central a reclamação de dívi<strong>da</strong>s não honra<strong>da</strong>s pela Junta com aquela comuni<strong>da</strong>de:<br />

“...e hé ver<strong>da</strong>de dever a Real Fazen<strong>da</strong> a estes Povos o melhor de Vinte Sinco á trinta mil cruzados,<br />

a pessoas de natureza tál, que pela sua mizeria alguns se aprezentão em publico descalços.” 80<br />

Trata-se, provavelmente, de compras públicas de alimentos. O trecho, <strong>da</strong>tado de<br />

1821 deve ser algo vinculado à guerra. 25 a 30 mil cruzados são 10 a 12 contos de réis.<br />

Isso deve corresponder a uns 12 ou 13 mil-réis por domicílio (pensando-se, para uma<br />

população de mais ou menos 4 500 pessoas, com 855 domicílios). Um alqueire de<br />

farinha de mandioca devia an<strong>da</strong>r pela casa dos 500 réis. Um alqueire são 36,5 litros. A<br />

Junta, então, devia estar devendo cerca de 22000 alqueires de farinha aos habitantes. A<br />

conta <strong>da</strong> época era a de que uma pessoa comia cerca de 9 alqueires de farinha de<br />

mandioca por ano. Chega-se, assim, a que a Junta devia aos habitantes de São Francisco<br />

o equivalente à ração anual de quase 2500 pessoas 81 .. Numa base média, a Junta devia a<br />

ca<strong>da</strong> domicílio de São Francisco o equivalente a 25 alqueires de farinha de mandioca,<br />

ou seja, quase a ração anual de 3 pessoas.<br />

O trecho acima evidencia como o discurso <strong>da</strong> Câmara pretende mostrar o<br />

problema ao poder central. É um texto que pretende eluci<strong>da</strong>r assimetrias gritantes dentro<br />

<strong>da</strong> Província, sendo que, recorrer ao poder central para resolver o problema, faz parte de<br />

to<strong>da</strong> uma tradição do Antigo Regime, principalmente <strong>da</strong> Península Ibérica, que via a<br />

administração e distribuição <strong>da</strong> justiça como o mais importante atributo do governo<br />

central. 82<br />

80<br />

Auto de representação <strong>da</strong> Câmara de São Francisco para as Cortes Constituintes. Arquivo <strong>da</strong> Câmara<br />

Municipal de São Francisco do Sul.<br />

81<br />

O preço <strong>da</strong> farinha foi estimado com base em MELO, Kátia Andréa V. de. Preços e rendimentos em<br />

área periférica <strong>da</strong> América Portuguesa (Guaratuba, 1799-1817). Relatório de Iniciação Científica,<br />

UFPR, 2000.<br />

82<br />

Sobre este tema ver: WEHLING, Arno e Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial: O Tribunal<br />

<strong>da</strong> Relação do Rio de Janeiro (1751-1808) Rio de Janeiro: Renovar, 2004. (especialmente capítulo 1 e 2);<br />

SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e Socie<strong>da</strong>de no Brasil Colonial. São Paulo: perspectiva, 1979.<br />

(especialmente capitulo 1).<br />

36


A argumentação <strong>da</strong> elite <strong>da</strong> vila gira to<strong>da</strong> em torno de uma penosa tributação que<br />

não é redistribuí<strong>da</strong> <strong>da</strong> forma equilibra<strong>da</strong>. Os valores e a lista de tributos expostas por<br />

São Francisco são bem grandes:<br />

“Novo imposto <strong>da</strong>s Logens, e Tavernas, que mál e emdeviduamente paga por não ter Menistro<br />

<strong>da</strong> Vara branco na forma que dispoim o Alvara de 20 de Outubro d’1812 porem tendo principio<br />

esta areca<strong>da</strong>ção no Anno d'1813 athé o ultimo de Dezembro de 1820 se recolheo aos Cofres<br />

Reais <strong>da</strong> Provincia a quantia de 2:419$200 reis(...)Tem nesta Villa 206 Predios Urbanos, estes<br />

pela razão <strong>da</strong> pobreza <strong>da</strong> Terra são muinto emsiguinificantes, e aSim mesmo pagão os<br />

proprietarios delles, a Decima desde o Anno de 1809 e athé o ultimo de Dezembro d'1820 [cort.<br />

+ - 3 pal.] Cofre <strong>da</strong> Provincia 744$024 reis [cort. + - 1 linha](...) em Canoas, e [ileg. + - 2<br />

pal.] não [ileg.] pela razão dos longos Rios, e destas mesmas pelo § 4 .o [ileg.] de 20 de Outubro<br />

de 1812 se paga a meia Siza <strong>da</strong>s Compras, e Ven<strong>da</strong>s de cujo Direito se tem recolhido ao mesmo<br />

Cofre 72$198 reis(...) Pagão as Embarcaçoins o Direito do Conssullado, de 2 por cem dos<br />

efeitos exportaveis que teve principio no Anno de 1818 que rendeo e na mesma Junta se<br />

recolheo athé 31 de Dezembro de 1820 a quantia de 621$491 reis(...) os Predios Urbanos já<br />

precionados com a Decima, in<strong>da</strong> mais pagão os Cituados na Marinha o foro anual de 120 reis<br />

por braça, que ca<strong>da</strong> anno rende 24$580, e por Comcequencia do anno de 1818 em que teve<br />

principio athé 31 de Dezembro de 1820 se recolheo aos cofres <strong>da</strong> mesma Junta 73$740 reis(...)<br />

Na Comformi<strong>da</strong>de do Alvará de 17 de Junho de 1809 nesta villa principiou o Sello dos papeis<br />

florinces no mesmo Anno de 1809 que athé 31 de Dezembro de 1820 se recolheo ao referido<br />

Cofre, 852$297(...) Pelo Alvará de 3 de Junho de 1809 se paga a Siza, <strong>da</strong> Compra e ven<strong>da</strong> dos<br />

beins a rais que no mesmo Anno teve principio, e rendeo este tributo athé 31 de Dezembro de<br />

1820 de quando em diante para o Contrato rematado na mesma Junta 1:010$632 reis(...)<br />

Igualmente se paga a meia Siza <strong>da</strong> Compra e ven<strong>da</strong> dos Escravos ladinos[?], que de Sua<br />

Criação athé 31 de Dezembro de 1820 de quando então passou a Contrato, rendeo a quantia de<br />

946$235(...) Por não haver estra<strong>da</strong> Suficiente hé escassa a Comonição desta Villa para a de<br />

Coretiba Serra aSima, porque rezulta haver muinto pouca Carne de Vaca, e aSim mesmo se<br />

paga o Tributo de Sinco reis por libra <strong>da</strong>quela que raras vezes se corta, e do Anno de 1813 athé<br />

o de 1818 que então passou a contrato rematado na ditta Junta, rendeo nos Cofres dela se<br />

recolheo a quantia de 175$988(...) Antes de Se ter imposto o Tributo <strong>da</strong>s Logens Botiquins, e<br />

Tavernas, já tinhão estas a penssão anual de des mil reis, os quais herão areca<strong>da</strong>dos pelo<br />

Procurador do Concelho em cujo depozito se axava a quantia de 500$000 reis que sendo<br />

pedidos pela Junta <strong>da</strong> Provincia nos Cofres dela se recolheo.<br />

Quanto foi imposto o Tributo de 4$800 por ca<strong>da</strong> Canoa já alguns tinhão pago nesta Villa antes<br />

que S. M. Foce Servido aleviarmos delle como fez pela reprezentação dos Povos e <strong>da</strong>qui se<br />

recolheo ao mesmo Cofre <strong>da</strong> Junta <strong>da</strong> Provincia 80$000 reis.<br />

E por esta forma plenamente se ve ter esta tão pequena e tão pobre povoação feito entrar nos<br />

Cofres <strong>da</strong> Real Fazen<strong>da</strong> <strong>da</strong> Junta <strong>da</strong> Provincia de Santa Catherina no espasso de nove Annos<br />

a quantia de 7:495$805 reis sem que seos abitantes percebam o menor socorro e finalmente<br />

providencia alguma, tendo então, como tem sofrido, os vexames que acabamos de relatar. “ 83<br />

A quanti<strong>da</strong>de de impostos realmente é enorme e o pior é que to<strong>da</strong> essa<br />

arreca<strong>da</strong>ção em pouco aju<strong>da</strong>va nas contas <strong>da</strong> Junta. A parte <strong>da</strong> documentação em<br />

negrito deixa bem claro o descontentamento com a política redistributiva <strong>da</strong> capitania,<br />

sendo nítido o tom de descontentamento expresso nessa carta. Como escapar <strong>da</strong> malha<br />

tributária? Qual estratégia adotar. Enviar cartas pedindo o abran<strong>da</strong>mento e exigindo uma<br />

maior eqüi<strong>da</strong>de era uma delas, mas até que ponto isso poderia surtir efeito?<br />

