Murilo Rubião e a narrativa do insólito. Flavio ... - Dialogarts - Uerj
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sidade. Assim, se no Maravilhoso a verdade é divinizada, aceita<br />
e única; no Fantástico é questionada diante de uma explicação<br />
lógica e outra sobrenatural; e no Realismo-Maravilhoso<br />
convivem muitas verdades como possíveis; na Pós-<br />
Modernidade, época esfacelada e esfacela<strong>do</strong>ra (Cf. GARCÍA,<br />
2006), a verdade não existiria.<br />
Relacionan<strong>do</strong>-se, então, fortemente ao “fantástico”, mas<br />
recrian<strong>do</strong> à moda de seu tempo os mecanismos que o estruturam,<br />
<strong>Rubião</strong>, entre outros, poderia fazer parte de um novo gênero:<br />
o Insólito Banaliza<strong>do</strong>. Um <strong>do</strong>s traços característicos deste<br />
novo gênero proposto que está presente em na obra de <strong>Murilo</strong><br />
<strong>Rubião</strong> é a reação de aceitação das personagens em face <strong>do</strong>s<br />
eventos <strong>insólito</strong>s, tornan<strong>do</strong> corriqueiro, e nesse senti<strong>do</strong> banal.<br />
O fato, por exemplo, de um homem ir tornan<strong>do</strong>-se transparente<br />
ou de uma mulher dar a luz com intervalos de até vinte dias a<br />
“ninhadas” de quatro a cinco bebês.<br />
De posse da informação de que <strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> reescrevia<br />
incessantemente seus contos, alteran<strong>do</strong> partes das histórias,<br />
seus finais e títulos, pode-se dizer que o “<strong>insólito</strong>” de sua obra<br />
começa já em seu processo de gestação. Essa constante reelaboração<br />
poderia ser associada ao desejo que o autor mesmo explicita<br />
de não terminar a história, recorren<strong>do</strong> assim a uma circularidade<br />
para que ela continue de forma diferente a partir de<br />
quem lê.<br />
De fato, <strong>Rubião</strong> aposta no leitor ao construir sua <strong>narrativa</strong>,<br />
desafian<strong>do</strong>-o a to<strong>do</strong> o momento não só pela inserção de<br />
eventos extraordinários, também pela organização discursiva<br />
<strong>do</strong>s acontecimentos, geralmente inician<strong>do</strong> in media res e com<br />
final em aberto, sem um desfecho. Semelhantemente, algumas<br />
construções <strong>do</strong> tempo desrespeitam uma ordem física lógica,<br />
projetan<strong>do</strong> a ação <strong>do</strong> presente para o passa<strong>do</strong> ou para o futuro,<br />
e até fazen<strong>do</strong> esses tempos coexistirem. Mas é já na abertura<br />
<strong>do</strong>s contos que encontramos pistas sólidas daquilo que se configurará<br />
como <strong>insólito</strong>.<br />
<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />
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Dos 33 contos que totalizam a obra rubiana, 16 deles<br />
contêm em seu título nomes de personagens. Metade desses<br />
não apresenta nenhum determinante, como “Elisa”, “Aglaia” e<br />
“Bárbara”. Alguns trazem apostos ou outras expressões adjetivas<br />
próprias <strong>do</strong>s personagens, como “Teleco, o coelhinho” ou<br />
“O bom amigo Batista”. Há os que se referem indiretamente<br />
aos nomes que apresentam, focalizan<strong>do</strong>, na verdade, temas liga<strong>do</strong>s<br />
a eles, como “Memórias <strong>do</strong> contabilista Pedro Inácio” ou<br />
“Os três nomes de Go<strong>do</strong>fre<strong>do</strong>”. Outros trazem epítetos para<br />
personagens, cujos nomes não são expressos, como “O exmágico<br />
da taberna minhota” ou “A noiva da casa azul”.<br />
Os demais, como é de se esperar de um título, indicam<br />
elementos <strong>do</strong>s contos, conten<strong>do</strong> ou não expressões explicativas:<br />
“A fila”, “A cidade”, “A casa <strong>do</strong> girassol vermelho”, “A<br />
flor de vidro”. Observe-se que as especificações presentes nestes<br />
títulos vão de encontro ao senso comum ao levantarem a<br />
hipótese da existência de um girassol de cor vermelha ou de<br />
uma flor feita de vidro.<br />
Assim, a construção <strong>do</strong>s títulos em <strong>Rubião</strong> pode ser<br />
considerada o primeiro elemento indica<strong>do</strong>r <strong>do</strong> <strong>insólito</strong>, consideran<strong>do</strong><br />
que sempre sinaliza, se não para o próprio evento, para<br />
algo ou alguém relaciona<strong>do</strong> a ele. Em “Alfre<strong>do</strong>”, inferin<strong>do</strong>, a<br />
partir <strong>do</strong> título, que o conto trará a história de um homem, o<br />
leitor descobre que sua hipótese só será em parte confirmada:<br />
Alfre<strong>do</strong> é um homem que se transformou em porco, em nuvem,<br />
no verbo “resolver” e, por fim, em dromedário, migran<strong>do</strong> para<br />
a serra a fim de isolar-se da sua antiga espécie.<br />
Em “Os Dragões”, a julgar somente pelo título, poderíamos<br />
admitir a possibilidade de um conto maravilhoso, em cujo<br />
cenário é comum encontrarmos seres como fadas, bruxas,<br />
duendes, monstros etc. Ocorre que os dragões rubianos aparecem<br />
em uma cidade urbana, mais especificamente na vida de<br />
um professor – o narra<strong>do</strong>r <strong>do</strong> conto – que chega a a<strong>do</strong>tar um<br />
deles mediante o aban<strong>do</strong>no social dessa raça na cidade onde<br />
<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />
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