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20 TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010<br />

RAWLS: A JUSTIÇA COMO EQUIDADE E A JUSTIFICAÇÃO COERENTISTA<br />

No cenário anglo-americano, três justificativas eram correntes<br />

na época em que Rawls iniciou sua vida acadêmica: o<br />

fundacionismo moral, o intuicionismo e o utilitarismo. Contrapondo-se<br />

a esse cenário, Rawls passa a utilizar na sua teoria o<br />

procedimento coerentista da posição original e do equilíbrio reflexivo<br />

para justificar princípios e juízos morais. Em outras palavras,<br />

o objetivo da justiça como equidade é elaborar<br />

princípios de justiça justificados. Justificar significa mostrar<br />

como seria possível a adoção de determinados princípios de justiça<br />

mais razoáveis em relação a outros. Para tanto, é necessário<br />

demonstrar que pessoas racionais, em uma situação de equidade,<br />

escolheriam determinados princípios de justiça por serem<br />

mais razoáveis, em detrimento de outros encontrados em diversas<br />

concepções de justiça. Sob essa ótica, o procedimento rawlsiano<br />

é elaborado por meio de um sistema que harmoniza o<br />

mecanismo da posição original e o que ocorre em seu interior:<br />

o equilíbrio reflexivo. Este, por sua vez, não possibilita uma inferência<br />

de uma crença em relação à outra, ou outras, mas reflete<br />

a racionalidade de um ajuste de avanços e recuos entre<br />

juízos ponderados e princípios de justiça. Tal ajuste é simétrico,<br />

onde cada crença tem o papel de suportar e de ser suportada<br />

pelas crenças num mesmo sistema.<br />

Na posição original são especificadas as condições formais<br />

para a elaboração dos princípios de justiça, dado que oportuniza<br />

o esclarecimento público no qual as deliberações são efetuadas<br />

por meio de restrições e estabelece os termos justos de cooperação,<br />

formalizando as convicções ponderadas de pessoas razoáveis<br />

de maneira equitativa com o intuito de instalar os<br />

princípios de justiça. Sob essa visada, a posição original, embora<br />

sendo um critério formal de representação, utiliza os juízos<br />

ponderados dos indivíduos para a justificação dos princípios:<br />

por esse motivo, o procedimento da posição original encontrase<br />

vinculado intrinsecamente com o mecanismo do equilíbrio<br />

reflexivo. Sob outro prisma: a ideia central da posição original<br />

é tentar impedir que concepções individuais vigentes sobre os<br />

conceitos de bem afetem os princípios eleitos. As partes interessadas,<br />

nessa situação inicial, são iguais, isto é, têm os mesmos<br />

direitos no processo da deliberação dos princípios. Para<br />

tanto, podem propor e apresentar razões, a razoabilidade, pois<br />

possuem as suas concepções do bem e a faculdade do senso de<br />

justiça. No entanto, esses princípios têm que ser coerentes com<br />

os juízos refletidos, isto é, estar em equilíbrio, o que significa<br />

ter coerência: o recurso à coerência entre juízos morais considerados<br />

e os princípios de justiça aponta para a possibilidade<br />

de justificação coerentista, na teoria da justiça como equidade.<br />

No entanto, somente a característica da coerência não é um distintivo<br />

suficiente para que se possa afirmar tal coisa, porquanto<br />

o fundacionismo moderado também possui tal propriedade.<br />

O argumento mais relevante para determinar o procedimento<br />

do equilíbrio reflexivo amplo, enquanto modelo coerentista<br />

de justificação é, mais especificamente, o caráter<br />

dinâmico que ele encerra, e o não apelo às crenças básicas, pois<br />

no equilíbrio reflexivo amplo é possível observar avanços e recuos,<br />

podendo, com isso, até mesmo ser alterado todo o conjunto<br />

de julgamentos morais iniciais. Por conseguinte, esse<br />

movimento progressivo e regressivo que gera equilíbrio ou<br />

coerência entre princípios e convicções morais no interior da<br />

posição original, poderia garantir um suporte argumentativo<br />

para afirmar a existência do procedimento de justificação coerentista<br />

na teoria da justiça como equidade, porquanto a característica<br />

peculiar do coerentismo é aquela que afirma que as<br />

crenças de um mesmo sistema devem ter um apoio mútuo entre<br />

elas, não existindo, assim, nenhum aspecto a priori nem crenças<br />

básicas ou fundacionais. Portanto, a sutileza por meio da<br />

qual funciona o mecanismo da posição original e do equilíbrio<br />

