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Ronald Dworkin é um dos filósofos do direito mais importantes da ...

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<strong>Ronald</strong> <strong>Dworkin</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong> <strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>filósofos</strong> <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>mais</strong> <strong>importantes</strong> <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de. É<br />

conheci<strong>do</strong> principalmente por sua crítica à Jurisprudência Positivista, que trata o <strong>direito</strong><br />

como <strong>um</strong> conjunto de regras passíveis de análise independentemente <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de.<br />

<strong>Dworkin</strong> arg<strong>um</strong>enta que isto <strong>é</strong> <strong>um</strong> engano, pois a distinção entre fatos e valores no<br />

<strong>do</strong>mínio legal, entre o que o <strong>direito</strong> <strong>é</strong> de fato e o que o <strong>direito</strong> deveria ser, <strong>é</strong> <strong>mais</strong><br />

imprecisa <strong>do</strong> que a Jurisprudência Positivista supõe. Deste mo<strong>do</strong> torna-se impossível<br />

determinar o que o <strong>direito</strong> <strong>é</strong> em casos particulares sem recorrer a considerações morais e<br />

políticas sobre o que deve ser.<br />

Al<strong>é</strong>m disso, <strong>Dworkin</strong> sustenta que as decisões jurídicas adequa<strong>da</strong>s se baseiam na<br />

melhor interpretação moral possível <strong>da</strong>s práticas em vigor em <strong>um</strong>a determina<strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de. <strong>Dworkin</strong> tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong> conheci<strong>do</strong> por ser <strong>um</strong> defensor influente <strong>do</strong><br />

liberalismo político, ten<strong>do</strong> contribuí<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> significativo para os debates <strong>da</strong><br />

filosofia política e <strong>da</strong> <strong>é</strong>tica prática. Associa<strong>da</strong> à sua teoria <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, <strong>Dworkin</strong> defende<br />

<strong>um</strong>a teoria de justiça na qual to<strong>da</strong>s as decisões a respeito de <strong>direito</strong> constitucional e<br />

políticas públicas se devem basear na id<strong>é</strong>ia de que to<strong>da</strong>s as pessoas são iguais enquanto<br />

seres h<strong>um</strong>anos e que independentemente <strong>da</strong>s suas diferenças sociais, econômicas e<br />

estilos de vi<strong>da</strong>, devem ser trata<strong>da</strong>s com igual consideração e respeito, em to<strong><strong>do</strong>s</strong> os<br />

aspectos relevantes para seu desenvolvimento h<strong>um</strong>ano. A sua defesa desse <strong>direito</strong> está<br />

na base de suas intervenções em debates <strong>importantes</strong> <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de, como as discussões<br />

sobre a desobediência civil, a liber<strong>da</strong>de de expressão, o aborto e a eutanásia. 1<br />

Dwoekin, estu<strong>do</strong>u na Universi<strong>da</strong>de Harvard e no Mag<strong>da</strong>len College <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de<br />

Oxford, onde ele era aluno de Rupert Cross e <strong>um</strong> Rhodes Scholar. Depois estu<strong>do</strong>u na<br />

Harvard Law School e posteriormente atuou como assistente <strong>do</strong> renoma<strong>do</strong> juiz Learned<br />

Hand <strong>da</strong> Corte de Apelo <strong><strong>do</strong>s</strong> Esta<strong><strong>do</strong>s</strong> Uni<strong><strong>do</strong>s</strong>. O juiz Hand <strong>mais</strong> tarde diria que <strong>Dworkin</strong><br />

foi o melhor de seus estagiários e <strong>Dworkin</strong> lembraria de Hand como <strong>um</strong> mentor que<br />

muito o influenciara. Trabalhan<strong>do</strong> depois em Sullivan and Cromwell, <strong>um</strong> importante<br />

escritório de advocacia de New York, <strong>Dworkin</strong> trabalhou como professor de Direito <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de Yale, sen<strong>do</strong> titular <strong>da</strong> Cátedra de teoria <strong>do</strong> <strong>direito</strong> Wesley N. Hohfeld.<br />

Em 1969, <strong>Dworkin</strong> foi indica<strong>do</strong> para a Cadeira de Teoria Geral <strong>do</strong> Direito em Oxford<br />

como sucessor de H.L.A. Hart e foi eleito companheiro em Oxford. Depois de se<br />

1 http://criticanarede.com/html/dworkin.html


aposentar de Oxford, <strong>Dworkin</strong> ass<strong>um</strong>iu a cátedra Quain de Filosofia <strong>do</strong> <strong>direito</strong> em<br />

University College Lon<strong>do</strong>n, ass<strong>um</strong>in<strong>do</strong> em segui<strong>da</strong> a cátedra Bentham de Teoria <strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong> -- <strong>um</strong>a posição que ele ain<strong>da</strong> mant<strong>é</strong>m. Ele tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong> Frank Henry Sommer<br />

Professor de Direito em New York University School of Law e professor de Filosofia<br />

em Universi<strong>da</strong>de de Nova Iorque, onde ele tem ensina<strong>do</strong> desde o final <strong><strong>do</strong>s</strong> anos 1970. 2<br />

Por que <strong>é</strong> importante<br />

Capítulo I<br />

O que <strong>é</strong> o <strong>direito</strong>?<br />

É importante o mo<strong>do</strong> como os juízes decidem os casos. É muito importante para as<br />

pessoas sem sorte, litigiosas, más ou santas o bastante para se verem diante <strong>do</strong> tribunal.<br />

Learned Hand, que foi <strong>um</strong> <strong><strong>do</strong>s</strong> melhores e <strong>mais</strong> famosos juízes <strong><strong>do</strong>s</strong> Esta<strong><strong>do</strong>s</strong> Uni<strong><strong>do</strong>s</strong>,<br />

dizia ter <strong>mais</strong> me<strong>do</strong> de <strong>um</strong> processo judicial que <strong>da</strong> morte ou <strong><strong>do</strong>s</strong> impostos. (pg. 3)<br />

<strong>Dworkin</strong> destaca serem os processos judiciais <strong>importantes</strong> em outro feitio que não pode<br />

ser analisa<strong>do</strong> em termos econômicos e nem mesmo de liber<strong>da</strong>de.<br />

Há, inevitavelmente, <strong>um</strong>a dimensão moral associa<strong>da</strong> a <strong>um</strong> processo judicial legal e,<br />

portanto, <strong>um</strong> risco permanente de <strong>um</strong>a forma inequívoca de injustiça pública.<br />

Um juiz deve decidir não simplesmente quem vai ter o quê, mas quem agiu bem, quem<br />

c<strong>um</strong>priu com suas responsabili<strong>da</strong>des de ci<strong>da</strong>dão, e quem, de propósito, por cobiça ou<br />

insensibili<strong>da</strong>de, ignorou suas próprias responsabili<strong>da</strong>des para com os outros, ou<br />

exagerou as responsabili<strong>da</strong>des <strong><strong>do</strong>s</strong> outros para consigo mesmo. Se esse julgamento for<br />

injusto, então a comuni<strong>da</strong>de terá infligi<strong>do</strong> <strong>um</strong> <strong>da</strong>no moral a <strong>um</strong> de seus membros por tê-<br />

lo estigmatiza<strong>do</strong>, em certo grau ou medi<strong>da</strong>, como fora-<strong>da</strong>-lei. O <strong>da</strong>no <strong>é</strong> <strong>mais</strong> grave<br />

quan<strong>do</strong> se condena <strong>um</strong> inocente por <strong>um</strong> crime, mas já <strong>é</strong> bastante considerável quan<strong>do</strong><br />

2 http://pt.wikipedia.org/wiki/<strong>Ronald</strong>_<strong>Dworkin</strong>


<strong>um</strong> queixoso com <strong>um</strong>a alegação bem fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> não <strong>é</strong> ouvi<strong>do</strong> pelo tribunal, ou<br />

quan<strong>do</strong> <strong>um</strong> r<strong>é</strong>u dele sai com <strong>um</strong> estigma imereci<strong>do</strong>. (pg. 3-4)<br />

Divergências quanto ao <strong>direito</strong><br />

A maneira como os juízes resolvem as lides, tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong> importante saber o que eles<br />

pensam que <strong>é</strong> o <strong>direito</strong>, e, quan<strong>do</strong> divergem sobre esse assunto, o tipo de divergência<br />

que estão ten<strong>do</strong> tamb<strong>é</strong>m importa. Há alg<strong>um</strong> mist<strong>é</strong>rio nisso? Sim, mas precisamos de<br />

alg<strong>um</strong>as distinções para saber qual <strong>é</strong> esse mist<strong>é</strong>rio. Os processos judiciais sempre<br />

suscitam, pelo menos em princípio, três diferentes tipos de questões: questões de fato,<br />

questões de <strong>direito</strong> e as questões interliga<strong>da</strong>s de morali<strong>da</strong>de política e fideli<strong>da</strong>de. (pg. 6)<br />

To<strong><strong>do</strong>s</strong> pensam que as proposições jurídicas são ver<strong>da</strong>deiras ou falsas (ou nem <strong>um</strong>a coisa<br />

nem outra) em virtude de outros tipos <strong>mais</strong> conheci<strong><strong>do</strong>s</strong> de proposições, <strong>da</strong>s quais as<br />

proposições jurídicas são parasitárias, como poderíamos dizer. Essas proposições <strong>mais</strong><br />

conheci<strong>da</strong>s oferecem aquilo que chamarei de "fun<strong>da</strong>mentos" <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. (pg. 7)<br />

A divergência empírica sobre o <strong>direito</strong> quase na<strong>da</strong> tem de misteriosa. As pessoas podem<br />

divergir a propósito de quais palavras estão nos códigos <strong>da</strong> mesma maneira que<br />

divergem sobre quaisquer outras questões de fato. Mas a divergência teórica no <strong>direito</strong>,<br />

a divergência quanto aos fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, <strong>é</strong> <strong>mais</strong> problemática. Mais adiante,<br />

neste capítulo, veremos que advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> e juízes têm, de fato, divergências teóricas.<br />

Divergem, por exemplo, sobre o que o <strong>direito</strong> realmente <strong>é</strong>, sobre a questão <strong>da</strong><br />

segregação racial ou <strong><strong>do</strong>s</strong> acidentes de trabalho, mesmo quan<strong>do</strong> estão de acor<strong>do</strong> sobre<br />

quais leis foram aplica<strong>da</strong>s, e sobre o que as autori<strong>da</strong>des públicas disseram e pensaram<br />

no passa<strong>do</strong>. De que tipo de divergência se trata? Como nós próprios julgaríamos quem<br />

tem o melhor arg<strong>um</strong>ento? (pg. 8)<br />

N<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> trivial, <strong>é</strong> inquestionável que os juízes "criam novo <strong>direito</strong>" to<strong>da</strong> vez que<br />

decidem <strong>um</strong> caso importante. Anunciam <strong>um</strong>a regra, <strong>um</strong> princípio, <strong>um</strong>a ressalva a <strong>um</strong>a<br />

disposição - por exemplo, de que a segregação <strong>é</strong> inconstitucional, ou que os operários<br />

não podem obter indenização em juízo por <strong>da</strong>nos provoca<strong><strong>do</strong>s</strong> por companheiros de<br />

trabalho - nunca antes oficialmente declara<strong><strong>do</strong>s</strong>. Em geral, por<strong>é</strong>m, apresentam essas<br />

"novas" formulações jurídicas como relatos aperfeiçoa<strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>da</strong>quilo que o <strong>direito</strong> já <strong>é</strong>, se


devi<strong>da</strong>mente compreendi<strong>do</strong>. Alegam, em outras palavras, que a nova formulação se faz<br />

necessária em função <strong>da</strong> correta percepção <strong><strong>do</strong>s</strong> ver<strong>da</strong>deiros fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> <strong>direito</strong>,<br />

ain<strong>da</strong> que isso não tenha si<strong>do</strong> previamente reconheci<strong>do</strong>, ou tenha si<strong>do</strong>, inclusive,<br />

nega<strong>do</strong>. Portanto, o debate público sobre a questão de se os juízes "descobrem" ou<br />

