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+REVIEWS<br />
96<br />
Lie in the Light .<br />
Bonnie “Prince” Billy<br />
Drag City . 2008<br />
Nos anos 1980, existia<br />
uma expressão muito comum<br />
para caracterizar um disco que causava uma<br />
impressão forte em quem o escutava: clássico instantâneo.<br />
O passar dos anos e o uso abusivo dessa expressão<br />
deram a ela um gosto meio empoeirado.<br />
Afinal, eram tantos clássicos que surgiam em uma semana<br />
e logo depois iam embora que ficou difícil acreditar<br />
na existência de álbuns tão marcantes como Lie<br />
Down the Light, recém lançado por Bonnie “Prince”<br />
Billy. O artista, que também responde pelo nome de<br />
Will Oldham, conseguiu superar o disco anterior (“The<br />
Letting Go”) com fórmula parecida: arranjos grandiosos,<br />
letras e melodias lindas e longe de serem fáceis.<br />
Pra quem trilha um caminho parecido com o dele,<br />
da música do interior dos Estados Unidos, aparecer<br />
com uma coisa nova, tão pessoal e original, parece<br />
difícil. Sobretudo quando inovação não diz respeito à<br />
adesão a gêneros ou equipamentos da moda, mas a<br />
uma nova forma de ver o mundo e a arte. Em músicas<br />
como “You Remind Me of Something”, ele repisa no<br />
estilo balada country, mas carrega na tensão. Tem<br />
alguma coisa nova lá, não dá pra entender até<br />
escutarmos melhor. E não é à toa: ele faz tudo,<br />
menos querer soar como um cantor dos anos 1960 ou<br />
70. Ao mesmo tempo em que lembra de algo que faz<br />
parte dele (as referências à mãe são demais), não<br />
perde a oportunidade de cantar uma canção que fala<br />
de seus amores e de seus sonhos de agora – e que não<br />
acaba nunca. Um passado perene.<br />
O forte do disco, em seus arranjos e melodias,<br />
é tratar do mundo atual sem se desapegar da<br />
tradição. Dialoga com R. Kelly (que tem uma canção<br />
com o mesmo título) e com a música tradicional<br />
norte-americana. Bonnie “Prince” Billy já é um<br />
artista com longa carreira (desde os anos 1990, com<br />
os projetos Palace), mas ainda é quem tem mais<br />
coisas a falar sobre onde vivemos, sem se preocupar<br />
a aderir a gêneros ou a estilos pré-determinados.<br />
Por Lauro Mesquita<br />
Pastiche Nagô . Kiko Dinucci e Bando<br />
Afromacarrônico<br />
Desmonta . 2008<br />
O disco abre com algo que poderia ser uma salsa. Chega o<br />
cavaquinho cortando toda a canção. As vozes conferem uma<br />
doçura, e a letra deixa bem claras as predileções temáticas e<br />
estilísticas do jovem sambista Kiko Dinucci: “Malunga, Água-de-Briga, Marafo, Maria<br />
Branca/ Montuava na subida e três tombo na barranca”. “Engasga Gato”, a faixa de<br />
abertura, põe o sambista em lugar nobre: ao lado daqueles que não têm medo de levar<br />
o samba pra frente, sem reverência excessiva ao passado e ao mesmo tempo marcando<br />
território e respeitando os limites de certa tradição do samba. E qual é essa tradição? A<br />
dos afro-sambas de Baden Powell. O disco comporta um frescor, carregado da<br />
africanidade esperada de alguém que explora a tradição religiosa nagô, aliada a certo<br />
estilo cronístico que faz com que o trabalho dialogue diretamente com o melhor do<br />
samba paulistano. E, ao arquitetar expressões retiradas do vernáculo popular, rende<br />
homenagem ao grande escritor João Antonio. Posso estar exagerando, mas a canção<br />
“Rainha das Cabeças”, composta por Kiko e Douglas Germano – seu contumaz parceiro<br />
e talento digno de nota – é um clássico instantâneo. O violão de Kiko comporta um lado<br />
percussivo determinante à estética do álbum, latente em uma faixa mais lírica como<br />
“Ressurreição”, e é certamente o traço de personalidade marcante do trabalho. A<br />
percussão de Julio César, aliada aos vocais inequívocos de Dulce Monteiro e Railídia,<br />
potencializam a singularidade deste álbum – primeiro grande lançamento nacional de<br />
2008. Junto ao álbum, vem como bônus o primeiro EP do grupo, de 2007, devidamente<br />
remasterizado. O que intriga, já que os elementos distintivos do grupo já estavam<br />
naquele EP, é a quase nula repercussão do mesmo. Por Arthur Dantas<br />
Underworld . Kaz<br />
Zarabatana Books . 2008<br />
Kaz é, assim como um Charles Burns ou um Schiavon<br />
no Brasil, um artista cult entre aqueles cujas predileções<br />
estão no lado negro da força. Não à toa, há comentários<br />
de Art Spiegelman e Daniel Clowes na contracapa da edição nacional de suas tiras. No<br />
início da década de 90, Kaz criou a tirinha semanal conhecida como Underworld, um<br />
exercício estilístico com quarenta graus de febre, pesando nas tintas e em elementos<br />
estabelecidos em tiras clássicas estadunidenses, como Krazy Kat, Dick Tracy, Popeye<br />
e nos desenhos Looney Tunes. De certa forma, esteticamente, o trabalho de Kaz é<br />
pouco requintado, muito mais preocupado em render loas aos mestres do passado do<br />
que em criar algo novo. É na temática que ele surpreende. A impressão corriqueira é<br />
que o autor começa a história de onde os outros pararam, observando tudo de um<br />
ângulo sujo e nonsense, sem espaço para moral de história ou conclusões edificantes.<br />
E assim, com seus personagens estranhos, violentamente patéticos e psicóticos, Kaz,<br />
após oito livros publicados, é um dos queridinhos da crítica nos EUA e tem tudo para<br />
conquistar os leitores daqui, cansados da caretice reinante. Por Arthur Dantas