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de São Miguel Paulista OUTRA MORTE MISTERIOSA. DE QUEM ...

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Três filhos <strong>de</strong> Jorge, agora órfãos<br />

JORNAL<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> <strong>Paulista</strong><br />

Em <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> já houve Paz, Justiça e<br />

Liberda<strong>de</strong>-Veja quando na página 2<br />

—N.*^/^/^— f* BIBLIOTECA<br />

<strong>OUTRA</strong> <strong>MORTE</strong> <strong>MISTERIOSA</strong>.<br />

<strong>DE</strong> <strong>QUEM</strong> SERÁ A CULPA?<br />

Jorge Alves dos Santos,<br />

28 anos, foi espancado<br />

barbaramente por dois<br />

estranhos quando con-<br />

versava com seu amigo<br />

"Paraíba". Curiosa-<br />

mente, foi ele quem<br />

acabou na ca<strong>de</strong>ia, acu-<br />

sado <strong>de</strong> vagabunda-<br />

gem, quando retornava<br />

do Pronto Socorro Ti-<br />

<strong>de</strong> Setúbal.<br />

ENTRE NA BRIGA<br />

PELA SUA SAÚ<strong>DE</strong><br />

AÇÃO POPULAR<br />

E MAIS EFICIENTE<br />

'^ DO QUE AÇÃO y *<br />

DO GOVERNO<br />

Encontrado dias <strong>de</strong>-<br />

pois por seus amigos,<br />

na Delegacia <strong>de</strong> Itaim<br />

<strong>Paulista</strong>, estava <strong>de</strong>sa-<br />

cordado e estendido<br />

no chão. Mas só a mui-<br />

to custo foi liberado<br />

pelos policiais.<br />

No Hospital Municipal<br />

do Tatuapé, morreu <strong>de</strong><br />

traumatismo craniano,<br />

<strong>de</strong>ixando órfão três fi-<br />

lhos <strong>de</strong> suas três mu-<br />

lheres. Ainda assim a<br />

policia continua insis-<br />

tindo: "Jorge era ape-<br />

nas um vagabundo".<br />

Páginas 4 e 5<br />

Na última página um ensaio fotográfico<br />

sobre <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> <strong>Paulista</strong><br />

Conselho comunitário: um presente que assusta<br />

Um <strong>de</strong>creto confuso, Desconfiadas, as pessoas<br />

que <strong>de</strong>ixa mil dúvidas Páginas temem em participar


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'5)<br />

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O<br />

Na Igreja, nas vilas e-jardins, nas fábricas - em toda<br />

parte, a gente <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> se organiza e se levanta em<br />

<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus direitos. Aqui é uma assembléia, ali um<br />

abaixo assinado, mais adiante uma greve.<br />

Mas não se assuste. Lutar por justiça e liberda<strong>de</strong> é<br />

uma tradição <strong>de</strong> 420 anos por estes lados. Falando sério,<br />

este bairro que hoje fervilha <strong>de</strong> nor<strong>de</strong>stinos, mineiros,<br />

paranaenses e - até - paulistas, nasceu sob o signo do<br />

combate <strong>de</strong> um povo oprimido por um lugar ao sol. A<br />

história está aí para comprovar.<br />

"Nos primeiros tempos <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo <strong>de</strong> Piratinin-<br />

ga - conta o Sylvio Bomtempi em seu livro "O Bairro <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> <strong>Paulista</strong>" - pequeno número <strong>de</strong> guaianases<br />

afeiçoaram-se aos jesuítas e alguns moradores brancos".<br />

E tudo teria prosseguido muito bem não fosse a transfe-<br />

rência dos habitantes <strong>de</strong> Santo André da Borda do Cam-<br />

po para <strong>São</strong> Paulo, em 1560, através <strong>de</strong> pedido do padre<br />

Manoel da Nóbrega ao governador geral Mem <strong>de</strong> Sá. Es-<br />

sa gente, ao que tudo indica, chegou às redon<strong>de</strong>zas do<br />

Colégio disposta a escravizar os índios. Trouxe até um pe-<br />

lourinho, on<strong>de</strong> seriam castigados os que não se submetes-<br />

sem ao trabalho forçado. Mas os seus planos não <strong>de</strong>ram<br />

tão certo.<br />

Diante <strong>de</strong>ssa situação,- muitos guaianases resolve-<br />

ram <strong>de</strong>ixar a vila, rumo ao campo e à liberda<strong>de</strong>. Prefe-<br />

riam a vida selvagem à submissão. Assim, nas nascentes<br />

do Anhembi - margem esquerda do Tietê - instalaram a<br />

sua al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Ururaí, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> só voltaram a <strong>São</strong> Paulo<br />

em julho <strong>de</strong> 1562, integrando um exército <strong>de</strong> sete ou<br />

oito al<strong>de</strong>ias que, em vão, atacou os homens do Colégio.<br />

O JORNAL, órgão laboratório dos<br />

•alunos do 69 semestre matutino <strong>de</strong><br />

jornalismo.<br />

Departamento <strong>de</strong> Jornalismo e<br />

Editoração.<br />

Nesta briga dos guaianases, o<br />

começo <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> <strong>Paulista</strong><br />

Fugindo da escravidão, um grupo <strong>de</strong> índios fundou Ururai', uma al<strong>de</strong>ia<br />

on<strong>de</strong> havia paz, justiça e muita liberda<strong>de</strong>.<br />