"inventam" o <strong>direito</strong> constitui, na ver<strong>da</strong>de, <strong>um</strong> debate sobre se e quan<strong>do</strong> essa ambiciosa<br />

pretensão <strong>é</strong> ver<strong>da</strong>deira. Se algu<strong>é</strong>m diz que os juízes descobriram a ilegali<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

segregação nas escolas, <strong>é</strong> porque já acreditava que a segregação era de fato ilegal,<br />

mesmo antes <strong>da</strong> decisão que a declarou como tal e ain<strong>da</strong> que nenh<strong>um</strong> tribunal tivesse<br />

afirma<strong>do</strong> isso anteriormente. (pg. 9)<br />

O <strong>direito</strong> como simples questão de fato<br />

Por incrível que pareça, nossa <strong>do</strong>utrina não tem nenh<strong>um</strong>a teoria plausível acerca <strong>da</strong><br />

divergência teórica no <strong>direito</strong>. Os <strong>filósofos</strong> <strong>do</strong> <strong>direito</strong> estão, sem dúvi<strong>da</strong>, conscientes de<br />

que a divergência teórica <strong>é</strong> problemática, de que não <strong>é</strong> claro, à primeira vista, de que<br />

tipo de divergência se trata. Mas a maioria deles já se decidiu por aquilo que, como logo<br />

veremos, <strong>é</strong> <strong>mais</strong> <strong>um</strong>a evasiva que <strong>um</strong>a resposta. Afirmam que a divergência teórica <strong>é</strong><br />

<strong>um</strong>a ilusão, que na ver<strong>da</strong>de advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> e juízes estão de acor<strong>do</strong> quanto aos fun<strong>da</strong>mentos<br />

<strong>da</strong> lei. (pg. 10)<br />

… ponto de vista entre os teóricos <strong>do</strong> <strong>direito</strong> aju<strong>da</strong> a explicar por que os leigos, quan<strong>do</strong><br />

pensam nos tribunais, se preocupam <strong>mais</strong> com a conformi<strong>da</strong>de para com o <strong>direito</strong> <strong>do</strong><br />

que com qual <strong>é</strong> o <strong>direito</strong>. Se os juízes se dividem em alg<strong>um</strong> grande processo, e se sua<br />

divergência não pode dizer respeito a nenh<strong>um</strong>a questão de <strong>direito</strong>, por ser este <strong>um</strong>a<br />

questão apenas de fato, que se decide facilmente entre advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> bem informa<strong><strong>do</strong>s</strong>, <strong>um</strong><br />

<strong><strong>do</strong>s</strong> la<strong><strong>do</strong>s</strong> deve estar desobedecen<strong>do</strong> à lei ou ignoran<strong>do</strong>-a, e este deve ser o la<strong>do</strong> que<br />

sustenta <strong>um</strong>a decisão inusita<strong>da</strong>, no senti<strong>do</strong> trivial <strong>do</strong> termo. Assim, a questão <strong>da</strong><br />

fideli<strong>da</strong>de <strong>é</strong> a questão que exige <strong>um</strong> debate público e a atenção <strong>do</strong> ci<strong>da</strong>dão precavi<strong>do</strong>.<br />

(pg. 11)<br />

A maioria <strong><strong>do</strong>s</strong> leigos supõe que, nos repertórios, existem normas jurídicas para decidir<br />

ca<strong>da</strong> questão que se possa trazer à presença de <strong>um</strong> juiz. A versão acadêmica <strong>do</strong> ponto de<br />

vista <strong>da</strong> simples questão de fato nega tal concepção. Ela enfatiza que o <strong>direito</strong> pode ser<br />

silencioso a propósito <strong>do</strong> litígio em questão porque nenh<strong>um</strong>a decisão institucional


anterior emite, sobre ele, qualquer opinião. Talvez nenh<strong>um</strong>a instituição competente<br />

ja<strong>mais</strong> tenha decidi<strong>do</strong> se os trabalha<strong>do</strong>res podem ou não pedir indenização por <strong>da</strong>nos<br />

provoca<strong><strong>do</strong>s</strong> por colegas de trabalho. Ou o <strong>direito</strong> pode silenciar porque a decisão<br />

institucional pertinente apenas estipulou vagas diretrizes ao declarar, por exemplo, que<br />

<strong>um</strong> loca<strong>do</strong>r deve <strong>da</strong>r a <strong>um</strong>a viúva <strong>um</strong> tempo "razoável" para pagar seu aluguel. Nessas<br />

circunstâncias, de acor<strong>do</strong> com a versão acadêmica, nenh<strong>um</strong>a decisão pode fiar-se em<br />

que aplicar a lei <strong>é</strong> preferível a mudá-la. O juiz, portanto, não tem nenh<strong>um</strong>a opção a não<br />

ser exercer seu discernimento para criar <strong>um</strong>a nova norma, preenchen<strong>do</strong> as lacunas onde<br />

o <strong>direito</strong> silencie e tornan<strong>do</strong>-o <strong>mais</strong> preciso onde for vago. (pg. 12)<br />

Alguns juristas acadêmicos extraem conclusões especialmente radicais <strong>da</strong> sofistica<strong>da</strong><br />

versão <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como simples questão de fat0 6 • Afirmam que as<br />

decisões institucionais <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> não somente às vezes, mas quase sempre, são vagas,<br />

ambíguas ou incompletas e, com freqüência, tamb<strong>é</strong>m incompatíveis ou mesmo<br />

incoerentes. Concluem que realmente nunca existe <strong>direito</strong> relativo a nenh<strong>um</strong> tópico ou<br />

questão, mas apenas retórica que os juízes utilizam para mascarar decisões que, na<br />

ver<strong>da</strong>de, são dita<strong>da</strong>s por preferências ideológicas ou de classe. A seqüência que<br />

descrevi, <strong>da</strong> confiante crença <strong>do</strong> leigo em que o <strong>direito</strong> está por to<strong>da</strong> parte, at<strong>é</strong> a<br />

zombeteira descoberta <strong>do</strong> cínico de que ele absolutamente não existe, <strong>é</strong> o curso natural<br />

segui<strong>do</strong> pela convicção, <strong>um</strong>a vez que aceitemos o ponto de vista <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como<br />

simples questão de fato e sua conseqüente alegação de que a divergência teórica <strong>é</strong><br />

apenas política disfarça<strong>da</strong>. Pois quanto <strong>mais</strong> aprendemos sobre o <strong>direito</strong>, <strong>mais</strong> nos<br />

convencemos de que na<strong>da</strong> de importante sobre ele <strong>é</strong> totalmente incontestável. (pg. 13)<br />

De qualquer maneira, o ponto de vista romântico <strong>da</strong> "ciência" <strong>é</strong> insatisfatório; <strong>é</strong><br />

excessivamente desestrutura<strong>do</strong>, por de<strong>mais</strong> complacente com os mist<strong>é</strong>rios que cultiva<br />

para ser considera<strong>do</strong> <strong>um</strong>a teoria avança<strong>da</strong> <strong>do</strong> que seja o arg<strong>um</strong>ento jurídico. Precisamos<br />

disciplinar a id<strong>é</strong>ia <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como ciência, ver de que mo<strong>do</strong> a estrutura <strong>do</strong> "instinto"<br />

jurídico difere de outras convicções que as pessoas possam ter sobre o governo e a<br />

justiça. (pg. 14)<br />

A maioria <strong>da</strong>s pessoas tem opiniões bastante claras sobre o mo<strong>do</strong> como congressistas,<br />

primeiros-ministros, presidentes ou ministros <strong>da</strong>s Relações Exteriores devem<br />

desempenhar suas funções, e opiniões claras sobre o ver<strong>da</strong>deiro comportamento dessas


autori<strong>da</strong>des. Mas a opinião popular sobre os juízes e o exercício <strong>da</strong> justiça <strong>é</strong> <strong>um</strong> caso<br />

lamentável de frases vazias, e aí incluo as opiniões de muitos juízes e advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> em<br />

exercício sempre que escrevem ou falam sobre aquilo que fazem. Tu<strong>do</strong> isso <strong>é</strong><br />

vergonhoso, o que <strong>é</strong> apenas <strong>um</strong>a parte <strong>do</strong> <strong>da</strong>no. Afinal, temos interesse pelo <strong>direito</strong> não<br />

só porque o usamos para nossos próprios propósitos, sejam eles egoístas ou nobres, mas<br />

porque o <strong>direito</strong> <strong>é</strong> a nossa instituição social <strong>mais</strong> estrutura<strong>da</strong> e revela<strong>do</strong>ra. Se<br />

compreendermos melhor a natureza de nosso arg<strong>um</strong>ento jurídico, saberemos melhor que<br />

tipo de pessoas somos. (pg. 15)<br />

Uma objeção liminar<br />

É importante o mo<strong>do</strong> como os juízes decidem se <strong>um</strong> operário tem ou não o <strong>direito</strong> legal<br />

de ser indeniza<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> <strong>um</strong>· companheiro de trabalho derruba <strong>um</strong>a chave inglesa em<br />

seu p<strong>é</strong>, mas tamb<strong>é</strong>m importa saber como <strong>um</strong> juiz ou <strong>um</strong> júri decide que, pelo contrário,<br />

foi o próprio operário (como alega o emprega<strong>do</strong>r) que derrubou a chave inglesa no p<strong>é</strong>.<br />

Tamb<strong>é</strong>m não discuto a administração adequa<strong>da</strong> <strong>da</strong> deliberação judicial, as soluções<br />

conciliatórias que os juízes devem às vezes aceitar, declaran<strong>do</strong> o <strong>direito</strong> de mo<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />

pouco diferente <strong>da</strong>quele que consideram <strong>mais</strong> perfeito, com a finali<strong>da</strong>de de conquistar<br />

os votos de outros juízes, por exemplo. Estou preocupa<strong>do</strong> com a questão <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, não<br />

com as razões que os juízes possam ter para atenuar suas afirmações sobre o que <strong>é</strong> o<br />

<strong>direito</strong>. Meu projeto tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong> limita<strong>do</strong> em outro senti<strong>do</strong>. Concentra-se na decisão<br />

judicial, nos juízes toga<strong><strong>do</strong>s</strong>, mas estes não são os únicos protagonistas <strong>do</strong> drama<br />

jurídico, nem mesmo os <strong>mais</strong> <strong>importantes</strong>. Um estu<strong>do</strong> <strong>mais</strong> completo <strong>da</strong> prática <strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong> levaria em consideração os legisla<strong>do</strong>res, policiais, promotores públicos,<br />

assistentes sociais, diretores de escolas e vários outros tipos de autori<strong>da</strong>des, al<strong>é</strong>m de<br />

pessoas como banqueiros, administra<strong>do</strong>res e dirigentes sindicais, que não são<br />

considera<strong><strong>do</strong>s</strong> funcionários públicos, mas cujas decisões tamb<strong>é</strong>m afetam os <strong>direito</strong>s<br />

jurídicos de seus conci<strong>da</strong>dãos. (pg. 16)<br />

As duas perspectivas sobre o <strong>direito</strong>, a externa e a interna, são essenciais, e ca<strong>da</strong> <strong>um</strong>a<br />

delas deve incorporar ou levar em conta a outra. O ponto de vista <strong>do</strong> participante inclui<br />

o <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r quan<strong>do</strong> alg<strong>um</strong> pleito jurídico apóia-se n<strong>um</strong>a questão de fato histórico:<br />

quan<strong>do</strong>, por exemplo, a questão de saber se a segregação <strong>é</strong> ou não ilegal volta-se para os<br />

motivos <strong><strong>do</strong>s</strong> políticos que escreveram a Constituição ou <strong>da</strong>queles que segregaram as


escolas 8 . A perspectiva <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r inclui a <strong>do</strong> participante de mo<strong>do</strong> <strong>mais</strong> abrangente,<br />

pois o historia<strong>do</strong>r não pode compreender o <strong>direito</strong> como prática social arg<strong>um</strong>entativa,<br />

nem mesmo o suficiente para rejeitá-lo como engana<strong>do</strong>r, enquanto não tiver a<br />

compreensão de <strong>um</strong> participante, enquanto não dispuser de sua própria opinião sobre o<br />

que se considera boa ou má arg<strong>um</strong>entação no âmbito dessa prática. Precisamos de <strong>um</strong>a<br />

teoria social <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, mas exatamente por essa razão ela deve fazer parte <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina<br />

jurídica. (pg. 18)<br />

… o ponto de vista interno, aquele <strong>do</strong> participante; tenta apreender a natureza<br />

arg<strong>um</strong>entativa de nossa prática jurídica ao associar-se a essa prática e debruçar-se sobre<br />

as questões de acerto e ver<strong>da</strong>de com as quais os participantes deparam. Estu<strong>da</strong>remos o<br />

arg<strong>um</strong>ento jurídico formal a partir <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong> juiz, não porque apenas os<br />

juízes são <strong>importantes</strong> ou porque podemos compreendê-los totalmente se prestamos<br />

atenção ao que dizem, mas porque o arg<strong>um</strong>ento jurídico nos processos judiciais <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />

bom paradigma para a exploração <strong>do</strong> aspecto central, proposicional, <strong>da</strong> prática jurídica.<br />

