Murilo Rubião e a narrativa do insólito. Flavio ... - Dialogarts - Uerj
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ser essenciais, fazen<strong>do</strong>-se centro das ações textuais e, conseqüentemente,<br />
insubtraíveis; b) podem ser ocasionais, sen<strong>do</strong> apenas<br />
elementos que dialogam com a estrutura e sua retirada<br />
não se reverte em desconstrução da <strong>narrativa</strong>.<br />
Falan<strong>do</strong> de <strong>Rubião</strong>, nota-se uma clara preferência pelo<br />
primeiro caso. Em “O homem <strong>do</strong> boné cinzento” são muitas as<br />
mudanças que Anatólio, homem que vai desaparecen<strong>do</strong> até se<br />
transformar numa bolinha negra a rolar por entre os de<strong>do</strong>s <strong>do</strong><br />
narra<strong>do</strong>r, causa em si mesmo e em sua família. Toda a construção<br />
<strong>do</strong> enre<strong>do</strong> aponta para a insolidez dessa personagem. <strong>Rubião</strong><br />
escreve: “Antes de sua vinda, a nossa rua era o trecho mais<br />
sossega<strong>do</strong> da cidade” (RUBIÃO, 2005: 71). E ainda: “Não foram<br />
poucos os que se impressionaram com o procedimento <strong>do</strong><br />
solteirão” (RUBIÃO, 2005: 72). Caso queira-se retirar essa<br />
personagem (Anatólio) da <strong>narrativa</strong>, o texto desmorona.<br />
É necessário estar atento para a singularidade <strong>do</strong>s contos<br />
rubianos. Raramente há universalidades. Enquanto o texto<br />
acima cita<strong>do</strong> utiliza muitos elementos <strong>insólito</strong>s na sua construção,<br />
em “Ofélia, meu cachimbo e o mar” não há <strong>insólito</strong>, por<br />
exemplo. Eis o grande problema: é impossível fazer uma “fôrma”<br />
para a escritura desse autor.<br />
Os títulos de <strong>Rubião</strong>, cheios de significa<strong>do</strong> e em pleno<br />
exercício, geralmente focam o evento <strong>insólito</strong>. O leitor é encaminha<strong>do</strong><br />
para a identificação das particularidades <strong>do</strong> ser remeti<strong>do</strong>,<br />
o que beneficia a percepção de ruptura da ordem. “Os<br />
dragões” é um desses: além de já apontar para uma esfera irreal<br />
(real no senti<strong>do</strong> de experiência cotidiana), aquele que se propõe<br />
a ler fica em esta<strong>do</strong> de alerta para essas figuras. Na primeira linha,<br />
uma menção: “Os primeiros dragões que apareceram na<br />
cidade muito sofreram com o atraso <strong>do</strong>s nossos costumes”<br />
(RUBIÃO, 2005: 137). O autor não trai o leitor: dragões são a<br />
base <strong>do</strong> texto. “Os dragões receberiam nome na pia batismal e<br />
seriam alfabetiza<strong>do</strong>s” (RUBIÃO, 2005: 138); “O<strong>do</strong>rico, o mais<br />
velho <strong>do</strong>s dragões, trouxe-me as maiores contrariedades” (RU-<br />
<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />
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BIÃO, 2005: 139).<br />
Alia<strong>do</strong> a esse fator, a forte presença de eventos <strong>insólito</strong>s<br />
solicita uma leitura atenta e, conseqüentemente, a <strong>narrativa</strong><br />
mantém certo distanciamento, que dificulta a fusão entre emoção<br />
e análise científica. Não os dissocia – é bom deixar claro -,<br />
o que implicaria a perda da experiência estética, mas totaliza a<br />
atividade literária.<br />
Os contos de <strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> são precedi<strong>do</strong>s de epígrafes.<br />
Esse fato se revela instigante quan<strong>do</strong> se observa a biografia<br />
<strong>do</strong> autor: era ateu. No entanto, os trechos escolhi<strong>do</strong>s são bíblicos,<br />
e sua participação é decisiva ao se entender o contexto no<br />
qual é inseri<strong>do</strong>, revelan<strong>do</strong> um conhecimento significativo <strong>do</strong><br />
livro sagra<strong>do</strong> <strong>do</strong>s cristãos. Em geral, prenunciam a temática <strong>do</strong><br />
conto e auxiliam na construção de uma expectativa, que só pode<br />
obter uma resposta através da leitura.<br />
“Eu vi um céu novo e uma terra nova; porque o primeiro<br />
céu e a primeira terra se foram e o mar já não é” (Apocalipse,<br />
XXI, 1, cita<strong>do</strong> por RUBIÃO, 2005: 169) é a epígrafe de “Epidólia”,<br />
apontan<strong>do</strong> para algo revolucionário e grandioso, que<br />
se consolida no plano ficcional:<br />
Atrás dele ajuntavam-se crianças, forman<strong>do</strong> um cortejo a que<br />
em seguida se incorporariam adultos – homens e mulheres,<br />
moços e velhos – uni<strong>do</strong>s to<strong>do</strong>s em uníssono grito: Epidólia,<br />
Epidólia, Epidólia. (RUBIÃO, 2005: 177-8)<br />
Partin<strong>do</strong> <strong>do</strong> gigante e chegan<strong>do</strong> ao vazio, é notável que<br />
as ausências são marcas fundamentais da obra rubiana. Manifesta-se<br />
em diversos estágios narrativos, o que é comum em<br />
textos sob a influência insólita, visto que esses são, em grande<br />
parte <strong>do</strong>s casos, rodea<strong>do</strong>s por falta de explicações.<br />
O leitor é surpreendi<strong>do</strong> pelos contos, pois o primeiro<br />
parágrafo parece estar num enre<strong>do</strong> maior, o qual ele temporariamente<br />
é priva<strong>do</strong> de conhecer. Na leitura, surgem acontecimentos<br />
que estabelecem as ligações entre os elementos, possibilitan<strong>do</strong><br />
a familiarização com o universo ficcional.<br />
É o caso de “A diáspora”, em que um grupo de operá-<br />
<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />
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