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solidariedade - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

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SOLIDARIEDADE<br />

Pe. Ri-<br />

c a r d o<br />

Rezen<strong>de</strong><br />

Figueira,<br />

vigário <strong>de</strong><br />

Rio Maria-<br />

PA e fre-<br />

qüentador<br />

assíduo das<br />

listas <strong>de</strong><br />

homens<br />

marcados<br />

para morrer<br />

no sul do<br />

Pará tomou-se um símbolo vivo dos<br />

trabalhadores rurais <strong>de</strong>ssa região.<br />

Conhecido interna-cionalmente pela sua<br />

luta contra o trabalho escravo em fazendas<br />

da região, Pe. Ricardo tem <strong>de</strong>nunciado<br />

constantemente a violência sofrida por<br />

pequenos lavradores no sul do Pará. Nas<br />

palestras e seminários <strong>de</strong> estudos em países<br />

da Europa e nos Estados Unidos, nas<br />

entrevistas à imprensa nacional e<br />

internacional, nos livros publicados no Brasil<br />

e no exterior a <strong>de</strong>núncia tem sido sistemática.<br />

Rezen<strong>de</strong> tem sido uma voz sólida e<br />

permanente a falar em nome dos lavradores<br />

e a <strong>de</strong>nucniar a opressão.<br />

Em 1992 fez uma <strong>de</strong>núncia formal contra<br />

o governo brasileiro no plenário da ONU em<br />

Genebra, a convite da Fe<strong>de</strong>ração<br />

Internacional dos Direitos Humanos com<br />

se<strong>de</strong> em Paris, e também apresentou em<br />

nome da CPT (Comissão Pastoral da Terra)<br />

duas petições contra o governo brasileiro na<br />

Comissão dos Direitos Humanos da OEA.<br />

No ano passado voltou novamente a<br />

Washington para acompanhar o andamento<br />

das petições na OEA.<br />

Autor <strong>de</strong> "A JUSTIÇA DO LOBO"<br />

(Vozes, 1985, esgotado) e "RIO MARIA,<br />

O CANTO DA TERRA" (Vozes, 1992),<br />

escreveu com outros autores os livros<br />

"POETAS DO ARAGUAIA" (Cedi, 1983)<br />

e "IGREJA E QUESTÃO AGRARIA"<br />

(Loyola, 1985).<br />

Ricardo Rezen<strong>de</strong> conce<strong>de</strong>u esta<br />

entrevista à Solidarieda<strong>de</strong> Popular em<br />

21.03.94, pouco antes <strong>de</strong> voltar aos Estados<br />

Unidos on<strong>de</strong> estará Lançando seu livro " Rio<br />

Maria, o canto da terra."<br />

7. SOLIDAR: Como o Sr. vê a questão dos<br />

Direitos Humanos no Brasil?<br />

RICARDO: Vejo como uma das<br />

Pe. Ricardo Rezen<strong>de</strong>, o<br />

dispossuídos no sul<br />

ban<strong>de</strong>iras que <strong>de</strong>vem ser empunhados <strong>de</strong><br />

forma mais urgente. O Brasil tem convivido<br />

com <strong>de</strong>srespeito contínuos e a impunida<strong>de</strong> é<br />

uma ofensa aos homens, mulheres e crianças<br />

vítimas <strong>de</strong> arbítrios os mais variados. Fico<br />

feliz quando encontro tanto no país, como<br />

no exteior, grupos que voluntariamente<br />

<strong>de</strong>dicam parte importante do seu tempo por<br />

esta causa. Temos que construir uma nação<br />

on<strong>de</strong> o direito e a cidadania sejam o<br />

cotidiano, a normalida<strong>de</strong>.<br />

2. SOLIDAR: On<strong>de</strong> o Sr. i<strong>de</strong>ntifica os<br />

maiores focos <strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeito aos Diretos<br />