Escola <strong>de</strong> Comunicações e Artes<br />

- Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo. •<br />

Em 1580, já agora reconciliada com os jesuítas, a<br />

al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> Ururaí experimentava um crescimento sur-<br />

preen<strong>de</strong>nte. Ao redor da igreja, lavouras e mais lavouras<br />

on<strong>de</strong> os índios plantavam o necessário para sua subsis-<br />

tência. Cinco anos <strong>de</strong>pois, já com o nome <strong>de</strong> al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> <strong>Miguel</strong>, ainda se podia ver homens livres trabalhan-<br />

do para a comunida<strong>de</strong>. Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1563, os brancos vi-<br />

nham realizando investidas na região, na tentativa <strong>de</strong> se<br />

apo<strong>de</strong>rarem das lavouras indígenas. Muitos índios aca-<br />

baram sendo levados para o sertão e até para o Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, a fim <strong>de</strong> trabalharem no transporte <strong>de</strong> carga -<br />

com a conivência das mesmas autorida<strong>de</strong>s que haviam<br />

baixado lei que assegurava o direito <strong>de</strong> vida livre ao po-<br />

vo <strong>de</strong> Ururaí.<br />

Com a saída dos jesuítas da região, em 1640, a<br />

situação dos índios <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> piorou. Em 1653, com<br />

a notícia da <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> pedras preciosas na região,<br />

eles estiveram ameaçados <strong>de</strong> transferência <strong>de</strong>finitiva pa-<br />

ra o litoral. A partir <strong>de</strong> 1660, viram suas sesmarias serem<br />

repartidas entre os colonos portugueses, sem o menor<br />

respeito pelos seus direitos. Multiplicavam-se as fazendas,<br />

os ban<strong>de</strong>irantes avançavam, levando índios para o traba-<br />

lho <strong>de</strong> mineração - e tudo isso rendia bons resultados pa-<br />

ra a Coroa portuguesa. Muito dinheiro e po<strong>de</strong>r.<br />

Segundo Sylvio Bomtempi, <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> atingiu a<br />

plenitu<strong>de</strong> como bairro no século XVIII, apesar da <strong>de</strong>sor-<br />

<strong>de</strong>m administrativa que se acentuava. Com a proclama-<br />

ção da República, em 1889, passaram a ser sentidos os<br />

efeitos do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>. <strong>São</strong> Paulo, motivada pe-<br />

la cultura cafeeira, intensificada com a imigração. Em<br />

Professores Responsáveis: Dulcília H.<br />

S. Buitoni, Jomar José Costa Morais,<br />

José Coelho Sobrinho.<br />

Participaram <strong>de</strong>sta edição os alunos:<br />

Bernardo Alps, Clei<strong>de</strong> Frasco Marrese,<br />

Fátima Ugatti Cortezão.<br />

Agra<strong>de</strong>cemos aos alunos: Aurora <strong>de</strong><br />

Oliveira Pinto, Fre<strong>de</strong>rico Pessoa da Silva<br />

1891, o bairro ganhou autonomia, através <strong>de</strong> <strong>de</strong>creto do<br />

governador Américo Brasiliense <strong>de</strong> Almeida Melo, pas-<br />

sando à condição <strong>de</strong> distrito. As antigas olarias ce<strong>de</strong>ram<br />

lugar às primeiras indústrias, a população passou a cres-<br />

cer acelaradamente.<br />

Gran<strong>de</strong> problema, à época era o transporte urbano-<br />

que, aliás, perdura até hoje. Foi, então, que surgiu a li-<br />

nha <strong>de</strong> ônibus Penha-<strong>São</strong> <strong>Miguel</strong>, em 1930, como gran<strong>de</strong><br />

novida<strong>de</strong>, pois até aquele ano o transporte <strong>de</strong> pessoas<br />

era feito através <strong>de</strong> estrada <strong>de</strong> ferro em conexão com os<br />

bon<strong>de</strong>s. Dois anos <strong>de</strong>pois, a instalação <strong>de</strong> uma variante<br />

da Estrada <strong>de</strong> Ferro Central do Brasil facilitaria ainda<br />

mais as condições para a instalação da Nitro-Química<br />

Brasileira, marco <strong>de</strong>finitivo da fase industrial <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

<strong>Miguel</strong>. Foi a Nitro quem precipitou a migração <strong>de</strong> ope-<br />

rários, principalmente nor<strong>de</strong>stinos, para o bairro, na es-<br />

perança <strong>de</strong> conseguir um dos quatro mil empregos ofe-<br />

recidos pela fábrica.<br />

Só no período da Segunda Guerra Mundial che-<br />

garam a <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> 189. 949 migrantes. E mais, muito<br />

mais nos anos seguintes. Como conseqüência disso, co-<br />

meçou a febre <strong>de</strong> loteamentos, avultaram-se os proble-<br />

mas <strong>de</strong> saneamento, <strong>de</strong> transporte... enfim, o resto to-<br />

do mundo sabe.<br />

Hoje, tomado por indústrias poluidoras e quase<br />

um milhão <strong>de</strong> pessoas sobrecarregadas <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s,<br />

<strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> mostra uma face bastante diferente do tem-<br />

po em que era apenas uma al<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> índios. Mas, como<br />

os guainases <strong>de</strong> ontem, seu povo baiano, mineiro, para-<br />

naense e - até paulista continua insistindo por melhores<br />

dias. E, certamente, vencerá.<br />

José Guilherme Rodrigues Ferreira, Newton<br />

César Villaça Cassiolato, Zulma<br />

Nazaré Moreira Vizeu pela colaboração<br />

nas pesquisas realizadas,<br />

janeiro <strong>de</strong> 80


Talves você já tenha ouvido falar no<br />

Conselho Comunitário Regional, mas tal-<br />

vez nSo.<br />

Ele foi criado no dia 12 <strong>de</strong> setembro<br />

do ano passado e é uma tentativa do<br />

governo <strong>de</strong> reunir os mais diferentes<br />

movimentos populares <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um mes-<br />

mo Conselho, que daria sua opinião so-<br />

bre os problemas mais urgentes da região<br />

— falta <strong>de</strong> esgoto, água, luz, asfalto, etc.<br />

— e discutiria sobre o orçamento. As-<br />

sim, o governo po<strong>de</strong>ria saber melhor<br />

e quais são os problemas que precisam<br />

ser resolvidos.<br />

Existe, porém, uma gran<strong>de</strong> dúvida:<br />

até que ponto este Conselho realmente<br />

representará os interesses populares?<br />

não será ele apenas mais um instrumen-<br />

to a serviçp <strong>de</strong> políticos?<br />

Esta questão é levantada pelas assis-<br />

tentes sociais da Supervisão Regional <strong>de</strong><br />

Serviço Social, que está emitindo os con-<br />

vites, e pelas próprias entida<strong>de</strong>s convi-<br />

dadas, que agora se perguntam: <strong>de</strong>vemos<br />

ou não participar <strong>de</strong>ste Conselho Comu-<br />

nitário Regional?<br />

O QUE DIZ O <strong>DE</strong>CRETO<br />

O <strong>de</strong>creto fala da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se<br />

criar canais <strong>de</strong> comunicação entre 6 povo<br />

e o governo. Os Conselhos Comunitários<br />

seriam criados em cada uma das Regiões<br />

Administrativas do Município e formados<br />

pelas "forças comunitárias" atuantes <strong>de</strong>n-<br />

tro <strong>de</strong> cada região.<br />

Mas o que seriam estas "forças co-<br />

munitárias "?<br />

0 <strong>de</strong>creto diz que são as associações<br />

<strong>de</strong> classe, os clubes <strong>de</strong> serviço, as enti-<br />

da<strong>de</strong>s sociais, os movimentos sociais<br />

religiosos e as socieda<strong>de</strong>s amigos <strong>de</strong> bair-<br />

ro.<br />

Porém, essa classificação dá margem<br />

a muita dúvida. Dentro da categoria en-<br />

tida<strong>de</strong>s sociais, por exemplo, existem <strong>de</strong>s-<br />

<strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amparo à velhice e à<br />

criança abandonada até Rotary, Lions e<br />

lojas maçònicas. Não dá pra enten<strong>de</strong>r<br />

como é feita a divisão por categorias<br />

e, além disso, é muito discutível dizer que<br />

estas instituições representam mesmo os<br />

interesses do povo.<br />

Há também o problema do número<br />

<strong>de</strong> representantes que cada categoria<br />

terá no Conselho. Segundo o <strong>de</strong>creto,<br />

os representantes serão escolhidos, obe-<br />

<strong>de</strong>cendo à seguinte proporção:<br />

a) associações <strong>de</strong> classe: 2 represen-<br />

tantes.<br />

b) clubes <strong>de</strong> serviços: 2 representan-.<br />

tes<br />

c) entida<strong>de</strong>s sociais: 2 representantes<br />

d) movimentos sociais religosos: 6 re-<br />

presentantes.<br />

e) socieda<strong>de</strong>s amigos <strong>de</strong> bairro: 3 re-<br />

AFINAL, O QUE É<br />

O CONSELHO<br />

COMUNITÁRIO?<br />

presentantes<br />

Aqui aparece uma outra questão.<br />

No caso dos movimentos sociais religio-<br />

sos, por exemplo, 6 pessoas seria um<br />

número representantivo para toda esta<br />

categoria, que engloba <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Igreja Ca-<br />

tólica, batista, presbiteriana até os centros<br />

espíritas e terreiros <strong>de</strong> umbanda? Essa es-<br />

colha não seria mais justa se levasse em<br />

consi<strong>de</strong>ração o trabalho que cada institui-<br />

ção realiza <strong>de</strong>ntro da comunida<strong>de</strong>?<br />

O <strong>de</strong>creto diz: "caberá ao Conselho<br />

participar das discussões sobre o orça-<br />

mento-programa e criar instrumentos para<br />

a participação da comunida<strong>de</strong>". Mas ele<br />

po<strong>de</strong>rá tomar alguma <strong>de</strong>cisão? Até que<br />

ponto o Conselho não será usado pelo<br />

governo como o único meio da popula-<br />

ção po<strong>de</strong>r reclamar?<br />

<strong>DE</strong>SCONFIANÇA GERAL<br />

As opiniões sobre o Conselho Comu-<br />

nitário Regional são muito variadas, mas<br />

já se po<strong>de</strong> notar que a maioria das pessoas<br />

vê o assunto com muita <strong>de</strong>sconfiança.<br />

Isso po<strong>de</strong> ser comprovado em qual-<br />

quer discussão sobre o <strong>de</strong>creto e estas<br />

são algumas das idéias que costumam<br />

aparecer:<br />

— Se o governo estivesse interessado<br />

em estimular <strong>de</strong> verda<strong>de</strong> a participação<br />

popular, <strong>de</strong>veria <strong>de</strong>ixar que o povo se<br />

organizasse e escolhesse quem <strong>de</strong>ve par-<br />

ticipar ou não. O governo quer é o povo<br />

organizado com faixas e cartazes em fren-<br />

te da Prefeitura pra reivindicar. Assim,<br />

não dá pra garantir maioria <strong>de</strong> gente boa<br />

nesse Conselho Comunitário. Vai ter<br />

uma caretada <strong>de</strong> entida<strong>de</strong>s paternalistas<br />

e assistenciais. Mas se dér pra participar<br />

como perturbação a. gente vai. Vai pra<br />

bagunçar o coreto, (membro <strong>de</strong> uma das<br />

Socieda<strong>de</strong>s Amigos <strong>de</strong> Bairro do Jardim<br />

Robru). '<br />

— Pra participar <strong>de</strong>sse Conselho nós<br />

precisamos saber qual a finalida<strong>de</strong>. Co-<br />

mo a gente não sabe eu falei: vamos si-<br />

lenciar esse assunto? Não é ser contra<br />

nem fazer oposição. E silenciar. Eles<br />

chegam na gente através <strong>de</strong> um pequeno<br />

folheto <strong>de</strong> papel. Esses mentores, se<br />

tivessem interesse mesmo, <strong>de</strong>viam marcar<br />

uma hora e o pessoal da Associação ia<br />

lá ouvir e ser ouvido. Assim, eu acho que<br />

só po<strong>de</strong>mos silenciar, (membro da Socie-<br />

da<strong>de</strong> Amigos, <strong>de</strong> Bairros do Parque Cru-<br />

zeiro do Sul).<br />

— A Igreja não po<strong>de</strong> se envolver, não<br />

po<strong>de</strong> se <strong>de</strong>ixar»enrolar. Este <strong>de</strong>creto quer<br />

tirar o único espaço que o povo tem<br />

para adquirir alguma consciência a<br />

crítica. Ele quer acabar com o movimen-<br />

to popular. Este Conselho é uma ara-<br />

puca. Se a Igreja participar vai legitimar<br />

o sistema, isto é, vai per<strong>de</strong>r terreno por-<br />

que este Conselho vai ser um fator <strong>de</strong><br />

alienação <strong>de</strong>ste povo. (irmã pertencente<br />

à Igreja católica).<br />

— O Conselho Comunitário não terá<br />

po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>cisório. A alegação <strong>de</strong> falta <strong>de</strong><br />

