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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />
<strong>MINISTRO</strong> <strong>EDUARDO</strong> <strong>ESPÍNOLA</strong><br />
(CENTENÁRIO DO SEU NASCIMENTO)<br />
BRASÍLIA<br />
1975
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL<br />
<strong>MINISTRO</strong> <strong>EDUARDO</strong> <strong>ESPÍNOLA</strong><br />
(CENTENARIO DO SEU NASCIMENTO)<br />
BRASíLIA<br />
1975
SESSÃO SOLENE REALIZADA<br />
EM 6-11.1975
Palavras do Ministro Djaci<br />
Falcão, Presidente
SENHORES <strong>MINISTRO</strong>S<br />
Transcorre hoje o centenário de nascimento do grande jurista<br />
e eminente juiz <strong>EDUARDO</strong> ESP1NOLA. Civilista de excepcio<br />
nal merecimento e experiência, soube encarnar, por longos anos,<br />
os valores insuperáveis do Direito e da Justiça. O Supremo Tri<br />
bunal Federal reverencia. neste momento. a memória do admirável<br />
baiano e insigne Ministro.<br />
Concedo a palavra ao Senhor Ministro MOREIRA ALVES,<br />
intérprete dos sentimentos da Corte.<br />
9
Discurso do Ministro<br />
J. C. Moreira Alves
Reúne-se o Supremo Tribunal Federal, para, em observância<br />
da tradição, comemorar o centenário de nascimento de um dos<br />
juízes que mais o dignificaram .<br />
Em ocasiões dessa natureza, há homenageados - como EDU<br />
ARDO ESPINOLA - que exigem, não apenas a rememoração<br />
dos acontecimentos de sua vida, mas a análise da obra, com a<br />
justiça que só a distância no tempo permite.<br />
Há cem anos - 6 de novembro de 1875 - nasceu Eduardo<br />
Espínola, em Salvador, capital da então província da Bahia. Seus<br />
pais, o comerciante Antônio José Espínola e esposa, Francisca da<br />
Costa Godinho Espínola.<br />
A infância, passou-a na cidade de nascimento. Foi no colégio<br />
Sete de Setembro, do professor Luiz da França Pinto de Carvalho.<br />
que fez o curso primário e os preparatórios. Esse colégio é o co<br />
légio França, a que se referiu Aliomar Baleeiro, no discurso por<br />
ocasião da morte de Espínola. O nome do diretor sobrepujara o<br />
da instituição, passando a designá-la, na boca do povo.<br />
Concluídos os preparatórios, vai Espínola para Recife, a fim<br />
de cursar sua tradicional Faculdade de Direito, uma das duas mais<br />
antigas do Brasil. Dali, por certo, lhe veio a decidida inclinação<br />
pelos juristas germânicos, o que se observa em toda a sua obra.<br />
Era muito grande a influência de Tobias Barrreto, falecido havia<br />
alguns anos, marco inicial do germanofilismo que caracterizou os<br />
juristas vinculados àquela Escola.<br />
Em Recife, teve Espínola colegas que, mais tarde, como ele,<br />
se destacaram nas letras jurídicas . Assim, Aderbal de Carvalho.<br />
13
conhecido por suas traduções de Ihering, e Virgílio de Sá Pereira,<br />
notável civilista e admirável escritor.<br />
Em março de 1895, bacharelouse. em ciências sociais. Volta<br />
à Bahia. onde, em 5 de dezembro, cola grau de bacharel em ciências<br />
jurídicas. na Faculdade de Direito. fundada em 1891.<br />
Tem. nessa época. pouco mais de vinte anos.<br />
De janeiro a maio de 1896. é adjunto de promotor público<br />
em Salvador. A partir de junho. ocupa a promotoria em Feira<br />
de Santana. A 12 de novembro. casase com Maria Daltro de<br />
Azevedo Espínola. No final de 1898. deixa a promotoria; no ano<br />
seguinte. é juiz municipal. na mesma Feira de Santana. Não per<br />
manece muito tempo nessa função : ainda em 1898. tornase promo<br />
tor público de Maragogipe. Transferese. em 1901. para Salvador.<br />
onde é. de início. promotor público. e, depois. juiz municipal.<br />
1902 marca sua vida. Após brilhante concurso - só en<br />
contraria paralelo no disputado por Moniz Sodré - é nomeado.<br />
em outubro. lente substituto da Faculdade de Direito da Bahia.<br />
cargo que exerceu até 1919. Apesar de recente. contava a Escola<br />
com um pugilo de professores de destaque. Para citar alguns.<br />
Moniz Sodré. Filinto Bastos. Campos França, Prisco Paraízo, Ho<br />
mero Pires, Descartes de Magalhães.<br />
Já em 1898. com apenas 23 anos. dera à publicidade. com<br />
licença do autor. tradução do livro célebre de Pietro Cogliolo -<br />
Filosofia do Direito Privado. Sua primeira obra criadora. porém.<br />
sairia em 1908. g o volume inicial do Sistema de Direito Civil.<br />
Havia pouco entrara nos trinta anos. e, apesar disso. magistral<br />
era a obra. Nela ocupouse Espínola das noções fundamentais<br />
sobre o direito objetivo e o direito subjetivo. Prefaciando o livro.<br />
Filinto Bastos saudoulhe a estréia nas letras jurídicas. como autor.<br />
com estas palavras cons'agradoras com que encerrou a apresenta<br />
ção:<br />
«De todo o trabalho do Dr. <strong>EDUARDO</strong> ESPINO<br />
LA. não poderei dar notícia; e deste primeiro volume.<br />
que me foi dado ler, repito que encerra mais que alvissa
eiras promessas uma brilhante realidade, e os que ma<br />
nusearem dirão depois se houve exagero em minha des<br />
pretensiosa opinião.<br />
Parabéns ao Dr. <strong>EDUARDO</strong> ESPINOLA, jovem<br />
e provecto professor da Faculdade Livre de Direito da<br />
Bahia, por sua magnífica estréia em trabalho original;<br />
parabéns à literatura brasileira por mais uma jóia de valor<br />
para o seu invejável cofre .»<br />
em verdade, uma jóia de síntese, clareza e profundidade.<br />
Forte nos pandectistas germânicos e no que se escreveu na Alemanha<br />
logo após a promulgação do B. G. B ., esse livro trata, com<br />
erudição e objetividade, dos mais complexos temas relativos à norma<br />
jurídica e à parte geral do direito civil. O profesor jovem já era<br />
civilista provecto no saber. Remonta a essa obra seu original<br />
método de exposição: síntese apertada no texto; abundância de<br />
pormenores das notas; farta citação de trechos extraídos dos melhores<br />
autores. Mais de cinqüenta anos depois - em 1959 -,<br />
ao prefaciar a 4 edição do primeiro volume do Sistema, já então<br />
desdobrado em dois tomos, acentuava Espínola que, nele, bem<br />
como nos outros que foram aparecendo com o passar do tempo,<br />
se conservara «o método· original. expondo-se no texto a matéria<br />
principal, em termos sucintos, e desenvolvendo-se em notas as<br />
principais controvérsias sobre pontos fundamentais e as referências<br />
ao direito comparado».<br />
Quatro anos mais tarde, em 1912, publica o segundo volume<br />
do Sistema, onde inicia o estudo da teoria geral das relações jurídicas<br />
de obrigação. O método é o mesmo seguido anteriormente. Nota<br />
se, porém, que o autor já ampliou, e muito, sua cultura. Está ele<br />
em dia com a mais recente e melhor literatura estrangeira. Vale-se,<br />
também, dos autores nacionais, como, entre outros, Lacerda de<br />
Almeida. Estuda, com proficiência, as obrigações propter rem,<br />
a distinção entre Haftung e Schuld, nos elementos da relação jurídica<br />
obrigacional. as obrigações naturais, as diferentes modalidades<br />
15
das obrigações, seu conteúdo e efeitos. Em tudo, vêse a mão de<br />
mestre.<br />
Ainda em 1912, começa a editar uma revista jurídica -luris<br />
prudência -, que saiu até 1915.<br />
Desde 1904, havia abandonado a magistratura, para exercer<br />
a advocacia. O prestígio da cátedra e das obras publicadas car<br />
rearalhe clientela das melhores. Moço embora, é admirado e<br />
respeitado como notável jurista. Na Bahia, é, sem dúvida, o maior<br />
dos seus civilistas. No Brasil, raros os que se lhe emparelham,<br />
como Lacerda de Almeida e Clóvis Bevilaqua, ambos mais idosos.<br />
:a desta época o retrato que Baleeiro esboça em estilo inconfundível.<br />
com a imagem que lhe vem dos tempos de criança:<br />
«Um cavalheiro moreno, muito moreno mesmo, esta<br />
tura meã, corpulento sem ser obeso, quase sempre de<br />
roupas claras numa época de terno preto, obrigatório para<br />
todos os sujeitos respeitáveis. Era o Professor Eduardo<br />