83 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul<br />

37


Não é possível ain<strong>da</strong> afirmar até onde tais reivindicações podem ter surtido<br />

efeito, mas sabe-se que a Junta Governativa envia ao imperador D. Pedro I, em 1823,<br />

uma resposta à Portaria de 2 de janeiro do mesmo ano - que pedia esforços de<br />

arreca<strong>da</strong>ção para despesas de guerra. Nela reclamam que não haviam recebido até<br />

aquele momento nenhuma satisfação sobre a arreca<strong>da</strong>ção de São Francisco, Laguna e<br />

Lages, de modo que os próprios funcionários <strong>da</strong> Junta e <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Pública tiveram de<br />

doar para os esforços de guerra um mês dos respectivos ordenados. 84 Portanto, pode-se<br />

até sugerir que a Vila de São Francisco não obteve muito sucesso na sua petição, mas<br />

tiveram postura para levar a cabo os seus interesses chegando a desafiar instâncias<br />

administrativas maiores do que a sua Câmara Municipal; e mais, parece que se negaram<br />

à liqui<strong>da</strong>ção dos tributos acompanha<strong>da</strong> de Laguna e Lages que provavelmente possuíam<br />

deman<strong>da</strong>s pareci<strong>da</strong>s com as suas.<br />

A postura de boicotar a Junta e a Fazen<strong>da</strong> Pública não podem ser considera<strong>da</strong>s<br />

como uma postura municipal unânime. Certamente a Câmara é que encabeçava o<br />

enfrentamento, mas havia na comuni<strong>da</strong>de local alguns membros que apresentaram<br />

propensão a acatar a autori<strong>da</strong>de de Desterro – como Camacho. Há uma lista que relata<br />

os doadores de recursos para o esforço de guerra e nessa encontra-se o nome no tenente-<br />

coronel de milícia Francisco de Oliveira Camacho, o mesmo que entra em atrito com a<br />

Câmara. Este sujeito doa a quantia de 32$000 réis, a nona maior doação de outras<br />

quarenta e oito feitas em espécie. Duas doações foram em artigos de guerra. 85<br />

O fato é que esse sujeito é <strong>da</strong>s figuras mais importantes oriun<strong>da</strong>s <strong>da</strong> vila de São<br />

Francisco e como visto na sessão anterior, ele possuía uma relação amigável com as<br />

esferas governativas localiza<strong>da</strong>s na vila de Desterro.<br />

Entretanto, não podemos declarar com certeza de que se trata de uma doação,<br />

afinal, pelo que a fonte informa, as quantias fazem referência ao ordenado de um mês<br />

do doador, valor que muito bem pode ter sido seqüestrado. Mas são apenas hipóteses<br />

que não temos como testar.<br />

Se levarmos em conta que dois sujeitos fizeram suas doações em equipamentos<br />

úteis para a guerra e que, portanto houve certa liber<strong>da</strong>de ao doar, derruba-se a hipótese<br />

acima. Mas nesse estágio <strong>da</strong> pesquisa, ain<strong>da</strong> é muito delicado concluir questões. Como<br />

84 As Juntas Governativas e a Independência. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura/Arquivo<br />

Nacional, 1973, Vol III. Pp. 1224-1226<br />

85 As Juntas Governativas. Op. Cit. p. 1225<br />

38


diria Marc Bloch, por mais que façamos a mesma pergunta sempre, ela corre o grande<br />

risco de permanecer eternamente sem resposta. 86<br />

Na eleição feita na vila de Desterro para compor a Junta Governativa <strong>da</strong><br />

Província de Santa Catarina, em maio de 1822, três “ci<strong>da</strong>dãos” de São Francisco<br />

participam. Todos eles ocupantes de cargos <strong>da</strong> Câmara Municipal. Um deles era<br />

Antônio Carvalho Bueno, comerciante dono de embarcações e um dos juizes ordinários<br />

<strong>da</strong> vila, outro foi Joaquim José de Oliveira, escrivão <strong>da</strong> câmara e Joaquim Gonçalves <strong>da</strong><br />

Luz, juiz de órfãos <strong>da</strong> vila.<br />

Nos documentos <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul consta um auto de eleição<br />

para a escolha de quatro eleitores. Além dos três nomes citados acima, adiciona-se o de<br />

Jacinto Fernandes Dias, comerciante com grande fluxo de embarcações que retiraram<br />

passaportes no porto de Desterro 87 , mas o nome deste último não está nos documentos<br />

<strong>da</strong> Junta Governativa; há na lista de todos os votantes <strong>da</strong> Província, próximo ao nome<br />

dos outros três, o nome de Joaquim Fernandes Dias. Pode se tratar de uma grande<br />

coincidência de sobrenomes e inicial de nome, ou, o que é mais provável, houve um<br />

pequeno erro na transcrição dessa documentação <strong>da</strong> Junta. 88<br />

Onde se pretende chegar é que a vila de São Francisco, por mais que reclamasse<br />

<strong>da</strong>s imposições tributárias impostas pela Junta Governativa, participava com<br />

representantes <strong>da</strong> escolha <strong>da</strong> mesa que dirigiria as ativi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> mesma. Mas era só isso;<br />

to<strong>da</strong>s as demais decisões toma<strong>da</strong>s pela Junta eram de inteira responsabili<strong>da</strong>de dessa<br />

mesa eleita. Portanto, a participação <strong>da</strong>s demais vilas no processo <strong>da</strong> administração<br />

dessa instituição de âmbito Provincial se limitava a escolher os ocupantes <strong>da</strong>s cadeiras.<br />

Nem o Presidente, nem o secretário ou os demais três membros eram de São Francisco.<br />

A presente pesquisa não tem como falar de Laguna ou Lages, mas sabe-se que o<br />

Presidente eleito, Jacinto Jorge dos Anjos Corrêa foi Governador <strong>da</strong> capitania. 89 . Os<br />

documentos <strong>da</strong> Junta vão <strong>da</strong>ndo, em alguns trechos, indicações de que a maioria dos<br />

ocupantes <strong>da</strong> mesa são <strong>da</strong> vila de Desterro.<br />

86<br />

BLOCH, Marc. Apologia <strong>da</strong> História ou o Ofício de Historioador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.<br />

p. 74<br />

87<br />

Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol III de 1914: Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1915. pp. 94-102.<br />

88<br />

As Juntas Governativas. Op. Cit. p. 1200. Como acredito que houve erro de transcrição, partirei do<br />

pressuposto de que foram quatro os votantes de São Francisco do Sul. Parto desse principio por possuir a<br />

documentação original digitalizado do auto de eleição para a escolha dos quatro eleitores de São<br />

Francisco.<br />

89<br />

As Juntas Governativas. Op. Cit. pp. 1197-1200.<br />

39


Portanto, parece que dentro de uma roupagem de representativi<strong>da</strong>de de to<strong>da</strong>s as<br />

regiões na hora <strong>da</strong> escolha, as alianças e estratégias eram mais bem costura<strong>da</strong>s pelos<br />

“ci<strong>da</strong>dãos” de Desterro que conseguiam abocanhar os cargos eletivos.<br />

Ain<strong>da</strong> é difícil estabelecer o grau <strong>da</strong> relação que os quatro votantes de São<br />

Francisco poderiam possuir com os eleitos de Desterro, apenas pode-se declarar que<br />

dois deles são comerciantes e suas embarcações, com certa freqüência nesse mesmo<br />

período, requereram passaportes na Secretaria do Governo <strong>da</strong> Ilha de Santa Catarina.<br />

Além <strong>da</strong> requisição de passaportes, uma ou outra carga era completa<strong>da</strong> com<br />

mercadorias de Desterro caracterizando a existência de relações comerciais entre alguns<br />

membros <strong>da</strong>s elites dos dois locais.<br />

3.4 Da Relação <strong>da</strong> Câmara com o Imperador: Negociando a Adesão.<br />

No processo de emancipação política do país, as câmaras adquirem um papel de<br />

fun<strong>da</strong>mental importância na reformulação do novo contrato político.<br />

À medi<strong>da</strong> que as elites viam nas Cortes ameaças de obstrução a sua autonomia,<br />

começa a surgir o projeto de transformar o Brasil em um país independente. Para isso,<br />

era fun<strong>da</strong>mental a reformulação do pacto social e D. Pedro se mostrou como uma saí<strong>da</strong><br />

para manter a ordem. As câmaras participam desse projeto por meio <strong>da</strong> sua adesão a<br />

“persona” de D. Pedro. Com esse ato, elas permitem uma liga política ao Brasil. 90<br />

