23 - Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais
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ESTUDOS<br />
18 Novembro <strong>de</strong> 2008<br />
Por isso, nos dias atuais, não se po<strong>de</strong> mais conceber<br />
a Constituição como um simples programa político que<br />
se presta a orientar os po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>. Sen<strong>do</strong> a Constituição<br />
uma norma hierarquicamente superior às <strong>de</strong>mais,<br />
seus valores e princípios <strong>de</strong>terminam a possibilida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> aplicação e a interpretação que se <strong>de</strong>va dar às<br />
normas infraconstitucionais.<br />
3 DEFASAGEM DA LEGISLAÇÃO PENAL E PROCESSUAL<br />
PENAL MILITAR<br />
Po<strong>de</strong>-se constatar, lamentavelmente, que, ao longo<br />
<strong>do</strong>s últimos anos, as políticas públicas implementadas<br />
para o melhor enfrentamento da criminalida<strong>de</strong> têm centra<strong>do</strong><br />
atenções na <strong>Justiça</strong> comum e esqueci<strong>do</strong> os conflitos<br />
sociais que envolvem os militares. Diversas foram as<br />
alterações introduzidas no Código Penal (CP) comum e<br />
no Código <strong>de</strong> Processo Penal (CPP) comum que visaram<br />
qualificar a intervenção punitiva, bem como obter maior<br />
efetivida<strong>de</strong> na relação processual penal. Tais intervenções<br />
político-criminais, formalmente, não atingiram a<br />
<strong>Justiça</strong> <strong>Militar</strong>.<br />
Contu<strong>do</strong>, é inconcebível que a operação da <strong>Justiça</strong><br />
<strong>Militar</strong> se mostre <strong>de</strong>sarticulada das opções político-criminais<br />
formuladas pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro. Não é possível<br />
admitir que os esforços <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público para a melhor<br />
compreensão <strong>do</strong> fenômeno da criminalida<strong>de</strong> e para<br />
o aprimoramento <strong>de</strong> sua intervenção punitiva <strong>de</strong>ixem<br />
<strong>de</strong> produzir efeitos em relação aos militares. Por isso, os<br />
magistra<strong>do</strong>s da <strong>Justiça</strong> <strong>Militar</strong> <strong>de</strong> <strong>Minas</strong> <strong>Gerais</strong> passaram<br />
a incorporar em seus julga<strong>do</strong>s muitos <strong>do</strong>s avanços<br />
introduzi<strong>do</strong>s na <strong>Justiça</strong> comum.<br />
Com base no permissivo <strong>do</strong> art. 3º <strong>do</strong> Código <strong>de</strong> Processo<br />
Penal <strong>Militar</strong> (CPPM), os juízes da <strong>Justiça</strong> <strong>Militar</strong><br />
mineira passaram a <strong>de</strong>terminar a suspensão <strong>do</strong> processo<br />
nos casos <strong>de</strong> réu revel cita<strong>do</strong> por edital e permitir<br />
perguntas das partes no interrogatório. Com as recentes<br />
alterações <strong>do</strong> Processo Penal comum, certamente, a<br />
oitiva das testemunhas se dará por perguntas diretas<br />
das partes e será possível a absolvição sumária. No trato<br />
das questões <strong>de</strong> natureza penal, os juízes passaram<br />
a realizar a <strong>do</strong>simetria da pena em três fases, a <strong>de</strong>finir<br />
o regime para o cumprimento da pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>,<br />
a exasperar a pena <strong>de</strong> um só <strong>do</strong>s crimes nos<br />
casos <strong>de</strong> crime continua<strong>do</strong> e, agora, a aplicar os bene-<br />
Revista <strong>de</strong><br />
ESTUDOS&INFORMAÇÕES<br />
fícios da transação penal e da suspensão condicional<br />
<strong>do</strong> processo, previstos na lei <strong>do</strong>s Juiza<strong>do</strong>s Especiais Criminais.<br />
A permissão legal para a incorporação <strong>do</strong>s avanços<br />
verifica<strong>do</strong>s na legislação penal comum po<strong>de</strong> ser encontrada<br />
no art. 12 <strong>do</strong> CP comum, que <strong>de</strong>termina a aplicação<br />
<strong>do</strong>s princípios constantes <strong>de</strong> sua parte geral aos<br />
fatos incrimina<strong>do</strong>s por lei especial, salvo disposição expressa<br />
em contrário.<br />
Cabe observar que, no Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Direito Constitucional,<br />
a coerência das respostas <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r Público prescin<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> previsão legal expressa. Nesse senti<strong>do</strong>, em <strong>de</strong>cisão<br />
proferida nos autos <strong>do</strong> HC 92961/SP, o Supremo<br />
<strong>Tribunal</strong> Fe<strong>de</strong>ral afirmou que os julgamentos proferi<strong>do</strong>s<br />
na <strong>Justiça</strong> <strong>Militar</strong> <strong>de</strong>vem se compatibilizar com a política<br />
criminal oficialmente a<strong>do</strong>tada pelo Esta<strong>do</strong> brasileiro<br />
e, no caso concreto, a Suprema Corte consi<strong>de</strong>rou o disposto<br />
na Lei n. 11.343/2006 – nova Lei <strong>de</strong> Drogas – para<br />
beneficiar um militar usuário <strong>de</strong> drogas, embora haja<br />
previsão expressa para tal conduta no art. 290 <strong>do</strong> Código<br />
Penal <strong>Militar</strong> (CPM).<br />
A criminalização das condutas que envolvem drogas<br />
na <strong>Justiça</strong> <strong>Militar</strong> constitui um exemplo marcante da esquizofrenia<br />
jurídica que se instalou pelo <strong>de</strong>scaso <strong>do</strong> legisla<strong>do</strong>r<br />
com a atualização das normas <strong>do</strong> Direito Penal<br />
<strong>Militar</strong>. Nos termos <strong>do</strong> CPM, ao usuário <strong>de</strong> drogas é cominada<br />
pena privativa <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong>, enquanto que na<br />
legislação utilizada na <strong>Justiça</strong> comum não. Segun<strong>do</strong> o<br />
estatuto repressivo militar, a pena máxima cominada ao<br />
traficante que pratica o crime em local sujeito à administração<br />
militar é igual à pena mínima cominada pela<br />
legislação comum ao traficante que realiza a conduta<br />
em local não sujeito à administração militar. Isso faz<br />
com que o uso <strong>de</strong> drogas caracterize um crime militar<br />
mais grave <strong>do</strong> que a mesma conduta ao caracterizar um<br />
crime comum e que o traficante seja estimula<strong>do</strong> a realizar<br />
o tráfico em local sujeito à administração militar,<br />
pois a repressão estatal será significativamente menor.<br />
Neste universo jurídico <strong>de</strong>sarmônico, <strong>de</strong>sproporcional<br />
e muitas vezes injusto, a atuação corretiva <strong>do</strong> juiz<br />
especializa<strong>do</strong> ganha especial relevo. O magistra<strong>do</strong> materializa<br />
as respostas oficiais que o Po<strong>de</strong>r Público oferece<br />
aos conflitos sociais e <strong>de</strong>ve preservar a racionalida<strong>de</strong><br />
e coerência <strong>do</strong> sistema normativo que aplica. Para se <strong>de</strong>sincumbir<br />
<strong>de</strong>ste mister, o juiz <strong>de</strong>ve orientar a sua análise<br />
pelos princípios constitucionais aplicáveis aos casos