reflexivo pode ser relacionada com as características do coerentismo<br />

emergente. Em tal mecanismo, a ideia de justificação<br />

pública está associada ao fato de que o pluralismo razoável<br />

presente nas sociedades bem-ordenadas e os juízos políticos<br />

são justificados por meio dos cidadãos que compõem uma sociedade<br />

bem-ordenada por meio de uma razão publicamente<br />

compartilhada e que tem como pontos fixos provisórios as<br />

ideias contidas na cultura política. Para tanto, tais juízos políticos<br />

não necessitam ser verdadeiros, apenas razoáveis. Por<br />

esse motivo, a justificação pública, alcançada por meio do<br />

equilíbrio reflexivo, ocorre pela coerência entre juízos particulares,<br />

convicções gerais e os princípios de justiça. Outro aspecto<br />

relevante para se compreender, na justiça como equidade,<br />

a utilização de uma justificação do tipo coerentista é a relação<br />

entre o equilíbrio reflexivo concomitante com a distinção entre<br />

o razoável e o racional: Rawls concebe a razoabilidade como o<br />

princípio da razão pública. Esta é uma forma de justificação pública<br />

que não faz apelo para nenhuma ideia transcendente ou a<br />

algum conceito além do que pode ser racional ou razoável e<br />

consensualmente aceito por cidadãos livres e iguais. Sendo<br />

assim, a justificação rawlsiana, pelo fato de não apelar às instâncias<br />

exteriores tal como um paradigma, é do tipo coerentista;<br />

não fosse assim, a justiça como equidade teria uma justificação<br />

fundacionista moderada, resultando em algo análogo a “alinhar<br />

tropas e intimidar o outro lado (... ). O pensamento que se encontra<br />

por trás disso é que ter caráter é ter convicções firmes e<br />

estar pronto para proclamá-las de modo desafiador aos outros<br />

”. Por conseguinte, se encarada dessa forma, tal aspecto seria<br />

contrário, por exemplo, à concepção de pessoa como livre, autônoma<br />

e igual, e, em virtude disso, a teoria de Rawls se identificaria<br />

com a sua própria crítica. Em contrapartida, o recurso<br />

na justiça como equidade às ideias implícitas na cultura de uma<br />

sociedade democrática e a utilização do procedimento representacional<br />

da noção de posição original destaca a ênfase que a<br />

teoria rawlsiana concede à característica da liberdade e da autonomia<br />

para as partes, pois, na posição original, as partes que<br />

a compõem, envoltas pelo véu de ignorância, seriam mutuamente<br />

desinteressadas de sua situação — embora lhes fossem<br />

concedidas algumas informações gerais. Por conseguinte, a ausência<br />

de dados sobre a posição dos agentes na sociedade produziria<br />

uma imparcialidade no momento da deliberação: é<br />

dessa forma que é considerada a justiça tal como equidade, ou<br />

seja, possibilitar a conjugação da liberdade com a igualdade,<br />

não violando nenhum acordo sobre as liberdades básicas, assegurando<br />

uma concepção de autonomia ampliada ao político<br />

como aspecto constituinte das sociedades bem-ordenadas. Em<br />

contrapartida, na justiça como equidade não é constatado nenhum<br />

aspecto conceitual na teoria que seja considerado como um objeto<br />

privilegiado da investigação, do contrário seria preciso admitir<br />

a hipótese de um paradigma único — fato que traria<br />

prejuízos incomensuráveis ao conceito de equidade e, em decorrência,<br />

à concepção de justiça. Esse fato seria contrário à meta<br />

da teoria rawlsiana: fornecer uma base razoável para a justificação<br />

das instituições democráticas. Sob essa ótica, se a justiça<br />

como equidade se utilizasse de crenças<br />

fundacionais, isso significaria que<br />

nela não se encontraria presente uma<br />

justificação do tipo coerentista. Mas<br />

contrário a isso, o próprio Rawls<br />

afirma que “nenhuma concepção<br />

moral geral pode fornecer um fundamento<br />

publicamente reconhecido para<br />

uma concepção de justiça”.<br />

Elnora Maria G. M. Lima<br />

Profa. Msc. da UFPI<br />

elnoragondim@ yahoo.com.br<br />

O LUGAR DA MORTE: MARCADORES IDENTITÁRIOS NOS RITUAIS FÚNEBRES<br />

Pensemos em cinema no Piauí: temos de um lado o filme Cipriano<br />

(dirigido por Douglas Machado, 2004), a partir da narrativa<br />

de um senhor morador do interior piauiense que sente a morte chegar<br />

e deseja ser enterrado de frente para o mar. Percorrendo territórios<br />

sagrados e profanos, criam-se diálogos e possibilidades de<br />

um entendimento com a morte. De outro lado, temos o filme cômico<br />

