O Chuck D olhou uma hora pra gente, chamou a gente pra entrar no palco e os seguranças ficaram barrando. Daí o Brown, com aquele jeitão dele, olhou bem pros caras e falou firme “O Chuck D falou pra gente entrar!” (risos). Daí a gente tocou. Foi na hora! E o público conhecia a gente. Cantamos “Pânico na Zona Sul” e “Racistas Otários” e foi muito bom. Pra gente foi histórico, participar do show do grupo que a gente era fã, foi marcante.
E quando saiu o disco Hip Hop – Cultura de Rua (coletânea histórica com Thaíde & DJ Hum, Código 13, MC Jack e outros)? Eu já tava envolvido. Ainda não tinha gravado nada, tava ali me aperfeiçoando. Os caras que apareceram nessa coletânea eram todos famosos, ídolos pra gente. Foi o DJ da Sideral que me mostrou a possibilidade de fazer aquilo com qualquer música. O Edi Rock me ensinou a mixar naquela época, porque o mixer naquela época era o botão de volume do aparelho. Me ensinou a fazer scratch, no aparelho normal. E seus pais? Te apoiaram? Meu pai apoiou, me ajudou a comprar meu primeiro mixer. Minha mãe sempre foi muito conservadora, veio do interior, e tinha a mentalidade da maioria das pessoas, que você tem que ter uma profissão com carteira assinada. Quando o rap americano chegou, imagino que mais de 90% das pessoas não sabiam sobre o que eles estavam cantando. Mas parece que essa afirmação de negritude chegou junto. São duas coisas distintas. A linguagem da música propriamente dita, que te hipnotiza, não importa o que está sendo falado na letra, que é foda; e outra coisa, que foram as idéias. Eu consigo separar a música que tem um puta instrumental, uma puta levada, com um cara falando só besteira, e aquele som que nem tem uma levada tão louca, mas tem um cara falando coisas boas. E tem a música que tem as duas coisas junto – é o que o Racionais tenta fazer. Mas foi o Public Enemy que despertou uma consciência na gente, porque eu ficava pensando “Quem é Malcolm X? Quem é Martin Luther King? O que é a Ku Klux Klan?” Aquilo te faz buscar informação. Eu me identifiquei na hora com o barato do Black Power, de Black Panther, de auto-estima. Tudo isso foi passado pra gente. No [disco de 1993] Raio X do Brasil, o Racionais MCs já era muito grande. Mas creio que a primeira grande exposição de mídia pra vocês foi a participação no show do Public Enemy né? A gente entrou no meio do show deles. Eles tavam no hotel, a gente foi até lá, o Chuck D veio falar com a gente, pintou uma identificação e tal. Ele deu uns ingressos pra gente e ficamos na entrada do palco, mas não dava pra entrar. Foi louco porque a gente foi com os discos. E ele não falou pra ninguém da produção ficar de olho em nós. O Chuck D olhou uma hora pra gente, chamou a gente pra entrar no palco e os seguranças ficaram barrando. Daí o Brown, com aquele jeitão dele, olhou bem pros caras e falou firme “O Chuck D falou pra gente entrar!” (risos). Daí a gente tocou. Foi na hora! E o público conhecia a gente. Cantamos “Pânico na Zona Sul” e “Racistas Otários” (ambas do álbum Holocausto Urbano, de 1990) e foi muito bom. Pra gente foi histórico, participar do show do grupo que a gente era fã, foi marcante. E você teve muita exposição depois com o Yo! MTV [extinto programa de rap da MTV, do qual KL Jay foi apresentador]. É, tem gente que até hoje pergunta do programa, pede pra voltar, acho muito legal. Hoje, com o volume de trabalho que eu tenho, não dá mais. Mas seria bom pro rap ter um programa. E ninguém te podava na MTV né? Algumas pessoas tentavam me corromper nas entrelinhas, mas eu sacava rápido. Mas eles davam muita liberdade pra você ser o que é. Alguns chegavam sutilmente, pra pedir pra colocar um dente, pra usar certas roupas, participar de certos programas, mas eu sempre falei não. O programa era uma das maiores audiências e por isso tiraram do ar: representava perigo pra eles, pra programação. A audiência começar a pedir coisas parecidas. É, música negra, rap. O Yo! fortaleceu muito o rap no Brasil e foi uma época de glória pro rap: SNJ, Sistema Negro, RZO, Xis, Sabotage, Racionais, Thaíde, Facção Central, os caras do interior, o pessoal de Brasília; todo mundo fazendo sucesso. Todo mundo tocando muito, no Brasil inteiro. E aí o pessoal da MTV resolveu tesourar. Foi muito gratificante pra mim, porque não fiz o Yo! pra aparecer, foi pelo rap, pela cultura hip hop. Tinha os quadros na rua que eu adorava fazer, ver tanta gente talentosa, tanto apresentador em potencial... Teve uma garota numa festa da Zona Leste que pegou o microfone para apresentar um bloco e apavorou! Fez melhor que muita gente. E não tem espaço. Um diamante ali, cheio de pó, de terra. Você acha que o programa do Rappin Hood [Manos e Minas, todas as quartas, às 19h30, TV Cultura] pode catalisar toda essa atenção? Depende dele, do formato, da linguagem, de cada programa ser de um jeito, ter um dinamismo. Mas é bom. O do Xis (PlayTV, Combo: Fala + Joga, todas as sextas, às 21:30, canal 21 UHF) é bom pra cacete também. E gente do meio artístico fala que o programa dele é melhor que os da MTV. Eu não quero jamais cuspir no prato em que comi, porque pra mim foi muito bom, deu muitas possibilidades pro rap, mas hoje é outra época. As rádios comunitárias foram fundamentais né? Foram. Eram elas que mantinham a coisa quente, o rap no ar. O que você anda escutando, além de rap? Vanessa da Mata e (pensa e cantarola), aquele som “Mulher Sem Razão” da Adriana Calcanhoto (composição de Bebel Gilberto, Cazuza e Dé Palmeira, presente no novo trabalho da cantora, Maré). Gosto muito de ver as mulheres brasileiras cantando. Tem o Stephan e o Damien Marley. Eu gosto desses reggaes/ragga. Os discos novos da Erykah Badu, a Rihanna, John Legend. Como é ver teu filho na tua profissão? Muito gratificante. Mas subiu muito rápido, tenho medo, porque tem que se manter lá. O bicho é zica, é bom mesmo. É muito novo e já tem a vida dele. Ele apareceu em um dos primeiros Hip Hop DJ que a gente fez, lá no Soweto. Lembro que o Brown tava do meu lado e falou “Meu, os caras velhos igual à gente não fazem isso, não mixam assim”, e eu falei (sorrindo e visivelmente orgulhoso) “É negão, é isso aí, meu! (risos)”. Eu ensinei o básico pra ele, que é a noção de ritmo e tempo. Falo muito isso quando dou curso. Não dá para começar um prédio pelo quinto andar, tem que fazer a base do lance primeiro. Com DJ é assim também. Para ler a continuação da entrevista e ouvir as músicas citadas, acesse: www.maissoma.com 31