A HISTÓRIA CONTADA PELA CAÇA OU PELO CAÇADOR? - PACS
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Porém, segundo depoimentos: “não há[veria] interesse do governo Moçambicano em mudar essa<br />
realidade. O governo e as pessoas que lá estão possuem ligações com essas empresas” (informação<br />
verbal 87 ).<br />
C - Como esses projetos são decididos ou planejados? Há algum processo oficial (licitações,<br />
chamadas públicas etc.)? A população é consultada a respeito desses projetos?<br />
A participação social nas decisões públicas, em todas as entrevistas, foi citada como constante<br />
em leis e regulamentos, mas pouco efetivada na prática nos processos sociais e políticos. Ao<br />
mesmo tempo, a memória da guerra civil tem sido referida, em muitas ocasiões, como um fator<br />
que dificulta o trato das contradições e dos conflitos nessas sociedades.<br />
Ambos os países são caracterizados por uma história recente marcada por uma guerra de independência<br />
seguida de uma guerra civil (em Angola com fim há dez anos, em Moçambique<br />
há vinte). Os governos empossados assumiram o poder como governos populares, dentro do<br />
bloco soviético. O ambiente político e social atual, contudo, mantidas as especificidades de cada<br />
país, é de temor da volta da guerra, o que diante de uma oposição fragmentada, acaba se corporificando<br />
em medo das críticas e dos conflitos e num sentimento de necessidade contínua de<br />
eiminação dos conflitos e debates. Isso resultou, de um modo geral, em governos centralizadores,<br />
muito burocráticos, com processos de tomada de decisão pouco transparentes e com pouca<br />
participação social.<br />
todas as entrevistas colocaram em dúvida a existência de participação, muito embora existam<br />
muitas instituições próprias de regimes participativos, como as eleições e a criação de um parlamento.<br />
Segundo a entrevista de uma professora de Ciências Sociais de Angola:<br />
“[tivemos] uma guerra civil e há que se chamar de guerra civil [e não conflito armado].<br />
E o que se comemorou em abril não foi a paz efetiva, como dizia o discurso<br />
oficial. Foi apenas o fim da guerra. [Mas] voltar da guerra para a paz efetiva é um<br />
longo caminho que tem que ser feito no dia a dia, é construído. Passa por uma<br />
ordem social, pela inclusão na cidadania, e não esses projetos que é para dar a<br />
cara do querido e amado líder, mas seria combater a pobreza de fato. Se Angola<br />
tem dinheiro para fazer esses projetos [megaprojetos], poderia combater a pobreza<br />
(...) [poderia] proporcionar a todos os cidadãos um nível de vida com abertura e<br />
democracia. Se realmente tivéssemos essa mudança, se houvesse paz efetiva, não<br />
havia uma pobreza e desigualdade crescente. [temos] uma intolerância crescente,<br />
uma ausência de participação crescente. Hoje em dia nem elegemos o presidente<br />
direto, é por meio de uma lista. Até as últimas eleições, pelo menos o cabeça de<br />
lista era o que se tornava presidente. (...) Então chamar Angola de uma democracia<br />
é complicado. uma sociedade em que se está processando, acontecendo um processo<br />
de democratização também não me parece correto. Ao contrário, a sensação<br />
que eu tenho é que hoje, mais do que na década passada, há uma tentativa de usar<br />
o poder coercitivo que o Estado tem [para calar as críticas]. temos um problema:<br />
a divisão dos três poderes não é clara, pelo contrário é o presidente que nomeia o<br />
judiciário, o presidente pode destituir o legislativo mas não pode ser alvo... os prin-<br />
87 - Entrevista com Grupo Moçambicano da dívida