Murilo Rubião e a narrativa do insólito. Flavio ... - Dialogarts - Uerj
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e, mais especificamente, “O Pirotécnico Zacarias” e “Os Dragões”,<br />
pois assim como é impossível imaginar Chapeuzinho<br />
Vermelho sem Lobo Mau, O Patinho Feio sem a feiúra, a Cinderela<br />
sem a meia-noite, também é impossível imaginar “O Pirotécnico<br />
Zacarias” e “Os Dragões” sem eventos <strong>insólito</strong>s, sob<br />
pena de “morrer” ou “estagnar”, uma vez que lhes faltaria o elemento<br />
que dá vida e movimento à história narrada.<br />
Em termos de estrutura, o conflito, via de regra, determina<br />
as partes <strong>do</strong> enre<strong>do</strong>: 1) exposição: começo da história, na<br />
qual os fatos iniciais, as personagens, o tempo e o espaço são<br />
apresenta<strong>do</strong>s (uma espécie de preparação para instauração <strong>do</strong><br />
conflito, que ocorrerá numa etapa posterior); 2) complicação:<br />
parte <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> na qual o conflito se desenvolve; 3) clímax:<br />
momento de maior tensão, no qual o conflito chega ao seu ponto<br />
máximo; e 4) desfecho ou conclusão: solução <strong>do</strong>s conflitos,<br />
momento em que é restabeleci<strong>do</strong> o equilíbrio inicial desestabeleci<strong>do</strong><br />
pela intervenção insólita (Cf. GANCHO, 1993-11). Em<br />
“O Pirotécnico Zacarias” e “Os Dragões”, exposição e complicação<br />
se (con)fundem, visto que a própria introdução dessas<br />
<strong>narrativa</strong>s apresenta o conflito de suas histórias, como se verifica<br />
em:<br />
Os primeiros dragões que apareceram na cidade muito sofreram<br />
com o atraso <strong>do</strong>s nossos costumes. Receberam precários<br />
ensinamentos e a sua formação moral ficou irremediavelmente<br />
comprometida pelas absurdas discussões surgidas com a<br />
chegada deles ao lugar. (RUBIÃO, 2005: 137)<br />
Nesse primeiro parágrafo introdutório de “Os Dragões”,<br />
observa-se a junção da exposição com a complicação <strong>do</strong> enre<strong>do</strong>,<br />
pois nele o narra<strong>do</strong>r autodiegético – aquele, segun<strong>do</strong> Carlos<br />
Reis, que relata as suas próprias experiências como personagem<br />
central da <strong>narrativa</strong> (Cf. REIS, 2000: 259-267) – apresenta<br />
o elemento estrutura<strong>do</strong>r da história – a chegada de Dragões, seres<br />
por si só <strong>insólito</strong>s, à sua cidade. Essa apresentação não é antecedida<br />
pela apresentação de uma situação de equilíbrio que,<br />
<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />
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seguida pela complicação, sofreria desestabilizarão e, conseqüente,<br />
desequilíbrio.<br />
Há de se ressaltar que, tanto em “O Pirotécnico Zacarias”<br />
e “Os Dragões”, a complicação – apresentação <strong>do</strong> conflito<br />
– também não é seguida pelo desfecho ou conclusão da história<br />
no qual se dá a solução <strong>do</strong>s conflitos e conseqüente restauração<br />
<strong>do</strong> equilíbrio inicial desestabeleci<strong>do</strong> pela intervenção insólita.<br />
No primeiro, a história começa com apresentação <strong>do</strong> conflito<br />
de Zacarias: provar a sua nova existência. O conflito não é soluciona<strong>do</strong><br />
ao final da <strong>narrativa</strong>, ou seja, ele não consegue comprová-la,<br />
permanecen<strong>do</strong> a sua esperança de prová-la. No segun<strong>do</strong>,<br />
o conflito provoca<strong>do</strong> pela chegada <strong>do</strong>s dragões – discussões<br />
a respeito de sua natureza – não é soluciona<strong>do</strong> ao final<br />
da <strong>narrativa</strong>. Zacarias não consegue confirmar sua nova existência<br />
porque as demais personagens a banalizam, e não se<br />
chegar a conclusões <strong>do</strong>s questionamentos da natureza <strong>do</strong>s dragões,<br />
porque as personagens banalizam esse questionamento.<br />
Assim, a primeira parte (exposição ou início da história)<br />
e a última parte <strong>do</strong> enre<strong>do</strong> (desfecho ou fim da história) são suprimidas<br />
dessas <strong>narrativa</strong>s rubianas. A supressão tanto <strong>do</strong> início<br />
da história como <strong>do</strong> final não impede supor que havia uma<br />
situação de equilíbrio inicial rompida pela chegada <strong>do</strong>s dragões<br />
à cidade e uma possível restauração. Igualmente como haveria<br />
uma situação de equilíbrio anterior rompida pela morte “enigmática”<br />
<strong>do</strong> pirotécnico Zacarias e uma possibilidade de restauração<br />
<strong>do</strong> desequilíbrio provoca<strong>do</strong> pela sua morte quan<strong>do</strong> este<br />
conseguisse ratificar sua nova existência.<br />
Esses fatos são percebíveis em “Os Dragões” quan<strong>do</strong> o<br />
narra<strong>do</strong>r diz que absurdas discussões surgiram com chegada<br />
<strong>do</strong>s dragões, ou seja, a chegada <strong>do</strong>s dragões agitou a cidade e<br />
os mora<strong>do</strong>res perdiam-se em discussões acerca de à qual raça<br />
eles poderiam pertencer, apresentan<strong>do</strong> diferentes versões para<br />
caracterizar esses seres. Para o vigário da cidade, eles não pas-<br />
<strong>Murilo</strong> <strong>Rubião</strong> e a <strong>narrativa</strong> <strong>do</strong> <strong>insólito</strong> / ISBN 978-85-86837-31-9 / <strong>Dialogarts</strong> 2007<br />
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