Livro em PDF (2,1MB) - Valdir Aguilera
Livro em PDF (2,1MB) - Valdir Aguilera
Livro em PDF (2,1MB) - Valdir Aguilera
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
www.nead.unama.br<br />
— Ché! Tô vendo que vassuncê tá no escuro, continuou o capoeira com um<br />
risinho. Pois então vassuncê ainda não sabe que o Imperador ferrô uma raparigona<br />
de arromba, montô casa e botô a bicha de cama e mesa?<br />
— Já ouvi falar nessa história, aparteou Martim. E explicou a José Bonifácio:<br />
— E a Titília de Castro. A filha do Coronel João de Castro, aquela de São<br />
Paulo, que o Alferes Felício esfaqueou na coxa.<br />
— Conheço muito! Sei muito b<strong>em</strong> qu<strong>em</strong> é. Mas então?<br />
— Pois é essa, continuou o "Corta-Orelha"; é essa a dona de Mataporcos.<br />
Diz<strong>em</strong> que o Imperador anda maluqueando por ela. Foi <strong>em</strong> São Paulo, na<br />
Independência, que conheceu a tar. E ficô zonzo. Ficô tão zonzo que mandô buscá<br />
a dita.<br />
Os dois irmãos entreolharam-se. A novidade era grave.<br />
— E agora, <strong>em</strong> Mataporcos, prosseguiu o mulato, é uma romaria. Um<br />
bandão de gente! Tudo a adular a bicha. O Ferreira França não sai de lá...<br />
— O Ferreira França? exclamou Martim. Um des<strong>em</strong>bargador!<br />
— D. Pedro, continuou o "Corta-Orelha", esse vive lá. Aquilo toda a noite, é<br />
pagodeira grossa: o Miquelina toca violão, o Chalaça canta lundus; e é ceiata, e<br />
vinhaça, e é risada, e é um turumbada! O Imperador — vassunces b<strong>em</strong> sab<strong>em</strong>! — é<br />
louco por patuscada. E fica lá, noite e mais noite, naquela pândega dos diabos.<br />
— É o mesmo estouvado! aparteou, sorrindo, Martim Francisco. Não muda.<br />
— Eu sei de tudo isso, explicou o capoeira, por causa do Tenente Morais. O<br />
Tenente Morais é íntimo de lá!<br />
— O Tenente Morais?<br />
— O Moraizinho! Vassuncê não se al<strong>em</strong>bra então do Moraizinho? Se<br />
al<strong>em</strong>bra! Pois é hoje tenente. Está no Batalhão do Imperador. É íntimo! Vive lá.<br />
— Isso pouco importa, atalhou José Bonifácio; vamos tornar ao nosso caso,<br />
que é importante.<br />
O "Corta-Orelha" reatou o fio da narrativa:<br />
— Pois acontece que a dona, querendo conhecê a Corte, apareceu hoje no<br />
teatro da Constituição. Aquilo como vassuncês sab<strong>em</strong>, é teatro particular, teatro de<br />
povo fino. Gentinha miúda, meio cá, meio lã, não vê que pisa ali! O diretor, quando<br />
viu na porta aquela dona desconhecida, uma dona sozinha, de vestido de seda,<br />
cheirando água-de-cheiro, joiarada fuzilando no pescoço, maginô logo — pudera —<br />
que aquilo fosse coisa de contrabando. E s<strong>em</strong> mais aquela, muito seco, foi barrando<br />
a bicha na porta:<br />
— Dona, aqui só entra família. Tenha paciência! Vassuncê não pode entrá.<br />
— Nossa Senhora! A mulher ficou vermelha que n<strong>em</strong> lacre. O sangue queria<br />
jorrá da cara dela! Mas não disse palavra. Mordeu o beiço e virô no pé. O Chalaça<br />
viu aquilo. Correu logo, afobado, ao camarote do Imperador. E aí contou a história<br />
tim-tim por tim-tim. Eta, mundo... D. Pedro ficô onça! E como é home de rompante,<br />
que deslinda as coisas na hora, mandô chamá ali mesmo o Intendente de Policia. O<br />
Intendente branqueô ouvindo as ordens:<br />
— Mande descê o pano! Mande suspendê o espetáculo! Mande despejá a<br />
Companhia!<br />
30