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Cartas Familiares e Bilhetes de Paris - Logo Metasys

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estes elementos não se criam hordas invasoras. Creio, pois, que o Galo-Romano po<strong>de</strong><br />

passear sossegadamente, sob os pórticos pintados da sua vila, entre as flores e os bustos dos<br />

sábios. O homem amarelo não <strong>de</strong>scerá do seu peludo corcel tártaro, soltando o velho grito <strong>de</strong><br />

Tamerlão: «Haï-up! Haï-up!»<br />

Mas virá, todavia, o homem amarelo! Virá muito humil<strong>de</strong>mente, muito pacificamente, em<br />

gran<strong>de</strong>s paquetes, com a sua trouxa às costas. Virá, não para assolar, mas para trabalhar. E é<br />

essa a invasão perigosa para o nosso velho mundo, a invasão surda e formigueira do<br />

trabalhador chinês. A Califórnia mostra, nas pequenas proporções <strong>de</strong> uma província, o que<br />

po<strong>de</strong>rá ser, no nosso populoso continente, uma ilimitada vinda <strong>de</strong> chineses. Foi em 1852 que<br />

chegaram a São Francisco da Califórnia os primeiros cem imigrantes, ainda tímidos e incertos,<br />

procurando trabalho nas minas. Dez anos <strong>de</strong>pois eram cem mil. Seriam hoje um milhão,<br />

muitos milhões <strong>de</strong>les, se o estado da Califórnia não os tivesse repelido como uma praga, como<br />

se repelem na Argélia os gafanhotos, ou na Austrália os coelhos. Não é, como se pensa, a<br />

fome e a miséria que os expulsam da China. Ao contrário! Todos estes imigrantes que vêm<br />

das ricas províncias do Sul da China pertencem a uma classe rural remediada, possuem uma<br />

instrução média, trazem o seu pecúlio. Não há neles o espírito errático <strong>de</strong> aventura – mas o<br />

propósito muito raciocinado <strong>de</strong> fazer fortuna comedida e sólida, e <strong>de</strong> voltar para a China, on<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>ixaram a casa, as mulheres, uma família, um centro estável com quem comunicam<br />

constantemente, fielmente. Toda esta imigração estava admiravelmente organizada, por meio<br />

<strong>de</strong> associações (tudo na China se faz por associação) cujos chefes, já instalados na Califórnia,<br />

promoviam a passagem dos imigrantes, os recebiam, os instalavam, lhes procuravam<br />

emprego, julgavam as suas dissensões, velavam sobre eles paternalmente. Assim se forma<br />

logo sempre na cida<strong>de</strong> estrangeira uma cida<strong>de</strong> chinesa, fechada e compacta, com os seus<br />

altares, as suas lojas, os seus hospícios, as suas escolas, o seu mandarim, todos os órgãos<br />

necessários a uma pequenina China. Daí irradiam os trabalhadores. E nunca lhes falta<br />

trabalho. Em primeiro lugar, porque se contentam com a terça parte do salário do trabalhador<br />

branco. O Chinês não tem necessida<strong>de</strong>s: uma única cabaia <strong>de</strong> chita ou lã grossa lhe basta<br />

para uma existência: um pouco <strong>de</strong> arroz e dois goles <strong>de</strong> chá o alimentam. On<strong>de</strong> o branco,<br />

comilão e vicioso, precisa <strong>de</strong>’ ganhar dois mil réis por dia, o Chinês está feliz com três tostões,<br />

e acumula. Em segundo lugar, tem admiráveis qualida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalhador – pontualida<strong>de</strong>,<br />

activida<strong>de</strong>, docilida<strong>de</strong>, adaptação perfeita a todas as formas <strong>de</strong> serviços. São superiormente<br />

inteligentes e inacreditavelmente sofredores. As colossais obras <strong>de</strong> aterramento feitas na<br />

Califórnia, na Serra Nevada, só podiam ser executadas pela dureza e infatigabilida<strong>de</strong> do nervo<br />

chinês. Sem eles, o gran<strong>de</strong> caminho <strong>de</strong> ferro do Pacífico nunca teria sido construído tão<br />

rapidamente, tão habilmente. Na Havana, nas gran<strong>de</strong>s plantações <strong>de</strong> tabaco, <strong>de</strong> açúcar, <strong>de</strong><br />

algodão, em serviço on<strong>de</strong> todas as raças sucumbem, mesmo a negra, o Chinês prospera, fica<br />

mais luzidio e gordo.’ Sóis tórridos, chuvas trespassantes, terrenos paludosos, micróbios e<br />

toxinas não têm acção sobre aquele ser, <strong>de</strong> aparência mole e como feito <strong>de</strong> borracha. De<br />

resto, como se sabe, a; sensibilida<strong>de</strong> nervosa do Chinês é mínima, e por isso eles são quase<br />

indiferentes às penalida<strong>de</strong>s usuais do código chinês, a bastonada e a canga. Toda a sua<br />

sensibilida<strong>de</strong> é moral e assim, na Havana, o castigo terrível e verda<strong>de</strong>iramente doloroso que<br />

se impõe ao Chinês é cortar-lhe o rabicho. O rabicho é o símbolo exterior da sua dignida<strong>de</strong>,<br />

como outrora, para os cavaleiros godos ou francos, os <strong>de</strong>nsos cabelos anelados.<br />

O Chinês, logo que reúna pelo trabalho do campo, da mina, ou da fábrica, um saco <strong>de</strong><br />

economias, vem estabelecer-se na cida<strong>de</strong>, como jardineiro, lava<strong>de</strong>iro, alfaiate, sapateiro,<br />

cozinheiro, ourives, etc.<br />

E nestes misteres é incomparável pela habilida<strong>de</strong>, a rapi<strong>de</strong>z, a originalida<strong>de</strong>, a excelência da<br />

mão-<strong>de</strong>-obra. Quando as economias crescem, abandona a pequena indústria, entra no<br />

comércio – on<strong>de</strong> é prodigioso, pela lealda<strong>de</strong>, a finura, o faro, a prontidão em compreen<strong>de</strong>r<br />

todos os métodos e manhas da praça. Depois, apenas faz fortuna, abala para a China, levando<br />

o dinheiro do branco, e um <strong>de</strong>sprezo mais intenso ainda do que trouxera pela civilização<br />

europeia.<br />

Um imigrante com estas capacida<strong>de</strong>s é terrível, sobretudo em países industriais, porque altera<br />

profundamente a balança dos salários. O capital produtor tem o sonho ansioso (e legítimo) <strong>de</strong><br />

diminuir, pela baixa dos salários, as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> produção. Quando lhe aparece, portanto, um<br />

operário hábil, incansável, pontual, dócil, que não faz greves, nem política, é apenas um<br />

complemento inteligente das máquinas, e oferece o seu trabalho por meta<strong>de</strong> ou um terço do

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