80 Anos de autoritarismo: uma leitura política do ... - EGACAL

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420 LUÍS CORREIA DE MENDONÇA mesmo pendor liberal, por exemplo, no projecto de Codice di Procedura Civile de 1937, do Ministro Arrigo Solmi, declaradamente inspirado na «grande ideia fascista» e num paradigma fortemente publicístico98 , o que se me afigura insustentável. Importa agora dizer algo sobre as características do Código. O Código de 1939 seguiu, já o referi, na esteira doutrinal em que foram moldadas as reformas feitas pelos decretos n.ºs. 12.353 e 21.694. Do decreto de 1926 conservou o princípio do juiz forte, activo e informado. Do decreto de 1932 recolheu os princípios da oralidade e concentração. Pode, por isso, dizer-se que «processo oral e processo concentrado dirigido e comandado, na realidade, por um juiz forte e activo são os lineamentos e orientações fundamentais da organização processual estabelecida pelo Código» 99 . Quanto à adesão do novo Código aos princípios da oralidade e concentração, tal materializou-se, entre outros, nos seguintes aspectos: existência de uma audiência de instrução, discussão e julgamento da causa em todas as formas de processo comum de declaração, ordinária (artigo 647.º ss.), sumária (artigo 791.º) e sumaríssima (artigo 800.º); introdução de uma audiência preparatória para a discussão oral das questões a decidir no despacho saneador (artigos 512.º e 513.º); a imediação traduz-se nos depoimentos das partes e testemunhas serem prestados, em regra, na audiência de discussão e julgamento (artigos 573.º, 628.º e 653.º, alíneas b) e d), na leitura em audiência dos quesitos e respostas dos 98 Carnelutti teceu a propósito deste ponto interessantes considerações pondo a tónica nos aspectos estéticos e arquitectónicas da arrumação das matérias no Código de Processo italiano. Tratar do juiz primeiro do que as partes «assemelhase a construir um edifício sem fachada ou pelo menos sem vestíbulo; começar com as normas sobre a competência é qualquer coisa como entrar da rua para o coração da casa», Franco Cipriani, Il Codice di Procedura Civile tra gerarchi e processualisti. Riflessioni e documenti nel cinquantenario dell ´entrata in vigore. Esi, Napoli, 1992: 166. 99 José Alberto dos Reis, «O novo Código de processo civil», op. cit.: 164. Reparese que neste estudo, por muitos considerado a verdadeira exposição de motivos do Código, não se atribui qualquer relevância ao princípio dispositivo.
80 ANOS DE AUTORITARISMO: UMA LEITURA POLÍTICA DO PROCESSO… 421 peritos, os quais aí prestam os esclarecimentos julgados necessários pelo tribunal (artigos 606.º e 653.º, alínea c), na faculdade de o tribunal, em qualquer altura, ouvir o funcionário especializado ou o técnico requisitado (artigo 653.º, alínea f), na faculdade de o tribunal, mesmo após o encerramento da discussão e de recolher à sala de conferências, poder ouvir as pessoas que entender (artigo 653.º, alínea g), na faculdade de o tribunal ordenar o depoimento perante o colectivo de pessoa, parte ou testemunha, que resida fora da circunscrição judicial (artigos 573.º, 630.º e 632.º), na possibilidade legal de a inspecção judicial ser feita pelo colectivo (artigo 616.º), na possibilidade legal de as testemunhas serem inquiridas no local da questão (artigo 629.º); o princípio da plenitude da assistência dos juizes está consagrado no artigo 654.º; a continuidade do debate, na medida do possível, está prevista no artigo 656.º; quanto à proibição de recurso separado quanto às decisões interlocutórias consagrouse um regime temperado no processo ordinário —os agravos interpostos de despachos proferidos até à organização do questionário sobem em conjunto ao tribunal superior quando subir o recurso da decisão sobre as reclamações contra o questionário ou logo que este esteja organizado, subindo os restantes quando subir a apelação da sentença (artigo 734.º)— e pleno, no processo sumário e nos processos especiais (artigos 792.º e 472.º) 100 . Quanto ao princípio da autoridade e actividade do juiz «o Código está elaborado sobre a base de que é o juiz quem dirige real e efectivamente todo o movimento do processo; e para exercer esta direcção e este comando, foi investido dos poderes necessários» 101 . De entre esses poderes refira-se o poder de promoção, de ordenar oficiosamente o que for necessário para o seguimento do processo (artigos 264.º e 266.º); o poder de instrução, de determinar as diligências e actos necessários para o descobrimento da verdade (artigo 265.º, n.º 3); o poder de disciplina, de recusar o que for impertinente ou meramente dilatório (artigo 266.º). 100 Op. cit.: 165-166. 101 Op. cit.: 166.
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