1 A REPRESENTAÇÃO DOS CONFLITOS FEMININOS ... - Unesp
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ANAIS DO X SEL – SEMINÁRIO DE ESTU<strong>DOS</strong> LITERÁRIOS: “Cultura e Representação”<br />
Mas nenhum raio mágico vara a escuridão para transformá-la em Mary Marvel – há apenas<br />
o deserto da sua insônia, nenhuma flor ou folha a sua insônia, ausência de toda a umidade,<br />
a sua insônia escura e seca” (UVC, p. 58)<br />
Correndo e arfando, pensa outra vez em sua personagem favorita das histórias em<br />
quadrinhos que lia quando era menina – Mary Marvel. Que era na vida cotidiana – Mary<br />
Batson – mas bastava dizer Shazan para se transformar. Ficava invunerável e saia voando,<br />
era capaz de resolver qualquer problema” (UVC, p. 79)<br />
É importante perceber que nesses contos a identificação da personagem com a<br />
heroína da história em quadrinhos indica uma constante na literatura de Sônia Coutinho: a<br />
intertextualidade com elementos massivos da cultura midiática. Essa característica, marcante da<br />
literatura dita pós-moderna aponta que a fragmentação formal reflete na fragmentação do<br />
conteúdo narrativo. Irlemar Chiampi (1996) em um estudo acerca do romance latino-americano<br />
do pós-boom faz considerações importantes sobre como “os gêneros espúrios invadiram a seara<br />
da alta literatura” (1996: p. 77).<br />
Essas considerações podem ser aplicadas aos contos de Sônia Coutinho. Para o<br />
autor, “a ficção latino-americana vem desenvolvendo uma bem sustentada apropriação dos<br />
gêneros que os meios massivos consagram, o povo consome e a elite abomina” (1996, p. 77).<br />
Ainda segundo ele, a reciclagem e\ou reutilização desses sub-produtos como, entre outros,<br />
história de detetives, musicais, cinema, filmes policiais, histórias em quadrinhos, musica popular,<br />
surgiram com a modernização e atestam o interesse dos ficcionistas de representarem as crises<br />
e os conflitos da época contemporânea. Nessa perspectiva, pode se compreender que as<br />
heroínas de histórias em quadrinhos bem como as atrizes americanas que permeiam os contos<br />
de Sônia Coutinho são reutilizáveis\recicláveis na medida que contribuem para acentuar a<br />
questão da busca de identidade dessas protagonistas que perambulam pelo universo caótico e<br />
fragmentado da contemporaneidade.<br />
Um aspecto bastante recorrente nos contos analisados é, além da presença constante<br />
do psiquiatra Dr. Klaus conforme já analisado, a dependência à bebida alcoólica pelas<br />
personagens. Nos momentos de solidão e angústia, o álcool surge como compensação às<br />
frustrações.<br />
Assim, Madalena, nas longas noites de insônia, pensando no amor não correspondido<br />
por Hipólito, bebe um martini que com seu sabor agridoce metaforiza os desdobramentos<br />
amargos de sua relação com Hipólito: “um raio de sol ecoou pela fenda envidraçada da parede e<br />
incidiu precisamente na cereja rosa-choque do meu martini doce. Observando o brilho dourado e<br />
translúcido, que iluminava a taça, me veio à mente uma palavra – agridoce”. (UVC, p. 27).<br />
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