Em diversas comuni<strong>da</strong>des são organizados pelas câmaras atos litúrgicos, são<br />

feitas procissões, luminárias são acesas, tudo para engrandecer e mostrar que as ditas<br />

comuni<strong>da</strong>des reconheciam D. Pedro como Imperador. 91 A aclamação ao imperador<br />

aconteceu na maioria <strong>da</strong>s Câmaras no dia 12 de outubro de 1822 e São Francisco<br />

também fez os seus ritos de aclamação externando a sua adesão ao jovem monarca:<br />

“...queirao declarar como de facto declararão perante os ceos perante a terra e perante to<strong>da</strong>s<br />

as Naçoins do mundo a sua independência pela qual queriao jurar, e protestavao fazer todos os<br />

sacrifícios pociveis, athe <strong>da</strong> a utima gota de sangue, e considerando-se de ora em diante Nação<br />

livre, e independente, e de que a vasti<strong>da</strong>o, riqueza, e fontes de prosperi<strong>da</strong>de desse grande e<br />

abenssoado paiz o constituem um império respeitável, Aclamavao unanimemente todo o dito<br />

90<br />

SOUZA, Iara Liz Carvalho. Pátria Coroa<strong>da</strong>: O Brasil como corpo político autônomo-1780-1831. São<br />

Paulo: Unesp.<br />

91<br />

SOUZA, Iara Liz Carvalho . A adesão <strong>da</strong>s Câmaras e a figura do Imperador. Ver. Revista Brasieira de<br />

História. São Paulo, v. 18, n. 36, 1998. Disponível em: Erro! Fonte de referência não<br />

encontra<strong>da</strong>.. Acesso em: 11 Set 2006. dói: 10.1590/S0102-01881998000200015.<br />

40


povo e tropa por imperador do Brazil o Senhor Dom Pedro Primeiro, que athe agora fora seu<br />

Regente e Perpetuo Defensor porque nelle reconheciam alem do direito adquirido antes ao<br />

trono; o que lhe provem <strong>da</strong>s exelsas virtudes e heróicos feitos a bem <strong>da</strong> salvação <strong>da</strong> sagra<strong>da</strong><br />

cauza deste império, devendo comtudo mesmo senhor prstar jeramento sollene de jurar guar<strong>da</strong>r,<br />

manter e defender a constituição Política que fizer a Assemblea Geral Constituinte e Legislativa<br />

do Brazil. O que foi ditto immediatamente o Prezidente <strong>da</strong> Câmara deu os vivas seguintes: Viva<br />

a nossa Santa Religião, Viva a Independência do Brazil, Viva a Assemblea Geral Constituinte e<br />

Legislativa do Brazil, Viva o Imperador Constitucional do Brazil o Senhor Dom Pedro primeiro,<br />

Viva a Independência do Brasil e a Dinastia de Bragança Imperante no Brazil, Viva o Povo<br />

Constitucional do Brasil, o que foi repetido por todos, Povo e Tropas...o que feito se determinou<br />

hirem todos juntamente asistir a hum Te-Deum solemne em Acçao de Graças..”. 92<br />

Outra forma mais intensa de mostrar a adesão ao novo contrato era enviar um<br />

funcionário <strong>da</strong> câmara para o Rio de Janeiro para, pessoalmente, declarar o apoio <strong>da</strong><br />

locali<strong>da</strong>de a D. Pedro.<br />

Em relação a São Francisco, ain<strong>da</strong> não foi encontra<strong>da</strong> menção a isso, mas sabe-<br />

se que a Junta Governativa <strong>da</strong> Província, situa<strong>da</strong> em Desterro, enviou um representante<br />

que, em nome de todos os habitantes de Santa Catarina, fosse “cumprimentar A Sua<br />

Majestade Imperial” 93 .<br />

Mas não foi só no momento de se forjar as novas costuras políticas que se deu<br />

uma comunicação entre o imperador e as vilas. São Francisco a partir de então passara a<br />

apelar a Dom Pedro I para que esse possa interceder por eles. A estratégia agora<br />

mu<strong>da</strong>ra, tornara-se mais refina<strong>da</strong> e os objetivos continuaram a ser os mesmos: se livrar<br />

do peso tributário e manter a paz na vila com o não-recrutamento.<br />

A elite de São Francisco se valerá <strong>da</strong> independência para buscar os seus<br />

objetivos, pois a idéia de emancipação, em um primeiro momento, provocara o aumento<br />

<strong>da</strong> paranóia de ataques estrangeiros a costa brasileira, agora com um inimigo a mais. A<br />

até então irmã lusa passa agora a habitar o imaginário como inimigo. Em meio aos<br />

entusiasmos populares, não raro surgiam boatos aterrorizadores de que a ex-metropole<br />

preparava expedições militares com destino ao Brasil, e não deixava também de<br />

perdurar no espírito de D. Pedro e <strong>da</strong>queles que o rodeavam, a idéia de que Portugal,<br />

92<br />

Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol IV de 1915: Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1915.<br />

93<br />

As Juntas Governativas e a Independência. Rio de Janeiro, Conselho Federal de Cultura/Arquivo<br />

Nacional, 1973.<br />

41


quando menos fosse de esperar, tentaria fazer um desembarque nas costas brasileiras.<br />

94<br />

Em julho de 1824, o imperador teve a notícia de que tropas lisboetas estavam<br />

embaçando rumo à costa brasileira de modo que as vilas e ci<strong>da</strong>des litorâneas deveriam<br />

estar a postos. Em cima disso, em 21 de julho do mesmo ano, a Câmara de São<br />

Francisco recebia a notícia <strong>da</strong> suposta empreita<strong>da</strong> lusa e toma algumas providências<br />

para se defender do suposto ataque. Algumas delas são: colocar vigias nos pontos mais<br />

altos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que teriam a incumbência de avisar a aproximação de embarcações<br />

hostis; os milicianos deveriam receber treinamento com armas todos os domingos; as<br />

armas com defeitos deveriam ser repara<strong>da</strong>s; seria produzi<strong>da</strong> munição e esta seria<br />

devi<strong>da</strong>mente organiza<strong>da</strong> e guar<strong>da</strong><strong>da</strong>; entre outras mais atitudes que deveriam resguar<strong>da</strong>r<br />

a ilha do perigo..<br />

To<strong>da</strong>s essas movimentações, sem dúvi<strong>da</strong>s, criaram um clima de alvoroço na<br />

população de São Francisco. E assim correu a vi<strong>da</strong> por lá durante um mês, até que o<br />

filho <strong>da</strong> terra, ex-escrivão <strong>da</strong> Câmara e agora membro do Conselho Geral <strong>da</strong> Província,<br />

Joaquim José de Oliveira, remete de Desterro uma carta pedindo a suspensão do alerta e<br />

dos exercícios, pois “ain<strong>da</strong> que viesse tal expedição não seria próximo”. 95<br />

De acordo com a experiência relata<strong>da</strong> acima, a idéia de defesa militar acaba<br />

tomando grandes proporções dentro do imaginário dos habitantes <strong>da</strong> vila, assim como<br />

dentro do próprio poder central.<br />

A elite passa a enxergar nesse movimento uma saí<strong>da</strong> de to<strong>da</strong>s as crises.<br />

Construir fortalezas passa a ser a estratégia adota<strong>da</strong> para se tentar escapar dos dois<br />

grandes males que a prejudicavam: a ineficiência redistributiva de Desterro e o<br />

recrutamento que causava fissuras sociais e redução de prestígio.<br />

Em cartas envia<strong>da</strong>s para o imperador e para Desterro, os homens <strong>da</strong> governança<br />

<strong>da</strong> vila escrevem:<br />

“...a câmara...representa a VV.SS. na forma do acordão que d’ora em diante se faz necessário<br />

ordem para o Juiz ordinário asistir com os Dinheiros provenientes <strong>da</strong> Ren<strong>da</strong>s publicas e<br />

94 Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol VIII de 1919:<br />

Florianópolis, typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1919. pp. 56-59.<br />

95 Todos os três últimos parágrafos são baseados no texto, sem indicação de autoria, exposto na: Revista<br />

trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol VIII de 1919: Florianópolis,<br />

typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1919. pp. 56-59.<br />

42


Dízimos aqui areca<strong>da</strong>dos e com elles se hir principiando as fortificaçoins no modo mais<br />

cômodo..”. 96<br />

Em outro ponto:<br />

“... que ultimamente a Câmara reprecentase ao Governo Provisório <strong>da</strong> Capital a nececi<strong>da</strong>de<br />

que há para que de ora em diante e athé receberem os socorros <strong>da</strong> Corte se apliquem os<br />

Dinheiros areca<strong>da</strong>dos <strong>da</strong>s Ren<strong>da</strong>s publicas nesta Villa e Dízimos para pagar os empregados<br />

no serviço <strong>da</strong>s fortificaçoins...” 97<br />

A Câmara usa o calor <strong>da</strong>s notícias <strong>da</strong> independência para expor os seus projetos<br />