Humanos no país?<br />

RICARDO: Ele atinge a população mais<br />

carente economicamente e, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sta, a<br />

população negra é a primeira a ser atingida.<br />

O número <strong>de</strong> negros que mora em condições<br />

<strong>de</strong>sumanas, que são presos ilegalmente,<br />

assassinados com requintes <strong>de</strong> cruelda<strong>de</strong>,<br />

impedidos <strong>de</strong> penetrar no mundo do<br />

conhecimento ilustrado etc. Mas não atinge<br />

apenas aos negros. Os <strong>de</strong> outra cor, sendo<br />

pobres, também são vítimas <strong>de</strong> trabalho<br />

escravo, prostituição, dormem nas ruas. Há<br />

discriminações e <strong>de</strong>srespeitos em todos os<br />

níveis: é a empregada doméstica que não<br />

po<strong>de</strong> entrar no elevador social do edifício<br />

on<strong>de</strong> trabalha, o aidético que é <strong>de</strong>mitido do<br />

trabalho por preconceito, a mulher que é<br />

espancada, o preso que é torturado, grupos<br />

<strong>de</strong> assassinos matam nas cida<strong>de</strong>s e no campo,<br />

crianças e adultos...<br />

3. SOLIDAR: No campo, como está a<br />

questão dos Direitos Humanos?<br />

RICARDO: Passa à léguas do campo.<br />

A noção mínima <strong>de</strong> respeito não existe. Há<br />

latifúndios, pertencentes aos velhos coronéis<br />

ou a empresas mo<strong>de</strong>rnas, que tratam as<br />

pessoas da roça com toda cruelda<strong>de</strong>. Não se<br />

respeita qualquer lei trabalhista. Centenas<br />

são aquelas que trabalham sem carteira<br />

assinada, sem garantia <strong>de</strong> férias, décimo<br />

terceiro etc. Há ainda o sistema <strong>de</strong> barracão,<br />

on<strong>de</strong> em vez <strong>de</strong> dinheiro o trabalhador recebe<br />

gêneros alimentícios majorados nos preços,<br />

provocando um endividamento progressivo<br />

e se tomam cativos <strong>de</strong>stas dívidas. Muitas<br />

vezes há violência fisica. Se alguém tenta<br />

escapar, po<strong>de</strong> ser capturado, espancado e até<br />

morto. Outros assassinados na luta pela<br />

posse da terra, ou na organização sindical.<br />

4. SOLIDAR AReformaAgráriaresolveria<br />

os conflitos do campo?<br />

RICARDO: A Reforma Agrária é um<br />

conjunto <strong>de</strong> medidas que fariam <strong>de</strong>saparecer<br />

a longo prazo os problemas da fome, do<br />

abastecimento, do emprego do país e, mesmo,<br />

dos conflitos com tanta violência. Por outro<br />

lado sabemos que é um processo penoso. A<br />

oligarquia rural tem se mostrado<br />

extremamente truculenta e atrasada. Não<br />

quer per<strong>de</strong>r sequer os anéis.<br />

5. SOLIDAR: Por que o sul do Pará<br />

apresenta números tão alarmantes quanto<br />

ao número <strong>de</strong> camponeses mortos no<br />

campo?<br />

RICARDO: Por um conjunto <strong>de</strong> fatores:<br />

é área <strong>de</strong> penetração recente; o governo<br />

montou um programa financiado pela<br />

SUDAM que incentivou e financiou a<br />

concentração fundiária e a <strong>de</strong>struição do<br />

meio ambiente, através das <strong>de</strong>rrubadas<br />

imensas para se plantar capim, pois jamais<br />

houve apuração séria do trabalho escravo,<br />

dos homicídios ou julgamento dos<br />

responsáveis. O conflito da terra não se <strong>de</strong>u<br />

por aci<strong>de</strong>nte. Fez parte <strong>de</strong> um plano <strong>de</strong><br />

governo <strong>de</strong> ocupação do espaço. Há uma<br />

coincidência: on<strong>de</strong> há gran<strong>de</strong>s projetos<br />

governamentais, há tamb-im gran<strong>de</strong>s<br />

conflitos.<br />

6. SOLIDAR: Qual o papel dos Comitês Rio<br />

Maria no Brasil e no exterior?<br />

RICARDO: Logo após o assassinato<br />

<strong>de</strong> Expedito Ribeiro, na época presi<strong>de</strong>nte do<br />

Sindicato dos Trabalhadores Rurais,<br />

convocamos representantes dos diversos<br />

municípios do Sul do Pará e <strong>de</strong>cidimos pela<br />

criação dos Comitês. Havia um número tão<br />

gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> camponeses assassinados na<br />

região que era o momento <strong>de</strong> por um basta<br />

nisso. Um dos mecanismos seria fazer<br />

funcionar uma equipe <strong>de</strong> advogados que<br />

priorizariam os casos mais dramáticos e<br />

escandalosos, pois seria impossível<br />

labutarmos com todos os casos. Para se ter<br />

uma idéia: o latifúndio matou <strong>de</strong> maio 1980<br />

a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1993,204 pessoas. No nível<br />

jurídico também <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>amos operações<br />

