Actriz de cristal - Fonoteca Municipal de Lisboa
Actriz de cristal - Fonoteca Municipal de Lisboa
Actriz de cristal - Fonoteca Municipal de Lisboa
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
“Construí [‘A Espada<br />
e a Rosa’] como um<br />
épico - o argumento<br />
era muito maior,<br />
a rodagem também,<br />
e mais não pô<strong>de</strong> ser<br />
porque um filme vive<br />
também dos<br />
constrangimentos<br />
práticos que<br />
o afectam”<br />
dos Realizadores em Cannes, pelo<br />
que a experiência do gran<strong>de</strong> certame<br />
internacional já não lhe cria taquicardia.<br />
“Tive a sorte <strong>de</strong> a minha primeira<br />
curta ter sido seleccionada para a<br />
Quinzena – eu só queria provar a mim<br />
próprio que po<strong>de</strong>ria fazer um filme,<br />
e o choque foi tão gran<strong>de</strong> que, mais<br />
do que as expectativas, havia já um<br />
misto <strong>de</strong> alegria e fascínio por po<strong>de</strong>r<br />
difundir o filme nesses sítios. Mas são<br />
coisas que escapam completamente<br />
ao criador do filme. E também não se<br />
po<strong>de</strong> atribuir <strong>de</strong>masiada importância<br />
a isso.”<br />
O sonho comanda o fi lme<br />
“A Espada e a Rosa”, então. A Espada<br />
é o símbolo do Plutex, uma substância<br />
primordial capaz <strong>de</strong> tudo e mais alguma<br />
coisa. A Rosa é um pirata reformado<br />
e misantropo com mau feitio<br />
que se <strong>de</strong>smultiplica em Michael Biberstein,<br />
Luís Miguel Cintra e José<br />
Mário Branco.<br />
Há também o Manuel (o músico e<br />
cúmplice Manuel Mesquita, que já<br />
participava na primeira curta <strong>de</strong> Nicolau,<br />
“Rapace”): vive <strong>de</strong> biscates,<br />
evita o fiscal, tem um gato chamado<br />
Maradona (que rouba o filme sempre<br />
que entra) e abandona tudo para ir<br />
para alto mar com os piratas da caravela.<br />
Há canções, aventuras, piadas<br />
privadas, raptos, empregadas brasileiras,<br />
francesas petulantes, traições,<br />
cinema mudo, engenhocas e alemães<br />
com helicópteros.<br />
Nas palavras <strong>de</strong> um dos três Rosas<br />
no final do filme, “sonho, amor, arte,<br />
ciência, literatura, música, tecnologia,<br />
café e rum”.<br />
“Holy Santa Maria fuck!”, diz alguém<br />
a certa altura, e dizemos nós.<br />
O que é isto, João Nicolau?<br />
“É um filme <strong>de</strong> utopias, que trabalha<br />
e relativiza essa i<strong>de</strong>ia, e é um filme<br />
<strong>de</strong> aventuras que passam muito pela<br />
socieda<strong>de</strong> que se propõe.”<br />
Ou ainda: “ É um filme <strong>de</strong> fim <strong>de</strong><br />
Verão, porque essa i<strong>de</strong>ia do fim do<br />
Verão ser o fim do mundo, como diz<br />
a certa altura uma personagem, resume<br />
um pouco o espírito do filme.”<br />
Ou também: “É um pouco sobre a<br />
tensão entre acomodarmo-nos ou<br />
não, entre compreen<strong>de</strong>r que existe<br />
um individualismo irremediável mesmo<br />
quando gostamos <strong>de</strong> estar em<br />
socieda<strong>de</strong>.”<br />
Ou, mais pragmaticamente: “Construí-o,<br />
quase entre aspas, como um<br />
épico – o argumento era muito maior,<br />
a rodagem também (a primeira versão<br />
tinha três horas) e mais não pô<strong>de</strong> ser<br />
porque um filme vive também dos<br />
constrangimentos práticos que o afectam.”<br />
Para quem vê, é um filme cinéfilo<br />
(cita os filmes <strong>de</strong> piratas, os filmes<br />
musicais, a ficção científica clássica).<br />
“Talvez porque sou um bocadinho<br />
mais inocente e ainda acredito numa<br />
coisa mais clássica”, explica João Nicolau.<br />
Mas entre uma olha<strong>de</strong>la ao jogo<br />
do Chelsea no televisor do café e<br />
mais um cigarro, João Nicolau avança<br />
que isso é mais “questão <strong>de</strong> gosto propriamente<br />
do que <strong>de</strong> frequência”:<br />
“Não sou cinéfilo, nunca fiz a escola<br />
<strong>de</strong> cinema, nunca sonhei fazer filmes<br />
– estu<strong>de</strong>i Antropologia, fiz o mestrado<br />
em Antropologia Visual, convidaramme<br />
a trabalhar em montagem, um dia<br />
arrisquei fazer uma curta e agora cheguei<br />
a fazer uma longa. Não passei<br />
muitas horas da minha juventu<strong>de</strong> a<br />
ver filmes e a discuti-los. Há imensos<br />
filmes do Howard Hawks que não vi,<br />
só há relativamente pouco tempo é<br />
que <strong>de</strong>scobri musicais <strong>de</strong> um dos<br />
meus realizadores preferidos, o Vincente<br />
Minnelli, como a ‘Gigi’ ou ‘0<br />
Pirata dos Meus Sonhos’. Como qualquer<br />
pessoa da minha geração, <strong>de</strong>vo<br />
ter crescido a ficar fascinado com as<br />
coisas do David Lynch e do João César<br />
Monteiro, quando há um filme do<br />
Otar Iosseliani ou do Aki Kaurismaki<br />
gosto <strong>de</strong> ver, mas isso é mais uma<br />
questão <strong>de</strong> serem os filmes que gosto<br />
<strong>de</strong> ver.”<br />
Se “A Espada e a Rosa” é um filme<br />
que outras pessoas vão gostar <strong>de</strong> ver,<br />
logo se verá - a passagem na secção<br />
Orizzonti é na próxima quarta, dia 8,<br />
em sessão aberta ao público; a estreia<br />
em sala por cá só muito mais lá para<br />
a frente.<br />
João Nicolau já está <strong>de</strong>scansado<br />
com uma coisa, no entanto: o seu não<br />
é o filme mais longo <strong>de</strong> Veneza 2010:<br />
“À mesma hora passa o filme do Ab<strong>de</strong>llatif<br />
Kechiche na competição, que<br />
ainda é maior que o meu. Tem<br />
2h40.”<br />
Filme <strong>de</strong><br />
utopias,<br />
<strong>de</strong> fim<br />
<strong>de</strong> Verão<br />
(ou <strong>de</strong> fim<br />
do mundo),<br />
“A Espada<br />
e a Rosa”<br />
é também<br />
um objecto<br />
cinéfilo,<br />
que cita as<br />
aventuras<br />
<strong>de</strong> piratas,<br />
os musicais<br />
e a ficção<br />
científica<br />
clássica<br />
Ípsilon • Sexta-feira 3 Setembro 2010 • 28