Livro em PDF (2,1MB) - Valdir Aguilera
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diabo! E a coisa pegô fogo. Não se falava, na Corte, senão do Conde e da Rainha.<br />
Aquilo era um s<strong>em</strong>-vergonhismo tão grande, que até dava reiva na gente. Todo<br />
mundo sabia. Só o Rei, o pobre, não sabia de nada. Mas falatório vai, falatório v<strong>em</strong>,<br />
e caso foi pará no ouvido de D. Gertrudes Pedra, mulher do Conde. Chi! Que<br />
barulheira! Foi uma ciumada do inferno. A mulherzinha tinha pêlo na venta. Principiô<br />
a botá a boca na Rainha de todo o jeito. Que aquilo não era Rainha, era moça. Moça<br />
à-toa! Que D. Carlota precisava era duma boa tunda de pau pra não andá<br />
desencabeçando marido das outras. E dizia tudo o que vinha à boca. A Rainha,<br />
quando soube dos bufos de D. Gertrudes, ficô numa brabeza s<strong>em</strong> conta. Batia o pé,<br />
gritava, espumava. Foi um fim de mundo. Um dia, se que eu esperasse, um criado<br />
de galão veio me procurá: era um chamado da Rainha. Eu fui. D. Carlota, por esse<br />
t<strong>em</strong>po, morava no Largo de São Domingos; e o Rei separado dela, na casa de<br />
Tomás Soares. Cheguei. Fui logo recebido. A Rainha me disse tudo o que queria.<br />
Disse claro, s<strong>em</strong> rodeio. O negócio era crespo. Mas que fazê? Eram ordens.<br />
Martim Francisco e José Bonifácio ouviam, vexados, os pormenores daquele<br />
escândalo. E ambos, no fundo do pensamento, comentavam com tristeza:<br />
— Que vergonha!<br />
Mas o "Corta-Orelha", com toda a naturidade, prosseguiu no seu narrar:<br />
— Chegô o dia da festa dos ourives. Houve, como todo ano, a procissão de<br />
Nossa Senhora das Dores. Eu fui me escondê na Chácara do Catete, onde morava<br />
o Conde. Tinha muita árvore na chácara. Lugar bom pra espera. Muito no jeito!<br />
Quando a procissão acabô, já noitinha, D. Gertrudes voltô pra casa. Vinha de<br />
carruage. No momento <strong>em</strong> que fronteô o arvoredo onde eu tava de tocaia — pum! —<br />
lasquei um tiro e finquei pelo mundo. No outro dia, quando toparam o corpo, foi um<br />
alarido. Qu<strong>em</strong> seria? Qu<strong>em</strong> não seria? D. João — coitado! — fez chamá o<br />
Intendente, que era o Des<strong>em</strong>bargadô Fragoso, mandô que descobriss<strong>em</strong> o<br />
assassino, custasse o que custasse. A policia deu logo na pista. Eu fui preso.<br />
Enquanto era só prisão, não era nada. A gente ia aturando. Mas quando<br />
principiaram as lambadas no couro — credo! — pedi que queria falá co Intendente. E<br />
então confessei tudo! Contei o crime. Contei o motivo. Contei a mandante. O<br />
intendente, quando ouviu o nome da Rainha, branqueô. Mas escreveu tudo. Depois<br />
pegô a papelada e levô ao Rei. D. João, o pobre, leu aquela historiada. Leu e ficô<br />
tonto. Não sabia o que fazê! Mas enfim, depois de pensá b<strong>em</strong>, achô mais certo<br />
mandá queimá a papelada. Foi o que fez. Mas D. Gertrudes Pedra, apesar disso, lá<br />
está nos sete palmos...<br />
— E você pensa, aparteou José Bonifácio sorrindo, que a Domitila, se eu<br />
bulir nos amores dela, seja capaz de fazer comigo o mesmo que D. Carlota fez com<br />
D. Gertrudes? Qual! Não tenha receio.<br />
— Não sei, Sr. Ministro, respondeu o mulato meneando a cabeça. Não sei.<br />
Mas uma coisa eu garanto: é muito arriscado a gente mexê com vespeira e não saí<br />
mordido!<br />
— Não é tanto assim, exclamou José Bonifácio. Você, "Corta-Orelha",<br />
incumba-se de vigiar de perto o que se passa entre D. Pedro e a Domitila. Caso<br />
essa história tome maiores proporções, essa dona volta já para a Província. Você<br />
verá que há gente capaz de mexer com vespeira e não sair mordida: é questão de<br />
jeito.<br />
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