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Murilo Rubião e a narrativa do insólito. Flavio ... - Dialogarts - Uerj

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narra<strong>do</strong>r-personagem constata o recuo de vinte anos. Já em<br />

Macha<strong>do</strong>, tem-se uma história estruturada “a partir da qual ele<br />

volta ao passa<strong>do</strong> próximo (como morreu) e ao passa<strong>do</strong> mais<br />

remoto, sua infância e juventude” (GANCHO, 1991: 22-23),<br />

em uma rememoração <strong>do</strong>s fatos que narra e não em sua vivência<br />

e descoberta.<br />

Os vinte anos regressa<strong>do</strong>s, no conto “Mariazinha”, evidenciam<br />

um narra<strong>do</strong>r consciente de sua “volta à vida”, pois<br />

narra a revolta das demais personagens com relação a “as ruas<br />

que ficaram sem calçamento” (RUBIÃO, 2005: 42) e seu encontro<br />

com Mariazinha. Esse tempo descrito foge ao ordinário,<br />

porque<br />

A relação entre o começo e o fim, chama<strong>do</strong> intervalo, de determina<strong>do</strong><br />

movimento, o cômputo de sua duração, bem como<br />

a passagem de um intervalo a outro numa ordem que liga o<br />

anterior ao posterior, chamada de sucessão ― todas essas noções<br />

que o uso <strong>do</strong> relógio suscita de maneira espontânea corroboram<br />

a compreensão prévia <strong>do</strong> tempo, por força de nossa<br />

atividade prática, que nos obriga a lidar com ele antes de conceituá-lo.<br />

(NUNES, 2000: 17)<br />

Nota-se, assim, um conto nortea<strong>do</strong> pela volubilidade <strong>do</strong><br />

tempo, em que as ações das personagens se passam em perío<strong>do</strong>s<br />

desconexos, uma vez que são o fomento para as ocorrências<br />

incomuns. O tempo na <strong>narrativa</strong> corrobora para relações<br />

incoerentes entre as personagens, que pagam por crimes ainda<br />

não cometi<strong>do</strong>s. É o que se observa na contestação de Zaragota:<br />

– Enforca<strong>do</strong> é que não! – Estava certo se o matassem antes,<br />

quan<strong>do</strong> seduzira Mariazinha! Agora não. Vinte anos tinham<br />

si<strong>do</strong> recua<strong>do</strong>s. Não era mais noivo de mulher alguma, nem<br />

pertencia à diocese <strong>do</strong> eminente bispo. (RUBIÃO, 2005: 43)<br />

É evidente a problemática exposta na diegese, pois um<br />

homem não pode simplesmente ser morto por um crime que ainda<br />

não cometera, afinal, os vinte anos recua<strong>do</strong>s fizeram-no<br />

inocente <strong>do</strong> ato de seduzi-la, já que “Mariazinha recuperou a<br />

sua virgindade” (RUBIÃO, 2005: 42).<br />

<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />

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Observa-se que o conto gira em torno <strong>do</strong>s eventos <strong>insólito</strong>s,<br />

na acepção de “contrário ao costume, às regras; inabitual”<br />

(FERREIRA, 1985: 270), pois é narra<strong>do</strong> em um tempo inconstante,<br />

de idas e vindas, por um defunto que participa das ações<br />

e demonstra sua apatia frente aos acontecimentos.<br />

O indício de elemento não costumeiro na <strong>narrativa</strong> se dá<br />

logo no primeiro parágrafo, já que é incomum um homem saber<br />

que um nome está sen<strong>do</strong> pronuncia<strong>do</strong>, reconhecê-lo, mas<br />

não conseguir ouvir um “Silva” (RUBIÃO, 2005: 41), um sobrenome,<br />

isto é, um homem narra uma voz que declama “– Josefino<br />

Maria Albuquerque Pereira da Silva!” (RUBIÃO, 2005:<br />

41) e afirma que as palavras entram em seu “ouvi<strong>do</strong> como gotas<br />

de óleo” (RUBIÃO, 2005: 41).<br />

Dessa forma, o leitor pergunta-se acerca da mutação de<br />

palavras em gotas de óleo, visto que o narra<strong>do</strong>r-personagem<br />

parece não compreender o porquê de seu sobrenome não poder<br />

ser ouvi<strong>do</strong> por si mesmo. Sen<strong>do</strong> assim, essa personagem termina<br />

por afirmar: “Devia ser a bala que não permitia entrar o Silva”<br />

(RUBIÃO, 2005: 42). Tal afirmação remete o leitor ao suicídio<br />

cometi<strong>do</strong> pela personagem que narra a estória.<br />

O “Silva”, deixa<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> de fora <strong>do</strong>s ouvi<strong>do</strong>s e não<br />

transmuta<strong>do</strong> em gotas de óleo pelo narra<strong>do</strong>r, ficara perdi<strong>do</strong> no<br />

ar, pois não se modificara em um óleo que “pesava” (RUBIÃO,<br />

2005: 41). Ele é então algo incomum, uma vez que um nome<br />

de família pôde simplesmente desmanchar-se no ar, permanecen<strong>do</strong><br />

como diz o próprio narra<strong>do</strong>r-personagem “no vestíbulo”<br />

(RUBIÃO, 2005: 41), ou seja, impedi<strong>do</strong> de adentrar a consciência,<br />

ou apenas os ouvi<strong>do</strong>s.<br />

não só a sociedade moderna é um cárcere, como as pessoas<br />

que aí vivem foram moldadas por suas barras; somos seres<br />

sem espírito, sem coração, sem identidade sexual ou pessoal –<br />

quase podíamos dizer: sem ser. (BERMAN, 1987: 27)<br />

A personagem Josefino, que narra os eventos, anula-se<br />

em toda a <strong>narrativa</strong>, pois não consegue nem sequer ouvir,<br />

<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />

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