verba será uma boa <strong>de</strong>sculpa para barrar<br />

os projetos aprovados. Tudo indica que o<br />

governo Criou o Conselho para po<strong>de</strong>r <strong>de</strong>s-<br />

carregar responsabilida<strong>de</strong>s. Mas, mesmo<br />

assim acredito que <strong>de</strong>vemos participar<br />

para conhecer o funcionamento do Con-<br />

selho e saber qual a sua finalida<strong>de</strong>, (pa-<br />

dre da Igreja católica).<br />

— O <strong>de</strong>bate sobre o Conselho Comu-<br />

nitário esía ocorrendo em todas as Su-<br />

pervisões Regionais <strong>de</strong> Serviço Social.<br />

Na reunião geral das Supervisões foram<br />

levantadas muitas questões sobre o <strong>de</strong>cre-<br />

to. Uma das coor<strong>de</strong>nadoras da Coor<strong>de</strong>na-<br />

doria do Bem-Estar Social colocou o<br />

Conselho como uma alternativa para os<br />

movimentos populares e a Supervisão<br />

Regional como apenas um ponto <strong>de</strong> re-<br />

ferência para as entida<strong>de</strong>s, sem exercer<br />

qualquer tipo <strong>de</strong> manipulação. Para ela,<br />

neutralida<strong>de</strong> implica não tomar <strong>de</strong>cisões,<br />

não se envolver. Mas a gente é quem vai<br />

distribuir os convites, e isso já é uma for-<br />

ma <strong>de</strong> comprometimento. Nós é que tere-<br />

mos <strong>de</strong> dar todos os esclarecimentos a<br />

respeito do Conselho, (assistente social da<br />

Supervisão Regional <strong>de</strong> Serviço Social).<br />

30<br />

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Um fato, duas versões<br />

Uma das coisas que chama a atenção<br />

nos acontecimentos relatados é a opinião<br />

da'polícia em contraste com a dos<br />

médicos do pronto-socorro que aten<strong>de</strong>ram<br />

Jorge.<br />

Segundo o Dr. Marco Aurélio, diretor-substituto<br />

do P.S. Ti<strong>de</strong> Setúbal; Jorge<br />

não estava bêbado pois, o exame físico<br />

on<strong>de</strong> constava a verificação <strong>de</strong> taxa alcoólica,<br />

nada acusou. "Ele estava até que<br />

bem consciente," Já o relatório da polícia<br />

acusa Jorge <strong>de</strong> embriagues profunda, não<br />

constando os métodos utilizados para que<br />

se fizesse essa afirmação.<br />

Pernambuco, dono <strong>de</strong> um outro ferro-velho<br />

on<strong>de</strong> Jorge havia trabalhado antes,<br />

confessou que Jorge gostava <strong>de</strong> tomar<br />

um aperitivo com os amigos, o que não<br />

prova o estado <strong>de</strong> embriagues <strong>de</strong> que a<br />

polícia tanto falou.<br />

Seu Paraíba e seu filho, que estiveram<br />

com ele naquela tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> agosto, reafirmam<br />

que Jorge não tinha posto um gole<br />

na boca naquele dia. Eles tinham apenas<br />

tomado um sorvete, porque fazia muito<br />

calor.<br />

DIA 26 - 14horas: FERRO-VELHO<br />

Jorge conversava com Paraíba (Sr.<br />

Eroni<strong>de</strong>s Felipe Alves), que era dono do<br />

ferro-velho, e o filho <strong>de</strong>ste. Fazia muito<br />

calor e eles tomaram sorvete juntos. Pa-<br />

raíba que estava muito gripado, resolveu<br />

ir para sua casa pois, o sorvete não lhe ti-<br />

nha feito bem. Sua criança permaneceu<br />

no local com Jorge.<br />

DIA 26 - 14.15 horas: FERRO-<br />

VELHO<br />

A<strong>de</strong>lmo, também conhecido como<br />

alemão, ia passando pelo ferro-velho<br />

quando Jorge o chamou para bater um<br />

papo. Nisso apareceram dois rapazese duas<br />

moças, que entraram no terreno do ferro-<br />

velho para fazer uma "obrigação". Jorge<br />

chamou a atenção dos rapazes, dizendo<br />

UM HOMEM MORRE A MINGUA: <strong>QUEM</strong> É O CULPADO?<br />

JORGE ALVES.DOS SANTOS, 28 ANOS,<br />

MORADOR <strong>DE</strong> SAO MIGUEL PAULISTA,<br />

MORREU NO DIA 28 <strong>DE</strong> AGOSTO DO ANO<br />

PASSADO, NO HOSPITAL MUNICIPAL DO<br />

TATUAPÉ, EM CONSEQÜÊNCIA DAS<br />

VÁRIAS PAULADAS QUE RECEBEU <strong>DE</strong><br />

DOIS ESTRANHOS, ENQUANTO VIGIAVA<br />

O FERRO-VELHO ON<strong>DE</strong> TRABALHAVA.<br />

que ali não era lugar para aquilo. Houve<br />

muita discussão e troca <strong>de</strong> insultos. Ale-<br />

mão resolveu procurar uma viatura da po-<br />

lícia na avenida mais próxima. Quando<br />

voltou encontrou Jorge todo machucado.<br />

0 filhinho do Paraíba que chegou a pre-<br />

senciar o fato correu para casa para cha-<br />

mar seu pai.<br />

DIA 26 14,30 horas: FERRO-<br />

VELHO<br />

Paraíba, surpreso com os aconteci-<br />

mentos, correu da sua casa para o ferro-<br />

velho. Viu que Jorge precisava <strong>de</strong> curati-<br />

vos e atendimento médico e chamou um<br />

táxi para que o levasse. Jorge foi sozinho<br />

para o Pronto Socorro Tite Setúbal pois,<br />

eles acharam que ele estava em condições.<br />

Um amigo <strong>de</strong> todos .<br />

Jorge veio para <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> há cerca<br />

<strong>de</strong> dois anos, proce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Caçapava, no<br />

Vale do Paraíba. Apesar <strong>de</strong> ter feito mui-<br />

tas amiza<strong>de</strong>s em <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> ninguém sabe<br />

nada sobre o seu passado e seus pais não<br />

pu<strong>de</strong>ram ser avisados <strong>de</strong> seu falecimento.<br />

Não possuía documento, sabemos o nome<br />

<strong>de</strong> seus pais apenas por intermédio <strong>de</strong> seu<br />