<strong>de</strong> pressões: três pronunciamentos na ONU,<br />

em Genebra, e uma petição na O.E.A, em<br />

Washington. Mas as pressões passam pela<br />

instância das organizações não<br />

governamentais também. Os diversos<br />

comitês Rio Maria do país e do exterior<br />

passaram a suscitar e tecer <strong>solidarieda<strong>de</strong></strong><br />

para cornos lavradores, fazer campanhas <strong>de</strong><br />

cartas às autorida<strong>de</strong>s no sentido <strong>de</strong> agilizar<br />

os inquéritos e processos jurídicos. O livro<br />

A PROSTITUIÇÃO INFANTIL NO BRASIL<br />

Em São Paulo meninas prostitutas<br />

estão sendo usadas por traficantes para<br />

ven<strong>de</strong>rem drogas. Viciadas em crack<br />

(<strong>de</strong>rivada da cocaína) elas recebem esta<br />

perigosa droga em troca do serviço pelo<br />

transporte do entorpecente.<br />

No Nor<strong>de</strong>ste, <strong>de</strong>staca-se o<br />

pomoturismo, suiços, franceses e alemães<br />

vem ao Brasil para aproveitar dos pacotes<br />

turísticos que incluiriam uma passagem<br />

<strong>de</strong> vinda e duas <strong>de</strong> ida, sendo que a<br />

passagem extra seria para levar uma<br />

prostituta. Muitas <strong>de</strong>ssas garotas viveriam<br />

na condição <strong>de</strong> escravas na Europa, sendo<br />

que alguns pornoturistas querendo<br />

recuperar o dinheiro acabam empres-<br />

tando-as mediante o pagamento <strong>de</strong> seus<br />

amigos. Outros acabam caindo nas mãos<br />

<strong>de</strong> gigolôs e não mais conseguem sair.<br />

No Ceará turistas estrangeiros alugam<br />

casas luxuosas, atraindo garotas. Em<br />

Recife usam-se hotéis <strong>de</strong> cinco estrelas,<br />

quanto mais jovens, a prostituta, maior é<br />

o preço.<br />

Na Amazônia é comum a prática <strong>de</strong><br />

escravização <strong>de</strong> meninas, principalmente<br />

junto aos garimpos. Nesta região elas<br />

também são utilizadas, por traficantes <strong>de</strong><br />

drogas, lá existe como agravante a<br />

proximida<strong>de</strong> com os centros produtores<br />

da drogas.<br />

No Rio <strong>de</strong> Janeiro, acontece a<br />

prostituição <strong>de</strong> meninos, são envolvidos<br />

garotos <strong>de</strong> até 11 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Só que as<br />

<strong>de</strong>núncias na maioria das vezes são raras,<br />

pois as testemunhas, afirmam, em<br />

<strong>de</strong>poimentos sigilosos, que seriam mortas<br />

caso revelassem o nome dos agenciadores.<br />

Em São Paulo as pessoas que tentam<br />

ajudar as prostitutas a mudar <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino,<br />

correm perigo e são freqüentemente<br />

ameaçados <strong>de</strong> morte. A violência é o traço<br />

marcante, sendo qüè a policia quando não<br />

participa acaba sendo conivente com a<br />

situação. Em São Paulo, existe <strong>de</strong>núncias<br />

que garotas sofrem ataques <strong>de</strong> policias<br />

civis, militares e <strong>de</strong> guardas metropo-<br />

litanos, enquanto que na Amazônia existe<br />

provas do envolvimento da polícia com<br />

traficantes <strong>de</strong> meninas.<br />

Essas i nformações fazem parte da mior<br />

investigação produzida no país sobre<br />

prostituição infantil, comandada por uma<br />

CPI? Comissão Parlamentar <strong>de</strong> Inquérito),<br />

que <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> 9 meses <strong>de</strong> <strong>de</strong>poimentos e<br />

