[1º Ano] Platão - Fedro - Charlezine
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em relação a outros assuntos, as regras da arte retórica são mais ou menos semelhantes a<br />
essa. Não é verdade, <strong>Fedro</strong>?<br />
FEDRO: - É isso mesmo!<br />
SÓCRATES: - Parece, pois, que foi preciso grande habilidade para descobrir uma<br />
arte tão profunda, quer ela tenha sido inventada por Tísias ou por outro qualquer, e disso<br />
gabam-se os retóricos. Caro amigo, devemos ou não devemos dizer-lhe?...<br />
FEDRO: - O quê?<br />
SÓCRATES: - Isto: já muito antes de apareceres, ó Tísias, havíamos chegado à<br />
conclusão de que a verossimilhança domina o espírito da grande massa pela semelhança<br />
que tem com a verdade. Mostramos, ainda há pouco, que quem conhece a verdade será<br />
capaz de discernir com exatidão o que é provável. Se tiveres mais alguma coisa a dizer<br />
sobre a arte retórica, ouviremos com prazer. Se não tiveres, será bom não nos<br />
afastarmos do que estabelecemos: quem não classificar os caracteres de seus futuros<br />
ouvintes, quem não for capaz de dividir por gêneros o existente e reunir objetos<br />
individuais numa única ideia nunca será um artista retórico dentro dos limites humanos.<br />
Isso não se consegue sem grande esforço, e quem for sensato não empreenderá tal coisa<br />
apenas para se exibir perante os homens, mas sim com o propósito de dizer o que agrada<br />
aos deuses e colocando nisso toda a sua energia, assim como desejam os deuses. Eis, ó<br />
Tísias, o que dizem homens mais sábios do que nós: aquele que tem discernimento não<br />
procurará agradar os seus companheiros de escravidão, mas sim aos seus amos de<br />
origem celeste. Não pasme diante da extensão do caminho, pois ele só deve ser trilhado<br />
em busca de coisas elevadas, e não para os fins que imaginas. Mas a razão nos mostra<br />
que, se alguém porventura o desejar, também conseguirá atingir esse fim magnífico por<br />
outra via, diferente da tua.<br />
FEDRO: - Disseste muito bem, Sócrates. Se, com efeito, alguém for capaz de desejálo...<br />
SÓCRATES: - Mas para o homem que pretende possuir o que é belo, belo também<br />
será enfrentar os trabalhos que a beleza lhe impõe.<br />
FEDRO: - Naturalmente.<br />
SÓCRATES: - Bem, já distinguimos suficientemente a arte retórica daquela<br />
atividade retórica que não merece o nome de arte.<br />
FEDRO: - Sim.<br />
SÓCRATES: - Só resta, então, falar sobre o que convém e o que não convém<br />
escrever, e examinar quando essa arte é bem ou mal empregada. Está certo?<br />
FEDRO: - Sim.<br />
SÓCRATES: - Sabes tu como se pode ser mais agradável aos deuses, em ações ou<br />
em discursos?<br />
FEDRO: - Não; e tu sabes?<br />
SÓCRATES: - Tenho vontade de contar-te uma história transmitida pelos antigos; se<br />
ela é verdadeira ou não, só deus o sabe. Afinal, se nós pudéssemos conhecer a verdade,<br />
haveríamos de nos preocupar com o que dizem os homens?<br />
FEDRO: - O que dizes é curioso. Conta-me essa história que dizes ter ouvido!<br />
A invenção da escrita<br />
SÓCRATES: - Bem, ouvi dizer que na região de Náucratis, no Egito, houve um dos<br />
velhos deuses daquele país, um deus a que também é consagrada a ave chamada íbis.<br />
Quanto ao deus, porém, chamava-se Thoth. Foi ele que inventou os números e o<br />
cálculo, a geometria e a astronomia, o jogo de damas e os dados, e também a escrita.<br />
Naquele tempo governava todo o Egito, Tamuz, que residia ao sul do país, na grande