Espínola, nas idas e vindas da Faculdade, pela manhã,<br />
em busca do bonde democrático no ponto próximo».<br />
Tranqüilo, pouco expansivo, dizem os que o conheceram que<br />
guardava certo traço boêmio, razão por que (e a informação ainda<br />
é de Baleeiro)<br />
«não desprezava um trago de whisky com água de<br />
coco ou de cognac francês após as labutas do dia. Nisso<br />
encontrava êmulos dentre as melhores figuras da inte<br />
lectualidade local, ao tempo, como Virgílio de Lemos e<br />
Odilon Santos, grande advogado e humanista».<br />
De maio a junho de 1913, datam dois ex,Qustivos pareceres<br />
seus, que, mais tarde, seriam recolhidos nos volumes que publicou<br />
sob o título «Questões Jurídicas e Pareceres». :a de 9 de maio de<br />
1913 o referente à questão territorial. entre Bahia e Pernambuco,<br />
sobre vasta gleba de terra correspondente à antiga comarca do Rio<br />
São Francisco, que Pernambuco reivindicava da Bahia pela voz<br />
16
de alguns de seus mais ilustres filhos - o jurista João Barbalho<br />
e o historiador Pereira da Costa. Ressaltam, nesse trabalho, a<br />
desenvoltura no traço da história do Brasil e a análise jurídica da<br />
natureza dos atos governamentais, de 1824 e 1827, que deram<br />
origem à controvérsia. Um mês e alguns dias mais tarde, a 14<br />
de junho, vem à luz a exaustiva análise sobre a questão de limites<br />
entre a Bahia e o Espírito Santo, onde se encontram minucioso<br />
estudo 'histórico do litígio e candente defesa da integridade territo<br />
rial de seu Estado.<br />
Ambos os pareceres lhe haviam sido encaminhados pelo gover<br />
nadar J. J. Seabra. E é ele também que o contrata para elaborar<br />
o Projeto de Código de Processo Civil e Penal do Estado da Bahia,<br />
nesse mesmo ano de 1913. A exemplo de Coelho Rodrigues que,<br />
para redigir projeto de Código Civil, se refugiara em Genebra,<br />
Espínola viaja para a Alemanha, e, de lá, no prazo estipulado -<br />
março de 1914 - envia o projeto, impresso ' na Hermann Blankes<br />
Buchdruckerei, de Berlim. Na página de rosto, lêse: «Projecto<br />
de Codigo de Processo Civil, CommerciaI. Orphanologico e Crimi<br />
nal do Estado da Bahia - apresentado por Eduardo Espínola -<br />
ProL da Faculdade de Direito - 1914. Dividese a obra em<br />
três livros: o primeiro. concernente ao processo civil e comercial;<br />
o segundo, aos juízes divisórios e ao processo orfanológico; o ter<br />
ceiro, ao processo criminal. Ao todo, 2. 132 artigos, mais 5 de<br />
disposições transitórias. Até o artigo 361, há inúmeras notas jus<br />
tificativas; a partir daí, começam a escassear. A última (a de<br />
nQ 228) diz respeito ao artigo 943. relativo à venda judicial. Possi<br />
velmente, a premência de tempo impediu que prosseguisse na ano<br />
tação iniciada. Da leitura dessas notas, vêse que estava em dia<br />
com a legislação européia mais recente, como o Código de Processo<br />
Civil Húngaro, promulgado em 20 de dezembro de 1910, e entrado<br />
em vigor a 1 Q de janeiro de 1914, obra do grande processualista<br />
Alexandre Plotz; o Código de Processo Civil da Áustria, fruto do<br />
talento de Klein; e o Código de Processo Civil Alemão. Igual<br />
mente, a par com a mais recente e autorizada literatura jurídica<br />
processual do tempo, seja germânica, seja italiana. Ressalta,<br />
17
ainda, certa preocupação ao preservar nossa tradição jurídica, vinda<br />
dos praxistas portugueses.<br />
Entregue o projeto. teve ele tramitação rápida na Assembléia<br />
Legislativa baiana. transformandose na Lei 1.121, de 21 de agosto<br />
de 1915, a entrar em vigor a 19 de janeiro de 1916. Dizem que<br />
a rapidez na tramitação se deveu ao desejo de Seabra de. na data<br />
de seu aniversário - 19 de agosto -. promulgar esses códigos.<br />
já então considerados os melhores do Brasil.<br />
Em 1916. publica Espínola dois volumes de comentários. na<br />
forma de anotações. ao Código que resultara de seu projeto. Neles,<br />
aproveitou as notas já publicadas. incorporando inúmeras outras .<br />
Ainda nesse ano. organiza um livro de estudos jurídicos em<br />
homenagem a Filinto Bastos. por ocasião de seu sexagésimo ano<br />
de vida. Homenagem comum na Europa; muito rara no Brasil<br />
de hoje. quanto mais no primeiro quartel do século.<br />
Voltaria, porém, em breve. ao campo que lhe era mais caro -<br />
o direito civil. Em 1 Q de janeiro de 1916, havia sido promulgado<br />
o Código Civil Brasileiro, depois de lenta tramitação legislativa .<br />
Entraria em vigor a 1 Q de janeiro do ano seguinte.<br />
Lançase, então, à obra de anotar, artigo por artigo, o novo<br />
Código. Em 1918, pela editora Joaquim Ribeiro & Co. , de Sal<br />
vador, publica o volume primeiro das «Breves Annotações ao Códi<br />
go Civil Brasileiro». onde abarca a Lei de Introdução e toda a parte<br />
geral. São mais de 500 páginas densas de observações, doutrina,<br />
erudição. O título «Breves Anotações», o próprio Espínola, ao<br />
mudálo para «Annotações ao Código Civil Brasileiro», no segundo<br />
volume que publicou anos mais tarde, assim o explicou no prefácio:<br />
..<br />
«Era então pensamento do autor fazer ligeiras obser<br />
vações em torno de cada um dos artigos do Código, quanto<br />
fosse suficiente para indicar a significação e o alcance<br />
do dispositivo, sem lhe aprofundar a natureza e encarar<br />
as dificuldades de aplicação .»<br />
18,
Plano pouco ambicioso para o talento e<br />
A síntese, porém, não conseguiu secar a obra.<br />
lida.<br />
a cultura do autor.<br />
Ainda hoje, merece<br />
A esse tempo, a província era ambiente demasiado restrito<br />
para homem de sua envergadura. Seu nome já se projetara por<br />
todo o país. Era natural que voltasse suas vistas para o Rio de<br />
Janeiro, ponto de convergência dos talentos de todos os quadrantes<br />
do território nacional. E a Espínola - de reputação já sólida -<br />
não seria difícil firmar*se na metrópole. Ombreava com os nossos<br />
maiores civilistas.<br />
Em abril de 1919, embarca, com sua família, para o Rio de<br />
Janeiro. Afastava*se, definitivamente, da velha Bahia. Tinha<br />
quarenta e três anos.<br />
Inicia*se, no Rio, uma fase de intenso labor profissional.<br />
Recém*chegado, vê*se solicitado para emitir pareceres. Os dois<br />
volumes deles, que publicaria alguns anos mais tarde, mostram que,<br />
em 9 de julho de 1919, se manifestava sobre anulação de testamento<br />
por omissão de herdeiro reservatário, em face do Código Civil<br />
alemão. E a este se seguiram vários outros, de agosto a dezembro<br />
daquele ano, quase todos no campo de sua especialização.<br />
Em 1924, há um episódio curioso entre Espínola, como advoga*<br />
do, e o juiz da Primeira Vara de órfãos do Rio de Janeiro, hOJe<br />
notabilíssimo jurisconsulto. Espínola era patrono de Emílio Lam*<br />
bert e de seus filhos - um dos quais emancipado pelo pai, mediante<br />
escritura pública -, e requereu naquela Vara de órfãos a partilha<br />
amigável dos bens da falecida esposa e mãe de seus constituinte:s.<br />
O magistrado exigiu que, preliminarmente, houvesse a homologação<br />
judicial da emancipação. Rebelou*se Espínola, interpondo agravo<br />
contra o despacho. O juiz o mantém, e assim lhe reforça a fun<br />
damentação:<br />
«Estava escrita a presente sustentação do despacho<br />
quando verifiquei que Emílio Lambert é FRANCaS e<br />
dá os filhos como FRANCESES, tendo transformado<br />
o nome George MareeI Lambert em Jorge Marcello Lam*<br />
19
ert, de modo que se pudesse aplicar a lei brasileira.<br />
Ora o FRANCaS SE g VIúVO, NÃO PODE EMAN<br />
CIPAR. E ESTA NOS MESTRES DE DIREITO<br />
INTERNACIONAL QUE A EMANCIPAÇÃO SE<br />
REGE PELA LEI DO PAI (Von Bar). »<br />
E, mais abaixo, salienta:<br />
«Reproduzo o texto da tradução do livro clássico de<br />
Von Bar porque assim é facilmente conferível: «L'estin<br />
