Carnaúba dos Dantas Portalegre Entrevista - Fundação Jose Augusto
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<strong>Portalegre</strong> - Jardim <strong>dos</strong> cajus e borboletas<br />
Engenho faz alfenins artesanais<br />
Quem já comeu alfenim feito na hora?<br />
Todo final de tarde é de festa para os<br />
meninos do sítio Jenipapeiro, zona<br />
rural a 6 km do centro de <strong>Portalegre</strong>. As<br />
crianças correm até o engenho de cana do<br />
Jenipapeiro, em frente à igreja de Nossa<br />
Senhora de Fátima, para saborear o<br />
alfenim feito artesanalmente. O engenho<br />
fabrica também mel de engenho e duas<br />
mil rapaduras por dia.<br />
Segundo Luís da Câmara Cascudo, o<br />
alfenim, que o povo também chama<br />
alfeninho, é de origem árabe (al-fanid).<br />
O alfenim de <strong>Portalegre</strong> é bastante<br />
original. O melaço da cana, já depois de<br />
engrossar, é enrolado no talo da cana-deaçucar<br />
e balançado no vento até esfriar<br />
um pouco. O artesão, então, dá a liga<br />
com as mãos e faz o alfenim em formato<br />
de laços. O doce, quando está sendo<br />
puxado com as mãos para ficar mais<br />
uniforme, tem cor dourada.<br />
O escritor pernambucano Mario Sette,<br />
autor de “Senhora de Engenho”, definiu<br />
o alfenim como um “confeito alvíssimo,<br />
sólido mas delicado e quebradiço, muito<br />
agradável ao paladar, preparado com<br />
melado, que se deixa ao fogo até atingir<br />
um ponto especial, quando, então, se<br />
retira a massa do fogo, estendendo-a<br />
sobre um mármore ou qualquer outra<br />
superfície fria. Depois de parcialmente<br />
esfriada, puxa-se a massa com as mãos<br />
polvilhadas de goma até alvejar, e<br />
solidificar, podendo-se, antes, dar-lhe as<br />
mais variadas formas”.<br />
A cana utilizada no engenho Jenipapeiro<br />
vem do canavial da Boca da Pedra.<br />
O trabalho intenso começa às quatro<br />
da manhã e vai até o final da tarde.<br />
Evangelista Albino Lopes, 52 anos,<br />
trabalha “desde novo” no engenho. Para<br />
ele, que aprendeu o ofício com o pai<br />
Momélio Lopes, o calor intenso do lugar<br />
não é motivo para deixar de trabalhar.<br />
O engenho tem dois pisos. Na parte<br />
superior, a cana é moída no triturador<br />
motorizado e, na parte mais baixa, o<br />
parol recebe o caldo saído da moenda.<br />
O caldo de cana é despejado em seis<br />
caldeiras enfileiradas. Os caldeireiros<br />
mexem o caldo com cabaças de cuia até<br />
o líquido ficar no ponto de ir para um<br />
tacho de ferro.<br />
A garapa continua sendo mexida no tacho<br />
de ferro até ficar na consistência ideal.<br />
É do tacho que sai o melaço para fazer<br />
o alfenim. Para fabricar as rapaduras,<br />
o caldo grosso é despejado nas gamelas<br />
de madeira e, finalmente, enche as<br />
formas de madeira retangulares. Depois<br />
de esfriar, as rapaduras são retiradas<br />
e depositadas num quartinho anexo.<br />
Tudo feito conforme “seu” Evangelista<br />
aprendeu quando era menino.<br />
Dona Almira reza gente e bicho<br />
Quem entra na casa de Almira Maria<br />
de Souza, 76 anos, vê logo um quadro<br />
na sala com os dizeres “ao entrar nesta<br />
casa Deus te abençoe, ao sair Deus te<br />
acompanhe”. Os mais atentos podem<br />
notar um copo cheio d’água com duas<br />
sementes de mucunã sobre o armário da<br />
sala. As sementes, também conhecidas<br />
como olho de boi, são utilizadas como<br />
amuleto contra o mau olhado.<br />
Almira faz rezas desde que o marido<br />
Joaquim Pedro da Silva “sentiu uma<br />
fraqueza muito grande há mais de vinte<br />
anos”. A rezadeira diz ser filha de “um<br />
povo curador”. Maria Firmino, avó de<br />
Almira, e a bisavó também faziam rezas.<br />
“Eu dizia que não queria esta seita”,<br />
comenta. “Minha avó dizia que eu era<br />
uma menina de mão direita, de sorte.<br />
Aí passou muito tempo, meu marido<br />
adoeceu e comecei a fazer orações.<br />
Botava as mãos para cima e clamava a<br />
Deus e à Nossa Senhora”.<br />
Segundo conta, depois de presenciar a<br />
recuperação do marido, passou a acreditar<br />
no poder da oração e atender aos pedi<strong>dos</strong><br />
por rezas. “Joaquim, meu marido, vive<br />
bem há mais de vinte anos. Tudo que eu<br />
faço dá positivo. Primeiro vem Jesus, e na<br />
minha devoção é São Francisco e Nossa<br />
Senhora da Conceição”, diz, enquanto<br />
mostra uma imagem representando<br />
a Santíssima Trindade na mesinha de<br />
madeira da sala decorada com flores de<br />
plástico e duas velas acesas.<br />
A rezadeira lembra ainda da devoção por<br />
Santa Rosa e comenta o hábito de fazer<br />
as orações enquanto segura ramalhetes<br />
de flores. “Uso sempre rosas brancas e<br />
roupas brancas ou marrom. Não gosto<br />
de vestido florido”. Com o braço direito<br />
estendido, Almira toca a cabeça do fiel e<br />
faz o sinal da cruz. As rosas que utiliza<br />
são cultivadas no quintal da casa.<br />
As rezas são iniciadas com o Credo.<br />
Depois, Almira reza três Pai Nossos, três<br />
Ave Marias e termina a bênção com um<br />
Salve Rainha. A população de <strong>Portalegre</strong><br />
procura sempre a ajuda de Almira<br />
e também leva animais para serem<br />
reza<strong>dos</strong>.“Rezo tudo, gatinho, cachorro,<br />
porco...”.<br />
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