Livro em PDF (2,1MB) - Valdir Aguilera
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— Calcule, Sra. Marquesa, que o Sr. D. Pedro ordenou ao Sousa Lobato<br />
que hoje, na Capela Imperial, para assistir à missa, conduzisse a uma tribuna.<br />
E cortando a frase com ar desolado:<br />
— Imagine qu<strong>em</strong>, Sra. Marquesa, qu<strong>em</strong>?<br />
— Não atino...<br />
— A Domitila de Castro!<br />
— A Domitila?!<br />
— A Domitila, Sra. Marquesa! A paulistinha. A tal!<br />
A Marquesa abria os olhos. Não queria acreditar. Aquilo era de um tal<br />
descaro.<br />
— É espantoso, não é, Sra. Marquesa?<br />
— É de indignar a gente, Sr. Francisco Gomes!<br />
— Mas é a pura verdade, minha senhora! exclamava o Chalaça sucumbido.<br />
É a pura verdade!<br />
Em breve, pelo Paço inteiro, correu a notícia do escândalo. Não houve dama<br />
que não ouvisse do Chalaça (isto entre nós, muito entre nós, s<strong>em</strong> que ninguém o<br />
saiba!) o caso da Domitila de Castro. Foi um zunzum. Grandes abespinhamentos. As<br />
damas do Paço, feridas no seu orgulho, iraram-se com a afronta.<br />
Nisto, <strong>em</strong> meio às zangas das senhoras, o enorme relógio de mogno, que<br />
era um velho enfeite do Paço, bateu sonoramente dez pancadas. Eis que o Sr.<br />
Visconde do Rio Seco, Porteiro-Mor, ergue respeitosamente o reposteiro: surge no<br />
salão a Imperatriz D. Leopoldina. Todas as damas dobrando airosamente o joelho,<br />
saúdam Sua Majestade. Simples, amável, com um sorriso para todas, a Sra. D.<br />
Leopoldina, ladeada pela sua Camareira-Mor, D. Maria Flora Ribeiro de Andrada e<br />
Silva, irmã de José Bonifácio, atravessa com lentidão o passadiço e entra<br />
solen<strong>em</strong>ente na Capela Imperial. Num instante, pelas tribunas imperiais, onde as<br />
colchas da Índia, despencando, riam pelo riso quente de suas cores, espalha-se<br />
fidalgamente o bando suntuoso. Por toda a parte, onde o olhar pousasse, era um<br />
gosto o cont<strong>em</strong>plar as cores estonteantes dos vestidos, a garridice das plumas, os<br />
gorgorões pesados das matronas, a riqueza dos grandes leques marchetados. E<br />
chispando pelas cabeleiras e incendiando os colos, e fuzilando nas orelhas, e<br />
enroscando-se pelos braços, fulgia sobre aquela florida ninhada de camareiras e<br />
damas, um dardejar de broches, de borboletas cravejadas, de pingentes, de trepamoleques,<br />
de bichas, de camafeus, de pedraria de toda a cor.<br />
D. Leopoldina, alta, loura, gargantilha de pérolas ao pescoço, assoma à<br />
balaustrada de sua tribuna. Logo, <strong>em</strong> meio às pompas do recinto, tang<strong>em</strong> com<br />
estrépito os sinos da capela: o Sr. Bispo-Capelão D. José Caetano, mitrado e<br />
solene, debaixo do pálio, com o báculo de ouro na mão, avança grav<strong>em</strong>ente até o<br />
Altar-Mor. Aí, sobre um almofadão de veludo escarlate. Sua Excelência ajoelha-se<br />
por um instante. Todos o acompanham. Faz-se grave silêncio.<br />
Naquele momento de concentrada religiosidade, uma linda morena,<br />
elegantíssima, vestida à Zamperini, atravessa a nave com sobranceria, fronte<br />
erguida, derramando <strong>em</strong> tono de si, ao ritmo do seu andar, todos os feitiços do seu<br />
donaire. Por toda a Capela, onde fulg<strong>em</strong> galas e resplendores, perpassa brusco<br />
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