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baixar em PDF - Coleção Aplauso - Imprensa Oficial

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ATOR<br />

Tenha a bondade de entrar. Estava lhe esperando. O local pode não ser muito apropriado<br />

para receber um parlamentar. Quer dizer, então, que estamos numa d<strong>em</strong>ocracia!<br />

Mas, não fique parado aí na porta, entre. Muito b<strong>em</strong>. Usei um subterfúgio<br />

para poder contar com sua presença. Quando me telefonaram do partido me consultando<br />

sobre a possibilidade de aparecer na televisão divulgando os ideais políticos<br />

do socialismo s<strong>em</strong> falar <strong>em</strong> socialismo.<br />

Não recusei, mas ponderei que esse tipo de conversa não ficava b<strong>em</strong> fazer por telefone.<br />

E mandaram o senhor para cair nessa pegadinha.<br />

Já conversei com um velho ator como eu, com uma jov<strong>em</strong> candidata a atriz, uma<br />

jornalista, um diretor de teatro e estava faltando este el<strong>em</strong>ento que também faz o<br />

teatro parecer verdade mas não é, o político. Dispensei padres, pastores e professores<br />

que também se utilizam de nossas velhas conhecidas técnicas para engambelar<br />

seu público, o ofício desses artistas ou religiosos é lidar com o Além ou a Fantasia,<br />

portanto, t<strong>em</strong> menos poder de fogo. O exibicionismo deles faz com que não vejam<br />

com clareza o que se passa lá <strong>em</strong>baixo. São personagens que viv<strong>em</strong> num palco ou<br />

altar e não pod<strong>em</strong> perceber quando os estômagos estão vazios e ingenuamente<br />

ment<strong>em</strong> porque acreditam que estão representando a verdade de uma idéia. Nos<br />

políticos as idéias se transformam <strong>em</strong> fatos, <strong>em</strong> orçamentos com que se compra comida<br />

e vocês políticos sab<strong>em</strong> que não há comida para todos no orçamento e assim<br />

mesmo ment<strong>em</strong> para manter a ord<strong>em</strong>, vocês ficaram com o chicote do feitor na<br />

mão e patrioticamente cumpr<strong>em</strong> as leis do dono da fazenda, do dono da nação, do<br />

novo imperador.<br />

O que deve fazer um velho sábio, todo velho é sábio, quando percebe que ninguém<br />

cumpre dever algum, e se cada um de nós recebesse o que merece quantos<br />

escapariam do chicote? Esta frase é de Hamlet. Mas sente-se, meu assunto não é<br />

teatro. S<strong>em</strong>pre considerei o teatro político encenação de comício. O t<strong>em</strong>a do meu<br />

vídeo é morte e suicídio. Encomendei pela internet uma espingarda de dois canos<br />

que chegou no mês passado. Ainda não atirei com ela nenhuma vez. O senhor<br />

quer beber alguma coisa? Só tenho água e uma pinga muito boa que recebi de<br />

Minas. Eu quase não bebo. Prefiro maconha que não dá ressaca e se o senhor não<br />

se incomoda vou enrolando um baseadinho enquanto enrolamos nossa conversa<br />

sobre a morte física patrocinada pela política. Mas foi muita gentileza sua ter vindo<br />

até aqui, é um lugar meio secreto, uma espécie de camarim, de esconderijo, daqui<br />

da velhice dá para ver melhor o mundo se desintegrando enquanto vocês não<br />

cumpr<strong>em</strong> o papel que todos esperamos da Política. Arma, já tenho. Ainda não dei<br />

nenhum tiro com ela. Muito b<strong>em</strong>, um político. O senhor não quer mesmo beber<br />

alguma coisa? É um momento raro poder estar de frente com um clone, com um<br />

outro clown, outro palhaço, outro ser <strong>em</strong> extinção. T<strong>em</strong>os a mesma especialidade,<br />

pregar mentiras, enganar o público. Ganha prêmio qu<strong>em</strong> mente melhor, qu<strong>em</strong><br />

representa melhor. A mentira de um político d<strong>em</strong>ocrático pode até destruir Bagdá,<br />

destruir o mundo, s<strong>em</strong>pre com o apoio de d<strong>em</strong>ocráticos parlamentos com seus<br />

políticos. Mas há um parlamento que está chegando e já se instalou com técnica e<br />

arte, com a imag<strong>em</strong> como ponta de lança. É o cin<strong>em</strong>a e a televisão mostrando as<br />

imagens de qu<strong>em</strong> somos e como dev<strong>em</strong>os nos comportar. Não precisar<strong>em</strong>os mais<br />

de parlamentos ao vivo com palavras para criar leis, elas serão criadas diariamente<br />

pelos correios, pelos e-mails e pelos textos decorados, tudo pré-gravado e editado,<br />

finalmente arte mais forte que a vida.<br />

Eu estou nessa, de fora, filmando a própria morte. Espere um pouco, vou buscar a<br />

espingarda para lhe mostrar.<br />

[Sai de cena. Toca o telefone e depois de três toques é acionada a secretária eletrônica]<br />

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