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EDUCAÇÃO E LETRAS<br />
TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010<br />
A NOÇÃO DE GRAMÁTICA NOS ESTUDOS DE REPRESENTAÇÃO RUPESTRE<br />
As representações rupestres constituem uma das principais<br />
evidências da presença humana na pré-história. Esta afirmação,<br />
para o território brasileiro, é sem dúvida adequada, na medida em<br />
que as representações rupestres conformam um dos documentos<br />
acerca das ocupações humanas ocorridas em tempos pré-coloniais<br />
que mais resistem ao tempo, em função da natureza dos materiais<br />
que as constituem: minerais. Entretanto, apesar desta excepcional<br />
característica, que é a durabilidade, tratam-se dos documentos arqueológicos<br />
de mais difícil abordagem.<br />
Conforme nos orienta María Isabel Hernández Llosas, as representações<br />
rupestres podem ser abordadas de diferentes perspectivas:<br />
1) a partir da ótica das Artes Plásticas, que proporciona<br />
a análise das características estéticas das representações, observando<br />
as técnicas de aplicação dos pigmentos e características dos<br />
desenhos; 2) a partir da perspectiva da História da Arte, que questiona<br />
as formas de desenvolvimento das manifestações plásticas<br />
através do tempo, levando em conta as técnicas aplicadas e produtos<br />
gerados, aliados às variações na confecção e valorização estética<br />
ao longo dos tempos; 3) partindo de uma ótica<br />
Antropológica, que se interessará pelas mudanças e análises das<br />
diferentes manifestações culturais que originaram as manifestações<br />
artísticas, tentando observar o sentido estético que cada uma<br />
detenha, de acordo com a noção de beleza imposta pelos distintos<br />
contextos sociais; e, por fim, 4) partindo do ponto de vista da Arqueologia,<br />
que se orienta pelo viés antropológico, pois busca as<br />
informações e características dos grupos humanos que produziram<br />
as representações.<br />
Entretanto, apesar dos diferentes olhares, uma das grandes<br />
questões que se apresentam, sobretudo para os estudos de representações<br />
rupestres, é a impossibilidade de interpretação dos significados.<br />
Isto se deve a um fator simples: percebemos claramente<br />
a intenção humana na confecção das representações rupestres,<br />
mas, contrariamente a isto, jamais poderemos entender o que as<br />
mesmas significaram, uma vez que os autores de tais representações<br />
não existem mais. Assim sendo, presumimos que os conteúdos<br />
significativos destes signos se extinguiram com as populações<br />
humanas que detinham os mecanismos de leitura e compreensão<br />
dos mesmos. Esta consideração impõe uma grande limitação aos<br />
estudos das representações rupestres. Contudo, é justamente esta<br />
impossibilidade que nos leva a refletir sobre a necessidade de<br />
abordar este documento arqueológico testando outras ferramentas<br />
teórico/metodológicas, que permitam resultados que expressem o<br />
que eram e quem eram as sociedades passadas.<br />
É partindo destas perspectivas que temos testado a noção<br />
de gramática decorativa imposta por Marcel Otte aos estudos<br />
das representações rupestres. A partir desta noção, interessa-nos<br />
classificar os diferentes signos dos sítios rupestres e buscar levantar<br />
convergências entre eles. Para tanto, tomamos como parâmetros<br />
para leitura arqueológica dos motivos gráficos<br />
critérios como dispersão, concentração, associação, centralização,<br />
isolamento, marginalização, etc. Entendemos que as posições<br />
que os diferentes signos assumem num sítio rupestre<br />
podem indicar a intencionalidade de escolha de locais específicos<br />
no suporte rochoso para a confecção de certos motivos, representados<br />
em situações igualmente específicas e que, por<br />
estas características, levavam consigo significados particulares.<br />
Se constatada esta possibilidade, estaremos afinando dados<br />
acerca da citada gramática gráfica.<br />
Frente às discussões preliminarmente esboçadas, cabe explicitar<br />
o que compreendemos, ao utilizar a noção de gramática decorativa.<br />
Um dos princípios que rege a ideia de gramática é o de<br />
que a recorrência de ícones idênticos, associados com outros ícones<br />
e dispostos de maneira semelhante em diferentes espaços representam<br />
ideias iguais. Ou seja, estamos tratando as<br />
representações rupestres como códigos de linguagem, intencionalmente<br />
elaborados e com princípios rígidos de confecção, culturalmente<br />
determinados, a ponto de serem identificáveis por<br />
distintos indivíduos que detinham os mecanismos de leitura e<br />
compreensão das representações. Assim, a sugestão do uso na<br />