Os ci<strong>da</strong>dãos, os políticos e os professores de <strong>direito</strong> tamb<strong>é</strong>m se preocupam com a<br />

natureza <strong>da</strong> lei e a discutem, e eu poderia ter a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> seus arg<strong>um</strong>entos como nossos<br />

paradigmas, e não os <strong>do</strong> juiz. Mas a estrutura <strong>do</strong> arg<strong>um</strong>ento judicial <strong>é</strong> tipicamente <strong>mais</strong><br />

explícita, e o raciocínio judicial exerce <strong>um</strong>a influência sobre outras formas de discurso<br />

legal que não <strong>é</strong> totalmente recíproca. (pg. 19)<br />

O mun<strong>do</strong> real<br />

(ver casos)<br />

…os juízes que têm diante de si <strong>um</strong>a lei precisam interpretar a "ver<strong>da</strong>deira" lei - <strong>um</strong>a<br />

afirmação de que diferenças a lei estabelece para os <strong>direito</strong>s de diferentes pessoas - a<br />

partir <strong>do</strong> texto <strong>da</strong> compilação de leis. Assim como os críticos literários precisam de <strong>um</strong>a<br />

teoria operacional, ou pelo menos de <strong>um</strong> estilo de interpretação, para interpretar o<br />

poema por trás <strong>do</strong> texto, os juízes tamb<strong>é</strong>m precisam de algo como <strong>um</strong>a teoria <strong>da</strong><br />

legislação para fazer o mesmo com relação às leis. Isso pode parecer evidente quan<strong>do</strong> as<br />

palavras conti<strong>da</strong>s nas compilações sofrem <strong>da</strong> mesma deficiência semântica; quan<strong>do</strong> são<br />

ambíguas ou vagas, por exemplo. Mas <strong>um</strong>a teoria <strong>da</strong> legislação tamb<strong>é</strong>m se faz<br />

necessária quan<strong>do</strong>, <strong>do</strong> ponto de vista lingüístico, essas palavras são impecáveis. (pg. 22)


Teorias semânticas <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />

Proposições e fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> <strong>direito</strong><br />

Dizem eles que a divergência teórica sobre os fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> <strong>direito</strong> deve ser <strong>um</strong><br />

pretexto, pois o próprio significa<strong>do</strong> <strong>da</strong> palavra "<strong>direito</strong>" faz o <strong>direito</strong> depender de certos<br />

crit<strong>é</strong>rios específicos, e que qualquer advoga<strong>do</strong> que rejeitasse ou contestasse esses<br />

crit<strong>é</strong>rios estaria dizen<strong>do</strong> absur<strong><strong>do</strong>s</strong> que contradizem a si mesmos. (p. 39)<br />

Seguimos regras comuns, afirmam eles, quan<strong>do</strong> usamos qualquer palavra: essas regras<br />

estabelecem crit<strong>é</strong>rios que atribuem significa<strong>do</strong> à palavra. Nossas regras para o uso de<br />

"<strong>direito</strong>" ligam o <strong>direito</strong> ao fato histórico puro e simples. Não se segue <strong>da</strong>í que to<strong><strong>do</strong>s</strong> os<br />

advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> tenham consciência dessas regras no senti<strong>do</strong> de serem capazes de enunciá-<br />

las de alg<strong>um</strong>a forma níti<strong>da</strong> e abrangente. Pois to<strong><strong>do</strong>s</strong> nós seguimos regras dita<strong>da</strong>s pela<br />

língua que falamos, e delas não temos plena consciência. To<strong><strong>do</strong>s</strong> usamos a palavra<br />

"causa", por exemplo, de <strong>um</strong> jeito que, grosso mo<strong>do</strong>, parece ser o mesmo -<br />

concor<strong>da</strong>mos sobre os eventos físicos que causaram outros, desde que to<strong><strong>do</strong>s</strong> tenhamos<br />

conhecimento <strong><strong>do</strong>s</strong> fatos pertinentes -, e ain<strong>da</strong> assim a maioria de nós não tem id<strong>é</strong>ia <strong><strong>do</strong>s</strong><br />

crit<strong>é</strong>rios que utilizamos para fazer esses julgamentos, ou mesmo <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> em que<br />

empregamos esses crit<strong>é</strong>rios. (p. 39)<br />

Positivismo jurídico<br />

As teorias semânticas pressupõem que os advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> e juízes usam basicamente os<br />

mesmos crit<strong>é</strong>rios (embora estes sejam ocultos e passem despercebi<strong><strong>do</strong>s</strong>) para decidir<br />

quan<strong>do</strong> as proposições jurídicas são falsas ou ver<strong>da</strong>deiras; elas pressupõem que os<br />

advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> realmente estejam de acor<strong>do</strong> quanto aos fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. Essas<br />

teorias divergem sobre quais crit<strong>é</strong>rios os advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> de fato compartilham e sobre os<br />

fun<strong>da</strong>mentos que esses crit<strong>é</strong>rios na ver<strong>da</strong>de estipulam. (...). Essas teorias positivistas,<br />

como são chama<strong>da</strong>s, sustentam o ponto de vista <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como simples questão de


fato, aquele segun<strong>do</strong> o qual a ver<strong>da</strong>deira divergência sobre a natureza <strong>do</strong> <strong>direito</strong> deve<br />

ser <strong>um</strong>a divergência empírica sobre a história <strong>da</strong>s instituições jurídicas. As teorias<br />

positivistas, contu<strong>do</strong>, diferem entre si sobre quais fatos históricos são cruciais, e duas<br />

versões têm si<strong>do</strong> particularmente <strong>importantes</strong> na <strong>do</strong>utrina britânica. (p. 41)<br />

Outras teorias semânticas<br />

As teorias positivistas não estão a salvo de contestações na literatura <strong>da</strong> <strong>do</strong>utrina<br />

clássica; devo mencionar, aqui, <strong>do</strong>is outros grupos de teorias geralmente ti <strong>da</strong>s como<br />

suas rivais. A primeira cost<strong>um</strong>a ser chama<strong>da</strong> de escola <strong>do</strong> <strong>direito</strong> natural, ain<strong>da</strong> que as<br />

várias teorias agrupa<strong>da</strong>s sob tal designação sejam muito diferentes entre si, e que o<br />

nome não se ajuste a nenh<strong>um</strong>a delas 32 . Se as tratarmos como teorias semânticas (no<br />

capítulo III, apresentarei <strong>um</strong> mo<strong>do</strong> melhor de compreendê-las), elas têm isto em<br />

com<strong>um</strong>: sustentam que os juristas seguem crit<strong>é</strong>rios que não são inteiramente factuais,<br />

mas, pelo menos at<strong>é</strong> certo ponto, morais, para decidirem que proposições jurídicas são<br />

ver<strong>da</strong>deiras. A <strong>mais</strong> radical dessas teorias ressalta que o <strong>direito</strong> e a justiça são idênticos,<br />

de tal mo<strong>do</strong> que nenh<strong>um</strong>a proposição jurídica injusta pode ser ver<strong>da</strong>deira. Essa teoria<br />

radical <strong>é</strong> bastante implausível enquanto teoria semântica, pois os advoga<strong><strong>do</strong>s</strong><br />

freqüentemente falam de maneira que a contradiz. (p. 44)<br />

Os estu<strong>da</strong>ntes aprendem que o segun<strong>do</strong> rival <strong>do</strong> positivismo <strong>é</strong> a escola <strong>do</strong> realismo<br />

jurídico. As teorias realistas foram desenvolvi<strong>da</strong>s no início deste s<strong>é</strong>culo, sobretu<strong>do</strong> nas<br />

escolas de <strong>direito</strong> norte-americanas, embora o movimento tivesse ramificações em<br />

outros lugares. (...) Alguns realistas exprimiram essas id<strong>é</strong>ias em <strong>um</strong>a linguagem<br />

profun<strong>da</strong>mente c<strong>é</strong>tica. Afirmaram que o <strong>direito</strong> não existe, ou que resulta apenas<br />

<strong>da</strong>quilo que o juiz tomou em seu caf<strong>é</strong> <strong>da</strong> manhã. Queriam dizer que não existe na<strong>da</strong> que<br />

se possa chamar de <strong>direito</strong>, a não ser esses diferentes tipos de previsões. Contu<strong>do</strong>,<br />

mesmo assim compreendi<strong>do</strong>, o realismo permanece extremamente implausível enquanto<br />

teoria semântica. Pois raramente <strong>é</strong> contraditório _ na ver<strong>da</strong>de, <strong>é</strong> at<strong>é</strong> com<strong>um</strong> - que os<br />

advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> prevejam que os juízes cometerão <strong>um</strong> erro a propósito <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, ou que os<br />

juízes manifestem seu ponto de vista sobre o <strong>direito</strong> para acrescentar, em segui<strong>da</strong>, que<br />

esperam que ele venha a ser modifica<strong>do</strong>. (p. 45)


A defesa <strong>do</strong> positivismo<br />

Vou concentrar-me no positivismo jurídico porque, como acabei de dizer, essa <strong>é</strong> a<br />

teoria semântica que sustenta o ponto (p. 45)<br />

de vista <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como simples questão de fato e a alegação de que o ver<strong>da</strong>deiro<br />

arg<strong>um</strong>ento sobre o <strong>direito</strong> deve ser empírico, não teórico. Se o positivismo está certo,<br />

então a aparente divergênci~ teórica sobre os fun<strong>da</strong>mentos <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, no caso Elmer, no<br />

caso McLoughlin, no caso <strong>do</strong> snail <strong>da</strong>rter e no caso Brown, <strong>é</strong> de certo mo<strong>do</strong><br />

engana<strong>do</strong>ra. Nesses casos, as instituições jurídicas precedentes não haviam decidi<strong>do</strong><br />

expressamente a questão de nenh<strong>um</strong>a maneira, e os advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> que usavam<br />

corretamente a palavra "<strong>direito</strong>", segun<strong>do</strong> o positivismo, teriam concor<strong>da</strong><strong>do</strong> quanto a<br />

não haver <strong>direito</strong> alg<strong>um</strong> a descobrir. Sua divergência, portanto, deve ter si<strong>do</strong> <strong>um</strong> debate<br />

disfarça<strong>do</strong> sobre qual deveria ser a natureza <strong>do</strong> <strong>direito</strong>. Mas podemos reafirmar essa<br />

inferência como <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento contra o positivismo. (p. 46)<br />

De nosso ponto de vista enquanto críticos, de acor<strong>do</strong> com essa explicação <strong>do</strong><br />

positivismo, <strong>é</strong> melhor pensar que seus arg<strong>um</strong>entos seriam <strong>mais</strong> adequa<strong><strong>do</strong>s</strong> ao<br />

aperfeiçoamento <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, ao que o <strong>direito</strong> deveria ser, porque entenderemos melhor o<br />

processo jurídico se somente usarmos a palavra "<strong>direito</strong>" para descrever o que se<br />

encontra no âmago desse conceito, isto <strong>é</strong>, se a usarmos somente para abranger<br />

proposições jurídicas ver<strong>da</strong>deiras segun<strong>do</strong> a regra central ou principal <strong>do</strong> uso de<br />