zione della patria potestá .. . in sequito ... ad un auto<br />
giuridico appositamente a farIa cessare (emocipazione in<br />
senso stretto) deve anch' essa essere giudicata in base alio<br />
statuto personale deI padre. (Bar - Teoria e Prática<br />
deI Dir. Int . Priv. pág. 554). »<br />
Espínola não possuía o livro de Von Bar, na tradução italiana;<br />
tinhao no original. E a refutação veio pronta, num aditamento<br />
à petição de agravo:<br />
«S. Ex', na primeira das passagens acima transcri<br />
tas, declara, citando Von Bar, que está nos mestres de<br />
direito internacional que a emancipação se rege pela lei<br />
do pai.<br />
Entretanto, apesar de tudo isso, não é essa a doutrina<br />
do notável internacionalista, quando o pai e o filho per<br />
tencem a nacionalidades distintas, tendo, por conseguinte,<br />
estatutos pessoais diferentes, que é justamente o caso sub<br />
judice. Quando essa é a hipótese, afirma Von Bar, de<br />
acordo com a doutrina largamente dominante, que preva<br />
lece o estatuto pessoal do filho.<br />
Se S. Ex' se não tivesse detido no meio do período,<br />
em que concluiu a citação italiana de Von Bar, se houvesse<br />
lido mais algumas linhas até o ponto que encerra o pe<br />
ríodo, teria logo verificado que não corresponde ao pen<br />
20
samento do grande mestre tedesco o princípio que lhe<br />
atribui.<br />
Não possuímos a tradução italiana, de que S. Ex'<br />
se utilizou; consultamos, porém, o original alemão (Theorie<br />
und Praxis des internationalen Privatrechts, voI. 19, 2'<br />
ed. , 1889), e não é crível que o tradutor italiano haja<br />
truncado o livro traduzido, suprimindo metade de um período.<br />
»<br />
Já se vislumbrava aí o estudioso que, no ano seguinte, 1925,<br />
publicaria o Direito Internacional Privado.<br />
A década de vinte viu, aliás, a publicação de notáveis obras<br />
de Espínola. Em 1923, inicia a série dos quatro tomos em que<br />
se desdobraria o volume terceiro do Manual do Códigp Civil Brasileiro,<br />
dirigido por Paulo de Lacerda, dos quais os três últimos<br />
apareceram, sucessivamente, em 1926, 1929 e 1932. Neles comenta,<br />
com erudição e profundidade, os artigos 74 a 145 do Código.<br />
a, sem dúvida, um dos pontos mais altos de sua obra. Nesses<br />
quatro tomos, há verdadeiras monografias sobre os diferentes institutos<br />
nele tratados. O artigo 145 mereceu um volume inteiro,<br />
onde se encontra a mais ampla análise, em português, da teoria<br />
da inexistência do negócio jurídico.<br />
Em 1922, já havia produzido substanciosos comentários aos<br />
artigos 180 a 228, relativos ao Direito de Família, e com os quais<br />
continuava suas anotações ao Código Civil Brasileiro, agora sem<br />
o qualificativo «Breves», incompatível com a extensão dos comentários.<br />
Dessa obra apareceria, mais tarde, um terceiro volume<br />
referente aos artigos 228 a 255, e que contém longo estudo sobre<br />
as relações entre os cônjuges, no direito internacional privado.<br />
Esse volume em cuja edição única não há data, é posterior a 1926,<br />
pois é dedicado à esposa do autor, com estas palavras:<br />
«A minha mulher, depois de trinta anos de vida conjugal,<br />
dedico este volume sobre - as relações pessoais<br />
entre os cônjuges».<br />
Espínola, como vimos, se casara em novembro de 1896.<br />
21
Em 1925, fora publicada a primeira série de «Questões jurídi<br />
cas e pareceres», a que se seguiria, mais adiante, uma segunda.<br />
Em 1927, começa a editar o periódico «Pandectas brasileiras»,<br />
com a colaboração de Sá Freire, Oscar da Cunha, Leal de Masca<br />
renhas, Espínola Filho e Marques dos Reis. A revista viveria<br />
até 1931 .<br />
Ainda neste ano de 1927, Clóvis Bevilaqua lança a História<br />
da Faculdade de Direito de Recife. Ao aludir à turma de 1895,<br />
cita, entre seus alunos, Eduardo Espínola, e, em nota, depois de<br />
enumerar a obra que ia numerosa, conclui com este comentário,<br />
bastante em si mesmo para atestar o prestígio do jurista baiano:<br />
«ESPINOLA é uma das nossas mais justamente<br />
acatadas autoridades em direito civil. A sua obra é vasta,<br />
tem largueza de vistas, extensa erudição e seguro critério.<br />
Lê-lo é ter conhecimento exato do estado das questões,<br />
que examina, na literatura jurídica do país e das mais<br />
cultas nações, porque ele examina e critica as opiniões dos<br />
melhores autores, para oferecer a sua doutrina, concor<br />
dando com os que, antes dele, se ocuparam do mesmo<br />
assunto, ou deles dissentindo, com a mesma independên<br />
cia. Possuindo, integralmente, a ciência do direito do<br />
nosso tempo, os seus estudos são lições, que esclarecem<br />
os menos doutos. Dotado de espírito analítico as suas<br />
soluções resultam de uma paciente operação mental. em<br />
que o espírito procura descobrir não somente o princípio<br />
jurídico fundamental que domina a matéria examinada,<br />
como, ainda, as repercussões dela na vida social. Men<br />
talidade forte e independente, não hesita em afirmar a<br />
verdade, quando a possua, vá, ou não, de encontro a<br />
opiniões consagradas» .<br />
N em Lacerda de Almeida mereceu de Clóvis palavras seme<br />
Ihantes .<br />
Também em 1927, em dezembro, participou da delegação<br />
brasileira, juntamente com Raul Fernandes, Sampaio Corrêa, Alari<br />
22
co Silveira e Lindolfo Collor. à Sexta Conferência Panamericana.<br />
realizada em Havana. Nela. apresentou relatório sobre o Código<br />
Bustamante.<br />
Dois anos depois. é designado por Otávio Mangabeira. então<br />
chanceler, para defender o Brasil na Corte Internacional de Haya.<br />
em litígio sobre o pagamento de nossas dívidas externas em moeda<br />
corrente nos países credores, e não em curso.<br />
1930. Revolução que põe termo à chamada república velha.<br />
Transformações. Ódios. Ressentimentos.<br />
Em fevereiro de 1931, o Governo Provisório entendeu conve<br />
niente reformar toda nossa legislação. A 1 Subcomissão Legis<br />
lativa, então constituída, foi encarregada da reformulação do Có<br />
digo Civil. Integraramna Clóvis Bevilaqua. Eduardo Espínola<br />
e Alfredo Bernardes, este, posteriormente. substituído por Epitácio<br />
Pessoa. A tarefa não foi levada a termo. mas fruto dela é longo<br />
trabalho de Espínola, a quem foi atribuído, principalmente. o exame<br />
da Lei de Introdução e da parte geral. Nele. há inúmeras pro<br />
postas. com exaustiva fundamentação de alterações, supressões e<br />
acréscimos na Lei de Introdução e na párte geral do Código Civil.<br />
Examinamse, também, sugestões feitas à Subcomissão por Clóvis<br />
Bevilaqua.<br />
No mesmo mês e ano em que se formava essa l' Subcomissão<br />
Legislativa, reduziuse o número dos Ministros do Supremo Tri<br />
bunal Federal de quinze para onze. e foram aposentados seis deles:<br />
Pires de Albuquerque, Edmundo Muniz Barreto, Pedro Afonso<br />
Mibielli, Godofredo Cunha, Geminiano da Franca e Pedro Santos.<br />
Abriramse. portanto, duas vagas.<br />
Na de Pedro Santos, o Chefe do Governo Provisório nomeou<br />
Eduardo Espínola. Sucedido e sucessor baianos. professores da<br />
mesma· Faculdade de Direito.<br />
Ao despedir>-se do Supremo Tribunal Federal. em 1940, o Mi<br />
nistro Carvalho Mourão confidenciou que. ao tomar posse. na<br />
mesma época em que ó fizeram Eduardo Espínola e Plínio Casado.<br />
23
não imaginava que a carga de trabalho fosse a que era. Eis suas<br />
palavras:<br />
«A assim me abalancei a tomar sobre os ombros a<br />
pesada carga, prenhe de responsabilidade. Era ainda<br />
maior do que eu pensava. Logo depois da posse, recebi<br />
mais de 800 processos que aguardavam julgamento ( o<br />
mesmo sucedeu aos meus dois eminentes colegas e hOJe<br />
queridos amigos, Ministros Eduardo Espínola e Plínio<br />
Casado, nomeados na mesma época) . »<br />
Nesta Corte permaneceu Espínola de 13 de maio de 1931 até<br />
29 de maio de 1945, quando se aposentou. Era, então, seu pre<br />
