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Cartas Familiares e Bilhetes de Paris - Logo Metasys

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animasse. Tão estranho era este silêncio, esta ausência das aclamações tradicionais do<br />

expansivo <strong>Paris</strong>, que os seus amigos a explicavam pelas dificulda<strong>de</strong>s eufónicas do seu nome –<br />

Casimire Périer –, que, composto <strong>de</strong> sílabas longas, não se presta a ser lançado num viva<br />

curto e brilhante. E todavia ele nada mais fizera ainda do que mostrar a sua face à nação. Mas<br />

essa mesma face logo <strong>de</strong>sagradou. Com efeito, na sua fotografia oficial, exposta em todas as<br />

vidraças e publicada em todos os jornais, ele aparecia com uma carantonha agressiva, um ar<br />

<strong>de</strong> buldogue extremamente <strong>de</strong>samável.<br />

Era talvez mera culpa do fotógrafo. Assim a popularida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um chefe <strong>de</strong> Estado <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> por<br />

vezes da perfeição ou imperfeição <strong>de</strong> um cliché! Além disso, o presi<strong>de</strong>nte usava uns colarinhos<br />

singulares, revirados, prodigiosamente <strong>de</strong>cotados, que não convieram a este povo acostumado<br />

aos colarinhos correctos, hirtos e majestáticos do Sr. Carnot. Imediatamente se<br />

esquadrinharam outras razões <strong>de</strong> o suspeitar. Os radicais já andavam <strong>de</strong>nunciando com<br />

alarido as suas relações mundanas e aristocráticas. Muito amargamente se contava que<br />

quando ele soube do assassinato <strong>de</strong> Carnot, estava numa soirée ouvindo música, sentado<br />

entre a princesa <strong>de</strong> Hennin e a con<strong>de</strong>ssa <strong>de</strong> Grelhufe. A <strong>de</strong>mocracia não lhe perdoou mais<br />

esta con<strong>de</strong>ssa e esta princesa, que o contaminavam. Des<strong>de</strong> logo se profetizou com rancor que<br />

o Eliseu seria um centro escandaloso <strong>de</strong> aristocracia orleanista. Não era ele próprio um velho<br />

amigo dos Orleães? Não <strong>de</strong>ra ele a sua <strong>de</strong>missão <strong>de</strong> <strong>de</strong>putado, quando se <strong>de</strong>cretara a<br />

expulsão do con<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Paris</strong>? Evi<strong>de</strong>ntemente a sua presidência seria o prólogo sorrateiro da<br />

monarquia...<br />

Mas o que mais irritava era a sua imensa fortuna, os seus três milhões <strong>de</strong> renda. A <strong>de</strong>mocracia<br />

(todos os publicistas o afirmam) é invejosa – e este presi<strong>de</strong>nte da República que possuía um<br />

palácio na Rua Nicot, tão aparatoso como o Eliseu, e vivendas <strong>de</strong> campo que valiam as<br />

vivendas reais, e coutadas <strong>de</strong> caça, e uma criadagem <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> estilo, e requintes da vida<br />

privilegiada – parecia um contra senso, a negação mesmo da igualda<strong>de</strong> republicana, um<br />

perigo, quase uma afronta.<br />

Quando a opinião assim se formava, veio a eleição pelo círculo que, ao subir à presidência, ele<br />

<strong>de</strong>ixava vago. Era o seu velho círculo, a sua cida<strong>de</strong>la política. Por ele <strong>de</strong>via ser naturalmente<br />

eleito um sub-Casimire, do mesmo feitio conservador, que continuasse nas câmaras a obra <strong>de</strong><br />

resistência à invasão socialista. Qual! O círculo elegeu justamente um socialista! Todo o país<br />

riu com gosto <strong>de</strong>sta ingratidão, que era uma lição. O presi<strong>de</strong>nte estava <strong>de</strong>finitivamente<br />

impopular, mesmo entre a sua antiga clientela. O radicalismo não cessou mais <strong>de</strong> o cobrir <strong>de</strong><br />

ultrajes – e <strong>de</strong> pilhérias. Drumont lançou contra ele raios e Rochefort piparotes. Os seus<br />

milhões, as suas librés, os seus bigo<strong>de</strong>s, os seus colarinhos, os seus avós e a sua energia<br />

hereditária – tudo foi vilipendiado ou achincalhado.<br />

Tinha ele ao menos a afeição e o apoio dos conservadores? Também não: também se lhes<br />

tornara suspeito. Vendo que ele não brandia o famoso cacete, cortado na árvore da liberda<strong>de</strong>,<br />

e que a «horda revolucionária» não cessava <strong>de</strong> avançar, os partidos conservadores<br />

começaram a <strong>de</strong>screr da força conservadora do seu eleito. A afirmação constante que ele fazia<br />

da sincerida<strong>de</strong> do seu republicanismo, a sua afectação em se pronunciar contra as suas<br />

tradições <strong>de</strong> classe e em se isolar das suas relações elegantes eram outros motivos <strong>de</strong><br />

irritação para os mo<strong>de</strong>rados. De bom grado lhe diriam como o personagem <strong>de</strong> Shakespeare:<br />

«Vós provais <strong>de</strong> mais, meu belo senhor, provais <strong>de</strong> mais!» Além disso, por se ser conservador<br />

não se <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser parisiense: e a irreverência, o espírito fron<strong>de</strong>ur, o assalto irónico contra<br />

todo o chefe <strong>de</strong> Estado que mostre hesitação ou fraqueza, é um dos hábitos mais incuráveis<br />

do espírito <strong>de</strong> <strong>Paris</strong>. Os próprios jornais que o tinham proclamado como o esteio forte da<br />

or<strong>de</strong>m começaram também contra ele um tiroteio maligno. Por ocasião do Grand Prix, o Sr.<br />

Casimire Périer, penetrado da velha i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a pompa reforça a autorida<strong>de</strong>, resolvera ir a<br />

Longchamps, à solenida<strong>de</strong> clássica do sport francês, em gran<strong>de</strong> estado, com gran<strong>de</strong>s librés, e<br />

precedido <strong>de</strong> batedores à antiga maneira imperial. Apenas, por uma indiscrição dos jornais, se<br />

conheceu esta tentativa <strong>de</strong> restaurar na república o luxo real, todo o <strong>Paris</strong> começou a rir – e<br />

ninguém riu com mais malícia que o Figaro. O presi<strong>de</strong>nte, assustado, suprimiu à última hora os<br />

batedores, e atravessou num landau <strong>de</strong>mocrático os Campos Elísios, on<strong>de</strong> se juntara uma<br />

multidão imensa, elegante e divertida, para assistir a essa magnificência <strong>de</strong> librés e lacaios,<br />

tão nova e tão pouco gozada pela geração republicana. Quando se avistou o landau sem<br />

picadores e sem librés, seco como a virtu<strong>de</strong>, foi um <strong>de</strong>sapontamento e uma troça. Aquele<br />

presi<strong>de</strong>nte que <strong>de</strong> repente, por medo, recolhia todo o seu luxo, o <strong>de</strong>ixava escondido no canto

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