"<strong>direito</strong>" aceito por to<strong><strong>do</strong>s</strong>, como as proposições <strong>da</strong>s leis de trânsito. Seria melhor que os<br />

advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> e juízes usassem "<strong>direito</strong>" nesse senti<strong>do</strong>, assim como seria melhor que as<br />

pessoas, em vez de discutirem a correta classificação <strong>do</strong> palácio de Buckingham,<br />

concor<strong>da</strong>ssem em usar "casa" no mesmo senti<strong>do</strong>, sempre que possível. Assim, o<br />

positivismo, defendi<strong>do</strong> desse mo<strong>do</strong> diferente; tem <strong>um</strong> caráter tanto reforma<strong>do</strong>r quanto<br />

descritivo. Seja como for, a defesa favoreceu a tese <strong>do</strong> <strong>direito</strong> como simples questão de<br />

fato. (p. 49)<br />

O ver<strong>da</strong>deiro arg<strong>um</strong>ento em favor <strong>da</strong>s teorias semânticas


Assim, o esquema <strong>da</strong>s teorias semânticas, de extrair regras comuns de <strong>um</strong> criterioso<br />

estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>quilo que os advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> dizem e fazem, estaria condena<strong>do</strong> ao fracasso. Esse<br />

desafio protelatório agora amadureceu. Por que os positivistas estão tão convenci<strong><strong>do</strong>s</strong> de<br />

que o arg<strong>um</strong>ento jurídico não <strong>é</strong> o que parece ser? Por que estão tão seguros, contra to<strong>da</strong>s<br />

as evidências, de que os advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> seguem regras comuns para o uso <strong>da</strong> palavra<br />

"<strong>direito</strong>"? Não pode ser a experiência que os convence disso, pois esta ensina o<br />

contrário. Eles dizem que a prática judiciária e jurídica não <strong>é</strong> o que parece. Mas, então,<br />

por que não? Os sintomas são clássicos, e meu diagnóstico <strong>é</strong> conheci<strong>do</strong>. Os <strong>filósofos</strong> <strong>da</strong><br />

teoria semântica sofrem de alg<strong>um</strong> bloqueio. Mas que bloqueio <strong>é</strong> esse? (p. 53)<br />

Portanto, os <strong>do</strong>is juízes não estão realmente divergin<strong>do</strong> sobre coisa alg<strong>um</strong>a quan<strong>do</strong> <strong>um</strong><br />

nega e o outro afirma essa proposição. Ocorre, apenas, que estão falan<strong>do</strong> sem entender<br />

<strong>um</strong> ao outro. Seus arg<strong>um</strong>entos são inúteis no senti<strong>do</strong> <strong>mais</strong> trivial e vexatório <strong>do</strong> termo,<br />

como em <strong>um</strong>a discussão sobre bancos na qual <strong>um</strong>a pessoa tem em mente os bancos de<br />

investimento e a outra, os bancos de <strong>um</strong>a praça. Pior ain<strong>da</strong>, mesmo quan<strong>do</strong> os<br />

advoga<strong><strong>do</strong>s</strong> parecem estar de acor<strong>do</strong> sobre a natureza <strong>do</strong> <strong>direito</strong>, seu acor<strong>do</strong> se mostra<br />

igualmente falso, como se as duas pessoas que acabei de imaginar chegassem a <strong>um</strong><br />

acor<strong>do</strong> quanto ao fato de haver muitos bancos nos Esta<strong><strong>do</strong>s</strong> Uni<strong><strong>do</strong>s</strong>. (p. 53)<br />

Capitulo VI- INTEGRIDADE<br />

( principio <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de no processo legislativo).<br />

(n<strong>um</strong>a perspectiva de criação de lei, de normatização)<br />

São vários pensamentos e proposições esparsos <strong>do</strong> autor para se poder<br />

justificar a inclusão <strong>do</strong> principio <strong>da</strong> Integri<strong>da</strong>de, na construção <strong>da</strong> sua teoria <strong>da</strong> justiça,<br />

ou melhor, a Justiça como integri<strong>da</strong>de.<br />

A formulação <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> justiça como integri<strong>da</strong>de surge <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de<br />

modernização <strong><strong>do</strong>s</strong> conceitos <strong>do</strong> liberalismo e de sua aplicabili<strong>da</strong>de no cotidiano <strong><strong>do</strong>s</strong><br />

indivíduos.<br />

<strong>Dworkin</strong> propõe que a justiça seja considera<strong>da</strong> na sua integri<strong>da</strong>de, de maneira<br />

independente e sucedânea às outras virtudes, n<strong>um</strong>a clara proposta de superação dial<strong>é</strong>tica


Inicialmente, <strong>Dworkin</strong> adianta que, n<strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> utópico (projeto irrealizável de<br />

Esta<strong>do</strong>) a id<strong>é</strong>ia de integri<strong>da</strong>de <strong>é</strong> a de que a na sua observância se realizaria algo justo<br />

e imparcial (p. 214)<br />

Na política, a integri<strong>da</strong>de <strong>é</strong> algo independente de se admitir por inteiro, por que a sua<br />

observância entraria em choque a justiça e a imparciali<strong>da</strong>de, que são <strong>do</strong>is outros<br />

ideais almeja<strong><strong>do</strong>s</strong>.<br />

O fun<strong>da</strong>mento principal de sua teoria <strong>é</strong> que, primeiro, a justiça seja<br />

considera<strong>da</strong> na sua integri<strong>da</strong>de, de maneira independente <strong>da</strong>s outras virtudes. N<strong>um</strong><br />

segun<strong>do</strong> momento, alerta <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de emergente de as decisões judiciais e políticas<br />

sejam delibera<strong>da</strong>s a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> parâmetros que superem a dicotomia entre equi<strong>da</strong>de e<br />

justiça, sem, no entanto, relega-las.<br />

Os conflitos são comuns em política, de maneira que, se houvesse <strong>um</strong>a<br />

rejeição <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de, e se passasse a observar apenas a equi<strong>da</strong>de, a justiça e o devi<strong>do</strong><br />

processo legal, ain<strong>da</strong> assim, poderia se ver <strong>um</strong> choque <strong>da</strong>s duas primeiras virtudes<br />

(justiça e equi<strong>da</strong>de se diferenciam).<br />

Ao que parece <strong>do</strong> texto, a integri<strong>da</strong>de alarga e amplia as o senti<strong>do</strong> <strong>da</strong>s<br />

decisões, perfilan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a certeza jurídica, especialmente nos casos difíceis.<br />

Pela integri<strong>da</strong>de, diante <strong><strong>do</strong>s</strong> casos <strong>mais</strong> complexos a decisão torna-se plenamente<br />

fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> e basea<strong>da</strong> no estatuto <strong>da</strong> única resposta correta (não alicerça<strong>da</strong><br />

unicamente nas regras, mas, na aceitação de princípios como base <strong><strong>do</strong>s</strong> processos<br />

jurídicos)<br />

A integri<strong>da</strong>de pres<strong>um</strong>e esta vinculação: estreita <strong>da</strong> justiça com a aceitação de<br />

princípios morais nortea<strong>do</strong>res <strong>da</strong>s decisões, e que por sua vez, são <strong>mais</strong> abrangentes e<br />

completos que o rígi<strong>do</strong> modelos de regras.<br />

Para <strong>Dworkin</strong> há a necessi<strong>da</strong>de de se construir <strong>um</strong>a coerência interna capaz de<br />

fortalecer <strong>um</strong>a decisão sob a relevância de que ela estará intimamente liga<strong>da</strong> a<br />

totali<strong>da</strong>de orgânica <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de (decisão conforme a reali<strong>da</strong>de social).<br />

Só se perfaz a integri<strong>da</strong>de se ela estiver diluí<strong>da</strong> no seio <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e <strong>é</strong> reconheci<strong>da</strong><br />

pelo autor como <strong>um</strong> a terceira virtude ( ao la<strong>do</strong> <strong>da</strong> justiça e <strong>do</strong> devi<strong>do</strong> processo legal).


<strong>Dworkin</strong> acredita que a teoria <strong>da</strong> “justiça como equi<strong>da</strong>de”, idealiza<strong>da</strong> por<br />

Rawlls 3 <strong>é</strong> bastante extrema..<br />

justiça”<br />

E existe ain<strong>da</strong> o oposto <strong>da</strong> teoria de Rawlls, que <strong>é</strong> o <strong>da</strong> “equi<strong>da</strong>de como<br />

To<strong>da</strong>via, a maioria <strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>filósofos</strong> políticos acredita n<strong>um</strong> ponto de vista<br />

intermediário de pensamento onde justiça e equi<strong>da</strong>de são at<strong>é</strong> certo ponto independentes<br />

entre si. Isso justificaria a rotineira escolha entre duas virtudes para a escolha de <strong>um</strong><br />

programa político a ser apoia<strong>do</strong>, por exemplo.<br />

a questão <strong>da</strong> maioria: deveríamos aceitar restrições constitucionais ao poder<br />

democrático para impedir que a maioria restrinja a liber<strong>da</strong>de de expressão, ou outras<br />

liber<strong>da</strong>des <strong>importantes</strong>? Essas questões difíceis existem pelo conflito que surge entre<br />

equi<strong>da</strong>de e justiça<br />

Se acreditarmos que a integri<strong>da</strong>de <strong>é</strong> <strong>um</strong> terceiro e independente ideal, pelo<br />

menos quan<strong>do</strong> as pessoas divergem sobre <strong>um</strong> <strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong>is primeiros, então podemos pensar<br />

que, às vezes, a equi<strong>da</strong>de ou a justiça devem ser sacrifica<strong>da</strong>s à integri<strong>da</strong>de (p.215).<br />

CONCILIAÇÕES INTERNAS<br />

Sabemos que pessoas diferentes têm opiniões diferentes sobre problemas de<br />

moral que consideram <strong>da</strong> maior importância. Decorre de nossas convicções (internas)<br />

acerca <strong>do</strong> que <strong>é</strong> equi<strong>da</strong>de que a legislações sobre tais questões (morais) não deveriam se<br />

restringir a vontade <strong>da</strong> maioria n<strong>um</strong><strong>é</strong>rica, mas, que deveriam ser <strong>um</strong>a questão de<br />

negociações e acor<strong><strong>do</strong>s</strong> de ca<strong>da</strong> conjunto de opiniões no resulta<strong>do</strong> final.<br />

Ou seja, sobre equi<strong>da</strong>de, as legislações não expressam o que a “maioria” pensa,<br />

e tão somente isso ocorreria atrav<strong>é</strong>s de <strong>um</strong> entendimento mútuo, viável e váli<strong>do</strong> entre –<br />

com a socie<strong>da</strong>de.<br />

3 Rawls em “Justiça como equi<strong>da</strong>de – <strong>um</strong>a reformulação” demonstra que <strong>é</strong> preciso haver <strong>um</strong>a socie<strong>da</strong>de<br />

justa, mas advin<strong>da</strong> <strong>da</strong> prática de <strong>um</strong>a política visan<strong>do</strong> a equi<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de, propon<strong>do</strong> <strong>um</strong>a<br />

alternativa intermediária entre o liberalismo extrema<strong>do</strong> e o socialismo orto<strong>do</strong>xo. (grupo <strong>do</strong><br />

Mauro..Nara...)