sidente, nomeado que fora para o cargo - e, na época, a nomeação<br />
'cabia ao Presidente da República - por decreto publicado no<br />
Diário Oficial de 19 de novembro de 1940.<br />
Examinei, no periódico Jurisprudência, correspondente aos anos<br />
de 1931 a 1940, inúmeros de seus votos, para formar idéia do ma<br />
gistrado . Talvez tenha sido traído por exame que não se haja<br />
alargado o suficiente. Pelo que pude verificar, porém, o estilo<br />
do juiz não se confunde com o do autor das obras jurídicas . Em<br />
seus livros, Espínola demonstrou sempre larga erudição, notável<br />
conhecimento do direito comparado - doutrinador, por excelência .<br />
Outro é o juiz: escassíssimas as citações; votos, em geral, curtos;<br />
quando longos, a amplidão decorre da análise dos fatos para a<br />
aplicação da lei; nenhuma divagação teórica, ainda quando no ter<br />
reno do direito privado. A ascendrada admiração pelos juristas<br />
alemães e austríacos não dá mostras de si nos votos que me passa<br />
ram sob os olhos.<br />
Em 1938, julgando recurso extraordinário (o de nQ 2. 519)<br />
sobre a aplicação imediata da lei contra a usura seu voto - amos<br />
tra de como julgava - é este:<br />
«Preliminarmente, o caso é de recurso extraordiná<br />
rio, quer pelo fundamento da letra a, quer pelo da letra c.<br />
Questionou"se sobre a aplicação da lei antiga aos<br />
contratos ajuizados, declarando o Tribunal local que ela<br />
24
não estava em vigor em face do disposto na nova lei, que<br />
passara a re,ger a espécie, sem atenção aos direitos ad<br />
quiridos, que se invocavam.<br />
g questão de vigência de uma lei, que a Justiça do<br />
Estado deixou de aplicar. Que há divergência na inter<br />
pretação do Decreto nQ 22. 626, de 7 de abril de 1933,<br />
atestam as certidões juntas, referentes a acórdãos da<br />
Corte de Apelação, em confronto com a decisão recorrida.<br />
Sobre o mérito:<br />
Que se não pode falar, no caso, em lei inconstitucio<br />
naI. por se declarar retroativa, já esta Corte tem declarado<br />
muitas vezes, e em seu brilhante e erudito parecer de<br />
monstra o eminente Sr. Ministro ProcuradorGeral.<br />
Tratase de lei decretada essencialmente no interesse<br />
público visando suprimir a usura, que, não sendo anterior<br />
mente proibida, foi dada pela nova lei reputada contrária<br />
à ordem e à moralidade pública, cumprindo fazer desa<br />
parecer todos os seus efeitos, sem atenção a direitos ad<br />
quiridos, respeitando apenas os atos consumados (os juros<br />
já pagos e a coisa julgada).<br />
Além da natureza da lei, cumpre atender também à<br />
circunstância de emanar do Governo discricionário, cujos<br />
poderes se estendiam à modificação ou à supressão do<br />
texto constitucional, quando se tornassem convenientes aos<br />
fins da revolução vitoriosa, que o levara a assumir todas<br />
as funções legislativas e executivas.<br />
Nego provimento ao recurso».<br />
Claro, simples, objetivo.<br />
Os que o conheceram são uníssonos sobre sua circunspecção<br />
e sobriedade. Dele traçou este retrato Daniel Aarão Reis, nas<br />
notas e recordações que escreveu sobre esta Corte:<br />
«Lembramonos dele como um homem de porte eleva<br />
do, robusto, ombros largos, e pele' morena, de um brol1<br />
25
zeado como de índio. o olhar enérgico. altaneiro até; a<br />
voz. entretanto. baixa. profunda. de inflexão suave. Sob<br />
a púrpura. seria um Cardeal de Lorena; de armadura. um<br />
Condestável de Montmorency ou um Guise. Ticiano não<br />
desdenharia pintálo; Velasques. igualmente. A severi<br />
dade do semblante e. até certo ponto. de toda a sua atitude<br />
se coaduna bem com a extrema e natural cortesia com<br />
que trata a quantos o procuram ou dele se acercam».<br />
Contoume o Dr. Hugo Mosca. que trabalhou com ele. que<br />
nunca o ouviu chamar ninguém de «você». ou fazer a mais leve<br />
brincadeira. Sabia impor distância.<br />
Em 1937. ano em que foi alçado à VicePresidência desta<br />
Corte. o Instituto dos Advogados Brasileiros. em reconhecimento<br />
aos seus méritos. lhe outorga o prêmio «Teixeira de Freitas». Ao<br />
civilista insigne a medalha com o nome do mais insigne dos nossos<br />
civilistas.<br />
Ao aposentarse neste Tribunal. foi alvo das mais expressivas<br />
homenagens. Orozimbo Nonato salientou que seu nome estava<br />
colocado «na mesma chave dos maiores juristas nacionais de todos<br />
os tempos». Hahnemann Guimarães. então ProcuradorGeral da<br />
República. acentuou que era «sem dúvida, o maior civilista brasileiro»<br />
e que. com Clóvis e Lacerda de Almeida. formava a «famosa<br />
trindade» .<br />
De quando assumiu o cargo de Ministro até 1938. publicou.<br />
apenas. um livro - a quarta parte do tomo III do Manual do Código<br />
Civil Brasileiro dirigido por Paulo de Lacerda. Entretanto.<br />
de 1939 a 1944. sua bibliografia .aumenta extraordinariamente, com<br />
os onze volumes do Traiado de Direito Civil Brasileiro. e os três<br />
de A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Comentada. São<br />
duas obras de grande fôlego - a primeira. infelizmente. incompleta<br />
-. e produzidas com a colaboração de um de seus filhos. Eduardo<br />
Espínola Filho. magistrado do antigo Distrito Federal.<br />
No prefácio desse Tratado. Espínola esclarece que logo após<br />
a publicação do Código Civil. começou a escrever breves comentá-<br />
26
ios aos seus artigos - daí. o 1 Q volume de suas Breves anotações»;<br />
depois. convenceuse de que mais úteis seriam comentários desen<br />
volvidos. razão por que. nos dois seguintes. mudou o título para<br />
«Anotações»; a publicação. programada para dez volumes. ia nesse<br />
ponto. quando foi ele nomeado para o Supremo Tribunal Federal.<br />
e. então. eis o que ocorreu. segundo suas próprias palavras:<br />
«Entrando. porém. para o Supremo Tribunal Federal.<br />
pude verificar. desde logo. que muito difícil se tornara<br />
prosseguir na empresa. para a qual não me deixavam<br />
margem os trabalhos da judicatura. dado o extraordinário<br />
vulto dos processos que foram submetidos ao meu estudo<br />
A situação ainda se agravou com o importante e árduo<br />
serviço do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral. onde<br />
tive de funcionar durante quase quatro anos.<br />
Tudo isso me demonstrou que impossível seria con<br />
tinuar a publicação iniciada.<br />
Decorridos alguns anos. e após vári'as providências<br />
legislativas e regimentais. os trabalhos da mais alta Corte<br />
de Justiça do país se normalizaram. deixandome antever<br />
a possibilidade de dedicar algum tempo a estudos outros<br />
e assim. talvez. a continuar a tarefa que me impusera.<br />
Mas. já então. forte messe oferecia a rica e abundante<br />
jurisprudência de nossos tribunais fornecendo. em nume<br />
rosos pontos. elementos de grande valor para a nítida<br />
compreensão dos dispositivos do Código Civil. Obras<br />
importantes têm sido publicadas ultimamente. utili<br />
zandose desse indispensável material. Para fazer tra<br />
balho profícuo. mister se tornava refazer por completo.<br />
obedecendo a essa orientação. os volumes publicados. os<br />
quais. em vez de serem novas edições. se apresentariam<br />
substancialmente reformados. Ocorreume. por isso. a<br />
idéia de. aproveitando os estudos e inclinações de meu<br />
filho. que exerce as funções de juiz nesta Capital. publi<br />
car, com a sua colaboração. um «Tratado de Direito Civil<br />
27
Brasileiro», que se desenvolverá nos volumes necessanos<br />
para a exposição completa de toda a matéria, de que se<br />
ocupa o nosso Código Civil» .<br />
Da síntese estreita das «Breves Anotações», passava à análise<br />
larga do Tratado, que, em verdade, se traduzia na reunião siste<br />
matizada de monografias de grande mole. Basta atentar para os<br />
subtítulos dos volumes em que se foi desdobrando: Introdução ao<br />