<strong>de</strong>poimento quando <strong>de</strong>u entrada no pron-<br />

to-socorro.<br />

Sua especialida<strong>de</strong> era cortar carros<br />

velhos, serviço para o qual era muito re-<br />

quisitado. Também fazia o serviço <strong>de</strong><br />

guarda noturno do ferro-velho do "Paraí-<br />

ba", on<strong>de</strong> dormia <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um "bauzi-<br />

nho", uma velha caçamba frigorífica <strong>de</strong><br />

camionete. Tinha três mulheres no outro<br />

lado da linha da (FEPASA) e um filho<br />

com cada uma. Todas três moram no mes-<br />

mo quarteirão e sabem da existência das<br />

outras. No bairro todo ele era conhecido<br />

e querido. "Aos domingos ele vinha <strong>de</strong><br />

caminhão e levava toda a criançada para<br />

passear. Também nos locais on<strong>de</strong> traba-<br />

lhava era estimado." No enterro do Jorge<br />

foram mais <strong>de</strong> 20 carros, "parecia até en-<br />

terro <strong>de</strong> rico."<br />

DIA 26 15 horas: PRONTO SO-<br />

CORRO TI<strong>DE</strong> SETÚBAL<br />

Jorge chegou ao pronto-socorro em<br />

pJena consciência e <strong>de</strong>u todas as informa-<br />

ções necessárias. Segundo o médico Mar-<br />

co Aurélio, diretor-substituto da unida<strong>de</strong>,<br />

Jorge recebeu uma medicação correta.<br />

"Foram feitas as <strong>de</strong>vidas suturas e aplica-<br />

do Benzectacil". "Foi recomendado para<br />

que ele voltasse ao P.S. caso sentisse algu-<br />

ma coisa". Jorge passou também no plan-<br />

tão <strong>de</strong> polícia do P.S., on<strong>de</strong> informou que<br />

tinha sido agredido por dois <strong>de</strong>sconheci-<br />

dos.<br />

DIA 26 19 horas: 509 DISTRITO<br />

POLICIAL DO ITAIM PAULISTA<br />

Os amigos <strong>de</strong> Jorge preocupados<br />

com a sua <strong>de</strong>mora, foram até o P.S. e não<br />

o encontraram lá. Foram até a <strong>de</strong>legacia<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> e também não o encontra-<br />

ram. Resolveram então, procurá-lo na De-<br />

legacia <strong>de</strong> Itaim. Jorge estava jogado no<br />

chão, e, segundo Luís Gonçalves da Sil-<br />

va, "para passar, o pessoal precisava pu-<br />

lar por cima <strong>de</strong>le." Ninguém soube infor-<br />

mar como Jorge foi parar ali. A polícia<br />

dizia que "o vagabundo estava bêbado".<br />

Depois da insistência <strong>de</strong> João, Luís, Pa-<br />

raíba e Alemão, a polícia disse: "então<br />

peguem e leve". Jorge foi levado dali pa-<br />

ra a casa <strong>de</strong> Luís. Lá sua esposa po<strong>de</strong><br />

limpá-lo da sujeira do chão da sala-<strong>de</strong>-es-<br />

pera da <strong>de</strong>legacia. Jorge passou a noite<br />

no "bau" on<strong>de</strong> sempre dormia. Para/ba<br />

<strong>de</strong>clarou que Jorge estava "muito verme-<br />

lho e com a boca aberta", no momento<br />

em que o encontraram.<br />

DIA 27 <strong>de</strong> manhã: FERRO-VELHO<br />

Os amigos <strong>de</strong> Jorge, vendo que seu<br />

estado tinha piorado,- conseguiram uma<br />

ambulância que o transportou <strong>de</strong> volta<br />

ao P.S. Depois <strong>de</strong> vários exames, os médi-<br />

cos constataram que ele <strong>de</strong>veria ser enca-<br />

minhado para o Hospital Municipal do<br />

Tatuapé.<br />

DIA 28: HOSPITAL MUNICIPAL<br />

DO TATUAPÉ<br />

Jorge morreu em <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong><br />

traumatismo crânio-encefálico, segundo a<br />

certidão <strong>de</strong> óbito assinada pelo médico le-<br />

gista Geraldo Mo<strong>de</strong>sto Me<strong>de</strong>iros. 0 dire-<br />

tor do Hospital, Antonip Francisco Gut-<br />

tila, do Tatuapé, não aten<strong>de</strong>u aos repórte-<br />

res <strong>de</strong>ste jornal, dizendo ser anti-ético dar<br />

qualquer informação sobre úm paciente<br />

que já tenha morrido.<br />

DIAS 29,30,31,1,2,3<br />

Os amigos <strong>de</strong> Jorge ficaram vários<br />

dias tentando encontrá-lo. Só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />

muitos telefonemas tiveram a informação<br />

<strong>de</strong> que Jorge tinha sido transferido do<br />

P.S. para o Hospital do Tatuapé. Eles não<br />

tinham sido informado antes. Depois vie-<br />

ram a saber que nem no Hospital do Ta-<br />

tuapé ele estava. Jorge estava morto, no<br />

IML, e ia ser enterrado como indigente.<br />

DIA 4 <strong>de</strong> setembro: 12 horas : CE-<br />

MITÉRIO DA SAUDA<strong>DE</strong><br />

Depois <strong>de</strong> muita luta e muita pape-<br />

lada, os amigos <strong>de</strong> Jorge (Luís, Manoel,<br />

João, Pernambuco e Paraíba) consegui-<br />

ram uma autorização para fazer o enterro<br />

<strong>de</strong> Jorge. "Iam enterrá-lo como indigente,<br />

nem documento ele tinha, nós não po<strong>de</strong>-<br />

ríamos <strong>de</strong>ixar que isso acontecesse". Foj<br />

feita uma vaquinha para se pagar as <strong>de</strong>spe-<br />

sas do enterro que saiu da casa do Luís.<br />

Mais <strong>de</strong> 20 automóveis acompanharam o<br />

féretro. Os restos mortais <strong>de</strong> JORGE AL-<br />

VES DOS SANTOS foram enterrados no<br />

lado direitq da gaveta n9 7, terreno 93 •<br />

quadra 34 do Cemitério da Sauda<strong>de</strong>.<br />

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INAMPS: MUDOU ALGUMA COISA,<br />

