Versão em PDF – 14.9 MB - Fundação Cultural Palmares
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28<br />
NARRATIVAS<br />
(Figurante vilão)<br />
- Tenho nada não Senhor!<br />
(super policial)<br />
- Aêh Zé (deixou de ser neguinho<br />
pra virar Zé) se eu achar cê tá “na<br />
água”.<br />
Mexe na bolsa, acha roupa suja, acha<br />
marmita, põe tudo para fora entrega<br />
de qualquer jeito e vai <strong>em</strong>bora. Antes<br />
conclui elegant<strong>em</strong>ente:<br />
- Toma vai, sai fora!<br />
(corta, corta valeu...)<br />
O pobre fica lá! Indignado, com<br />
vontade de fazer o mal e estranhamente<br />
agradecido por ainda estar vivo.<br />
Agora é chegar <strong>em</strong> casa e ser<br />
encurralado <strong>em</strong> meio ao tiroteio do<br />
noticiário das oito.<br />
Policiais são preparados para essa<br />
rotina, bandidos acostumam-se a ela, mas<br />
ele, pobre cidadão, mesmo sendo leigo no<br />
assunto é obrigado a opinar, e assustado,<br />
confessa não saber o que fazer.<br />
- Que me diz?<br />
A mesma, os olhos arregalados, a boca<br />
seca, o estômago corroído pela úlcera<br />
instantânea. O pobre leigo pensa nos entes<br />
queridos, inocentes <strong>em</strong> sua espera que talvez<br />
seja vã. Agora é verdade, e já é tarde. O cano<br />
reluzente da coação t<strong>em</strong> mira implacável,<br />
o instrumento da violência também t<strong>em</strong><br />
medo, dá pra ver que virou bicho (como<br />
pode alguém tão jov<strong>em</strong> não ser filho de<br />
ninguém?)<br />
- Que me diz?<br />
Grita novamente o instrumento, dessa vez<br />
mais pavoroso, de uma vez engatilhado.<br />
O leigo gagueja e já escorre pelo<br />
rosto a lágrima do desespero, um pouco<br />
da humilhação de ser ignorante, um<br />
pouco de adeus, l<strong>em</strong>bra da esposa com<br />
a velocidade de um relâmpago que corta<br />
a alma:<br />
- V<strong>em</strong> nego, v<strong>em</strong> gostoso...<br />
- Ah nega! Minha alma, meu amor,<br />
te aaaamm...<br />
- Nego, você me ama?<br />
- Já não falei que amo?<br />
- Mas fala de novo!<br />
- Te am..<br />
- Ah! Fala com vontade, ta<br />
morrendo?<br />
- Me deixa dormir nega!<br />
- Só se você disser que me ama!<br />
- Te amo, po...<br />
- Nego?<br />
- Que é...<br />
- Se você me falta eu acho que<br />
morro sabia?<br />
- Humm...