Estudo do Direito Civil; Da Lei e da sua Obrigatoriedade - Do<br />
Direito Intertemporal; Da Interpretação e da Aplicação do Direito<br />
Objetivo; O Método Positivo na Interpretação e na Integração das<br />
Normas Jurídicas; Da Nacionalidade Brasileira; Da Condição Ju<br />
rídica dos Estrangeiros no Brasi; O Direito Internacional Privado<br />
Brasileiro (em 3 volumes); Dos Direitos Subjetivos; e Dos Sujeitos<br />
dos Direitos Subjetivos e, em particular, das Pessoas Naturais.<br />
Todos eles são mananciais inesgotáveis de informação, graças<br />
ao minucioso exame, à luz da doutrina nacional e da estrangeira,<br />
dos diversos aspectos da matéria de que tratam.<br />
A aposentadoria e a idade não lhe arrefeceram o entusiasmo<br />
pelo trabalho. comum produzirse muito em épocas em que o<br />
tempo é pouco para cumprir as tarefas rotineiras da profissão.<br />
Parece que, nesses períodos, os minutos se multiplicam como no<br />
milagre do desdobramento dos pães. Advindo o ócio, a fonte<br />
estanca, talvez porque falte o estímulo da excitação. A luta des<br />
cobre energias recônditas; o repouso amolenta. Com Espínola,<br />
isso não se deu. Pouco depois de aposentado, com a colaboração<br />
de outro de seus filhos - Oswaldo de Azevedo Espínola -, con<br />
cilia amplo comentário à Constituição de 1946. Precedeo, como<br />
introdução, lúcido ensaio, onde, em seguida à análise dos «proble<br />
mas de nosso tempo, na vida internacional», s faz o retrospecto<br />
histórico da organização constitucional do Brasil.<br />
Essa incursão no direito público não desviou, por muito tempo,<br />
a atenção de Espínola dos estudos que lhe eram caros, desde a<br />
juventude. de 1951 o livro «Garantia e Extinção das Obriga<br />
ções - Obrigações Solidãrias e Indivisíveis». Dava, assim, se<br />
28
qüência à elaboração do Sistema. O método continua o mesmo;<br />
menos freqüentes, porém, as citações de juristas germânicos, embora,<br />
aqui e ali, haja referência a Von Thur, Windscheid, Dernburg,<br />
Kuhlembeck, Warneyer e alguns outros.<br />
Nessa esteira, vêm a público, sucessivamente, «A Família no<br />
Direito Civil Brasileiro», «Dos Contratos Nominados no Direito<br />
Civil Brasileiro», «PossePropriedade, Compropriedade ou Con<br />
domínio, Direitos Autorais» e «Dos Direitos Reais Limitados<br />
ou Direitos sobre a Coisa Alheia e os Direitos Reais de Garantia<br />
no Direito Civil Brasileiro». O último é de 1958, cinqüenta anos<br />
após a publicação do volume inaugural do Sistema, que, nesse in<br />
tervalo, não apenas cresceu no número de tomos, mas se foi aper<br />
feiçoando à medida que surgiam novas edições.<br />
Em 1960, aparece a quarta edição do volume primeiro dessa<br />
obra, agora desdobrado em dois. Conta Espínola oitenta e cinco<br />
anos. Apesar disso, não esmorece, tanto que no prefácio dessa<br />
edição expõe o plano definitivo do Sistema, a constituirse de doze<br />
volumes, dos quais faltavam apenas três. A idade, porém, obsta<br />
ao propósito. Disseme seu filho Fernando - meu colega no<br />
Serviço Jurídico do Banco do Brasil - que o pai, então nonage<br />
nário, desistira do empreendimento. O esforço lhe excedia às<br />
forças.<br />
Estancava o trabalhador infatigável. que, até aí, encontrara<br />
energias para, além dos livros, escrever artigos de doutrina, emitir<br />
pareceres, dirigir a revista «Direito», fundada por Clóvis Bevi<br />
lacqua.<br />
A 2 de maio de 1967, a morte o colhe no Rio de Janeiro, cidade<br />
"nde, nove anos antes, ele, que dela não era natural, tinha a ventura<br />
de ver dado seu nome à praça contígua ao Tribunal de Justiça.<br />
Desaparecia o remanescente da «famosa trindade» dos civilis<br />
tas brasileiros. Primeiro, Clóvis; depois, Lacerda de Almeida; por<br />
fim, Eduardo Espínola.<br />
Hoje, se vivo, completaria cem anos .<br />
29
Discurso do Dr. Henrique<br />
Fonseca de Araújo,<br />
Procurador-Geral da República
Senhor Presidente. Senhores Ministros.<br />
Ao ensejo do centenário do nascimento de Eduardo Espínola.<br />
que hoje transcorre. presta-lhe este Colendo Tribunal. do qual foi<br />
presidente por cinco anos. justa e merecida homenagem. reverenciando<br />
a memória do grande magistrado e insigne jurista.<br />
Suas obras e seus votos estão aí a atestar a fecundidade de seu<br />
espírito. a profundeza de seus conhecimentos jurídicos. especialmente<br />
no campo do Direito Civil. onde a abundância da obra corre paralela<br />
com a sabedoria que nela se demonstra.<br />
Se aceitarmos a observação de DE PAGE de que ninguém<br />
se faz verdadeiro jurista sem ser consumado civilista. ninguém.<br />
mais do que Eduardo Espínola mereceu o título de Jurista.<br />
E. na verdade. o seu caráter de civilista. não o escravizou ao<br />
campo do direito privado. antes permitiu que. com a mesma competência.<br />
cuidasse de outros ramos da ciência jurídica. do Direito<br />
Processual ao Direito Constitucional.<br />
Daí. os louvores que colheu com a elaboração do Código de<br />
Processo Civil e Penal para o seu Estado natal. um dos primeiros<br />
da República. e talvez o único que ainda hoje recebe os justos louvores<br />
dos nossos grandes processualistas. não só porque se antecipava<br />
à visão unitária do processo. como porque lhe deu tratamento<br />
científico. dele dizendo o Ministro Amaral Santos que traduzia<br />
«o pensamento renovador e científico que. desde meados do<br />
século passado. se incutira ao processo na Alemanha».<br />
Dos comentários que a ele dedicou. disse serem «explendidos».<br />
o nosso professor Frederico Marques. e do seu autor acrescentou<br />
33
Arruda Alvim, ter sido «um dos maiores juristas que teve o Brasil»,<br />
não lhe regateando aplausos o Ministro Aliomar Baleeiro, quando<br />
depois de referir a prévia viagem de Espínola à Alemanha, disse<br />
de sua obra que «conciliava a herança jurídica dos praxistas portu<br />
gueses com as modernas Ordenações Processuais da Alemanha e<br />
da Áustria, incluindo inovações, como as citações postal e telegráfi<br />
ca, então inusitadas».<br />
Mas, na sua longa e profícua trajetória pelas letras juridicas,<br />
o Direito Constitucional seria também objeto de curiosidade inte<br />
lectual e, conseqüentemente, dos ensinamentos de Eduardo Es<br />
pínola.<br />
Daí, em 1946, já aposentado por implemento de idade, o seu<br />
«Direito Político e Constitucional Brasileiro», subtítulo que deu aos<br />
estudos sobre «A Nova Constituição do Brasil» onde, todos os<br />
comentários são feitos à luz de suas convicções democráticas, de<br />
respeito à lei e à liberdade, em que o Estado não se apresenta como<br />
um fim, mas o meio em que o homem deve encontrar condições<br />
para sua plena realização, traduzindo a concepção do Estado de<br />
Direito.<br />
Podese mesmo afirmar ter sido uma constante em sua vida<br />
a preocupação com que o Direito, mesmo o direito privado, não<br />
fosse instrumento de um individualismo sem entranhas, mas, posto<br />
a serviço do homem como ser social.<br />
Abordando o problema da teoria da imprevisão, ou da revivescência<br />
da cláusula «rebus sic stantibus», dizia Eduardo Espín<br />
doIa que, se é certo repousar o contrato na boafé das partes, no<br />
predomínio da intenção da declarante e na relativa equivalência das<br />
prestações, não menos certo é que «nos casos em que, por efeito<br />
de acontecimentos como a guerra, se torne sobremaneira. gravosa<br />
a situação do devedor, não corresponde à boa fé, à intenção que<br />
teve o mesmo devedor (e também o credor) ao declarar sua vontade,<br />
nem à correspondência proporcional da prestação e da contraprestação,<br />
obrigar ao cumprimento rigoroso e completo duma<br />
obrigação, cuja agravação fora imprevista».<br />
34
Apreciando os problemas da interpretação das leis ressaltava.<br />
na mesma linha de coerência. o papel do juiz. ao dizer que. «na<br />
verdade, a Constituição e as leis têm o alcance. as finalidades e a<br />