Ai, que vida (dirigido por Cícero Filho, 2008) , num contexto<br />

em torno de uma funerária que vende caixões para a prefeitura de<br />

forma ilícita, onde o ritual de passagem acontece em um rito fúnebre.<br />

Diante da postura desrespeitadora do prefeito embriagado,<br />

a mulher de um vereador resolve se candidatar ao cargo de prefeita.<br />

Diante desse exemplo – que poderia ser qualquer outro, tal<br />

qual a saga de Ataliba, o vaqueiro (CASTELO BRANCO, Francisco<br />

Gil, 1878) – a postura da identidade piauiense ganha sentido<br />

na sua ligação com a morte. Fazendo parte de sua marca, desde o<br />

respeito aos falecidos, nas orações ou na visita ao cemitério, local<br />

onde não se guardam apenas corpos, mas toda uma memória nas<br />

lápides, nas formas de conceber cada jazigo, túmulo. Alguns dos<br />

velórios se caracterizavam pela realização na casa do falecido,<br />

com o corpo estendido no meio da sala principal, num caixão<br />

construído pelos familiares. Pessoas em volta do morto, elegantes;<br />

com suas melhores roupas. Vestidas de preto, apenas a viúva e as<br />

filhas. As mulheres mais velhas, de hora em hora, rezavam um<br />

terço com a função de encomendar a alma do falecido aos cuidados<br />

das divindades (desde outros mortos até Anjos, Santos e<br />

Deus), em harmonia a um choro discreto e incessante, lembrando<br />

carpideiras. Muito café para que as pessoas aguentem a vigília pela<br />

madrugada. No lado de fora da casa, outros riem, conversam,<br />

“bebem” o morto: se socializam.<br />

A simbologia da morte nos rituais fúnebres está ganhando<br />

nova configuração, dentro dos contextos culturais das sociedades<br />

modernas, e mesmo que existam tantas formas diferentes de lidar<br />

com o morto – e não só com a morte -, a “padronização” dessas<br />

experiências ritualísticas impossibilita o desencadear das exéquias.<br />

Quem em Teresina ainda vela seus mortos em casa? Talvez a população<br />

empobrecida, provinda de uma desigualdade socioeconômica,<br />

e por isso, impedida de participar dessas novas<br />

configurações, restando-lhe apenas o plano- funeral. Negar a<br />

morte é próprio de nossa civilização tecnológica, o que nos leva a<br />

não tolerar sua ritualização, banindo o moribundo aos cuidados<br />

médicos, e ao morrer, delegamos os tratos do corpo às casas funerárias,<br />

responsabilizadas desde o deslocamento do hospital - pois<br />

já não se morre em casa, procurando prolongar ao máximo a<br />

(sobre) vida dos moribundos - banho, vestimentas, maquiagem,<br />

atribuindo ao cadáver um ar “saudável” para a despedida – e não<br />

a última, já que contamos com as visitas no dia de finados. Os velórios<br />

são realizados nos ambientes propícios das casas funerárias,<br />

mostrando o distanciamento daquela morte domesticada (ARIÈS,<br />

p. 1977), conduzida pelas relações próximas de parentes e amigos,<br />

enquanto fenômeno público, composto por elementos de estratégia<br />

e solidariedade familiar.<br />

Rituais fúnebres estabelecem comportamentos; condutas atra-<br />

vés de símbolos tão contaminados de significados, facilmente<br />

identificados nos piauienses, como celebradores (celebra- dores)<br />

da morte – tal qual símbolos que estereotipam uma identidade,<br />

como na Batalha do Jenipapo, que em sua significância de produção<br />

referencial de uma piauiensidade, consiste em um cemitério<br />

representando o heroísmo desse povo. Os rituais fúnebres, enquanto<br />

performances nos revelam aspectos fundantes de uma cultura,<br />

enraizados na memória e nos fazeres da tradição, nos<br />

socializam, refletindo nesses acontecimentos, os traços identificadores<br />

de uma sociedade: os próprios marcadores identitários.<br />

Identidade é tudo que nos faz pensar em “nós-mesmos” e<br />

“nós-outros”, (re)inventando tradições; (re)fazendo o imaginário.Identidade<br />

não é conceito, porque não pode ser definida, pois<br />

é “múltipla, inacabada, instável, sempre experimentada mais<br />

como uma busca que como um fato” (AGIER, 2001, p. 10). Mas<br />

pode ser narrada – e nas narrativas piauienses, encontramos o<br />

lugar da morte por entre fotografias, preces, semanas-santas, literatura,<br />

religiosidade, enfim, nos gestos<br />

e fazeres; nos ditos e feitos: “Esses homens<br />

sabiam honrar a morte” (MANN,<br />

1953, p.130).<br />

Jaqueline Pereira de Sousa<br />

Mestranda em Antropologia<br />

e Arqueologia na UFPI<br />

jaqpsousa@hotmail.com

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