4 <strong>É</strong> <strong>só</strong> <strong>um</strong> <strong>palpite</strong> <strong>de</strong> <strong>leigo</strong> “Mo<strong>de</strong>rnamente (e também historicamente) temos sido campeões <strong>de</strong> imaginação para soluções parciais” Cristovam Buarque N<strong>um</strong> certo dia, Ely Vieitez Lisboa, que consi<strong>de</strong>ro <strong>um</strong>a das maiores escritoras <strong>de</strong> nossa cida<strong>de</strong>, escreveu o seguinte sobre meus poemas e textos: “Tórtoro é matemático. Na sua feitura, no entanto, por engano ou santo <strong>de</strong>scuido divino, misturam-se luci<strong>de</strong>z à acuida<strong>de</strong>, muita fi losofi a, <strong>um</strong> espiritualismo quase místico e farto lirismo”. Por isso, mesmo sem ser <strong>um</strong> estudioso <strong>de</strong> línguas, ao ler a notícia: “Os erros <strong>de</strong> Português <strong>de</strong> <strong>um</strong> homem ajudaram a polícia a colocá-lo atrás das gra<strong>de</strong>s. Há três meses, ele assassinou <strong>um</strong>a mulher grávida, na frente dos fi lhos, em Mesquita, na Baixada Fl<strong>um</strong>inense. Logo <strong>de</strong>pois, escreveu nas pare<strong>de</strong>s como cometeu o crime, usando, <strong>de</strong>ntre outras, as palavras ‘morti’ e ‘voçê’”, então, pensei comigo: escrever em <strong>de</strong>sacordo com as normas vigentes po<strong>de</strong> dar ca<strong>de</strong>ia. O assassino po<strong>de</strong>ria até dizer, entre seus amigos, “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe” - como mencionado em <strong>um</strong> dos capítulos do polêmico livro, Por Uma Vida melhor, do Ministério da Educação - mas, como em geral, escrevemos <strong>de</strong> forma muito parecida com a que falamos, erros crassos na escrita, como o acima mencionado, po<strong>de</strong>rão passar a ser consi<strong>de</strong>rados normais e levar nossa Língua Portuguesa à bancarrota. Muito interessante o que disse Ruy Castro, na Folha: “De fato, as normas existem para ser transgredidas - mas por quem <strong>de</strong> direito. Eis alguns que fi zeram isto no romance, na música popular e na poesia”, e cita casos como Guimarães Rosa, Adoniran Barbosa, Ferreira Gullar, João Cabral <strong>de</strong> Melo Neto, Lamartine Babo, Juó Bananére, pois: “artistas po<strong>de</strong>m e <strong>de</strong>vem fugir da norma”. De forma bastante contun<strong>de</strong>nte, Marcos Bagno, em seu artigo, Polêmica ou ignorância?, <strong>de</strong>ixa claro que “Não é preciso ensinar nenh<strong>um</strong> brasileiro a dizer ‘isso é para mim tomar? ‘, porque essa regra gramatical já faz parte da língua materna <strong>de</strong> 99% dos nossos compatriotas. O que é preciso ensinar é a forma ‘isso é para eu tomar ?’ porque ela não faz parte da gramática da maioria dos falantes <strong>de</strong> português brasileiro, mas por ainda servir <strong>de</strong> arame farpado entre os que falam ‘certo’ e os que falam ‘errado”, é <strong>de</strong>ver da escola apresentar essa outra regra aos alunos, <strong>de</strong> modo que eles - se julgarem pertinente, a<strong>de</strong>quado e necessário - possam vir a usá-la”. Deixar aos alunos o julgamento do que é pertinente, a<strong>de</strong>quado e necessário, penso ser muito arriscado por não terem eles, ainda, o conhecimento a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> nossa Língua Portuguesa, como acontece com os escritores e artistas anteriormente mencionados por Ruy Castro. Todos nós, principalmente nesse período <strong>de</strong> transição entre duas ortografi as (em que nem os gramáticos e linguistas se enten<strong>de</strong>m em alguns pontos) cometemos pequenos erros <strong>de</strong> Português, mas é preciso haver regras claras, principalmente quando se trata <strong>de</strong> ensinar nossa língua para estrangeiros, ou, para quem usa a palavra como ferramenta <strong>de</strong> trabalho, como <strong>de</strong>staca Arthur Dapieve, em seu artigo Discordância, no Globo: “Explico aos alunos (<strong>de</strong> jornalismo) que o erro <strong>de</strong> Português, para não falar no <strong>de</strong> informação, tem <strong>um</strong> efeito metastático em jornal, revista ou internet. Fixado no papel ou na tela, o erro contamina o tecido gramaticalmente sadio que está em volta, levando o leitor à dúvida (‘Se esse repórter não conhece o seu instr<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> trabalho...’), solapando até o mais bem construído dos arg<strong>um</strong>entos, minando a preciosa credibilida<strong>de</strong>”. Penso que o maior temor daqueles que se manifestaram <strong>de</strong> forma até agressiva, diante da publicação do Ministério da Educação é o <strong>de</strong> que, <strong>de</strong> repente, como poucos conseguem falar e escrever o Português culto, alguém tenha a brilhante i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> abolir a gramática, pois, afi nal <strong>de</strong> contas, estamos no Brasil, <strong>um</strong> país em que, como diz Cristovam Buarque: “Falta professor <strong>de</strong> Física, retira-se Física do currículo escolar. Os alunos não apren<strong>de</strong>m, adotamos a progressão automática. O Congresso não funciona, o STF passa a legislar. A população fala Português errado, em vez <strong>de</strong> ensinar o correto a todos legitimamos a fala errada para parte da população sem acesso à educação. Adotamos dois idiomas: o Português dos ricos educados e o Português dos pobres sem educação; o Português dos condomínios e o Português das ruas. Ao invés <strong>de</strong> combater o preconceito e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, legalizamos a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>”. Enfi m, se em nome <strong>de</strong> retirarmos arame farpado <strong>de</strong> entre os que falam <strong>de</strong> forma diferente, <strong>de</strong>struirmos as estruturas <strong>de</strong> nossa ortografi a (norma culta), fi ca a pergunta que me fez <strong>um</strong> amigo: quando formos, nas aulas, ensinar nossa língua para ingleses, franceses, espanhóis, alemães, qual Português <strong>de</strong>veremos ensinar, caso não tenhamos mais <strong>um</strong>a norma culta? Antônio Carlos Tórtoro www.tortoro.com.br Contos do Arcoíris noturno Há muito tempo havia esta maravilhosa avó que vivia na pequenina ilha <strong>de</strong> Moloka. Seu nome era Kaili’ohe Kame’ekua e ela tinha mais <strong>de</strong> cem anos em 1931. A avó Kame’ekua e sua família ensinavam os fi lhos por meio <strong>de</strong> histórias, canções antigas e parábolas. Uma história que era muito importante para a sua ‘ohana, que signifi ca “família” em havaiano, é que toda criança nasce com <strong>um</strong> Vaso <strong>de</strong> Luz Perfeita. Se a criança cuidar bem da Luz, a Luz a<strong>um</strong>entará e fi cará forte. A criança será capaz <strong>de</strong> fazer muitas coisas, tais como nadar com os tubarões e voar com os pássaros e se tornará <strong>um</strong>a pessoa sábia. Todavia, alg<strong>um</strong>as vezes aparecem coisas negativas na vida da criança... Mágoas, raivas, ciúmes ou dores. E estas mágoas, raivas ou dores viram pedras e caem <strong>de</strong>ntro do vaso. E logo po<strong>de</strong>m existir tantas pedras que você não consegue mais ver a Luz... E, em pouco tempo, a criança po<strong>de</strong> se tornar como <strong>um</strong>a pedra; e não consegue crescer... Não consegue se mover. Você sabe, Luz e pedra não po<strong>de</strong>m ocupar o mesmo espaço. Mas, o que a avó Kame’ekua nos diz é o que toda criança precisa fazer é virar o vaso <strong>de</strong> cabeça para baixo e tirar as pedras e a Luz crescerá outra vez... Sim, a Luz está sempre lá. Nota: Este texto é do livro Tales from the Night Rainbow contada pela avó Kaili’ohe Kame’ekua aos netos Pali Jae Lee e Koko Willis. Fonte: Resgatando a Magia da Vida – Joyce C. Mills – Editora Diamante – página. 173. www.al<strong>um</strong>iar.com
www.al<strong>um</strong>iar.com Encarte Veterinário do Jornal Al<strong>um</strong>iar - agosto/2011 5