às esferas administrativas superiores. O plano é muito bom. A construção de fortalezas<br />

liqui<strong>da</strong>ria uma série de problemas que a vila vinha enfrentando. Serviria para acalmar os<br />

ânimos internos do medo de ataques; criaria empregos na locali<strong>da</strong>de, não permitindo<br />

que o dinheiro arreca<strong>da</strong>do na própria vila saísse dela. Com a arreca<strong>da</strong>ção não saindo<br />

mais <strong>da</strong> vila, haveria um maior controle e flexibili<strong>da</strong>de, permitindo promover melhorias<br />

para a comuni<strong>da</strong>de, o que aumentaria o prestígio <strong>da</strong> elite, pois ela passaria a ser<br />

responsável pela redistribuição e usaria, sem dúvi<strong>da</strong>s, essa prerrogativa para aumentar o<br />

seu status e poder. Essa atitude demonstraria boa vontade com a manutenção e zelo com<br />

o novo império que se forma, buscando ampliar sua imagem frente o jovem imperador;<br />

e além de tudo isso, a dita construção funcionaria como uma espécie de serviço militar<br />

que de quebra acabaria com a idéia de recrutamento em outras ci<strong>da</strong>des, permitindo a<br />

continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> paz interna. Com essa postura, São Francisco simplesmente elimina a<br />

autori<strong>da</strong>de <strong>da</strong> capital Desterro e afirma agora ser senhora <strong>da</strong>s decisões dos usos <strong>da</strong> sua<br />

ren<strong>da</strong> pública, tomando uma postura de descentralizar a administração dos recursos.<br />

Portanto, a independência e principalmente o surgimento de uma nova figura de<br />

autori<strong>da</strong>de, no caso D. Pedro I, permitiu a São Francisco tomar certas posturas de<br />

enfrentamento ao modo como as coisas se <strong>da</strong>vam na capitania. Em nome de uma nova<br />

aliança com o poder central, na busca de boas relações com D. Pedro, a vila passa por<br />

cima <strong>da</strong> histórica relação de submissão com a capital Desterro.<br />

96 : Revista trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol IV de 1915:<br />

Florianópolis, typografia <strong>da</strong> escola artífices, 1915. pp. 71-73. Carta <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 19 de Setembro de 1822.<br />

97 Op. Cit. pp. 73-74. Ata <strong>da</strong> sessão número 26 de 18 de setembro de 1822.<br />

43


3.5 Relação com outras Câmaras.<br />

Este é uma abor<strong>da</strong>gem muito pouco feita dentro <strong>da</strong> historiografia brasileira. O<br />

estudo de supostas relações entre esferas administrativas iguais numa relação horizontal<br />

ain<strong>da</strong> não tem chamado muito a atenção dos pesquisadores.<br />

Para a Câmara de São Francisco do Sul foi possível escrever algumas linhas que<br />

buscam traçar um pouco dessa relação entre Câmaras. Trata-se também de um material<br />

muito fragmentário, pois esses contatos se <strong>da</strong>vam apenas de maneira esporádica, não<br />

fazendo parte <strong>da</strong> dinâmica e do ritual administrativo.<br />

Encontrou-se para o estudo de São Francisco alguns documentos que mostram<br />

contatos com as Câmaras do Rio de Janeiro, Paranaguá e Desterro.<br />

Começa-se pelo Rio de Janeiro: esta Câmara, por ser a <strong>da</strong> capital do Brasil,<br />

acaba tendo uma postura de liderança frente às demais. É ela quem tomará a dianteira<br />

no processo de aclamação política do jovem imperador.<br />

“...com o mais profundo respeito, participamos a VV.SS. que recebendo essa Câmara no dia 6<br />

do corrente hum officio do Dr. Ouvidor Gal. <strong>da</strong> Câmara huma carta official do Senado <strong>da</strong><br />

Câmara <strong>da</strong> Corte, e ci<strong>da</strong>de do Rio de Janeiro de 17 de Setembro p. p. conheceu pela concluzão<br />

de seus contheudos, que a mesma Câmara <strong>da</strong> Corte Acordou Aclamar solennemente no dia 12<br />

do mesmo corrente ao Sereníssimo Senhor Dom Pedro de Alcântara por Imperador<br />

Constitucional do Brazil..”. 98<br />

Enviando cartas para to<strong>da</strong>s as capitanias, a Câmara do Rio de Janeiro estará<br />

encabeçando o movimento de adesão <strong>da</strong>s Câmaras <strong>da</strong>s diversas locali<strong>da</strong>des do Brasil na<br />

figura de D. Pedro I.<br />

Já em relação à Paranaguá, tudo o que se tem é uma carta na qual a Câmara <strong>da</strong><br />

dita vila pede recursos líquidos emprestados a São Francisco do Sul 99 . Não é possível só<br />

com isso traçar qualquer tipo de relação mais próxima e muito menos afirmar uma<br />

preponderância de São Francisco sobre Paranaguá, até porque as duas locali<strong>da</strong>des<br />

estavam envolvi<strong>da</strong>s no mesmo ramo comercial: o abastecimento interno <strong>da</strong> farinha. O<br />

que se pode sugerir com certa segurança é a existência de uma teia de reciproci<strong>da</strong>de<br />

advin<strong>da</strong> dessas relações horizontais.<br />

98 Op. Cit. p. 76.<br />

99 Carta de pedido de empréstimo <strong>da</strong>ta<strong>da</strong> de 8 de dezembro de 1809. transcrita em: Revista trimestral do<br />

Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Vol VIII de 1919: Florianópolis, typografia. p. 60.<br />

44


Já com Desterro, essa relação se dá de modo bastante estranho e peculiar:<br />

“...o Doutor Juis de Fora <strong>da</strong> Provincia de Santa Catherina nos Officiou em <strong>da</strong>ta de dezoito do<br />

passado remetendo-nos o exemplar empreço <strong>da</strong>s BaSes <strong>da</strong> Constituição portugueza, que tem de<br />

Servir provizoriamente de Constituição neste Reino do Brazil na forma que determinarão as<br />

Cortes gerais <strong>da</strong> Nação e Constituintes..”.<br />

O termo “Juiz de Fora <strong>da</strong> Província” é bastante incomum, pois a atribuição do<br />

Juiz de Fora é atuar como Presidente <strong>da</strong> Câmara. A princípio o Juiz de Fora não teria<br />

compromisso algum com São Francisco do Sul porque em tese esse papel caberia a<br />

ouvidoria. O que faz então o Juiz de Fora um interlocutor de São Francisco?<br />

Em carta de 1821, a Câmara de São Francisco expõe um descontentamento por<br />

sua situação de ser submeti<strong>da</strong> militarmente a Desterro e juridicamente a Paranaguá,<br />

sendo portanto sua administração dividi<strong>da</strong> entre essas duas vilas de modo que São<br />

Francisco se via obriga<strong>da</strong> a orbitar em torno <strong>da</strong>s duas.<br />

“Primeiramente padecem os Povos habitantes <strong>da</strong> Terra firme falta de admenistração <strong>da</strong> Justissa Civil,<br />

por se conter os limites de Jurisdição Ordenaria na Ilha <strong>da</strong> Villa, e pertencendo esta Terra firme ao<br />

Juizado[?] <strong>da</strong> Capital de Santa Catherina pela distancia de 31 Legoas hé impocivel virem aqueles<br />

moradores proucurala na dita Capitál, sendo então o fim do Destrito o Rio de Camburiúgoaçú, quando<br />

pela repartição EccleSsiastica, e Militar, hé governa<strong>da</strong> inteiramente; em termos tais vemos que á bem<br />

dos Povos se deve extender a Jurisdição Ordinaria desta Villa em todo o seo Destrito, seja <strong>da</strong> Comarca<br />

de Paranaguá, ou Seja <strong>da</strong> Comarca de Santa Catherina.” 100<br />

São Francisco tem até 1723 São Paulo como sede <strong>da</strong> sua ouvidoria. Dessa <strong>da</strong>ta<br />

até 1832, a vila terá Paranaguá como ouvidoria. Santa Catarina tem a sua cria<strong>da</strong> no ano<br />

de 1749 na vila de Desterro, porém sua jurisdição não abarcava a vila de São Francisco,<br />

apenas a parte continental <strong>da</strong> dita vila. Portanto, a comarca de São Francisco era<br />

subordina<strong>da</strong> a duas ouvidorias: a parte <strong>da</strong> ilha, centro urbano <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, pertencia a<br />

Paranaguá e a parte continental era submissa a ouvidoria de Desterro. 101<br />

Essa situação causava bastante estranhamento na elite local que em 1823<br />

novamente redige uma representação endereça<strong>da</strong> ao jovem imperador, entretanto a<br />

vontade <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de só será atendi<strong>da</strong> no período regencial.<br />