Por exemplo: Os habitantes <strong>do</strong> Alabama divergem sobre a morali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> discriminação<br />

racial?Por que sua legislatura não deveria proibir a discriminação racial em ônibus, mas<br />

permiti-la em restaurantes? (p.216)<br />

Para o autor, esse modelo salomônico 4 trata a ordem pública de <strong>um</strong>a<br />

coletivi<strong>da</strong>de como <strong>um</strong> tipo de merca<strong>do</strong>ria a ser distribuí<strong>da</strong> de acor<strong>do</strong> coma justiça<br />

distributiva, <strong>um</strong> bolo que deve ser eqüitativamente dividi<strong>do</strong> <strong>da</strong>n<strong>do</strong>-se a ca<strong>da</strong> grupo a<br />

parte que lhe cabe (p.216).<br />

Nesse senti<strong>do</strong>, diante de acidentes similares, de ocasiões de discriminação<br />

racial, ou mesmo sobre aborto, seria desastroso tratar a respeito como <strong>um</strong> <strong>direito</strong><br />

Conciliatório, entendi<strong>do</strong> no texto como leis que mostram incoerência de princípio e que<br />

podem ser justifica<strong>da</strong>s com base n<strong>um</strong>a distribuição eqüitativa <strong>do</strong> poder político entre as<br />

diferentes facções morais.<br />

Aceitamos tais distinções arbitrárias sobre certas questões, como por exemplo,<br />

a lei que proíbe que estabelecimentos comerciais possam atuar em determina<strong>da</strong>s regiões<br />

<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, to<strong>da</strong>via, quan<strong>do</strong> estão em jogo questões principiológicas, <strong>é</strong> complica<strong>do</strong> haver<br />

<strong>um</strong>a racha de opinião.<br />

<strong>Dworkin</strong>, nesse momento propõe que, ca<strong>da</strong> ponto de vista deve ter voz no<br />

processo de deliberação, mas a decisão coletiva deve, não obstante, tentar fun<strong>da</strong>mentar-<br />

se em alg<strong>um</strong> princípio coerente.<br />

Seja qual for a importância relativa <strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>do</strong>is princípios a<strong>do</strong>ta<strong><strong>do</strong>s</strong> pela solução,<br />

devem ser claramente visíveis, e que as outras decisões, em outras questões que<br />

envolvem os mesmo <strong>do</strong>is princípios, tamb<strong>é</strong>m respeitem essa importância.<br />

Se <strong>é</strong> necessário <strong>um</strong> meio-termo por que as pessoas estão dividi<strong>da</strong>s sobre a<br />

justiça, o acor<strong>do</strong> deve ser externo, não interno; <strong>é</strong> preciso chegar a <strong>um</strong> acor<strong>do</strong> sobre o<br />

sistema de justiça a ser a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>, em vez de <strong>um</strong> sistema de justiça fun<strong>da</strong><strong>do</strong> em<br />

concessões.<br />

4 De Salomão, filho de David (Rei <strong>do</strong> antigo Israel), ti<strong>do</strong> como sábio e criterioso. In. Versão eletrônica no<br />

dicionário Miniaur<strong>é</strong>lio, versão on line 2009.


Será que <strong>um</strong>a solução conciliatória <strong>é</strong> injusta por definição porque trata pessoas<br />

diferentes de mo<strong>do</strong> diferente sem boas razões para fazê-lo, quan<strong>do</strong> a justiça exige que<br />

os casos semelhantes sejam trata<strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>da</strong> mesma maneira? (p.219)<br />

<strong>Dworkin</strong> arg<strong>um</strong>enta que não há fortes razões para rejeitar a estrat<strong>é</strong>gia<br />

conciliatória, mas tem-se fortes razões de eqüi<strong>da</strong>de para en<strong><strong>do</strong>s</strong>sá-la. Ain<strong>da</strong> assim,<br />

“nossos instintos a condenam” (p.221).<br />

integri<strong>da</strong>de.<br />

Para solucionar esse impasse, <strong>mais</strong> <strong>um</strong>a vez <strong>Dworkin</strong> introduz a questão <strong>da</strong><br />

A integri<strong>da</strong>de significa a coerência de princípios dentro de <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong><br />

personifica<strong>do</strong>, o entendimento <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de como <strong>um</strong> agente moral, independente <strong>do</strong><br />

fato de que as pessoas individualiza<strong>da</strong>s tenham pensamentos discor<strong>da</strong>ntes. As<br />

características deste conceito seriam:ligação a <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de política específica; a<br />

necessi<strong>da</strong>de de coerência de princípios implícitos e explícitos nas decisões políticas<br />

( pág 221 tem <strong>um</strong> exemplo)<br />

A explicação <strong>mais</strong> natural por que nos opomos às leis conciliatórias <strong>é</strong> que<br />

acreditamos que o Esta<strong>do</strong> que a<strong>do</strong>ta essas conciliações internas age sem observar<br />

princípios.<br />

INTEGRIDADE E CONSTITUIÇÃO<br />

Outra lição <strong>é</strong> a <strong>da</strong> Constituição americana, que provê <strong>um</strong> sistema federal que reconhece<br />

os esta<strong><strong>do</strong>s</strong> como comuni<strong>da</strong>des políticas distintas e atribui-lhes soberania sobre muitas<br />

questões de princípio. Assim, podem os esta<strong><strong>do</strong>s</strong> desacor<strong>da</strong>rem entre eles sobre suas<br />

regras mas nunca entre Princípios.<br />

(Exemplo 224-225)<br />

A INTEGRIDADE É ATRAENTE?<br />

Para o autor <strong>é</strong> <strong>um</strong> desafio descobrir se nossa cultura política <strong>é</strong> <strong>mais</strong> atraente se<br />

vista aceitan<strong>do</strong> a integri<strong>da</strong>de. O primeiro fator importante a ser destaca<strong>do</strong> <strong>é</strong> que, para<br />

defender o principio legislativo <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de, devemos defender o estilo geral de<br />

arg<strong>um</strong>entação que considera a própria comuni<strong>da</strong>de como <strong>um</strong> agente moral (p.227).


Assim, o estilo realça<strong>do</strong> por <strong>Dworkin</strong> <strong>é</strong> a necessi<strong>da</strong>de de <strong>um</strong>a hermenêutica<br />

aberta 5 , plural, receptiva e <strong>mais</strong>, nota<strong>da</strong>mente o autor declara não ser aos moldes<br />

metafísicos, já que a comuni<strong>da</strong>de deve ser vista como <strong>um</strong> agente moral distinto e suas<br />

práticas sociais e culturais devem ser protegi<strong>da</strong>s ( e não ignora<strong>da</strong>s como quer a<br />

metafísica).<br />

<strong>Dworkin</strong> defende que a legitimi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> justiça e <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de está basea<strong>da</strong><br />

no crit<strong>é</strong>rio <strong>da</strong> fraterni<strong>da</strong>de<br />

A retórica revolucionária francesa reconheceu <strong>um</strong> ideal político chama<strong>do</strong> de<br />

fraterni<strong>da</strong>de, que em suas mediações pode-se referir a integri<strong>da</strong>de.<br />

Juntamente com a liber<strong>da</strong>de e a igual<strong>da</strong>de, a fraterni<strong>da</strong>de – modernamente<br />

classifica<strong>da</strong> com soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de – são os pilares <strong>da</strong> ordem jurídica. A fraterni<strong>da</strong>de surge<br />

como <strong>um</strong> momento de superação <strong>da</strong>s divergências entre liber<strong>da</strong>de e igual<strong>da</strong>de, onde <strong>um</strong><br />

povo constituí<strong>do</strong> e enraiza<strong>do</strong> em ideais de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de está susceptível à id<strong>é</strong>ia de<br />

socie<strong>da</strong>de regi<strong>da</strong> pelo modelo <strong>da</strong> integri<strong>da</strong>de.<br />

O excesso de individualismo que transformou o homem contemporâneo <strong>é</strong><br />

fruto de <strong>um</strong>a não-recepção <strong>da</strong>s condutas solidárias − expressa<strong>da</strong>s desde o final <strong>do</strong> s<strong>é</strong>culo<br />

XIX – ao longo <strong><strong>do</strong>s</strong> tempos, provocan<strong>do</strong> <strong>um</strong>a padronização nas ações <strong>do</strong> indivíduo e<br />

<strong>um</strong>a ausência de trejeitos para com a necessi<strong>da</strong>de de visualizar a coletivi<strong>da</strong>de.<br />

A integri<strong>da</strong>de protege contra a parciali<strong>da</strong>de, a fraude ou outras formas de<br />

corrupção oficial, por exemplo. A integri<strong>da</strong>de contribui para a eficiência <strong>do</strong> <strong>direito</strong>.<br />

Uma comuni<strong>da</strong>de que aceite a integri<strong>da</strong>de tem <strong>um</strong> veículo para a transformação<br />

orgânica, mesmo que este (veículo) nem sempre seja totalmente eficaz. (p.229).<br />

A integri<strong>da</strong>de insiste que ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dão deve aceitar as exigências que lhe são<br />

feitas e pode fazer exigências aos outros, quem compartilham e ampliam a dimensão<br />

moral de quaisquer decisões políticas explícitas. Portanto, a integri<strong>da</strong>de move a união<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> moral e política <strong><strong>do</strong>s</strong> ci<strong>da</strong>dãos. (ex: ao decidir como tratar seu vizinho quan<strong>do</strong> os<br />

5 A eleição de <strong>um</strong>a hermenêutica acolhe<strong>do</strong>ra cuja linguagem <strong>é</strong> ti<strong>da</strong> como razão de existir <strong>do</strong> processo interpretativo<br />

parece ser acerta<strong>da</strong>, <strong>um</strong>a vez que busca a ver<strong>da</strong>de por meio <strong>da</strong>s pr<strong>é</strong>-compreensões que o int<strong>é</strong>rprete desde sempre<br />

já possui <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Tais pr<strong>é</strong>-juízos se perfazem pela <strong>da</strong> linguagem e ampliam o movimento <strong>da</strong>s relações sociais.<br />

Diferentemente, a clássica hermenêutica propõe a linguagem como mecanismo de busca de <strong>um</strong>a ver<strong>da</strong>de já conti<strong>da</strong><br />

na lei, desinteressa<strong>da</strong> na reali<strong>da</strong>de trazi<strong>da</strong> pelo int<strong>é</strong>rprete.


interesses de ambos entram em conflito, que interprete a organização com<strong>um</strong> <strong>da</strong> justiça<br />

a qual estão comprometi<strong><strong>do</strong>s</strong> em virtude <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. (p.230).<br />

É vital que a fraterni<strong>da</strong>de propicie a construção de <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de de<br />

princípios, onde ca<strong>da</strong> <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s decisões tenha reflexo no espírito <strong>do</strong> povo que a<br />

constituiu. Pode-se destacar que, atualmente, em determina<strong>da</strong>s regiões <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> a<br />

aplicabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> justiça como integri<strong>da</strong>de não seria possível, exatamente por que não se<br />

encontra <strong>um</strong>a força de coesão capaz de <strong>da</strong>r <strong>um</strong>a uni<strong>da</strong>de fraternal à comuni<strong>da</strong>de de<br />

membros<br />

Torna-se <strong>um</strong>a id<strong>é</strong>ia impregna<strong>da</strong> <strong>da</strong> noção protestante de fideli<strong>da</strong>de a <strong>um</strong><br />

sistema de princípios que ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dão tem a responsabili<strong>da</strong>de de identificar, em última<br />

instancia para si mesmo, como o sistema <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de à qual pertence (p.231).<br />

O ENIGMA DA LEGITIMIDADE<br />

Aqui o autor discute a relação direta entre integri<strong>da</strong>de e autori<strong>da</strong>de moral <strong>do</strong><br />

<strong>direito</strong>. Uma concepção de <strong>direito</strong> deve explicar de que mo<strong>do</strong> aquilo que chama de<br />

<strong>direito</strong> oferece <strong>um</strong>a justificativa geral para o exercício <strong>do</strong> poder coercitivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>.<br />

Uma teoria <strong>da</strong> justiça para ser plenamente recebi<strong>da</strong> pela comuni<strong>da</strong>de política<br />

deve obedecer às condições de coerência formal na sua proposição, de plausibili<strong>da</strong>de na<br />

aplicação e de engajamento de to<strong><strong>do</strong>s</strong> os membros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de.<br />

virtude <strong>do</strong> <strong>direito</strong>?<br />

Surge a questão: os ci<strong>da</strong>dãos têm obrigações morais genuínas unicamente em<br />

O Esta<strong>do</strong> <strong>é</strong> moralmente legítimo, no senti<strong>do</strong> de que se justifica seu uso <strong>da</strong><br />

força contra os ci<strong>da</strong>dãos, e se as decisões <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> impõem obrigações genuínas sobre<br />

eles?<br />

Para <strong>Dworkin</strong> o <strong>direito</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong>a fonte de obrigações genuínas, at<strong>é</strong> por que não se<br />

justificaria, <strong>do</strong> contrário, nenh<strong>um</strong>a política geral que tenha a finali<strong>da</strong>de de manter o<br />

<strong>direito</strong> com a mão de ferro.<br />

E <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> que aceita a integri<strong>da</strong>de como ideal político tem <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento<br />

melhor em favor <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de, que <strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> que não a aceite.