MAS AINDA HA MUITO POR FAZER<br />

Pacientes, médicos e funcionários do Posto do INAMPS no Tatuapé revelaram a<br />

existência <strong>de</strong> diversas melhorias no atendimento e nos serviços do Instituto. Os<br />

pacientes já não se queixam muito das gran<strong>de</strong>s filas e da burocracia que infernizavam<br />

a vida dos que precisavam recorrer aos serviços do antigo INPS. Todos dizem que<br />

alguma coisa melhorou. Mas o Instituto continua sem condições <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r'<br />

rapidamente e <strong>de</strong> maneira satisfatória os milhares <strong>de</strong> pacientes que o procuram. Mais<br />

ainda;esse atendimento está sendo feito basicamente por casas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e<br />

laboratórios particulares que têm no lucro sua principal finalida<strong>de</strong>, em <strong>de</strong>trimento<br />

da qualida<strong>de</strong> do serviço. Os médicos e funcionários continuam pessimamente<br />

remunerados, obrigados a fazer,diversos bicos para sobreviver. E o INAMPS, o mais<br />

rico órgão do governo, vive no prejuízo, à beira da falência, dizem os ministros.<br />

Mas on<strong>de</strong> vai parar o dinheiro que eles <strong>de</strong>scontam no salário <strong>de</strong> todo mundo?<br />

Dois aspectos chamaram a atenção na pesquisa<br />

que fizemos junto a pacientes, médicos e funcionários<br />

do Posto do INAMPS, do Tatuapé: o primeiro foi a cor-<br />

dialida<strong>de</strong> existente entre médicos e funcionários, todos<br />

preocupados em dar um pouco mais <strong>de</strong> si ao sem núme-<br />

ro <strong>de</strong> pacientes que procuram aquele posto. É o médico<br />

<strong>de</strong>rmatologfsta, Dr. Armando Ferreira da Silva quem diz:<br />

"Acho muito bom o inter-relaciõnamento entre paciente<br />

e médico e entre este e o funcionário. Não há, pratica-<br />

mente, gran<strong>de</strong>s problemas. Às vezes, a gente tem que<br />

repetir uma explicação duas ou três vezes, até que o pa-<br />

ciente perceba o que <strong>de</strong>ve ser feito, mas no fim dá tudo<br />

certo."<br />

O segundo aspecto foi a diminuição da papelada e<br />

o fim das. gran<strong>de</strong>s filas <strong>de</strong> espera: "Já <strong>de</strong>u prá notar que<br />

muita coisa mudou e o pessoal anda querendo mudar<br />

mais ainda. Primeiro mudaram o nome, agora é INAMPS:<br />

Instituto <strong>de</strong> Assistência Médica da Previdência Social.<br />

Depois melhorou o problema das filas, pois não é mais<br />

aquele horror <strong>de</strong> chegar <strong>de</strong> madrugada para conseguir<br />

uma vaguinha. Antes, havia até gente que fazia dinheiro<br />

ven<strong>de</strong>ndo o lugar para os mais necessitados", conta uma<br />

antiga funcionária. 'Também não há mais necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tanto documento e tanta ficha para ser atendido", acres-<br />

centa outra funcionária.<br />

Apolinário dos Santos, morador do Itaim <strong>Paulista</strong><br />

que foi ao Posto do Tatuapé acompanhando seu neto,<br />

diz porque os serviços melhoraram: "Isso só aconteceu<br />

<strong>de</strong>pois que muita gente começou a reclamar daquela<br />

pouca vergonha. Bem antigamente, quando era IAPI,<br />

também não tinha tanta fila nem tanta papelada. A coi-<br />

sa piorou quando teve a tal unificação. A gente come-<br />

çou a precisar <strong>de</strong> correr <strong>de</strong> um lado para outro feito bo-<br />

bo. E o problema é que não dá para saber porque tanta<br />

coisa continua errada e o que eles fazem com essa dinhei-<br />

rada que <strong>de</strong>scontam do salário <strong>de</strong> todo mundo".<br />

EXAMES <strong>DE</strong> LABORATÓRIO:<br />

UM SÉRIO PROBLEMA<br />

Ninguém enten<strong>de</strong> porque tem que andar tanto pa-<br />

ra fazer um exame <strong>de</strong> urina ou outro qualquer. Esse foi o<br />

caso <strong>de</strong> Monoelito dos Santos, <strong>de</strong> 22 anos, que mora no<br />

Jardim Carolina, também em Itaim <strong>Paulista</strong> e foi ser<br />

atendido no Tatuapé, sem saber para on<strong>de</strong> terá que ir fa-<br />

zer os exames que precisa. "A última vez que eu estive<br />

aqui me mandaram para o Hospital Ban<strong>de</strong>irantes, que fi-<br />

ca na Liberda<strong>de</strong>. Aí, gasto uma hora e meia.<strong>de</strong> ônibus<br />

até o -Parque D. Pedro, e <strong>de</strong> lá vou <strong>de</strong> a pé até a Liberda-<br />

<strong>de</strong>, porque não vou gastar mais uma condução. Não dá,<br />

não há condição", Novo ainda, Manoelito não sabe que<br />

ali mesmo, naquele Posto do Tatuapé, que foi o antigo<br />

IAPI (Instituto <strong>de</strong> Aposentadoria e Pensão dos índustriá-<br />

rios), já teve um bom laboratório que fazia todos os exa-<br />

mes solicitados pelos médicos.<br />

O urologista Mário Marrese, há mais <strong>de</strong> 17 anos<br />

trabalhando no Instituto fala sobre aquele tempo: "Tí-<br />

nhamos um bom laboratório e três médicos. Mas com o<br />

negócio dos convênios com os laboratórios <strong>de</strong> fora, o<br />

nosso foi <strong>de</strong>sativado por falta <strong>de</strong> funcionários e mate-<br />

rial... E ninguém enten<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa geografia dos laborató-<br />

rios, como é o caso do doente que mora em S. <strong>Miguel</strong>,<br />

vem ^o Tatuapé e é mandado para um laboratório em<br />

Santo Amaro. Isso acontece em todos os postos do<br />

INAMPS. É <strong>de</strong>sumano para com o paciente."<br />

Pior ainda, muitos <strong>de</strong>sses exames são consi<strong>de</strong>rados<br />