100 Arquivo <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul.<br />

101 PEREIRA, Carlos Costa. História de... pp. 78-79.<br />

45


Tudo isso só aumenta as certezas <strong>da</strong> conclusão de que o início do século XIX é,<br />

na capitania de Santa Catarina, de muita confusão administrativa, onde as esferas ain<strong>da</strong><br />

não possuem de forma clara e delimita<strong>da</strong> as suas reais atribuições, sendo constante os<br />

raios de ações se sobreporem. Em meio a essa confusão administrativa, aparece mais<br />

confusão ain<strong>da</strong> em virtude <strong>da</strong> conjuntura <strong>da</strong> independência, com autori<strong>da</strong>des e<br />

instâncias renegociando seus lugares específicos. Acho também que são duas confusões<br />

diferentes. Tudo isso são hipóteses que não se fecham com o material documental<br />

disponível.<br />

Portanto, a situação incomum de se ter um Juiz de Fora de Desterro como<br />

interlocutor de São Francisco é uma indicação dessa grande especifici<strong>da</strong>de institucional<br />

que se propagou nesse período.<br />

3.6 Algumas conclusões.<br />

Um primeiro ponto a ser levantado seria o <strong>da</strong> questão tributária. Essa permitiu ao<br />

trabalho um monitoramento de trajetórias de grupo. O jargão do imposto é importante,<br />

pois é redistributivista, fato pelo qual a elite fica insistindo na necessi<strong>da</strong>de de rever tal<br />

processo. Essa sistematici<strong>da</strong>de em que a questão tributária aparece nas fotografias<br />

permite pensar a coisa to<strong>da</strong> enquanto trajetória.<br />

Num primeiro momento a simples exposição do problema às esferas centrais se<br />

mostra como a estratégia primordial para expor a questão <strong>da</strong> suposta ineficiência<br />

redistributiva. Na fotografia seguinte vê-se a estratégia mais elabora<strong>da</strong> de, por meio <strong>da</strong><br />

idéia de defesa por fortificações, tentar manter os recursos arreca<strong>da</strong>dos em São<br />

Francisco dentro <strong>da</strong> própria vila, gerando empregos e riquezas endógenas, permitindo<br />

uma ampliação do prestígio <strong>da</strong> elite local e a manutenção <strong>da</strong> paz interna pelo não<br />

recrutamento. E por fim, em um terceiro momento, se vê a execução propriamente dita<br />

do planejamento ao mapear-se que a Junta Governativa <strong>da</strong> Província envia uma<br />

reclamação ao imperador pelo não recebimento de nenhum relatório e muito menos<br />

recursos advindos <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção de São Francisco. A elite, em uma atitude que visa<br />

manter sua autonomia e força na locali<strong>da</strong>de, começa a gerir sua própria receita,<br />

passando por cima de uma organização burocrática que exigia a transferência dos<br />

recursos locais para a capital, sendo estes apenas depois redistribuídos. Um ato de<br />

46


desobediência que buscava uma maior eqüi<strong>da</strong>de dentro <strong>da</strong> organização <strong>da</strong> nova<br />

província.<br />

Um outro e último ponto a ser ressaltado nesse capítulo seria o <strong>da</strong> questão<br />

administrativa. Não há uma demarcação níti<strong>da</strong> entre os diversos níveis administrativos<br />

ocasionando uma falta de percepção dos ci<strong>da</strong>dãos de São Francisco <strong>da</strong>s fronteiras entre<br />

uma instância e outra. Tudo é genericamente apontado como “capital” ou “cabeça <strong>da</strong><br />

comarca”, nunca essa ou aquela instituição.<br />

“Já desde os passados Annos, tem esta Povoação sofrido Veixames pela Capital oje<br />

Província” 102<br />

Portanto, a população e a própria elite é incapaz de mapear de forma mais<br />

pontual as políticas e esferas que interferem de modo consideravelmente arbitrário. Isso<br />

não significa uma percepção errônea, mas sim uma administração sem pontos definidos,<br />

sem uma especialização efetiva; algo gelatinoso que demonstra a dinâmica <strong>da</strong>s<br />

instituições <strong>da</strong> capitania/província, como pode ser apreendido no caso abor<strong>da</strong>do do Juiz<br />

de Fora <strong>da</strong> Província. Há uma sobreposição entre os raios de atuação <strong>da</strong>s várias<br />

instâncias administrativas.<br />

Na grande maioria <strong>da</strong>s situações, só se pode contar com documentos produzidos<br />

pela Câmara de São Francisco e sua elite. Isso permitiu a leitura de apenas um lado <strong>da</strong><br />

moe<strong>da</strong>, sem ser possível, na maioria dos casos, traçar a efetiva relação de subordinação<br />

existente. Mas uma coisa é certa; por desejar maior simetria e eqüi<strong>da</strong>de, é exagerado o<br />

discurso de assimetria. Isso se mostra como uma estratégia para balancear a relação. São<br />

motivados a tentar convencer as esferas administrativas mediadoras a distribuir justiça e<br />

bens.<br />

102 Arquivo <strong>da</strong> Câmara de São Francisco do Sul. O termo “cabeça <strong>da</strong> comarca” também é frequentemente<br />

encontrado para fazer referencia a Desterro.<br />

47


4. Inventário <strong>da</strong> elite local <strong>da</strong> ilha de São Francisco do Sul.<br />

4.1 Categorias que usavam para referirem-se a si.<br />

É comum se ler na historiografia o termo “homens bons”. É claro que não se<br />

trata de um conceito cunhado pelos historiadores, mas <strong>da</strong> forma como os sujeitos de<br />

projeção social eleva<strong>da</strong> no passado brasileiro se entendiam e gostavam de ser<br />

percebidos.<br />

Este termo, que pressupõe uma forma de percepção de grupo, tanto interna como<br />

externa, sinaliza para um tratamento desigual. Em uma socie<strong>da</strong>de bastante maniqueísta<br />

como a do Antigo Regime, se há um grupo de “homens bons”, pode-se entender que<br />

também existe um grupo de homens inferiores 103 . Não inferiores por qualquer<br />

predisposição ao vício, ao crime (apesar de muitos <strong>da</strong> classe alta assim acreditar), mas<br />

no sentido de serem tratados de forma desigual. A hierarquia social <strong>da</strong> época os tornava<br />

inferiores, numa relação social assimétrica.<br />

Por mais que haja deman<strong>da</strong>s sociais que pedem a distribuição <strong>da</strong> justiça, essa<br />

deve respeitar as diferenças de nascimento existentes entres as cama<strong>da</strong>s sociais. A<br />

justiça deve proceder de maneira diferente para o aristocrata e para o camponês, e isso<br />

tudo numa roupagem de eqüi<strong>da</strong>de. Essa discussão não precisa apenas se limitar ao<br />

campo do Direito; pode-se também expandi-la para a economia. É sem dúvi<strong>da</strong>s uma<br />

socie<strong>da</strong>de com possibili<strong>da</strong>des de mobili<strong>da</strong>de social, entretanto a história brasileira foi<br />

mostrando um engessamento <strong>da</strong>s oportuni<strong>da</strong>des, ou melhor, um atrelamento <strong>da</strong><br />

manutenção <strong>da</strong>s posições sociais eleva<strong>da</strong>s com a exclusão. Florentino e Fragoso<br />

chamaram isso de “uma socie<strong>da</strong>de historicamente solidária com a exclusão” 104 .<br />

Entretanto, não é objetivo do trabalho que a discussão enverede por esse caminho.<br />

Charles Boxer definiu “homens bons” como “todos os chefes de famílias<br />

abasta<strong>da</strong>s e respeitáveis” que possuíam uma “reconheci<strong>da</strong> posição social”. 105 Essa<br />

103 Essa categoria de homem mau não existe, essa expressão só estão sendo usado para ressaltar as<br />

diferenças entre os segmentos sociais do período colonial.<br />

104 FRAGOSO, João; FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto: mercado atlântico, socie<strong>da</strong>de<br />

agrária e elite mercantil em uma economia colonial tardia (Rio de Janeiro, c. 1790-c. 1840). Rio de Janeiro:<br />

Civilização Brasileira. pp. 235-237. Os autores dão dois argumentos historicamente construídos para<br />

embasar sua teoria. O primeiro é o <strong>da</strong> construção feita pela elite do pobre propenso ao vício e ao crime e o<br />

segundo é o de que to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de brasileira propaga o comprometimento com a exclusão.<br />

105 BOXER, Charles R. O império marítimo português (1415-1825). São Paulo: Cia <strong>da</strong>s Letras, 2002. p.<br />

