[1º Ano] Platão - Fedro - Charlezine
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que ninguém o quisesse escutar, mesmo que fosse fazendo violência aos ouvintes. Pedelhe,<br />
pois, caro <strong>Fedro</strong>, que faça de uma vez o que de qualquer modo acabará por fazer.<br />
FEDRO: - Será preferível, na verdade, que eu recite o discurso como melhor puder,<br />
pois creio que não me deixarás em paz enquanto eu não o recitar, sendo-te indiferente<br />
que o faça bem ou mal.<br />
SÓCRATES: - Tens toda a razão.<br />
FEDRO: - Então farei como já te disse. Realmente, caro Sócrates, não me esforcei<br />
por decorar o discurso. Exporei, entretanto, com a exatidão que puder, todas aquelas<br />
coisas pelas quais, conforme diz Lísias, o apaixonado se distingue do que não ama.<br />
Explicarei tudo ordenadamente, começando pelo princípio.<br />
SÓCRATES: - Antes, porém meu amiguinho, mostra-me o que tens na mão<br />
esquerda, debaixo do teu manto! Suspeito que seja o próprio discurso. Caso eu tenha<br />
acertado, convence-te disto: tu és meu grande amigo, mas, estando o próprio Lísias<br />
desse modo presente, estou decidido a não te permitir uma simples repetição do<br />
discurso. Bem, deixa lá ver isso...<br />
FEDRO: - Cala-te, caro Sócrates! Puseste por terra a minha esperança de fazer uma<br />
experiência de memória contigo. Onde queres que nos sentemos para ler?<br />
SÓCRATES: - Afastemo-nos aqui da estrada e caminhemos ao longo do Ilisso. Mais<br />
adiante poderemos sentar-nos à vontade e estaremos sossegados.<br />
FEDRO: - Ao que parece, escolhi uma boa ocasião para andar sem sandálias. Quanto<br />
a ti, Sócrates, andas sempre descalço. É bem agradável banhar os pés e caminhar pela<br />
margem deste riacho, e mais agradável ainda nesta estação e nesta hora do dia.<br />
SÓCRATES: - Então avante! Procura um lugar onde nos possamos sentar.<br />
FEDRO: - Vês aquele altíssimo plátano?<br />
SÓCRATES: - Como não!<br />
FEDRO: - Ali há sombra, relva, e sopra um pouco de brisa. Debaixo dele podemos<br />
nos sentar, e até, se quiseres, deitar-nos.<br />
SÓCRATES: - Vamos para lá.<br />
FEDRO: - Dize-me uma coisa, caro Sócrates, não afirma o povo que de um desses<br />
lugares, à margem do Ilisso, Bóreas raptou Orítia? Ou foi na colina de Ares? A lenda,<br />
com efeito, admite que foi no Ares e não aqui que Orítia foi raptada.<br />
SÓCRATES: - Com efeito.<br />
FEDRO: - Quem sabe se não foi aqui mesmo onde estamos? É bonito este trecho do<br />
regato; a água aqui é pura e transparente; este lugar bem se presta aos folguedos das<br />
jovens.<br />
SÓCRATES: - Não foi aqui, mas cerca de três ou quatro estádios mais abaixo, onde<br />
atravessamos o regato em direção ao templo de Agra. Há naquele ponto um altar a<br />
Bóreas.<br />
FEDRO: - Não prestei muita atenção. Mas por Zeus, caro Sócrates. Dize-me uma<br />
coisa: acreditas que esse mito corresponda à verdade?<br />
SÓCRATES: - Se eu fosse, como os homens doutos, um incrédulo, não seria um<br />
homem extravagante, um desses sujeitos que procuram os atalhos ainda não batidos, Se<br />
fosse da opinião deles diria, fazendo deduções muito doutas, o seguinte: o sopro de<br />
Bóreas arremessou-a nas rochas que existem perto daqui, quando ela brincava com<br />
Farmaceia; em consequência disso Orítia morreu, e o povo contou que ela fora raptda<br />
por Bóreas. (Ou talvez isso se tenha passado no Areópago, pois também se diz que ela<br />
dali teria sido raptada, e não daqui). Eu, caro <strong>Fedro</strong>, acho tudo isso muito bonito, mas é<br />
trabalho para um homem de grande inteligência, a quem o esforço não intimida, e aí não<br />
encontramos a felicidade. Além disso, seria necessário interpretar, a seguir, a figura dos<br />
Hipocentauros, a da Quimera, e finalmente uma multidão de Górgonas e de Pégasos, um