noção de gramática nasce da nossa compreensão de que as representações<br />
rupestres sugiram códigos gráficos específicos, dos<br />
quais jamais saberemos os significados, mas que nos possibilitará,<br />
nos estudos regionais, reconhecer as normas explícitas na confecção<br />
dos painéis rupestres e caracterizar territórios particulares de<br />
FOTOS: DIVULGAÇÃO<br />
uso de determinadas populações, que tinham como elo comum códigos<br />
gráficos. Em síntese, as representações rupestres entendidas<br />
como gramática, no plano dos significados, permite três outras<br />
considerações, que podem ser atribuídas aos indivíduos que confeccionaram<br />
os motivos gráficos: 1) que eles tinham a possibilidade<br />
de representação de ideias a partir de códigos gráficos; 2)<br />
que esta representação por códigos gráficos possibilitava a transmissão<br />
de ideias para outros indivíduos; 3) e que estas ideias estariam<br />
materializadas e propagadas para além da permanência<br />
física do indivíduo no espaço.<br />
Cabe, ainda, frisar o nosso interesse na condução desta forma<br />
de perceber as representações rupestres. Tem sido tendência nos<br />
estudos arqueológicos a canalização de energia para observação<br />
dos sítios com pinturas reconhecíveis no nosso plano cognitivo,<br />
com motivos figurativos, exemplo dos antropomorfos, zoomorfos<br />
e fitomorfos. Em face deste interesse, sítios com pinturas geométricas<br />
são negligenciados aos estudos, na medida em que paira no<br />
meio científico um entendimento, que tem certo consenso entre<br />
os arqueólogos, de que as representações geométricas são universais<br />
e, desta modo, seriam genéricas para construção de contextos<br />
arqueológicos.<br />
Nossa experiência no estudo de representações rupestres com<br />
padrões geométricos no Piemonte da Chapada Diamantina tem demonstrado<br />
justamente o inverso. Temos observado que apesar de<br />
geométricos, a maneira com que os motivos estão dispostos e associados<br />
nos sítios permite perceber particularidades para interpretação<br />
arqueológica, que podem vir a indicar repertórios<br />
13<br />
gráficos significativos relacionados, possivelmente, a sociedades<br />
que se apropriaram da região. Desta forma, inequivocamente, começamos<br />
a nos afastar da dúvida desta impossibilidade, frente aos<br />
dados empíricos de que dispomos. Os signos geométricos compreendidos<br />
pelas suas normas próprias de confecção e disposição<br />
nos sítios, a dita gramática decorativa, passam a ser vistos como<br />
importantes elementos para as interpretações arqueológicas de<br />
contextos regionais. Saímos, portanto, da impossibilidade para um<br />
cenário mais profícuo.<br />
Por outro lado, trabalhando ainda sobre a noção de gramática<br />
decorativa, cabe ainda uma breve reflexão. Se observarmos de maneira<br />
cuidadosa, perceberemos que os estudos arqueológicos sobre<br />
representações rupestres no Brasil têm se orientado, em sua maioria,<br />
à observação desta categoria de cultura material a partir da<br />
noção de Tradição Arqueológica. Por sua vez, o conceito de Tradição<br />
Arqueológica, de acordo com as perspectivas de Valentin<br />
Calderón, André Prous e Gabriela Martín, leva em consideração<br />
três pilares fundamentais: 1) cultura, reconhecida a partir de certas<br />
características recorrentes nos materiais arqueológicos de diferentes<br />
sítios; 2) tempo, na medida em que o componente cultural deveria,<br />
em tese, ter reconhecido um lapso de tempo de ocorrência;<br />
3) e espaço, no qual estariam distribuídos os vestígios com características<br />
similares (cultura), num lapso de tempo circunscrito.<br />
Ora, como podemos ver, a noção de Tradição Arqueológica detêm<br />
parâmetros concretos e invariáveis que embasam a observação das<br />
representações rupestres a partir de uma lógica normatizadora,<br />
com uma natureza recorrente num tempo e espaço específicos.<br />
Neste sentido, do que estaríamos falando, senão de um código específico<br />
de linguagem, de uma gramática decorativa? Esta é uma<br />
pergunta para reflexão.<br />
Entendemos que as bases para a discussão estão lançadas, de<br />
maneira que ficamos à disposição. Nosso interesse, de fato, é testar<br />
parâmetros de estudos que sejam adequados a nossa realidade<br />
arqueológica. Não sabemos, de fato,<br />
se a construção teórica que fazemos<br />
é a mais adequada.<br />
No entanto, sem se testar, e possibilitar<br />
que outros colegas façam o<br />
mesmo, jamais saberemos da validade<br />
de nossos postulados. Este é o<br />
nosso interesse.<br />
Carlos Alberto S. Costa<br />
Prof. Msc. da Universidade<br />
Federal do Recôncavo da Bahia<br />
carloscostaufrb@gmail.com