287<br />

48


demarcação do termo feita por Boxer deixa bem claro o tom patriarcal em que está<br />

emersa a dita concepção. Trata-se de um reconhecimento <strong>da</strong>do apenas ao cabeça <strong>da</strong><br />

família, sem espaços para a inserção de qualquer outro membro. O que, socialmente<br />

falando, transforma o acesso às práticas políticas, bastante inacessível para mulheres e<br />

jovens, reduzindo o número de socialmente aptos a participarem <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política. 106<br />

Homem Bom era aquele que era capaz de ostentar - sendo reconhecido por essa<br />

característica -, tendo aval social para expressar suas opiniões e ocupar cargos <strong>da</strong><br />

administração pública 107 . Portanto, no Antigo Regime, esses sujeitos podem ser<br />

encontrados nas documentações referentes às ativi<strong>da</strong>des camarárias. Tanto nos autos de<br />

eleições onde constavam as listas de votantes, como nas atas, são comuns esses sujeitos<br />

serem referenciados como “homens bons”.<br />

Entretanto, na documentação usa<strong>da</strong> na presente pesquisa, o termo “homens<br />

bons” não aparece nenhuma vez durante o período de 1821-1836. Para o princípio <strong>da</strong><br />

déca<strong>da</strong> de 1820, o termo que é usado com freqüência pelos camaristas para referirem-se<br />

a si mesmos e aos demais participantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política é o de “ci<strong>da</strong>dãos”. “Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>ons<br />

que forão Comvocados para a fatura <strong>da</strong> Eleição Eleitoral desta Fregueses” 108 , este é<br />

um dos excertos em que se pode verificar que os partícipes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política se<br />

entendiam como ci<strong>da</strong>dãos.<br />

Para Maria Fernan<strong>da</strong> Bicalho, “a ocupação de cargos na administração concelhia<br />

constituira-se (...) na principal via de exercício <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia no Antigo Regime.” 109<br />

Para chegar nessa definição, a autora se fun<strong>da</strong>menta em Magalhães Godinho e sua<br />

interpretação de comuni<strong>da</strong>de política que era ”a noção de comuni<strong>da</strong>de tal como existia à<br />

escala concelhia, pois o concelho é a primeira pessoa colectiva, e o quadro do<br />

concelho é que surge a noção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia” 110 .<br />

Fabio Kühn argumenta que “a noção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia (usa<strong>da</strong> no Antigo Regime) é<br />

muito mais restritiva do que a utiliza<strong>da</strong> atualmente. Somente os ocupantes de cargos<br />

106<br />

No dicionário de Brasil Colonial organizado por Ronaldo Vainfas consta o verbete homens bons. Nele<br />

o autor do verbete, Guilherme <strong>Pereira</strong> <strong>da</strong>s Neves, argumenta que a expressão homens bons traduzia uma<br />

“atitude mental que era incapaz de compreender como nascidos iguais e com os mesmos direitos”.<br />

Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Direção Ronaldo Vainfas; Rio de Janeiro, Objetiva, 2000. pp.<br />

284-286.<br />

107<br />

Dicionário do Brasil Colonial... Op. Cit.<br />

108<br />

Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul, Livro I (1821-1836). Auto de eleição de 20 de<br />

maio de 1821.<br />

109<br />

BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>. As câmaras ultramarinas e o governo do Império. In: FRAGOSO, João;<br />

BICALHO, Maria Fernan<strong>da</strong>; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica<br />

Imperial Portuguesa (Séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. pp.204-205.<br />

110<br />

Apud. Op. Cit. pp. 204-205. Grifos meus.<br />

49


camarários eram considerados como ci<strong>da</strong>dãos, excluindo a vasta maioria <strong>da</strong><br />

população”. 111<br />

“tendo elle Juis exegido dos Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>uns se tinhão de que Se queixar relativamente a Comloio ou<br />

Suborno para que a eleicão recaia em Pessoa determina<strong>da</strong> aSim como não Se avistando duvi<strong>da</strong><br />

sobre as quali<strong>da</strong>des requeri<strong>da</strong>s para poder Votar não Ouve quem requerece Couza alguma em<br />

nenhum dos Cazos mencionados” 112<br />

O trecho <strong>da</strong> documentação acima permite perceber que a noção de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia<br />

exposta na pesquisa de Kühn, é diferente <strong>da</strong> encontra<strong>da</strong> para São Francisco do Sul;<br />

nesta, o termo “ci<strong>da</strong>dão” era uma categoria que compreendia todos os que participavam<br />

do processo política e não apenas aos camaristas. No excerto abaixo fica ain<strong>da</strong> mais<br />

patente a ampliação do conceito para os votantes:<br />

“Aos dezoito dias do mes de Maio de mil oitoCentos Vinte e hum Annos nesta Villa do rio de<br />

Sam Francisco na Salla <strong>da</strong> Camara para onde Voltarão o Juiz Ordinario Prezidente o Capitão<br />

Leandro Jozé e Araujo commigo Escrivão do seo Cargo aodiente nomeado e o Reverendo<br />

Parocho Collado Bento Barboza de Sá Freire Azeredo Coutinho e os Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>uns que aSestirão<br />

a Missa e Oração que fez o mesmo Parocho e Sendo todos prezentes e a portas abertas perante<br />

os Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>uns mandou elle Juis proceder na nomeação de dous Excrutinadores, e hum<br />

Secretario para formar a Junta Competente na qual Eleição” 113<br />

O uso <strong>da</strong> partícula aditiva “e” torna claro no discurso que não só o presidente <strong>da</strong><br />

comissão eleitoral, o escrivão <strong>da</strong> Câmara e o reverendo são ci<strong>da</strong>dãos, pelo contrário. Em<br />

todos os estratos de fonte, a impressão é de que “ci<strong>da</strong>dão” é uma categoria usa<strong>da</strong> para os<br />

votantes, para os participantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política.<br />

Se na fonte acima o “e”, ao invés de ser entendido como partícula aditiva, for<br />

considerado como um recurso discursivo que separa, pode-se então captar a existência<br />

de dois grupos que participam do processo eleitoral: o de “ci<strong>da</strong>dãos”, que se enquadra<br />

somente para os votantes e um outro ain<strong>da</strong> indefinido, mas que representam aqueles que<br />

organizam a eleição, aqueles que ocupam os cargos.<br />

Essa interpretação demonstra que a percepção de “ci<strong>da</strong>dão” mu<strong>da</strong> ao<br />

compararmos Laguna, objeto <strong>da</strong>s pesquisas de Kühn, com São Francisco do Sul. Pode<br />

111 KÜHN, Fabio. O poder na vila: a atuação <strong>da</strong> Câmara de Laguna. In: BRANCHER, Ana; AREND,<br />

Silvia Maria Fávero. História de Santa Catarina: Séculos XVI a XIX. Florianópolis: Ed. <strong>da</strong> UFSC,<br />

2004. p. 114. Nota número 6. Grifo meu. O recorte temporal do autor é todo o século XVIII e início do<br />

XIX.<br />

112 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul, Livro I (1821-1836). Grifos meus. O objetivo<br />

<strong>da</strong> discussão <strong>da</strong> categoria de ci<strong>da</strong>dão é ver o quanto que uma categoria pareci<strong>da</strong> com a nossa tem sua<br />

especifici<strong>da</strong>de de época.<br />

113 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul, Livro I (1821-1836). Grifos meus.<br />

50


ser que diferenças no uso local dos conceitos possa ter sido o motivo dessas mu<strong>da</strong>nças,<br />

mas essa é uma hipótese de difícil fun<strong>da</strong>mentação. O provável é que mu<strong>da</strong>nças no<br />

vocabulário do Direito tenham causado essas diferenças do conceito de ci<strong>da</strong>dão, pois<br />

sabe-se que os juristas e seus jargões desempenham um papel importante na reprodução<br />

de padrões culturais e esquemas mentais que permanecem ativos na vi<strong>da</strong> do receptor. 114<br />

Antes de discutir a questão <strong>da</strong>s mu<strong>da</strong>nças no vocabulário do direito, é preciso<br />

concluir a questão <strong>da</strong>s categorias usa<strong>da</strong>s pelos ocupantes <strong>da</strong> Câmara Municipal de São<br />

Francisco do Sul. Em suma, pelo encontra<strong>da</strong> para o período de 1821 a 1836, o termo<br />

ci<strong>da</strong>dão remete a todos os participantes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política local, não ficando muito claro se<br />

os edis aí se incluíam. Provavelmente sim. É difícil localizar um termo específico usado<br />

por eles mesmos. Nesse pequeno trecho <strong>da</strong> documentação, o escrivão expõe to<strong>da</strong>s as<br />

categorias sociais existentes para eles:<br />

“O Juiz Prezidente e mais Officiais que o corrente anno Servem em Camera nesta Villa do rio<br />

de Sam Francisco por elleição na forma <strong>da</strong> Lei & .a Fazemos saber as Autori<strong>da</strong>des<br />