virtude que lhes confere a interpretação dos que. na organização<br />
políticosocial, exercem a função de aplicálos coercitivamente».<br />
lembrando que «a letra em si é inexpressiva, a palavra como con<br />
junto de letras em combinação de sons só tem sentido pela idéia<br />
que exprime, pelo pensamento que encerra, pelas emoções que des<br />
perta», pois, invocando Benjamin Cardozo. «a forma não é alguma<br />
coisa que se acrescente à substância. como num ornamento protube<br />
rante: fundemse uma e outra em perfeita unidade».<br />
«Mas - lembrava - os juízes são homens. cujas opiniões e<br />
convicções obedecem à influência dos elementos que concorrem<br />
para a formação de seu espírito e se modificam à mercê das vicissi<br />
tudes da vida - estudos. reflexão. experiência». assim justificando<br />
as divergências da interpretação até no mesmo tribunal. ou do<br />
mesmo juiz em decisões sucessivas». para ressaltar. porém. a ver<br />
dade contida na afirmação de Hughes de que «a Constituição é<br />
o que os juízes dizem que ela é».<br />
Em seus dicursos. não deixou nunca de ressaltar o extraordi<br />
nário papel da justiça brasileira. para proclamar que dela não se<br />
podia dizer o que afirmava Pierre Le Paulle. em 1934. ao advertir<br />
que «o francês perdera. há muito tempo. a confiança. atribuindolhe<br />
seu preço seguidamente exorbitante. sua lentidão. sua impotência<br />
e sua fraqueza». para, então proclamar:<br />
«Jamais faltou à justiça brasileira o apoio social. jamais se<br />
lhe desmereceu a boa fama. se lhe pôs em dúvida a energia. a<br />
independência, e sobretudo lhe negou prestígio a classe dos advoga<br />
dos». lembrando que certa época. apesar do atraso nos julgamentos<br />
do Supremo Tribunal. pelo acúmulo de serviço, a despeito das<br />
sugestões para que as partes confiassem a decisão de seus litígios<br />
ao juízo arbitral. com indicação dos mais eminentes juristas. nem as<br />
partes e seus patronos declinaram. em caso algum. do julgamento<br />
do Supremo Tribunal.<br />
35
Fiel ao Direito e à Liberdade. proclamava ainda em 1944. no<br />
Relatório das atividades desta Alta Corte de Justiça:<br />
«Nada mais justo nos é do que podermos afirmar que, a des<br />
peito das vicissitudes e anormalidades desse período tumultuário<br />
e aflitivo em que as forças da Democracia, no mundo inteiro se<br />
empenham em repelir as bárbaras agressões e aniquilar as ambições<br />
e violências dos totalitários. que os tribunais brasileiros continuaram<br />
com toda a serenidade a exercer as suas importantes funções,<br />
revelando plena eficiência e obtendo perfeito acatamento de suas<br />
decisões, como atestam, no tocante expressamente a este Supremo<br />
Tribunal. as numerosas ordens de «habeas corpus» concedidas e<br />
intransigentemente cumpridas».<br />
No mesmo diapasão, dissera antes, em 1943. em plena Segunda<br />
Guerra Mundial. ao agradecer homenagem do Congresso Jurídico<br />
N acionaI. reunido no Rio de Janeiro:<br />
«Muito se fala hoje em crise do direito. cumpre todavia não<br />
desvirtuar os fatos: o que verificamos nesta fase trágica da história<br />
é a violação mais brutal de todos os princípios de direito; é a prática<br />
incontida de atos criminosos, os mais desumanos e revoltantes; é<br />
o vandalismo sem freios, numa vesânica volúpia de sangue. massa<br />
cre e destruição. Contudo. tal é o presígio do Direito que os<br />
bárbaros criminosos invocam. para acobertar as suas monstruosi<br />
dades. as próprias regras jurídicas que infringem e espezinham<br />
numa loucura implacável».<br />
Por fim. comentando a Constituição de 1946. louvavalhe o<br />
espírito e a orientação, advertindo quanto ao papel preventivo de<br />
qualquer Constituição, para conjurar as crises no momento em que<br />
surgirem, pois - acrescentava - «se a vida dos povos se desen<br />
rolasse como numa tarde azul. sem nuvens. não haveria necessidade<br />
de constituições. tribunais, exércitos e tantas instituições nascidas<br />
'da certeza de que perigos potenciais nos tocaiam no futuro; alguns<br />
desses riscos são conhecidos. outros. porém. imprevistos. brotarão<br />
da própria evolução social».<br />
Aí. em todas essas passagens. de uma longa vida. está refletido<br />
o jurista e o magistrado. que honrou esta Corte com sua presença<br />
36
por 14 anos. sendo cinco como seu Presidente. e que hoje. no<br />
centenário de seu nascimento lhe presta justa homenagem.<br />
A ela não poderia ficar alheio o Ministério Público. que por<br />
meu intermédio manifesta também sua adesão. pois vale lembrar<br />
que. entre outros tantos títulos que assinalam a trajetória do Ministro<br />
Eduardo Espínola - refletindo todos seu amor ao Direito<br />
e à Justiça - se inclui o de ter honrado também o Ministério Público<br />
de sua terra natal. como um de seus mais ilustres integrantes.<br />
Infelizmente. não me permitiu o destino satisfazer minha vontade<br />
de conhecê-lo. pessoalmente. pois. com Clóvis Bevilácqua.<br />
marcou pelo primeiro impacto. os meus estudos de Direito Civil.<br />
iniciados em 1930. ao ingressar na Faculdade de Direito. Chegara<br />
a aprazar a visita. a que seria levado por seu extremoso filho. o<br />
ilustre Desembargador Espínola Filho. a quem conheci quando em<br />
visita ao meu Estado. dias antes da sua trágica morte. Irrealizado<br />
o desejo. ficou. porém. a admiração que o tempo só fez crescer.<br />
por esse Magistrado extraordinário. talvez. no dizer do eminente<br />
Ministro Aliomar Baleeiro. o maior civilista que passou por esta<br />
colenda Corte. a quem a fidelidade ao Direito e o amor à Justiça.<br />
o inscrevem entre os vultos dignos da admiração não só dos juristas<br />
e homens do Direito. mas. também. de toda a coletividade brasileira.<br />
37
Discurso do Prof. Caio Mario da<br />
Silva Pereira, Presidente do Conselho Federal<br />
da Ordem dos Advogados do Brasil
Senhor Presidente, Senhores Ministros:<br />
Mestre de Direito, como escritor, como JUIZ, como professor,<br />
Eduardo Espínola preencheu uma época, integrando-se naquela<br />
geração que veio do século passado, e pôde sintonizar-se no ritmo<br />
construtor do direito novo, preparando o advento da escola civilista<br />
mais moderna do País. Inteligente, culto, operoso, ombreou sem<br />
desvantagem com os grandes nomes do seu tempo. E sua obra,<br />
sólida, segura, bem lastreada no rigor de uma erudição esplêndida,<br />
sobrevive ao seu passamento, como lição a quantos adentram em<br />
profundidade na seara civilista, como documentário das tradições,<br />
como exposição singela e clara, como sintonia para os horizontes<br />
ainda não de todo percorridos.<br />
Professor na Faculdade de Direito da Bahia em 1902, ocupou<br />
com brilho e sapiência a cátedra que por concurso conquistou.<br />
Escreveu desde a aurora do século. Exerceu a judicatura<br />
nesta Corte no período compreendido entre a vitória da Revolução<br />
de 1930 e o termo da 11 Guerra Mundial. Representa, assim,<br />
uma geração que singrou o mar tranqüilo do individualismo jurídico<br />
herdado do século XIX, e enfrentou uma das épocas mais conturbadas<br />
e difíceis da História Brasileira.<br />
Quando se investiu nas elevadas funções de Ministro do Supremo<br />
Tribunal Federal, vinha precedido de sólido renome, e aí<br />
ingressou, carregando o peso de bagagem segura.<br />
Lançando em 1908/1912 seu «Sistema de Direito Civib, revela<br />
a segurança do jurista que haveria de enriquecer a bibliografia<br />
nacional pelo tempo afora. Sobretudo, faz de logo prognosticar<br />
11
o ordenamento seguro de seu espírito lógico. que se não satisfaria<br />
com o pendor ens'aísta de muitos escritores. que dispersam o fulgor<br />
de sua inteligência em relâmpagos de brilho intenso. porém fugaz.<br />
sem contudo levantarem edifício sólido de obra estruturada e uniforme.<br />