<strong>de</strong>snecessários e a culpa é do próprio INAMPS, cuja polí-<br />

tica favorece essa situação. A coisa funciona mais ou me-<br />

nos assim: em primeiro lugar o médico ganha mal e pre-<br />

cisa trabalhar em vários lugares para sobreviver. Além<br />

disso, nas quatro horas que ele passa no INAMPS tem<br />

que aten<strong>de</strong>r uma quantidadç enorme <strong>de</strong> pacientes, pois<br />

pior seria <strong>de</strong>ixá-los sem atendimento. Com pouco tempo<br />

para examinar cada doente, p médico precisa pedir exa-<br />

mes disso e daquilo para po<strong>de</strong>r se sentir mais seguro do<br />

que vai fazer. "Uma boa e <strong>de</strong>morada consulta evitaria<br />

esse problema e alguns dos exames <strong>de</strong> laboratórios não<br />

seriam necessários", explica o dr. Marrese.<br />

PESSOAL: OUTRO PROBLEMA<br />

"Mas para isso o INAMPS precisaria contratar mais<br />

médicos e dar a eles um salário que permitisse uma <strong>de</strong>di-<br />

cação maior, em vez <strong>de</strong> pagar às empresas particulares"<br />

diz uma médica da Secretaria da Saú<strong>de</strong>.<br />

Nos poucos centros<br />

<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong><br />

<strong>Paulista</strong>, on<strong>de</strong> o pessoal<br />

trabalha em condições pre-<br />

cárias, é nó Posto do<br />

INAMPS do Tatuapé, on-<br />

<strong>de</strong> a maioria dos habitan-<br />

tes da Regional <strong>de</strong> <strong>São</strong> Mi-<br />

guel são atendidos, os pa-<br />

cienta sofrem com as inú-<br />

meras <strong>de</strong>ficiências do ser-<br />

viço, que acabam enco-<br />

brindo a <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong> mé-<br />

dicos e funcionários. Às<br />

vezes, eles trabalham até<br />

<strong>de</strong>pois do expediente para<br />

que os mais necessitados<br />

não fiquem sem atendi-<br />

mento, e nada recebem<br />

por essas horas extras.<br />

há vários anos para ser chamada pelo INAMPS para ocu-<br />

par uma vaga e que tem direito por concurso. O INAMPS<br />

prefere pagar os serviços - péssimos muitas vezes - dos<br />

tubarões da medicina.<br />

"E aí entra roubalheira grossa", diz um funcio-<br />

nário do INAMPS que pe<strong>de</strong> para seu nome não ser divul-<br />

gado. "Essas empresas visam o lucro e fazem tudo para<br />

gastar menos - mesmo à custa da saú<strong>de</strong> do paciente - e<br />

ganhar mais". É operação que não precisa. Gasta um<br />

pedaço <strong>de</strong> esparadrapo e diz que gastou um rolo. Faz<br />

um exame e cobra dois e vai por aí.... Agora mesmo,<br />

uma <strong>de</strong>ssas casas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, muito conhecida, teve seu<br />

convênio cortado por essas irregularida<strong>de</strong>s. Fica na Zo-<br />

na Oeste. Agora eles vokaram a trabalhar com o<br />

INAMPS, por que? "Correu dinheiro grosso lá, parece<br />

que uns 10 milhões", é o que dizem pelos corredores.<br />

PARA COMPRAR COMIDA<br />

E isso não é tudo. Mesmo os serviços criado para<br />

beneficiar os mais necessitados geram distorções, cor-<br />

rupção e problemas <strong>de</strong> todo tipo. é O caso da distribui-<br />

ção gratuita <strong>de</strong> remédios, principalmente nos centros <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>. Uma funcionária <strong>de</strong> um <strong>de</strong>les conta: "O que ocor-<br />

re não está em nenhum gibi. Alguns pacientes pegam os<br />

remédios e ven<strong>de</strong>m para farmacêuticos inescrupulosos <strong>de</strong><br />

pequenas farmácias <strong>de</strong> bairro. É que muitos precisam<br />

mais <strong>de</strong> uni prato <strong>de</strong> comida e não vacilam em <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong><br />

tomar o remédio que o médico receita, para trocá-lo por<br />

algum alimento. "Para isso só existe uma solução: dar<br />

condição à população para que ela possa comprar os re-<br />

médios e tudo o mais que necessita", saliente, a assisten-<br />

te social <strong>de</strong> um centro <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> da Zona Leste.<br />

Quanto ao INAMPS, a solução só po<strong>de</strong> vir com a<br />

reformulação <strong>de</strong> toda a política <strong>de</strong> ação social do gover-<br />

no. Isso significa: reforçar a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> assistência do pró-<br />

prio Instituto, ao invés <strong>de</strong> pagar as casas<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> parti-<br />

culares; remunerar melhor seus funcionários e médicos<br />

para que o atendimento seja mais. elevado; criar mais<br />

postos, hospitais e laboratórios do próprio INAMPS, que<br />

não visariam o lucro e sim aten<strong>de</strong>r às necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

seus beneficiários.


GOMEÇA A BRIGA PELA SAÚ<strong>DE</strong><br />

Em Cangaíba, uma Associação Popular<br />

luta por melhores condições <strong>de</strong> vida<br />

"Eles fazem o que querem e ninguém abre a boca,<br />

porque pobre já está acostumado a sofrer". É seu Pedro,<br />

um animado e bem falante chofer <strong>de</strong> praça quem fala,<br />

guiando o fusca da frota em que trabalha e explicando<br />

o porquê do abandono <strong>de</strong> <strong>São</strong> <strong>Miguel</strong> <strong>Paulista</strong>. Para ele,<br />

o povo nem sabe os direitos que tem. "E, isso vai conti-<br />

nuar assim, se o pessoal não se unir para brigar...", lem-<br />

bra enquanto se <strong>de</strong>spe<strong>de</strong> do passageiro em frente à Igre-<br />

ja <strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Cangaíba.<br />

Ali, nos fundos da igreja, uma realida<strong>de</strong> parece<br />

<strong>de</strong>smentir as palavras do chofer: médicos, donas <strong>de</strong> casa<br />

e estudantes unem-se para discutir os problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong><br />

do bairro, apontar suas soluções, reivihdicare, sem per-<br />

<strong>de</strong>r tempo, já vão ajudando a população com'um ambu-<br />

latório on<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>m, esclarecem e encaminham os que<br />

procuram os seus serviços. A Associação formou-se <strong>de</strong>-<br />

pois <strong>de</strong> muitas reuniões nas casa dos moradores, quando<br />

estes enten<strong>de</strong>ram que era preciso se organizar para <strong>de</strong>fen-<br />