EccleSiasticas, e Melitares, Officiais Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>ons nobreza, e Povo desta villa e no Destrito a<br />

todos em geral e a ca<strong>da</strong> hum em particular, que o Doutor Juis de Fora <strong>da</strong> Provincia de Santa<br />

Catherina nos Officiou em <strong>da</strong>ta de dezoito do passado remetendo-nos o exemplar empreço <strong>da</strong>s<br />

BaSes <strong>da</strong> Constituição portugueza, que tem de Servir provizoriamente de Constituição neste<br />

Reino do Brazil na forma que determinarão as Cortes gerais <strong>da</strong> Nação e Constituintes...” 115<br />

No começo <strong>da</strong> documentação o escrivão mostra que o termo mais adequado para<br />

designar os edis e demais ocupantes é “oficial” 116 . Portanto, parece que mais do que<br />

ci<strong>da</strong>dãos, os camaristas eram “oficiais”; tal categoria será recorrente em to<strong>da</strong>s as Atas<br />

do triênio 1828-1830.<br />

Voltando a questão do vocabulário do Direito, que pode ter interferido nos usos<br />

do conceito de “ci<strong>da</strong>dão”, encontrou-se na documentação <strong>da</strong> Câmara de São Francisco<br />

do Sul a transcrição de inúmeros editais régios como fica claro no excerto acima que<br />

mostra a chega<strong>da</strong> na vila <strong>da</strong> constituição vota<strong>da</strong> nas Cortes Gerais de 1821.<br />

Nessa oportuni<strong>da</strong>de e em muitas outras que constam na documentação, pode-se<br />

constatar o uso do termo “ci<strong>da</strong>dão” nos escritos vindo do poder central. Os trechos<br />

abaixo assim mostram:<br />

114<br />

HESPANHA, António Manuel. Panorama Histórico <strong>da</strong> Cultura Jurídica Européia. Portugal: Fórum<br />

<strong>da</strong> História, 1997. p. 30.<br />

115<br />

Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

116<br />

Entretanto, deve ser ressaltado que este termo não aparece com tanta freqüência como o de “ci<strong>da</strong>dão”.<br />

51


“Asegurar os direitos individuais do Ci<strong>da</strong>dão e estabelecer a organização e direitos dos Poderes<br />

Politicos do Estado... A Constituição Politica <strong>da</strong> Nação Portugueza deve manter a liber<strong>da</strong>de,<br />

segurança, e proprie<strong>da</strong>de de todo o Ci<strong>da</strong>dão... A proprie<strong>da</strong>de he hum direito sagrado e inviolavel<br />

que tem todo o Ci<strong>da</strong>dão...” 117<br />

Dentro dessas constatações de intercâmbios conceituais que o Estado Moderno<br />

pode propor, pode-se perceber a estreita ligação existente entre as práticas políticas<br />

modernas com o processo de educação e propagação <strong>da</strong>s idéias e <strong>da</strong>s letras. Portanto, o<br />

desenvolvimento do Estado Moderno indica progressos de alfabetização <strong>da</strong>s<br />

populações. 118<br />

A comunicação mu<strong>da</strong> na época moderna; as formas de emissão dos discursos<br />

tornam-se mais amplas. Documentações administrativas, textos impressos, tudo isso<br />

contribui para os processos de trocas e difusões conceituais. Essa é uma linha de<br />

raciocínio que pode explicar as mu<strong>da</strong>nças encontra<strong>da</strong>s no termo ci<strong>da</strong>dão. Isso mostra<br />

que todo e qualquer conceito, ou categoria, não pode ser pensa<strong>da</strong> de forma cristaliza<strong>da</strong>;<br />

numa socie<strong>da</strong>de dinâmica como a portuguesa, de conexões imperiais, e de longa<br />

duração, pensar o mesmo conceito em épocas diferentes e em locali<strong>da</strong>de diferentes<br />

requer cui<strong>da</strong>do. As generalizações nem sempre são possíveis<br />

Prova de que não se pode pensar conceitos de forma cristaliza<strong>da</strong> é as mu<strong>da</strong>nças<br />

que se pode perceber na própria vila de São Francisco em um espaço de menos de dez<br />

anos. Como visto acima, o termo ci<strong>da</strong>dão fazia referencia aos partícipes <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> política<br />

<strong>da</strong> vila, principalmente enquanto nos processos eleitorais. Mas, nas Atas de 1828 a<br />

1830, foram encontrados algumas vicissitudes no uso do conceito.<br />

“O Snr' Gomes de Oliveira falou sobre o concerto que se deve fazer <strong>da</strong>[?] fonte Geral o que hé<br />

de nececi<strong>da</strong>de, e que attendendo a este [ileg. + - 2 pal.] em que se axa o Con.co Votava que se<br />

procedece [ileg.] contribuição Voluntaria pelos Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>ons, e com a Soma <strong>da</strong>[?] Contribuição se<br />

fizece a Obra”. 119<br />

Deve ser notado que no documento acima, o uso <strong>da</strong> categoria ci<strong>da</strong>dão está<br />

remetendo a compromissos com o bem público. Nesse caso, há referência sobre<br />

qualquer espécie de conserto que deveria ser feito no local fornecedor de água potável,<br />

de modo que a Câmara, com seus próprios recursos, não tinha condições de encaminhar<br />

117 Arquivo <strong>da</strong> Câmara Muncipal de São Francisco do Sul.<br />

118 CHARTIER, Roger. Construção do Estado moderno e formas culturais. Perspectivas e questões. In:<br />

Chartier, R. A história cultural. Entre práticas e representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Lisboa:<br />

Difel, 1990, pp 215-229.<br />

119 Sessão 4 de 27 de março de 1829. Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

52


a reforma. O apelo à comuni<strong>da</strong>de para a arreca<strong>da</strong>ção é feito, e aqueles que fizessem suas<br />

contribuições voluntárias, com a finali<strong>da</strong>de de proporcionar o bem coletivo, seriam<br />

reconhecidos enquanto ci<strong>da</strong>dãos. O curioso nessa situação é que os ditos ci<strong>da</strong>dãos eram<br />

convocados para comparecerem a próxima sessão (que seria o momento de se<br />

encaminhar as doações) <strong>da</strong> Câmara; Portanto, existia uma espécie de lista dos aptos a<br />

participarem <strong>da</strong> reunião. Se eventualmente o sujeito intimado não comparece na sessão<br />

e não apresentasse uma boa justificativa, receberia uma multa 120 , ou seja, participar e<br />

possuir o status de ci<strong>da</strong>dão tinha o seu preço e ain<strong>da</strong> não era para a maioria. O que vale<br />

novamente ressaltar é essa mu<strong>da</strong>nça nos usos do termo; em 1821, se restringia aos<br />

camarários e votantes; já em 1828 a 1830, significava participar mais ativamente <strong>da</strong>s<br />

questões <strong>da</strong> municipali<strong>da</strong>de.<br />

Esse novo cenário permite enxergar uma mu<strong>da</strong>nça importante. A partir do<br />

momento que participar do seleto grupo de ci<strong>da</strong>dãos <strong>da</strong> vila não remete mais de forma<br />

intensa a antigui<strong>da</strong>de, tradição, prestígio familiar (enfim, a uma nobreza <strong>da</strong> terra), uma<br />

vez que passa a adquirir uma seleção de caráter mais econômico, abre-se espaço para a<br />

projeção do grupo dos comerciantes. Esses homens há muito tempo dominam o espaço<br />

camarário ocupando cargos e impondo sua influência econômica sobre a comuni<strong>da</strong>de,<br />

de modo que a comparação <strong>da</strong>s fotografias de 1821 com as de 1828-1830 permitem<br />

perceber mais um capítulo <strong>da</strong> crescente supremacia do capital mercantil sobre a<br />

aristocracia <strong>da</strong> terra. São Francisco assiste uma demonstração de como a hierarquia<br />

social para a ser regula<strong>da</strong> pelo capital que na maioria <strong>da</strong>s vezes provém <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des<br />

mercantis.<br />

A título de exemplificar e ampliar a argumentação segue-se outro excerto sobre<br />

as mu<strong>da</strong>nças do conceito de ci<strong>da</strong>dão:<br />

“Passando-ce a nomeação <strong>da</strong> Comissão [ileg.] deve fazer a Vizita <strong>da</strong>s prezoins, nomeou o Snr’<br />

Prezidente p. a membros della os Seguintes João Luiz de Ol. a = João [?] Nobrega = Joze Nicolão<br />