Em 1915 empresta a autoridade de seu nome e a contribuição<br />
de sua cultura fi elaboração dos Códigos de Processo Civil e Penal<br />
de seu Estado.<br />
O Código Civil. publicado em 19 de janeiro de 1916. convoca<br />
os letrados para a sua explicação. o seu comentário. a análise de<br />
seu conteúdo . Eduardo Espínola não fugiria a esta arregimentação.<br />
Comparece. não como recruta a ensaiar passos desarticulados.<br />
porém como um civilista consciente. jurista experimentado.<br />
posto que ainda exuberante de juventude.<br />
Em 1919. ano em que se transferiu para o Rio. como advogado.<br />
deu a público o primeiro volume de outra obra sistemática. com a<br />
denominação modesta de «Breves Anotações ao Código Civil». que<br />
de «breves» traziam em verdade. a par de sua modéstia. o espírito<br />
de síntese de seu autor, pois que lhes não faltava a profundeza já<br />
fixada. Eliminado o objetivo minimizante. prossegue a obra como<br />
«Anotações ao Código Civil Brasileiro». em mais dois tomos. editados<br />
em 1922 e 1929. abrangendo o direito obrigacional e o de<br />
família .<br />
No intermezo destes três volumes. lança-se em outra seara.<br />
desbordando para nova disciplina. e oferece aos estudiosos. em<br />
1925. seus «Elementos de Direito Internacional Privado». de certo<br />
modo precursor no seu desenvolvimento. que haveria de atrair mais<br />
tarde outros espíritos de escol. como Clóvis Bevilácqua. Amilcar<br />
de Castro. Haroldo Valadão. Oscar Tenório, Tito Fulgêncio. Rodrigo<br />
Otávio. tal qual noutras plagas inspiraria Armanjou. Batifol.<br />
Savatier Despagnet. Goodrich, Arthur Kuhn. sem falar na obra<br />
alentada. profunda e clássica de Laurent.<br />
Em 1928 representa o Brasil na VI Conferência Panamericana.<br />
responsável pelo Código Bustamante .<br />
42
Sua posse nesta Alta Corte, em 13 de maio de 1931, coincide<br />
com uma nova fase da vida política brasileira, e uma renovação<br />
contínua dos valores jurídicos. A Revolução vitoriosa de 1930<br />
afirma seu sentido reformista e envereda pela produção legislativa,<br />
em todos os rumos, cuidando como todo movimento social profundo,<br />
de modelar os relacionamentos humanos na sua craveira, exigindo<br />
assim do jurista e do juiz constante esforço de atualização . Uns,<br />
de natureza misoneísta, resistem e se desalentam. Outros pro<br />
curam adaptarse. E é de ver, pois, o novo Ministro, assimilando<br />
aquela produção legiferante, que intentava criar um novus ordo,<br />
desatando os vínculos que a política legislativa tradicional se es<br />
forçava por conservar.<br />
O Supremo Tribunal Federal. constituído no modelo da Corte<br />
Suprema dos Estados Unidos, não podia, como não pode, abdicar<br />
da sua condição de tribunal político. Político no bom sentido, no<br />
sentido aristotélico, naquela acepção elevada e sem partidarismo,<br />
que em outro cenário e em termos altissonantes Rui Barbosa de<br />
senvolvera na Conferência de Haia.<br />
Se o impulso criador e construtivo modelava para a Pátria um<br />
direito novo, rompendo contra o severo e resistente individualismo<br />
advindo do século passado, insuflando no sistema jurídico nacional<br />
mentalidade mais condizente com os reclamos de uma sociedade<br />
conscientizada pelos impactos profundos da Guerra e da reestru<br />
turação de apósguerra, ao Supremo Tribunal haveria de caber a<br />
missão que os seus julgados atestam, de imprimir ordem, segurança<br />
e uniformidade ao quase caos da enorme legislação extravagante,<br />
coibindo os excessos dos que se embalavam demais no sonho trans<br />
formista, e estimulando a inércia reacionária dos que se enraizaram<br />
em demasia nos conceitos superados.<br />
Na zona de equilíbrio das duas correntes, a Corte sintonizava<br />
se nos propósitos do que eu mesmo, em 1962, haveria de qualificar<br />
de Reformulação da Ordem Jurídica, em discurso programa no<br />
Instituto dos Advogados Brasileiros, quando me foi conferida a<br />
medalha Teixeira de Freitas. Não caberia aqui, por certo, men<br />
donar, e muito menos analisar, mesmo por amostragem, o que o<br />
43
direito brasileiro se transformou naquela quadra. Lei de usura.<br />
Código de Minas. Código de Águas. Leis de reajustamento<br />
economlCO. Abolição das prescrições aquisitivas de bens públicos.<br />
Prescrição do direito de ação contra a Fazenda Pública. Lei de<br />
Luvas.<br />
Foi neste período que nasceu a Ordem dos Advogados. aos<br />
18 de novembro de 1930. e que receberia o seu primeiro Estatuto.<br />
no Decreto 20. 784. de 14 de dezembro de 1931.<br />
N esta quadra Eduardo Espínola é aqui recebido e sente a<br />
austeridade dos seus pares. que compreenderam tão bem as responsabilidades<br />
que lhes pesavam pela unidade do direito e pela<br />
harmonização de sua hermenêutica. Integra-se nesta Corte que<br />
sem descrer de suas origens. engajava-se numa reestruturação normativa<br />
que exigia de seus membros afeiçoar-se a uma nova conceptualística<br />
.<br />
Mas foi neste Supremo Tribunal Federal que Eduardo Espí<br />
nola. auscultando as vozes interiores de sua consciência. compenetra-se<br />
da grandeza da função judicante. e da mais elevada função<br />
do Direito. como instrumento de vida social. como dá notícia o seu<br />
Prefácio à obra de Castro Nunes sobre o Mandado de Segurança.<br />
Sem a avalanche pletórica de processos que haveriam de assoberbá-lo<br />
mais tarde. o Supremo Tribunal Federal defronta-se com<br />
as mutações que a História das Instituições Políticas e Jurídicas do<br />
País receberia. durante o lapso de tempo que durou a investitdura<br />
de Eduardo Espínola. Aqui percutiu o termo do liberalismo da<br />
Constituição Republicana de 1891. que a chamada «Lei Orgânica<br />
da Revolução» encerrou com o Decreto 19. 398. de 11 de novembro<br />
de 1930. rompendo com os padrões da República Velha. Respeitando<br />
as relações jurídicas entre particulares. e os direitos resultantes<br />
das avenças e das concessões vigentes. declarou o seu artigo<br />
59 suspensas as garantias constitucionais. e excluiu da apreciação<br />
judicial os Decretos e Atos do Governo Provisório e dos interventores<br />
estaduais. que somente àquele decreto deviam fidelidade.<br />
E veio a mole imensa de diplomas. que uma ausência de orien-
tação técnica enfeixava na categoria única de decretos, ao mesmo<br />
tempo dotados de força regulamentar, de poder legislativo e de<br />
conteúdo constitucional .<br />
É difícil imaginar como os espíritos liberais, tais que Eduardo<br />
Espínola, educados no respeito às garantias e prerrogativas consa<br />
gradas na Carta Maior da 1 República, se amoldavam ao contexto<br />
de uma legislação que lhes torturava os ideais da mocidade, e atin<br />
giam a estrutura de sua formação de juristas.<br />
Reconstitucionalizase o País, retornando, numa espécie de<br />
movimento pendular, a um liberalismo à outrance, resultado talvez<br />
de uma ausência de sensibilidade política dos que elaboraram a<br />
Constituição de 1934, que no seu idealismo abstracionista, não<br />
perceberam que erigiam um dique demasiado frágil para conter a<br />
maré montante dos extremistas de direita, em plena floração na<br />
Itália, em seguida na Alemanha e depois na Espanha, e que tão<br />
amargamente atirariam, no escolho estadonovista, a frágil embar<br />
cação liberal brasileira.<br />
Veio, então, a Carta outorgada de 10 de novembro de 1937,<br />
alinhando o Brasil entre os regimes autocráticos do ocidente, pe<br />
sando sobre esta Corte com a densidade de uma cerração, que a<br />
oprimiria por tantos anos. Propriedade privada atingida. Leis<br />
de exceção aplicadas. Acórdão da Corte anulado por ato do chefe<br />
do Poder Executivo. Lei amargamente retroativa, a pretexto de<br />
regular as heranças jacentes, mas com a finalidade imediata de<br />
alcançar uma sucessão já aberta. Restrição ao valor das indeni<br />