viagens, apresenta um diagnóstico sobre<br />

o assunto, essa CPI constatou que meninas<br />

<strong>de</strong> 8 anos já estão ven<strong>de</strong>ndo seu corpo.<br />

Durante as investigações, por exemplo,<br />

constatou-se que uma menina num<br />

garimpo na Amazônia, teve sua cabeça<br />

iecepada por um garimpieiro, pelo motivo<br />

<strong>de</strong>la ter-se recusado a fazer sexo.<br />

Arauto dos<br />

do Pará<br />

Rio Maria Canto da Terra foi publicado<br />

neste espírito. Como conseqüência a região<br />

se tomou um símbolo do problema fundiário<br />

e provocou discussão sobre a Reforma<br />

Agrária no país.<br />

7. SOLIDAR: No exterior qual a visão que<br />

se tem dos problemas fundiários do pais?<br />

RICARDO: Em geral se sabe pouco<br />

sobreoBrasil, cuja capital pxxferia ser Buenos<br />

Aires. Mas há, pxjr outro lado, inúmeros<br />

grupws ligados aos direitos humanos e ao<br />

meio ambiente que são muito melhor<br />

informados que a gran<strong>de</strong> parte do pwvo<br />

brasileiro. Encontrei alemão, norte-<br />

americano, inglês, fiancês etc. apaixonado<br />

por nossa terra. Estudam o pxatuguês, leêm<br />

sobre nosso país, publicam ca<strong>de</strong>rnos,<br />

boletins, revistas sobre questões relativas às<br />

violações dos direitos humanos, questões <strong>de</strong><br />

terra, índios, etc. Na França participai <strong>de</strong><br />

uma programação <strong>de</strong> 40 grupos <strong>de</strong><br />

<strong>Documentação</strong> e Informação do Terceiro<br />

Mundo que queriam discutir e fazer discutir<br />

os 500 anos da invasão em nosso continente.<br />

São em geral pessoas <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> boa vonta<strong>de</strong><br />

e espírito <strong>de</strong> <strong>solidarieda<strong>de</strong></strong> que<br />

voluntariamente se <strong>de</strong>dicam à esta causa.<br />

8. SOLIDAR: Qual a importância <strong>de</strong><br />

entida<strong>de</strong>s, como a SOLIDARIEDADE<br />

POPULAR, lutarem em <strong>de</strong>fesa dos<br />

DIREITOS HUMANOS?<br />

RICARDO: São importantes.<br />

Tornaram-se como a consciência da<br />

socieda<strong>de</strong>, ao colocarem o <strong>de</strong>do na ferida, ao<br />

cutucarem os pxxieres que se <strong>de</strong>compuseram<br />

em arbítrio, violência, <strong>de</strong>scaso. São um sopiro<br />

<strong>de</strong> oxigênio que reforçam os que militam em<br />

fronteiras <strong>de</strong> morte e medo, lutando pela<br />

vida e p)elo direito. Para isto é necessário<br />

muita fé. Aliás, frei Betto com muita<br />

felicida<strong>de</strong> afirma que o contrário do medo<br />

não é a coragem, mas a fé. Ou a fé num<br />

projeto utópico <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>ehomem,aoalém<br />

disso, num Deus que quer Homens e Mulheres<br />

livres <strong>de</strong> todas as opressões libertos.<br />

9. SOLIDAR: O que teria para dizer às<br />

seções da SOLIDARIEDADE POPULAR?<br />

RICARDO: Que tenho muita estima<br />

pela SOLIDARIEDADE POPULAR.<br />

Conheço diversos <strong>de</strong> seus membros, pxw<br />

quem tenho profundo respeito e admiração.<br />

Quero dizer ainda que a hora é <strong>de</strong> bastante<br />

teimosia, <strong>de</strong> arribar a esperança e insistir.<br />

CARTAS<br />

Rio Maria, 21.03.94<br />

Recebam minhas congratulações<br />

pelo Congresso. Quero expressar aos<br />

companheiros a minha convicção <strong>de</strong><br />

que a implantação da SOLIDA-<br />

RIEDADE POPULAR correspon<strong>de</strong> a<br />

mais justa e solidária.<br />

Permaneço ao inteiro dispor para<br />

integrar-me na direção apontada que<br />

se configura numa esperança, que<br />

aos poucos se vai concretizando, <strong>de</strong><br />

uma participação mais profunda do<br />

povo na realização <strong>de</strong> seus i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong><br />

dignida<strong>de</strong> e cidadania<br />

cordialmente<br />

Hélio Bicudo Dep. Fe<strong>de</strong>rai

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