Machado Jozé <strong>da</strong> S. a Santos e Manoel Dom. es dos Santos, Cujos Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>ons forão aprovados p. r<br />

to<strong>da</strong> Meza e Sendo Comvocados lendo-se lheso artigo <strong>da</strong> Lej pelo Prezid. e lhes foi deferido o<br />

juram. to dos Santos Evangelhos emCarregando seo dever: e Recebedo p. r eles o Juram. to aSim<br />

prometerão Comprir de q’ asignão no fim <strong>da</strong> prezente acta”. 121<br />

120 Sessão 4 de 27 de março de 1829. Op. Cit.: Rezolveo-ce p.r to<strong>da</strong> Meza depois de breves discucoins que<br />

[ileg.] avizados os Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>ons p.a Se axarem prezentes na Sessão <strong>da</strong> 2.a reunião Ord.a, e se proceder na<br />

Contribuição [ileg.] Sub pena de 2$r' de Condenação a todo aquele que [ileg.] legitimo impedimento não<br />

comparecer neste acto.<br />

121 Sessão 3 de 26 de março de 1829. Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul.<br />

53


Acima pode-se perceber que na formação de uma junta que tinha a incumbência<br />

de fazer visitas/vistorias nas prisões, também tinha seus membros considerados como<br />

ci<strong>da</strong>dãos, uma vez que esses estavam exercendo uma função que também visava o bem<br />

público.<br />

Parece que em ambos os casos, a Câmara passa considerar como ci<strong>da</strong>dãos<br />

indivíduos que dividiam com ela a administração municipal. A comuni<strong>da</strong>de passa a<br />

assistir uma maior divisão <strong>da</strong>s tarefas sociais que antes eram atribuições <strong>da</strong> Câmara. Os<br />

recursos para a reforma <strong>da</strong> fonte, em tese, deveriam sair dos seus cofres, entretanto ela<br />

recorre a indivíduos; a fiscalização e visita a prisões também seria uma atribuição <strong>da</strong><br />

Câmara. A fiscalização era função dos almotacés; no caso de visitas, seja lá para qual<br />

finali<strong>da</strong>de deseja<strong>da</strong> pela instituição, o interessante era também que funcionários dela o<br />

fossem.<br />

Nessas situações podem ser aventa<strong>da</strong>s duas hipóteses: ou a Câmara não estava<br />

<strong>da</strong>ndo conta <strong>da</strong>s suas atribuições, ou indivíduos participarem <strong>da</strong>s suas funções foi uma<br />

forma encontra<strong>da</strong> por ela para ceder capital simbólico aos ci<strong>da</strong>dãos que a reconheciam,<br />

aju<strong>da</strong>vam, respeitavam sua autori<strong>da</strong>de e que tinham boas relações com os edis.<br />

Para finalizar a idéia de que o conceito de ci<strong>da</strong>dão não pode ser pensado de<br />

forma cristaliza<strong>da</strong>, será exposto um trecho de uma Ata de eleição ordena<strong>da</strong> pelo<br />

ouvidor: “Para cuja eleição foi comvocado o Povo”. 122<br />

Ao contrário do que foi visto para 1821 aonde o termo povo nunca constou nos<br />

autos de eleição, sendo sempre preferido o uso de ci<strong>da</strong>dão, para 1828-1830, ao se falar<br />

de eleições, o usado passa a ser a categoria povo. Seria esse um sinal de que<br />

simplesmente só participar do processo eleitoral estaria perdendo seu prestígio em<br />

detrimento <strong>da</strong>queles que podiam contribuir economicamente e com seu tempo dividindo<br />

com os edis as funções <strong>da</strong> Câmara?<br />

122 Sessão 3 de 1828. Arquivo <strong>da</strong> Câmara Municipal de São Francisco do Sul. Vale lembrar que as demais<br />

votações que constam na documentação são interinas de modo que só os edis participam. Esse é, portanto,<br />

o único trecho em que há menção a qualquer categoria que participa do processo eleitoral.<br />

54


5. Conclusão<br />

Em algumas situações aparece o uso de categorias não tradicionais de<br />

funcionários <strong>da</strong> burocracia estatal. Termos com Juiz de fora <strong>da</strong> Província de Santa<br />

Catarina ou Ouvidor geral <strong>da</strong> câmara do Rio de Janeiro não são na<strong>da</strong> convencionais,<br />

porém aparecem enquanto categorias usa<strong>da</strong>s pelos edis para se referirem a autori<strong>da</strong>des<br />

extra-vila.<br />

A função de Juiz de fora dentro na administração portuguesa nunca esteve<br />

atrela<strong>da</strong> a atribuições provinciais; Além do papel jurídico, era previsto também que<br />

presidisse a câmara <strong>da</strong> vila na qual atuava, substituindo o Juiz ordinário escolhido<br />

localmente. Entretanto, a província nunca esteve dentro do seu raio de atuação. Em<br />

relação ao Ouvidor se dá à mesma coisa; nunca foi função dele se inserir em qualquer<br />

câmara municipal.<br />

Essas questões permitem a elaboração de algumas hipóteses que de modo algum<br />

podem ser conclusivas, pois não se esta olhando nem para a câmara de Desterro nem<br />

para a do Rio de Janeiro.<br />

Está parecendo que, na Independência, no momento em que as câmaras estavam<br />

sendo mobiliza<strong>da</strong>s para angariar apoios ao processo e a D. Pedro, a relação entre elas e<br />

autori<strong>da</strong>des mais centrais (juízes de fora, ouvidores), especialmente as do judiciário,<br />

estavam sendo fortaleci<strong>da</strong>s. Mobilizavam-se as câmaras ao mesmo tempo em que elas<br />

eram amarra<strong>da</strong>s a juízes mais poderosos. A possibili<strong>da</strong>de que vai contra a hipótese é a<br />

de que o juiz de fora, no caso do Rio, fosse chamado de ouvidor em virtude <strong>da</strong> presença,<br />

na mesma ci<strong>da</strong>de do Rio, <strong>da</strong> Relação.<br />

Isso pode ser uma série de intromissões de juízes nomeados centralmente em<br />

uma série de lugares que eles não tinham que estar aparecendo, mostrando uma<br />

sobreposição de funções em um processo mal conhecido que a câmara está detectando;<br />

Ou, tudo pode ser uma grande confusão <strong>da</strong> Câmara de São Francisco; realmente não há<br />

como concluir com o material utilizado.<br />

Olhar as câmaras centrais poderia responder essas questões, pois se as categorias<br />

pouco tradicionais usa<strong>da</strong>s por São Francisco estiverem corretas, são nesses locais<br />

centrais que está acontecendo essa predominância do corpo burocrático no processo de<br />

independência e é isso que esta man<strong>da</strong>ndo a câmaras periféricas como a de São<br />

Francisco para o ralo e não a disputa de grupos de interesse de Desterro e São Francisco<br />

55


como defendo. Tal hipótese, além de quebrar a minha própria linha de raciocínio,<br />

colocaria uma questão extra nas discussões sobre a independência, pois é tentador ver<br />

nos processos de independência a socie<strong>da</strong>de se levantando do julgo estatal estrangeiro.<br />

Mas será que não foi o próprio estado metropolitano que se rebelou contra o estado<br />

metropolitano por meio de seu aparelho jurídico?<br />

Se a resposta for sim, além <strong>da</strong> minha argumentação, to<strong>da</strong> a interpretação liberal<br />

do processo de independência teria que ser repensa<strong>da</strong>. E mais, a própria corrente<br />

historiográfica que defende que as câmaras exerceram um papel fun<strong>da</strong>mental no<br />

processo, pela adesão a Pedro I, proporcionando uma ligação política ao Brasil, teria<br />

que ser revista; seriam as câmaras ou esse corpo jurídico do poder central que fortaleceu<br />

e arquitetou parte <strong>da</strong> independência? Não há como concluir, mas trata-se de uma<br />

hipótese plausível.<br />

E se for tudo uma grande confusão cria<strong>da</strong> pela Câmara de São Francisco, é<br />

interessante se perguntar: por que eles estão errando tanto? Será que estão errando?<br />

Também não há como ser conclusivo e momentaneamente não há como responder, pois<br />

não estou olhando nem para a câmara de Desterro nem para a do Rio de Janeiro.<br />

Tudo isso só permite concluir que o início do século XIX é, na capitania de<br />

Santa Catarina, de muita confusão administrativa, onde as esferas ain<strong>da</strong> não possuem de<br />

forma clara e delimita<strong>da</strong> as suas reais atribuições, sendo constante os raios de ações se<br />

sobreporem. Em meio a essa confusão administrativa, aparece mais tumulto ain<strong>da</strong> em<br />

virtude <strong>da</strong> conjuntura <strong>da</strong> independência, com autori<strong>da</strong>des e instâncias renegociando seus<br />

lugares específicos, reordenando funções administrativas e reajustando competências.<br />

56


6. Referências Bibliográficas<br />

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