zações expropriatórias, ora determinando o limite de preço vinculado<br />
ao valor locatício, ora estabelecendoo certo e imutável. numa pré<br />
fixação aberrante da concepção doutrinária mais certa.<br />
Este Supremo Tribunal Federal. com a argúcia de uma juris<br />
prudência construtiva, aplicava essa legislação, opondo, contudo,<br />
na medida de suas forças, e nos limites de suas atribuições, resis<br />
tência ao longo do tempo. Consciente de sua função política,<br />
atravessou o período que veio da Revolução de 1930 ao termo do<br />
Estado Novo, sem perder a sua categoria de Corte Suprema. Su<br />
45
prema pela grandeza de suas decisões. Suprema pela estatura<br />
de seus juízes. Contemporâneos de Eduardo Espínola, solenes e<br />
graves, foram Hermenegildo de Barros, Laudo de Camargo, Costa<br />
Manso, Otávio Kelly, Carvalho Mourão, Plínio Casado, Rodrigo<br />
Otávio, Edgar Costa, Filadelfo Azevedo, Goulart de Oliveira, Ani<br />
bal Freire, Castro Nunes, José Linhares, Cunha Mello, Ataulfo<br />
de Paiva, Firmino Whitaker, que menciono exemplificativamente<br />
e sem preocupações de ordem cronológica, destacando em especial<br />
dois nomes que atingiram culminâncias nesta Casa, e que eu par<br />
ticularmente homenageio: Edmundo Lins e Orozimbo Nonato, pela<br />
aliança de sangue que me liga ao primeiro e afinidades espirituais<br />
que me prendem ao último, meu amigo e meu mestre.<br />
Brilhante entre os grandes, Eduardo Espínola aposentouse na<br />
Presidência desta Corte em 1945.<br />
Reportandose às «Breves Anotações» de sua mocidade, que<br />
as «conveniências da cátedra» lhe sugeriram desenvolver, para<br />
melhor esclarecer as «novas regras de nossa legislação civil», como<br />
ele próprio escreve à guisa de prefácio, empreende elaborar, com<br />
seu ilustre filho, um «Tratado de Direito Civil Brasileiro», cujo<br />
volume I é lançado em 1939, objetivando a sua «introdução», o qual<br />
lhe «pareceu indispensável para acentuar a natureza do fenômeno<br />
jurídico e expor as noções preliminares, que deve ter todo aquele<br />
que se proponha a estudar a disciplina difícil e complexa do direito<br />
civil» (Prefácio, pág. 8, do seu «Tratado») . Prossegue este livro,<br />
nos seus alentados volumes, no qual guarda fidelidade à técnica<br />
de elaboração de suas demais obras com a exposição de segura<br />
doutrina, acusando em extensas notas de rodapé a sua enorme<br />
erudição, ao mesmo tempo que dá o testemunho de seu imenso<br />
labor como juiz da Corte, registrado nos votos que transcreve lon<br />
gamente.<br />
A aposentadoria não o levou a desfrutar o merecido otium cum<br />
dignitate de que falava Cícero. Prosseguiu trabalhando .<br />
E já naquela idade em que tantos se entregam ao desencanto<br />
da senilidade, ainda oferece à literatura jurídica do País o opulento<br />
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livro «Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro» publicado<br />
em 1953, e no ano seguinte «A Família no Direito Civil<br />
Brasileiro», ambos consagrando a segurança da doutrina, amparada<br />
em vigorosa cultura, e ventilada pelas inovações mais recentes.<br />
Bem haja, pois, o Supremo Tribunal Federal quando interrompe<br />
por um instante a sua faina de sisifo, para homenagear o grande<br />
juiz, o grande lente, o grande escritor.<br />
Mais do que nunca, é necessário cultuar as figuras grandiosas<br />
de nosso passado histórico . Mais do que sempre é indispensável<br />
que o Advogado esteja presente nestas horas de esplêndida grandiosidade<br />
cívica.<br />
A Ordem dos Advogados do Brasil associa-se a estas homenagens<br />
centenárias. Assim procedendo, faz justiça a quem justiça<br />
fez, na exação de seu critério e na elevação de seu saber.<br />
Os Advogados do Brasil sempre enxergaram neste Tribunal<br />
Augusto o guardião das liberdades públicas. Assim o considerou,<br />
no seu proselitismo evangélico, o patrono de minha classe, Rui<br />
Barbosa, que bateu a estas portas sempre, sustentando os princípios<br />
que esta Casa afirmou na construção e na consolidação da República.<br />
Assim o proclamo eu, não pela minha própria autoridade,<br />
consciente que sou da modéstia de minha vida profissional, porém<br />
na condição de me encontrar, nesta eventualidade, na Presidência<br />
da entidade maior da minha classe.<br />
No confronto com a Corte Suprema dos Estados Unidos da<br />
América do Norte, este Supremo Tribunal Federal não perde em<br />
grandeza e em expressão, no contexto das instituições republicanas.<br />
Da SUa congênere norte-americana, enuncia Martin Shapiro<br />
a variada gama de poderes, correlatos às numerosas funções em<br />
áreas específicas :<br />
«It is therefore impossible to speak in the abstract<br />
of the power or functions of the Suprem e Court. The<br />
Supreme Court, like other agencies, has different powers<br />
and different functions depending upon who wants it to do<br />
47
what, when, and in conjunction with or opposition to<br />
what other agencies or political forces» .<br />
MARTIN SHAPIRO, Law and Politics in the Su<br />
preme Court, pag . 2.<br />
Dentre aqueles poderes e estas funções. ressalta a definição de<br />
que a Corte Suprema age como construtora de uma ciência política<br />
- «the Court as Political Scientist».<br />
Também aqui, e deste Tribunal, disse Aliomar Baleeiro:<br />
«Cúpula de todos eles, o Supremo carrega por pre<br />
cípua missão a de fazer prevalecer a filosofia política da<br />
Constituição Federal ... ».<br />
ALIO MAR BALEEIRO. O Supremo Tribunal Fe<br />
deral Esse Outro Desconhecido, pág. 103.<br />
I<br />
Nós outros. advogados. não nos quedamos inertes e omissos,<br />
diante da fenomenologia jurídica, antes estamos presentes neste<br />
esforço de construção política e democrática, pleiteando e defen<br />
dendo. Tal como na grande república do norte, podemos dizer,<br />
sem falsa modéstia :<br />
«The true function of the lawyer. then. is to guide<br />
the deve10pment of popular selfgovernment rather than<br />
oppose it; to throw his energy and intelligence as a social<br />
engineer into the construction of equitable methods of<br />
administration rather than sabotage cooperative effort with<br />
shibboleths and slogans. Law and justice have c1aimed<br />
some of the best intellects history has produced . That<br />
these be turned to constructive rather than obstructive<br />
efforts is essential to the survival of democracy.<br />
BENJAMIN R. TWISS, Lawyers and the Cons<br />
titution, pág. 264.<br />
Conscientes da nossa missão histórica. convictos, na palavra<br />
do publicista americano, de que os advogados são antes os guias<br />
48
do que oponentes do desenvolvimento do governo do povo; de que<br />
somos antes construtores do que obstrucionistas. e essenciais à so<br />
brevivência da democracia. a Ordem dos Advogados do Brasil<br />
reafirma perante o mais alto Tribunal do País. e proclama perante<br />
esta Corte. guardiã das liberdades públicas asseguradas na Cons<br />
tituição. a sua imensa fé em que ela saberá preserválas. e a sua<br />
indefectível confiança na restauração plena das instituições demo<br />
cráticas.<br />
49
Palavras do Ministro Presidente<br />
Djaci Falcão, encerrando a sessão
As justas e expressivas alocuções proferidas pelo eminente<br />
Ministro MOREIRA ALVES, pelo digno Procurador HENRIQUE<br />
FONSECA DE ARAúJO e pelo eminente Professor CAIO MA<br />
RIO DA SILVA PEREIRA constarão da Ata, como registro in<br />
delével do nosso permanente respeito e gratidão, ao notável e sau<br />
doso Ministro <strong>EDUARDO</strong> ESPINOLA.<br />
As autoridades que nos honraram com a sua presença, às Excelentíssimas<br />
Senhoras e demais pessoas que compareceram a esta<br />
sessão, os meus agradecimentos . Declaro encerrada a sessão.
DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL - 1976
DEPARTAMENTO DE IMPRENSA NACIONAL<br />
1976