ACORDO TÁCITO<br />

Alguns preconizam a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> utilização <strong>do</strong> contrato social, a exemplo<br />

de Rousseau, Locke e <strong>mais</strong> recentemente John Rawls. A característica principal deste<br />

modelo consiste na celebração de <strong>um</strong> acor<strong>do</strong> previamente discuti<strong>do</strong> que obriga os<br />

contratantes a acatar tacitamente o que foi acerta<strong>do</strong> sob pena de ser excluí<strong>do</strong> <strong>da</strong>quela<br />

socie<strong>da</strong>de contratual ou, mesmo, sofrer penalizações de ordem material ou de restrição<br />

de liber<strong>da</strong>de. Cabe ao Esta<strong>do</strong>, devi<strong>da</strong>mente constituí<strong>do</strong> zelar pelo c<strong>um</strong>primento <strong>do</strong> que<br />

foi acor<strong>da</strong><strong>do</strong>. Ora de maneira livre, ora no uso <strong>da</strong> coerção.<br />

<strong>Dworkin</strong> parte <strong>da</strong> teoria de Rallws, que propõe <strong>um</strong> contrato social imaginário<br />

como meio de selecionar a melhor concepção de justiça no âmbito de <strong>um</strong>a teoria<br />

política utópica.<br />

O DEVER DE SER JUSTO<br />

LOGO LIMPO<br />

A simples vinculação a <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de torna seus membros co-responsáveis<br />

pelo bom an<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> mesma, independente se <strong>é</strong> no momento em que ocorre <strong>um</strong><br />

benefício para <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s partes, ou naquele que <strong>é</strong> preciso arcar com o ônus desta<br />

pertença.<br />

<strong>Dworkin</strong> faz <strong>um</strong>a ressalva ao afirmar que ningu<strong>é</strong>m será responsabiliza<strong>do</strong> ao ser-<br />

lhe <strong>da</strong><strong>do</strong> aquilo que não solicitou e nem escolheu ter. No caso <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de de jogo<br />

limpo prevalece a necessária coerção externa para que a mesma permaneça na uni<strong>da</strong>de.<br />

A consistência <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de está basea<strong>da</strong> na força fiscaliza<strong>do</strong>ra exerci<strong>da</strong> pelos órgãos<br />

ou elementos<br />

OBRIGAÇÕES DA COMUNIDADE (circunstâncias e condições)<br />

Refere-se as responsabili<strong>da</strong>des especiais que a prática social atribui ao fato de<br />

se pertencer a alg<strong>um</strong> grupo biológico ou social, como as responsabili<strong>da</strong>des de família,<br />

amigos ou vizinhos.<br />

<strong>Dworkin</strong> faz <strong>um</strong>a reflexão sobre a natureza de tais obrigações associativas<br />

para ver at<strong>é</strong> que ponto elas se sustentam. Em primeiro lugar <strong>é</strong> necessário esclarecer que<br />

os conceitos utiliza<strong><strong>do</strong>s</strong> para descrever esses grupos e para afirmar ou rejeitar essas<br />

obrigações são conceitos interpretativos: pode-se arg<strong>um</strong>entar racionalmente, à maneira


interpretativa, sobre a ver<strong>da</strong>deira natureza <strong>da</strong> amizade e sobre o que devem os filhos a<br />

seus pais quan<strong>do</strong> se tornam adultos.(p.238)<br />

É <strong>um</strong>a história de eventos e atos que atraem obrigações, e raramente nos<br />

<strong>da</strong>mos conta de estar ass<strong>um</strong>in<strong>do</strong> <strong>um</strong> status especial à medi<strong>da</strong> que a historia se desenrola.<br />

(p.239).<br />

Para o autor, temos o dever de honrar nossas responsabili<strong>da</strong>des na esfera <strong>da</strong>s<br />

práticas sociais que definem grupos e atribuem responsabili<strong>da</strong>des especiais ao conjunto<br />

de seus membros, mas esse dever natural só se sustenta quan<strong>do</strong> certas outras condições<br />

são satisfeitas ou manti<strong>da</strong>s. (p.240).<br />

A reciproci<strong>da</strong>de que exigimos deve ser <strong>mais</strong> abstrata, <strong>mais</strong> <strong>um</strong>a questão de aceitar<br />

<strong>um</strong> tipo de responsabili<strong>da</strong>de que, para ser explica<strong>da</strong>, precisa <strong>da</strong>s id<strong>é</strong>ias <strong>do</strong> outro sobre<br />

integri<strong>da</strong>de e interpretação (p.241).<br />

(ex; pg 240 na ro<strong>da</strong>p<strong>é</strong>)<br />

To<strong>da</strong>via, os membros de <strong>um</strong> grupo devem a<strong>do</strong>tar certas atitudes com relação a<br />

suas responsabili<strong>da</strong>des mútuas caso se preten<strong>da</strong> que tais responsabili<strong>da</strong>des sejam vistas<br />

como ver<strong>da</strong>deiras obrigações fraternais:<br />

como gerais.<br />

Obrigações especiais: tomar as obrigações <strong>do</strong> grupo como especiais e não<br />

Obrigações pessoais: vão diretamente de <strong>um</strong> membro a outro, em vez de<br />

percorrerem o grupo to<strong>do</strong> n<strong>um</strong> senti<strong>do</strong> coletivo.<br />

Terceiro: Diferentes formas de associações pressupõem diferente tipo de<br />

interesse: meu interesse pelo meu irmão <strong>do</strong> sindicato <strong>é</strong> geral em to<strong>da</strong> a extensão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

econômica, mas não se estende ao sucesso <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> social, como ocorre no interesse<br />

pelo meu irmão biológico.<br />

Quarto: os membros devem pressupor que as práticas <strong>do</strong> grupo mostram não<br />

apenas interesse, mas <strong>um</strong> igual interesse por to<strong><strong>do</strong>s</strong> os membros (as associações<br />

fraternais são igualitárias). Assim, existe respeito aos interesses de to<strong><strong>do</strong>s</strong>, e que a vi<strong>da</strong><br />

de <strong>um</strong>a pessoas não <strong>é</strong> <strong>mais</strong> importante que a de nenh<strong>um</strong>a outra.<br />

.


PARTE III<br />

Os membros de <strong>um</strong> grupo devem a<strong>do</strong>tar determina<strong>da</strong>s atitudes com relação a<br />

suas responsabili<strong>da</strong>des mútuas caso se preten<strong>da</strong> que tais responsabili<strong>da</strong>des sejam vistas como<br />

ver<strong>da</strong>deiras obrigações fraternais.<br />

Primeiro – devem considerar as obrigações <strong>do</strong> grupo como especiais - <strong>do</strong>ta<strong>do</strong><br />

caráter distintivo no âmbito <strong>do</strong> grupo, e não como deveres gerais que seus membros devem, a<br />

pessoas que não pertencem a ele.<br />

Segun<strong>do</strong> – devem admitir que essas responsabili<strong>da</strong>des são pessoais, que vão<br />

diretamente de <strong>um</strong> membro a outro, <strong>um</strong>a vez de percorrerem o grupo to<strong>do</strong> em senti<strong>do</strong> coletivo.<br />

Terceiro – os membros podem ver essas responsabili<strong>da</strong>des como decorrentes de<br />

<strong>um</strong>a responsabili<strong>da</strong>de <strong>mais</strong> geral; o interesse que ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> deve ter pelo bem-estar de outros<br />

membros <strong>do</strong> grupo. Como por exemplo, problemas financeiros de <strong>um</strong> amigo. Devem tratar as<br />

obrigações específicas que surgem apenas em circunstâncias especiais.<br />

Quatro – os membros devem pressupor que as práticas <strong>do</strong> grupo mostram não<br />

apenas interesse, mas igual interesse por to<strong><strong>do</strong>s</strong> os membros. Como por exemplo, as associações<br />

fraternais.<br />

Assim, distingue-se a comuni<strong>da</strong>de básica sen<strong>do</strong> aquela que satisfaz as<br />

condições gen<strong>é</strong>ticas, geográficas ou históricas identifica<strong>da</strong>s pela prática social como capazes de<br />

construir <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de fraternal; e <strong>um</strong>a ver<strong>da</strong>deira que satisfaçam essas quatro condições.<br />

CONFLITOS COM A JUSTIÇA<br />

Mesmo as comuni<strong>da</strong>des autênticas que satisfazem as condições apresenta<strong>da</strong>s<br />

podem ser injustas ou promover a injustiça, assim surge o conflito entre a integri<strong>da</strong>de e a justiça<br />

de <strong>um</strong>a instituição. As ver<strong>da</strong>deiras obrigações comunitárias podem ser injustas de duas maneiras<br />

distintas.<br />

Primeiro, podem ser injustas para os membros <strong>do</strong> grupo, a concepção de<br />

interesse eqüitativo que refletem pode ser deficiente, ain<strong>da</strong> que sincera, como por exemplo, o


fato de a mesma preocupação por filhas e filhos exigir que os pais exerçam <strong>um</strong> tipo de <strong>do</strong>mínio<br />

sobre uns, atenuan<strong>do</strong>-o para outros.<br />

Segun<strong>do</strong> podem ser injustas para as pessoas que não são membros <strong>do</strong> grupo. A<br />

prática social pode definir <strong>um</strong> grupo social ou religioso como <strong>um</strong>a associação, e esse grupo<br />

pode exigir que seus membros discriminem os que não pertencem a eles.<br />

Diante desses conflitos, não podemos nos esquecer de que as responsabili<strong>da</strong>des<br />

associativas estão sujeitas a interpretação; e que a justiça vai desempenhar seu papel<br />

interpretativo normal ao decidir, para qualquer pessoa, quais são, de fato suas responsabili<strong>da</strong>des<br />

associativas.<br />

Mesmo que a prática <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio seja estabeleci<strong>da</strong> e inquestionável <strong><strong>do</strong>s</strong> pais<br />

para com seus filhos, a atitude interpretativa pode isolá-la como <strong>um</strong> erro, pois está condena<strong>da</strong><br />

por princípios necessários à justificativa <strong>do</strong> resto <strong>da</strong> instituição.<br />

Com isso, talvez tenhamos que admitir que o <strong>do</strong>mínio injusto está na essência<br />

<strong>da</strong>s práticas familiares de alg<strong>um</strong>as culturas, ou que a discriminação indefensável está na<br />

essência de suas práticas de coesão social ou religiosa.<br />

O que temos a saber <strong>é</strong> que nem to<strong>do</strong> grupo estabeleci<strong>do</strong> pela prática social <strong>é</strong><br />

associativo. Daí torna-se indispensável a interpretação, pois <strong>é</strong> necessário sabermos se a prática<br />

satisfaz as condições de <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de genuína; e isso defende <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> como se<br />

compreende a prática, e esta <strong>é</strong> <strong>um</strong>a questão interpretativa.<br />

A melhor interpretação disponível pode mostrar que suas características injustas<br />

são compatíveis com o resto de sua estrutura.<br />

Por exemplo: <strong>um</strong>a filha tem a obrigação de submeter-se às vontades <strong>do</strong> pai nas<br />

culturas que dão aos pais o poder de escolher <strong>um</strong> cônjuge para as filhas, mas não para os filhos?<br />

São observa<strong>da</strong>s as quatro condições que transformam a instituição básica familiar, n<strong>um</strong>a<br />

ver<strong>da</strong>deira comuni<strong>da</strong>de?<br />

A cultura em questão admite, que as mulheres são tão <strong>importantes</strong> quanto os<br />

homens? Se assim não for, se o tratamento discriminatório imposto às filhas tiver por base o<br />

pressuposto <strong>mais</strong> geral de que elas são menos dignas <strong>do</strong> que os filhos, a associação não <strong>é</strong><br />

genuína, e dela não decorrem nenh<strong>um</strong>a responsabili<strong>da</strong>de especificamente associativa.


