Livro em PDF (2,1MB) - Valdir Aguilera
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www.nead.unama.br<br />
casamento, entretanto, tivera curiosa trama. Fora um caso violento de paixão.<br />
Romance de amor tão fulminante, tão inesperado, que espantou a todos na cidade.<br />
A história foi assim:<br />
Domitila, a Titília, como lhe chamavam os de casa, era uma criaturinha<br />
perturbante, linda boneca de dezesseis anos, leve como pluma, botão de rosa pelo<br />
amanhecer. Tinha o talhe fino, a cinturinha breve, ar de graciosa petulância. Que<br />
primor de tentações! Os cabelos eram negros, profundamente negros,<br />
encaracolando-se num donaire petulante. Olhos também negros, negríssimos, dum<br />
fulgor líquido, que enchiam de quentura e brejeirice o moreno róseo de seu rosto. A<br />
boca, vermelha, muito úmida, a cavar ao lado, quando ela sorria, uma covinha<br />
gaiata, tentadora, que enlouquecia a rapaziada do t<strong>em</strong>po.<br />
E não foram poucos os que enlouqueceram! Toda a gente sabia que Pedro<br />
Gonçalves de Andrade, primo e colaço do juiz de casamentos, passava noites<br />
inteiras, de violão <strong>em</strong> punho, a entoar modinhas e lundus às janelas da rapariga.<br />
E era de ver-se, nos bailes, o Aires da Cunha, sobrinho do Almoxarife da<br />
Real Fazenda! O rapaz grudado acintosamente às saias da pequena, vivia tão junto<br />
dela, tão cioso dela, que a cidade inteira, com maldade, botou-se a linguajar daquele<br />
caso..<br />
E a briga do Moraizinho? Foi no Botequim da Princesa, no Largo da Pólvora,<br />
<strong>em</strong> dia de procissão de São Jorge. O rapazola engalfinhou-se violentamente com o<br />
Bento Furquim, um atrevidaço, namoriscador da pequena. Lá se foi com ele aos<br />
bofetões e sopapos, numa fúria. Tão áspera cresceu a rixa, tão brutal, que acabaria<br />
de certo <strong>em</strong> tiro de trabuco se o bom do Pe. Bernardo Pureza Claraval, que por ali<br />
passava, não acudisse a t<strong>em</strong>po de separá-los.<br />
Nesse mesmo dia, ao escurecer, depois das vésperas, o bondoso cura<br />
procurou o velho João de Castro. Narrou-lhe a briga do Moraizinho. Avisou-o com<br />
prudência:<br />
— Sr. Coronel! Vosmecê precisa tomar tento. Isto não acaba b<strong>em</strong>...<br />
— Mas que hei de eu fazer, senhor pároco? Que hei de eu fazer?<br />
— Que há de fazer? Homessa... Pois é casar a rapariga. Casá-la antes que<br />
a rapaziada se destripe. Aquilo não é gente! Aquilo é d<strong>em</strong>ônio, sr. Coronel, aquilo é<br />
d<strong>em</strong>ônio... Cruzes!<br />
Ora, foi justamente por essa época, nesses t<strong>em</strong>pos <strong>em</strong> que os rapazes se<br />
esmurravam por causa da fatal menina, que chegou à Província, e veio aquartelar<br />
<strong>em</strong> São Paulo, um magnífico regimento de cavalaria, o Primeiro Esquadrão do<br />
Corpo de Dragões, que tinha sede <strong>em</strong> Vila Rica, nas Minas Gerais. O regimento,<br />
formado de guapos mocetões, equipados vistosamente, atravessou a cidade com<br />
galhardia, marchando e rufando. Foi estacar diante do Convento de São Francisco,<br />
onde se alojou. De cambulhada com esse Corpo viera um bonito rapagão protegido<br />
do Príncipe, tratado pelos superiores com benévolas deferências, moço esbelto e<br />
moreno, vinte e dois anos, gentil e simpático. O moço fazia parte do Estado Maior<br />
daquele regimento. Era o Alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça. Quis assim o<br />
destino, esse endiabrado armador de arapucas, que o oficialzinho de Minas viesse<br />
aquartelar exatamente no Largo de São Francisco, a dois passos da Rua do<br />
Ouvidor, e, portanto, b<strong>em</strong> rente à flor mais perturbante da Província, a mais perigosa<br />
das desencabeçadoras de rapazes. A graça com que se enfeitou a tentadora moça,<br />
as tafulices com que se alindou para enamorar o recém-chegado, não as sei eu,<br />
n<strong>em</strong> as quero imaginar. Mas o certo, o que contam crônicas veneráveis, é que logo<br />
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