<strong>de</strong>r a saú<strong>de</strong> da comunida<strong>de</strong>. Antes <strong>de</strong> sua criação, um<br />

grupo <strong>de</strong> médicos, resi<strong>de</strong>ntes e estudantes se reuniram<br />

para ver a melhor forma <strong>de</strong> ajudar, é a psicóloga Maria<br />

Aparecida <strong>de</strong> Laia quem conta:<br />

"Tudo começou há quatro anos,quando o Bispo da<br />

Região. Leste, dom Angélico, convidou o pessoal para<br />

formar a Pastoral <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. No início, o trabalho era in-<br />

formar a população das causas que levam às doenças e à<br />

falta <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> um modo geral-: como evitar as doenças<br />

transmissíveis e o porque da falta <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> na região.<br />

Com tanta gente doente e tanta <strong>de</strong>satenção<br />

do governo, o povo cansou <strong>de</strong> esperar e partiu<br />

na <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> seus interesses, reivindicando um<br />

posto do INAMPS, centros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> do Estado,<br />

casas melhores para morar, salário que dê para<br />

comprar os alimentos necessários e todas as<br />

outras coisas que ajudam a manter uma vida<br />

sadia. Para isso, foi criada a Associação Popular<br />

<strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, que reúne moradores da Zona Leste,<br />

estudantes, médicos e todos os que querem a<br />

melhoria das condições <strong>de</strong> vida da população. A<br />

Associação promove cursos e palestras, com<br />

filmes, que mostram porque saú<strong>de</strong> é coisa rara<br />

na região. E, aos sábados à tar<strong>de</strong> mantém um<br />

plantão <strong>de</strong> ambulatório nos fundos da Igreja<br />

<strong>de</strong> Bom Jesus <strong>de</strong> Cangaíba.<br />

Mas logo se viu que não dava para ficar nisso. A saú<strong>de</strong><br />

não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas <strong>de</strong> médico e remédio. Ela está liga-<br />

da a outros problemas que a comunida<strong>de</strong> enfrenta no seu<br />

dia-a-dia, como salário, alimentação, habitação, falta <strong>de</strong><br />

água e esgoto e, principalmente, educação.'<br />

Sentiu-se que esse era um problema que interessava<br />

a todos e não podia ser resolvido apenas pelos jovens que<br />

se uniram para ajudar a população. Mais ainda: que só a<br />

união <strong>de</strong>ssa população po<strong>de</strong>ria levar a alguma coisa, prin-<br />

cipalmente para conseguir melhorias para a região. Outro<br />

fato contribuir para a criação da Associação, segundo a<br />

psicóloga: "muita gentequeria ajudar, participar dos tra-<br />

balhos, mas ficava constrangida por não ser católica - e<br />

as reuniões se realizavam na igreja. Foi então que as reu-<br />

niões passaram para as casas, com palestras,.discussões,<br />

etc. Criaram-se boletins <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, projetaram-se filmes,<br />

audio-visuais, enfim, tudo para atingir também, os que<br />

não sabem ler". Agora todos participam: crentes, católi-<br />

cos, espíritas. Testemunhas <strong>de</strong> Jeová e outros. "O pro-<br />

blema não é-<strong>de</strong> religião, pois o que faz a união é a carên-<br />

cia que é sentida por todos", explica Messias, um mora-<br />

dor do Jardim Robru, on<strong>de</strong> li<strong>de</strong>ra ump Associação <strong>de</strong><br />

Amigos <strong>de</strong> Bairro. "É o próprio pessoal dos bairros que<br />

convida a entida<strong>de</strong> para fazer as reuniões em suas casas",<br />

completa Laia.<br />

A ASSOCIAÇÃO É DO POVO<br />

A Associação Popular <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> funciona, assim,<br />

para os moradores, mas com o trabalho <strong>de</strong>les mesmos.<br />

Ela não tem lucro e sobrevive às castas <strong>de</strong> mensalida<strong>de</strong>s<br />

<strong>de</strong> Cr$ 10,00, para quem po<strong>de</strong> pagar. Organiza cursos <strong>de</strong><br />

saú<strong>de</strong>,,faz atendimento lá no salão da igreja e, agora,<br />

também está trabalhando junto com as Socieda<strong>de</strong>s Ami-<br />

gos <strong>de</strong> Bairro da região. "Mas enquanto a gente vai fa-<br />

zendo as coisas, sem esperar cair do céu, a gente não es-<br />

quece <strong>de</strong> lutar para que o governo cumpra a sua parte e<br />

traga para a região o que precisámos", diz um membro<br />

da Associação.<br />

Em Cangaíba, como em toda a região <strong>de</strong> <strong>São</strong> Mi-<br />

guel, não existe um único posto do INAMPS e a popula-<br />

ção tem que se <strong>de</strong>slocar até o Tatuapé. "Também luta-<br />

mos por mais centros <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> - conta Laia -, pois o que<br />

temos aqui é péssimo e nos outros lugares nem mesmo o<br />

péssimo existe".<br />

Para lutar por essas coisas a própria população já<br />

está se reunindo, discutindo e reivindicando seus direitos.<br />

Vários bairros estão se Unindo para conseguir centros<br />

<strong>de</strong> saúoe, muito necessários à população, principalmente<br />

por causa da vacinação e do leite distribuído. Alguns já<br />

conseguiram, outros irão conquistá-los e, <strong>de</strong>sse modo,<br />

darão força para aqueles que ainda não tentaram lutar<br />

pelo que têm direito.<br />

Essa é uma briga que todo mundo está começando<br />

a comprar. Talvez seja a briga da qual seu Pedro, do taxi,<br />

falava. Quem sabe ele e muitas outras pessoas irão se jun-<br />

tar ao pessoal da Associação' Popular <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> quando<br />

<strong>de</strong>la tomarem conhecimento.<br />

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33<br />

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O JORNAL.<br />

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