FRATERNIDADE E COMUNIDADE POLÍTICA<br />

Análise <strong>da</strong> melhor defesa <strong>da</strong> legitimi<strong>da</strong>de política – vai ser encontra<strong>da</strong>, não<br />

onde os <strong>filósofos</strong> esperariam – no ári<strong>do</strong> terreno <strong><strong>do</strong>s</strong> contratos, mas no campo f<strong>é</strong>rtil <strong>da</strong><br />

fraterni<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e de suas obrigações concomitantes.<br />

As obrigações políticas são menos involuntárias <strong>do</strong> que muitas obrigações<br />

familiares, pois as comuni<strong>da</strong>des políticas permitem que as pessoas emigrem; tornan<strong>do</strong> a escolha<br />

em sai importante.<br />

As pessoas que dessa comuni<strong>da</strong>de pertencem têm obrigações políticas. As<br />

convicções políticas <strong>mais</strong> difundi<strong>da</strong>s pressupõem que as autori<strong>da</strong>des dessas comuni<strong>da</strong>des têm<br />

responsabili<strong>da</strong>de especiais no interior de suas comuni<strong>da</strong>des distintas e tamb<strong>é</strong>m para com elas.<br />

TRÊS MODELOS DE COMUNIDADE<br />

Tratamos a comuni<strong>da</strong>de como algo anterior à justiça e à equi<strong>da</strong>de, no senti<strong>do</strong> de<br />

que as questões de justiça e equi<strong>da</strong>de são vistas como questões <strong>do</strong> que seria eqüitativo e justo no<br />

interior de <strong>um</strong> grupo político especifico. Assim tratamos as comuni<strong>da</strong>des políticas como<br />

ver<strong>da</strong>deiras comuni<strong>da</strong>des associativas.<br />

O primeiro modelo supõe que os membros (circunstâncias) de <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de<br />

tratam sua associação apenas como <strong>um</strong> acidente de fato <strong>da</strong> história e <strong>da</strong> geografia, entre outras<br />

coisas, e, portanto, como <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de associativa que na<strong>da</strong> tem de ver<strong>da</strong>deira. Ex: <strong>do</strong>is<br />

estrangeiros, pertencentes a noções que desprezam a moral e a religião <strong>um</strong>a <strong>da</strong> outra, lança<strong>da</strong>s<br />

n<strong>um</strong>a ilha deserta após <strong>um</strong>a batalha moral entre os <strong>do</strong>is países. De início, os <strong>do</strong>is se vêem juntos<br />

por <strong>um</strong>a questão de circunstância e na<strong>da</strong> <strong>mais</strong>. Um pode precisar <strong>do</strong> outro, e por esse motivo<br />

não se matam. Podem at<strong>é</strong> dividir os trabalhos, e ca<strong>da</strong> <strong>um</strong> vai manter o acor<strong>do</strong> enquanto achar<br />

que este lhe <strong>é</strong> benefício.<br />

O segun<strong>do</strong> modelo, chama-se modelo de regras. Pressupõe que os membros de<br />

<strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de política aceitam o compromisso geral de obedecer a regras estabeleci<strong>da</strong>s de<br />

<strong>um</strong> certo mo<strong>do</strong> que <strong>é</strong> específico dessa comuni<strong>da</strong>de. Imaginemos pessoas volta<strong>da</strong>s para seus<br />

próprios interesses, mas extremamente honestas, que competem em <strong>um</strong> jogo, ou que constituem<br />

as partes de <strong>um</strong> acor<strong>do</strong> comercial limita<strong>do</strong> e provisório. Elas obedecem às regras que aceitaram


ou negociaram como <strong>um</strong>a questão de obrigação, e não de mera estrat<strong>é</strong>gia, mas admitem que o<br />

conteú<strong>do</strong> dessas regras esgota sua obrigação.<br />

Desta forma, o convencionalismo se ajusta às pessoas que tentam promover sua<br />

própria concepção de justiça e equi<strong>da</strong>de, atrav<strong>é</strong>s <strong>da</strong> negociação e <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>. Uma vez realiza<strong>do</strong><br />

o acor<strong>do</strong> <strong>da</strong> maneira apropria<strong>da</strong>, as regras que formam seu conteú<strong>do</strong> serão respeita<strong>da</strong>s at<strong>é</strong> que<br />

sejam altera<strong>da</strong>s por <strong>um</strong> novo acor<strong>do</strong>.<br />

O terceiro modelo de comuni<strong>da</strong>de <strong>é</strong> o modelo de principio.<br />

Insiste em que as pessoas são membros de <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de política genuína<br />

apenas quan<strong>do</strong> aceitam que seus destinos estão fortemente liga<strong><strong>do</strong>s</strong> <strong>da</strong> seguinte maneira: aceitam<br />

que são governa<strong>da</strong>s por princípios comuns, e não apenas por regras cria<strong>da</strong>s por <strong>um</strong> acor<strong>do</strong><br />

político. Os membros dessa comuni<strong>da</strong>de admitem que seus <strong>direito</strong>s e deveres políticos não se<br />

esgotam nas decisões particulares toma<strong>da</strong>s por suas instituições políticas, mas dependem, em<br />

termos gerais, <strong>do</strong> sistema de princípios que essas decisões pressupõe e en<strong><strong>do</strong>s</strong>sam.<br />

Os moldes de circunstância e regras rejeitam a única base, que <strong>é</strong> a id<strong>é</strong>ia de<br />

integri<strong>da</strong>de, que a comuni<strong>da</strong>de deve respeitar princípios necessários à justificativa de <strong>um</strong>a parte<br />

<strong>do</strong> <strong>direito</strong>, bem como <strong>do</strong> to<strong>do</strong>. Ain<strong>da</strong> o modelo de circunstância, começa por violar a primeira<br />

condição não acrescenta na<strong>da</strong>, em termos de atitudes especiais de interesse. Admite a<br />

comuni<strong>da</strong>de entre pessoas que não se interessam <strong>um</strong>as pelas outras a não ser como meio de<br />

atingir seus objetivos egoístas.<br />

Já o modelo de comuni<strong>da</strong>de basea<strong>do</strong> nas regras demonstram pelos outros <strong>um</strong><br />

interesse especial, satisfazen<strong>do</strong> à primeira e segun<strong>da</strong> condição, mas <strong>é</strong> falho por não conseguir<br />

satisfazer a terceira, pois o interesse que demonstra <strong>é</strong> superficial.<br />

O modelo de princípios satisfaz to<strong>da</strong>s as condições. Ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dão respeita os<br />

princípios <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> de equi<strong>da</strong>de e de justiça <strong>da</strong> organização política vigentes em sua<br />

comuni<strong>da</strong>de particular, que podem ser diferentes <strong>da</strong>queles de outras comuni<strong>da</strong>des. Exige que<br />

ningu<strong>é</strong>m seja excluí<strong>do</strong>. Ain<strong>da</strong>, na política to<strong><strong>do</strong>s</strong> estão juntos para melhor ou para pior. Uma<br />

associação de princípios não <strong>é</strong> automaticamente, <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de justa. Uma comuni<strong>da</strong>de de<br />

princípios aceita a integri<strong>da</strong>de.<br />

Deveríamos aperfeiçoar nossas instituições toman<strong>do</strong> como direção a<br />

fraterni<strong>da</strong>de, pois se compreendemos nossas praticas como apropria<strong>da</strong>s ao modelo de princípios,<br />

podemos sustentar a legitimi<strong>da</strong>de de nossas instituições, e as obrigações políticas que elas<br />

pressupõe.


A CONSTITUIÇÃO<br />

O <strong>direito</strong> constitucional estaria basea<strong>do</strong> em <strong>um</strong> erro?<br />

A Constituição confere poderes limita<strong><strong>do</strong>s</strong> a Suprema Corte, ao Congresso, ao<br />

Sena<strong>do</strong> e estabelece <strong>importantes</strong> ve<strong>da</strong>ções a ca<strong>da</strong> <strong>um</strong>a delas.<br />

Neste senti<strong>do</strong>, recusa ao Sena<strong>do</strong> o poder de propor leis envolven<strong>do</strong> a mat<strong>é</strong>ria<br />

financeira. A 5ª emen<strong>da</strong> insiste em que o Congresso não tome “a vi<strong>da</strong>, a liber<strong>da</strong>de ou a<br />

proprie<strong>da</strong>de” sem o “devi<strong>do</strong> processo legal”. A 8ª emen<strong>da</strong> prescreve as penas “cru<strong>é</strong>is e<br />

incomuns”. A 14ª emen<strong>da</strong>, exige que nenh<strong>um</strong> Esta<strong>do</strong> negue a qualquer pessoa, “a igual<strong>da</strong>de<br />

perante a lei”.<br />

Marshall decidiu que os tribunais em geral, e a Suprema Corte em última<br />

instância, têm o poder de decidir pelo governo como <strong>um</strong> to<strong>do</strong> o que a Constituição pretende<br />

dizer, e de declarar inváli<strong><strong>do</strong>s</strong> os atos de outros órgãos públicos sempre que excederem os<br />

poderes que lhes são outorga<strong><strong>do</strong>s</strong> pela Constituição, corretamente entendi<strong><strong>do</strong>s</strong>.<br />

ser exerci<strong>do</strong> seu vasto poder.<br />

A questão crucial não <strong>é</strong> saber que poder tem a Corte Suprema, mas como deve<br />

Deveria ela empenhar-se em fazer c<strong>um</strong>prir to<strong>da</strong> a Constituição, inclusive as<br />

cláusulas que para serem interpreta<strong><strong>do</strong>s</strong>, exigem <strong>um</strong> julgamento quase que exclusivamente<br />

político? Deveria submeter-se ao julgamento <strong>do</strong> Congresso, para saber se alg<strong>um</strong>a forma de<br />

punição, como <strong>da</strong> divisão social na educação concede ou não às crianças a “igual proteção” <strong>da</strong><br />

D<strong>é</strong>cima Quarta Emen<strong>da</strong>?<br />

As respostas a essas perguntas situam juizes em campos opostos. Alguns<br />

liberais e outros conserva<strong>do</strong>res. As pessoas dizem que os juízes conserva<strong>do</strong>res obedecem à<br />

Constituição, ao passo que os liberais tentam reformá-la segun<strong>do</strong> suas próprias convicções.<br />

Ambos os juízes estão de acor<strong>do</strong> quanto às palavras que formam a Constituição<br />

enquanto texto pr<strong>é</strong>-interpretativo, mas divergem sobre o que <strong>é</strong> a Constituição enquanto <strong>direito</strong>,<br />

segun<strong>do</strong> seu julgamento interpretativo <strong>do</strong> que ela <strong>é</strong>.<br />

fideli<strong>da</strong>de a seu julgamento.<br />

Desse mo<strong>do</strong> <strong>é</strong> injusto e inútil classificar os juízes segun<strong>do</strong> seu grau de


Não <strong>é</strong> clara essa distinção; pois o presidente <strong>da</strong> Suprema Corte, o juiz Earl<br />

Warren, aparentemente tinha convicções igualitárias sobre a justiça econômica e pontos de vista<br />

conserva<strong>do</strong>res sobre a pornografia.<br />

Estabili<strong>da</strong>de<br />

Na tentativa de elaborar o melhor arg<strong>um</strong>ento, <strong>Dworkin</strong> sustenta que o <strong>direito</strong><br />

serve melhor sua comuni<strong>da</strong>de quan<strong>do</strong> <strong>é</strong> tão preciso e estável quanto possível, e que isso<br />

se aplica particularmente aos <strong>direito</strong>s fun<strong>da</strong>mentais, constitucionais.<br />

Seguin<strong>do</strong> com tal tentativa, <strong>Dworkin</strong>, lecionan<strong>do</strong> sobre o historicismo diz que a<br />

versão <strong>mais</strong> forte <strong>do</strong> autor histórico não interpreta o dispositivo constitucional sem<br />

analisar as intenções concretas <strong><strong>do</strong>s</strong> autores constitucionais, geran<strong>do</strong> maior<br />

previsibili<strong>da</strong>de e estabili<strong>da</strong>de. Por outro la<strong>do</strong>, a versão <strong>mais</strong> fraca <strong>do</strong> autor historicista<br />

não anulará nenh<strong>um</strong>a decisão ou lei se puder demonstrar, em bases históricas, que os<br />

autores <strong>da</strong> Constituição esperavam que isso não acontecesse. Essa versão oferece <strong>um</strong>a<br />

melhor interpretação <strong>da</strong> prática constitucional norte-americana.<br />

