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Adoração . 1966<br />

Pergunto se um possível privilégio em razão de sua família o<br />

incomodava de alguma forma: Eu não percebia essas coisas. Por<br />

exemplo, acho que fui um dos primeiros caras desconhecidos a<br />

mandarem trabalho para o Salão Paulista e entrar de cara. Quando<br />

entrei na fase das apropriações (usando materiais cotidianos em suas<br />

obras), coloquei um Antes do Meu Pai e Depois de Meu Pai. E ali comecei<br />

a fazer algo que era o inverso do que esperavam. Eu tinha uma<br />

consciência política em fazer arte, e não uma inconsciência<br />

psicanalítica.<br />

Fato é que, dado seu temperamento inquieto, Leirner – que havia sido<br />

jubilado em uma faculdade de engenharia têxtil nos Estados Unidos,<br />

voltara ao Brasil, se casara pela primeira vez (o artista se casaria outras<br />

duas vezes), e começava a se interessar por arte –, esse ambiente familiar<br />

operava de maneira paradoxal em sua vida. Se de um lado havia vantagens<br />

inegáveis, como o acesso a várias obras importantes em sua própria casa<br />

(a família possuía obras de Picasso, Chagall e Alfredo Volpi, por exemplo)<br />

e uma bela biblioteca, por outro lado havia o peso da influência paterna,<br />

que não era tida pelo artista como algo benéfico em si:<br />

Eu pintei inicialmente com o Juan Ponç e o Samson Flexor (entre<br />

1955 e 1957, ainda no período Antes do Meu Pai, que se estende até<br />

1962, quando falece Isai Leirner), até não agüentar mais pintar. Daí,<br />

comecei a me apropriar de coisas que eu encontrava nas ruas que já<br />

tinham pintura (portões etc). Para que pintar, então? Tinha que pintar<br />

a óleo, fazer cinco quadros de uma vez, até porque tinta óleo demora<br />

a secar. E, na minha casa, tinha-se muita informação sobre escultura,<br />

por causa da minha mãe, e pintura moderna até Klee, Picasso, Van<br />

Gogh. Eu era influenciado mais pela biblioteca de meus pais e, na<br />

verdade, não gostava de pintar. Achava muito cansativo. Tenho dois<br />

trabalhos nos anos 60 que são portões. Nesse trabalho [aponta para foto<br />

de um trabalho] do portão eu só coloquei uma interferência – uma faixa<br />

vermelha (Pôr do Sol, de 1962). Tinha que botar a mão do artista nele,<br />

porque não tinha coragem de colocar o portão tal qual havia<br />

encontrado. Foi um dos trabalhos que estavam na Exposição Nãoexposição<br />

da Rex Gallery & Sons Galeria. Assim eu fiz dezenas de<br />

trabalhos. E era rápido. Na minha cabeça tudo isso era muito mais<br />

instigante do que ficar horas numa tela. E eu me sentia preguiçoso por<br />

não ficar horas numa tela.<br />

O trabalho de Leirner que o colocou definitivamente entre os grandes<br />

nomes da arte contemporânea brasileira iniciou-se em 1962. E, é bom<br />

que se diga, trata-se de um trabalho marcado pela polêmica e por seu<br />

enorme poder de influência nas gerações posteriores. O crítico Tadeu<br />

Chiarelli, em seu livro Nelson Leirner – arte e não Arte, define<br />

precisamente o mote da obra de Nelson: “Toda a crítica ao sistema de<br />

arte surge como o próprio cerne da obra de Nelson Leirner a partir de<br />

uma vivência muito intensa e, portanto, de um conhecimento<br />

extremado de alguém que testemunhou, quase que desde sempre, os<br />

meandros do poder no âmbito da arte. (...) Revelar, colocar a nu os<br />

meandros do sistema de arte – que o artista aprendeu a conhecer tão<br />

bem – será a estratégia que o artista sempre usará para salvar a arte”.<br />

Pergunto a Leirner que papel<br />

ele atribui à critica de arte hoje:<br />

Não existe mais. O próprio curador absorveu o papel do<br />

crítico. Eu normalmente peço para amigos fazerem o catálogo<br />

das minhas exposições. A crítica está sumindo, assim como a<br />

historiografia da arte. Tudo isso está dentro desse novo sistema<br />

de arte. Se você pegar os livros dos anos 90, eles passaram a<br />

não ter texto. Têm uma introdução e só. Porque não há mais<br />

ideais, atitude. Hoje você vê um grupo fazendo graffiti,<br />

achando que está fazendo algo crítico, mas se você olhar<br />

historicamente...<br />

O artista paulistano parece acreditar em um eterno descompasso<br />

entre teoria e prática, manifesto no embate entre o objeto artístico<br />

propriamente dito e no que os críticos vêem. A fantasia do artista em<br />

relação ao seu trabalho não tem nada a ver com o conceito dos outros.<br />

Muitas vezes você está pensando em coisas do seu cotidiano, e o crítico<br />

está pensando em motivações mais filosóficas – coisas sobre as quais<br />

você nem pensou a respeito. Depois muitas vezes você acaba chupando<br />

da crítica aquele discurso (risos).

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