To<strong>da</strong>via, o arg<strong>um</strong>ento <strong>da</strong> estabili<strong>da</strong>de, que se trata de <strong>um</strong> arg<strong>um</strong>ento de moral<br />

política, <strong>é</strong> independente de qualquer concepção particular sobre a justiça, de mo<strong>do</strong> que o<br />

juiz que aceita o historicismo <strong>mais</strong> frágil pode ter dificul<strong>da</strong>des em colocar em prática<br />

suas tendências e atitudes políticas. Entretanto, produz incoerência ao permitir que se<br />

busque outro m<strong>é</strong>to<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> não se encontra a intenção <strong>do</strong> autor constitucional. Porque<br />

os fun<strong>da</strong><strong>do</strong>res, em diferentes <strong>é</strong>pocas tinham opiniões diferentes sobre as exigências <strong>da</strong><br />

justiça. Já o juiz que se utiliza <strong>do</strong> m<strong>é</strong>to<strong>do</strong> historicista forte acaba por preocupar-se em<br />

encontrar, buscar as intenções <strong><strong>do</strong>s</strong> autores constitucionais, como se esgotasse a<br />

constituição, o que equivale a negar que ela expressa princípios.<br />

<strong>Dworkin</strong> afirma que <strong>um</strong>a comuni<strong>da</strong>de política com <strong>um</strong>a constituição escrita será<br />

melhor a longo prazo se assegurar a estabili<strong>da</strong>de subordinan<strong>do</strong> a correta interpretação<br />

<strong>da</strong> constituição às opiniões concretas de seus autores. Mas isso <strong>é</strong> possível? – questiona.<br />

Para <strong>Dworkin</strong> a certeza <strong>do</strong> <strong>direito</strong> <strong>é</strong> <strong>mais</strong> importante <strong>do</strong> que ele realmente <strong>é</strong>, sen<strong>do</strong> que<br />

essa certeza remete a essência, manten<strong>do</strong> ao longe interesses pessoais de oportunismo<br />

político a curto prazo.<br />

O passivismo, teoria ain<strong>da</strong> <strong>mais</strong> influente <strong>da</strong> prática constitucional que o<br />

historicismo, <strong>é</strong> distingui<strong>da</strong> entre seus partidários pela forma ativa e passiva. De acor<strong>do</strong>


com essa distinção, os juízes passivos mostram deferência para com as decisões de<br />

outros poderes <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e os juízes ativos declaram essas decisões inconstitucionais<br />

sempre que as desaprovam. Para <strong>Dworkin</strong>, devemos entender o passivismo para<br />

declarar que as cláusulas abstratas <strong>da</strong> Constituição não concedem aos ci<strong>da</strong>dãos nunh<strong>um</strong><br />

<strong>direito</strong>, a não ser os <strong>direito</strong>s concretos que, indiscutivelmente, decorrem somente <strong>da</strong><br />

linguagem dessas cláusulas. “De outro mo<strong>do</strong>, to<strong>da</strong> sua indignação sobra a usurpação<br />

judicial, to<strong>do</strong> o seu fervor pela democracia serão irrelevantes à prática jurídica, <strong>um</strong>a<br />

profusão de pistas falsas.” (p.444).<br />

O passivismo parece <strong>um</strong>a teoria atraente na medi<strong>da</strong> em que os juízes devem<br />

impor sua vontade às maiorias políticas.<br />

“Mas, quan<strong>do</strong> se toma o cui<strong>da</strong><strong>do</strong> de desemaranhar os<br />

diferentes problemas que mistura seus fun<strong>da</strong>mentos intelectuais<br />

tornam-se invariavelmente <strong>mais</strong> frágeis. Deve ser ou conter<br />

<strong>um</strong>a teoria sobre o que a constituição já <strong>é</strong> enquanto <strong>direito</strong><br />

fun<strong>da</strong>mental, o que significa que deve ser <strong>um</strong>a interpretação <strong>da</strong><br />

prática constitucional entendi<strong>da</strong> em senti<strong>do</strong> amplo. O<br />

passivismo apenas precariamente se ajusta a essa prática, e só<br />

a mostra em sua melhor perspectiva se admitirmos que, como<br />

questão de justiça, os indivíduos não tem <strong>direito</strong>s contra as<br />

maiorias políticas – o que <strong>é</strong> estranho à nossa cultura<br />

constitucional – ou que a equi<strong>da</strong>de, defini<strong>da</strong> de <strong>um</strong> mo<strong>do</strong><br />

especial que zomba <strong>da</strong> própria id<strong>é</strong>ia de <strong>direito</strong>s<br />

constitucionais, <strong>é</strong> a virtude constitucional <strong>mais</strong> importante. (p.<br />

451).<br />

Assim, para <strong>Dworkin</strong>, <strong>um</strong> julgamento interpretativo envolve a moral política e<br />

coloca em prática não apenas a justiça, mas <strong>um</strong>a varie<strong>da</strong>de de virtudes políticas que às<br />

vezes entram em conflito e questionam <strong>um</strong>as as outras, sen<strong>do</strong> a equi<strong>da</strong>de <strong>um</strong>a delas.<br />

Ele discorre que o <strong>direito</strong> como integri<strong>da</strong>de <strong>é</strong> sensível às tradições e à cultura política de<br />

<strong>um</strong>a nação, assim, portanto, tamb<strong>é</strong>m a <strong>um</strong>a concepção de equi<strong>da</strong>de que conv<strong>é</strong>m a <strong>um</strong>a<br />

Constituição.<br />

Encerran<strong>do</strong> o exame <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> atual <strong>da</strong> teoria constitucional acadêmica <strong><strong>do</strong>s</strong><br />

EUA, <strong>Dworkin</strong> diz que a alternativa ao passivismo <strong>é</strong> <strong>um</strong> julgamento muito apura<strong>do</strong>,


caso por caso, que dá lugar a muitas virtudes políticas, onde não há espaço para a<br />

tirania.<br />

Em segui<strong>da</strong>, <strong>Dworkin</strong> nos apresenta H<strong>é</strong>rcules. Um juiz que não precisa<br />

preocupar-se com a urgência <strong>do</strong> tempo e <strong><strong>do</strong>s</strong> casos pendentes, al<strong>é</strong>m de não ter<br />

dificul<strong>da</strong>de alg<strong>um</strong>a em encontrar <strong>um</strong>a linguagem e <strong>um</strong>a arg<strong>um</strong>entação suficientemente<br />

pondera<strong>da</strong>s para introduzir qualquer ressalva que julgue necessária. H<strong>é</strong>rcules revisita<br />

casos já apresenta<strong><strong>do</strong>s</strong> por <strong>Dworkin</strong>. O primeiro deles <strong>é</strong> o “Brown”. Nesse caso,<br />

H<strong>é</strong>rcules tece três descrições de <strong>um</strong> <strong>direito</strong> contra a discriminação racial, “classificações<br />

suspeitas”, “categorias bani<strong>da</strong>s” e “fontes bani<strong>da</strong>s”, testan<strong>do</strong> ca<strong>da</strong> <strong>um</strong>a sob a ótica <strong>da</strong><br />

quarta emen<strong>da</strong>.<br />

A primeira delas, “classificações suspeitas”, pressupõe que as pessoas não têm<br />

<strong>direito</strong> de não serem vítimas de discriminação racial. O <strong>direito</strong> contra a discriminação <strong>é</strong><br />

conseqüência <strong>do</strong> <strong>direito</strong> geral <strong>do</strong> tratamento igualitário, por<strong>é</strong>m ca<strong>da</strong> Esta<strong>do</strong> tem sua<br />

concepção de igual<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong>, as raças e outras formas de distinção são fruto de <strong>um</strong>a<br />

tendência histórica de negar consideração a alguns grupos, razão pela qual as decisões<br />

políticas que colocam tais grupos em desvantagem devem ser revistas. A segun<strong>da</strong><br />

teoria, “categorias bani<strong>da</strong>s”, insiste no reconhecimento, pela constituição, de <strong>um</strong> <strong>direito</strong><br />

contra a discriminação, colocan<strong>do</strong> o sistema de segregação racial <strong>da</strong>s escolas como<br />

inconstitucional. A terceira e última teoria, “fontes bani<strong>da</strong>s”, insiste em que as<br />

preferências que tem por base alg<strong>um</strong>a forma de preconceito não possam contar a favor<br />

de <strong>um</strong>a política que inclua a desvantagem desse grupo, porque a maioria <strong>da</strong>s<br />

concepções de igual<strong>da</strong>de torna o interesse público e, dessa forma, a política adequa<strong>da</strong> a<br />

vontade geral.<br />

Toman<strong>do</strong> como fun<strong>da</strong>mento as duas últimas teorias, H<strong>é</strong>rcules vem a decidir de<br />

igual forma ao que foi decidi<strong>do</strong> em 1954, pela inconstitucionali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> segregação<br />

racial. Por<strong>é</strong>m, surge a questão <strong><strong>do</strong>s</strong> rem<strong>é</strong>dios, caben<strong>do</strong> a H<strong>é</strong>rcules decidir se deve haver<br />

<strong>um</strong> compromisso entre <strong>direito</strong> e política para que as escolas se ad<strong>é</strong>qüem ao fim <strong>da</strong><br />

segregação racial. Assim, ele elabora a tese de que os juízes têm a obrigação de fazer<br />

c<strong>um</strong>prir os <strong>direito</strong>s constitucionais.<br />

Continuan<strong>do</strong> a revisitação de casos, <strong>é</strong> a vez <strong>do</strong> caso <strong>da</strong> facul<strong>da</strong>de de medicina <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Califórnia em Davis. Essa Universi<strong>da</strong>de utilizou-se de <strong>um</strong> sistema de<br />

cotas para avaliar se os candi<strong>da</strong>tos a <strong>um</strong>a vaga no curso de medicina estavam aptos para


tanto. Aconteceu que alguns negros, cuja pontuação obti<strong>da</strong> no exame foi bem inferior<br />

aos de<strong>mais</strong>, em virtude <strong>do</strong> sistema de cotas, obtiveram vagas na Universi<strong>da</strong>de, enquanto<br />

que Bakke, que ficou muito aqu<strong>é</strong>m deles, não conseguiu entrar, mas se fosse negro<br />

estaria com sua vaga garanti<strong>da</strong>. H<strong>é</strong>rcules, aduz <strong>Dworkin</strong>, teria decidi<strong>do</strong> de acor<strong>do</strong> com a<br />

teoria <strong>da</strong>s fontes bani<strong>da</strong>s, e após, teria seleciona<strong>do</strong> <strong>um</strong>a lista sujeita a revisões à medi<strong>da</strong><br />

que os padrões sociais forem sen<strong>do</strong> altera<strong><strong>do</strong>s</strong>, não proibin<strong>do</strong> programas de ação<br />

afirmativa, pois não atuam no senti<strong>do</strong> de prejudicar os grupos. Para H<strong>é</strong>rcules, “<strong>um</strong><br />

sistema de cotas dá a mesma consideração à classe to<strong>da</strong> de candi<strong>da</strong>tos, como o faria<br />

qualquer outro sistema que se fun<strong>da</strong>mente – como deve ser o caso de to<strong><strong>do</strong>s</strong> – em<br />

classificações gerais.” (p.473).<br />

H<strong>é</strong>rcules, o ideal de juiz para <strong>Dworkin</strong>, não <strong>é</strong> historicista. Ele <strong>é</strong> guia<strong>do</strong> por <strong>um</strong><br />

senso de integri<strong>da</strong>de constitucional. Tamb<strong>é</strong>m não <strong>é</strong> <strong>um</strong> passivista, porque rejeita a id<strong>é</strong>ia<br />

de que os juízes devem subordinar-se às autori<strong>da</strong>des eleitas. Ele não <strong>é</strong> <strong>um</strong> ativista.<br />

H<strong>é</strong>rcules, portanto, foge <strong>da</strong> classificação acadêmica padrão <strong><strong>do</strong>s</strong> juízes americanos.<br />

Quan<strong>do</strong> interv<strong>é</strong>m no processo de governo para declarar alg<strong>um</strong>a lei ou outro ato <strong>do</strong><br />

governo, ele o faz de forma consciente sobre o que a democracia e o que a constituição<br />

realmente quer dizer.

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