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TERESINA-PI, SETEMBRO DE 2010<br />

CIÊNCIAS HUMANAS<br />

A CIENTIFICIDADE DO TURISMO<br />

Há muito se discute no meio acadêmico a problemática do<br />

turismo frente ao reconhecimento como ciência. A falta de consenso<br />

se deve ao fato de ser visto como uma atividade prática<br />

que envolve elementos reais ou potenciais, como os destinos<br />

turísticos e os turistas, e de ser um fenômeno dependente de<br />

outras ciências, produzindo uma relação de grande amplitude<br />

e complexidade.<br />

A palavra ciência tem sua origem no Latim e significa conhecimento.<br />

Define-se como sendo um “conjunto de conhecimentos<br />

socialmente adquiridos ou produzidos, historicamente<br />

acumulados, dotados de universalidade e objetividade que permitem<br />

sua transmissão, e estruturados com métodos, teorias e linguagens<br />

próprias, que visam compreender e orientar a natureza e<br />

as atividades humanas” (DEMO, 2005 p.15).<br />

Desta forma, vários são os autores que defendem a compreensão<br />

do turismo como uma não ciência, sendo Boullón<br />

(1990) um desses autores, que apresenta o entendimento de que<br />

as ideias que se derivam dos estudos em turismo estão desligadas<br />

entre si, principalmente as que são geradas em outras áreas do<br />

conhecimento humano. Este autor afirma, ainda, que o turismo<br />

não nasceu de uma teoria, mas de uma realidade que foi surgindo<br />

de maneira espontânea e que se configurou a partir das descobertas<br />

em outras áreas. Mas, o que dizer da cientificidade do turismo<br />

para caracterizá-lo como ciência?<br />

Sabe-se que o estudo do turismo tem passado nos últimos<br />

anos por um processo de evolução e consagração de teorias e que<br />

muito do conhecimento adquirido pode ser considerado como<br />

proveniente do desenvolvimento de pesquisa científica e de métodos<br />

racionais aplicados à observação empírica. Os estudos que<br />

são desenvolvidos na atualidade em universidades públicas e na<br />

iniciativa privada já se valem do fornecimento de elementos para<br />

verificação e contestação das hipóteses apresentadas. Portanto,<br />

esses estudos já proporcionam provas indicativas, descrevem<br />

como foram os procedimentos de construção do novo conhecimento<br />

e informam como se deve proceder para achar outros.<br />

Mas, mesmo com todos os indícios elencados acima, que<br />

fazem do turismo candidato nato ao reconhecimento como ciência,<br />

grande parte dos pesquisadores ainda concebem o turismo<br />

apenas como saber. A diferença entre ciência e saber é de que a<br />

primeira, ao contrário do segundo, tem um objeto definido de estudo,<br />

utiliza-se de métodos de pesquisa que permitem a verificação<br />

dos resultados e, por tratar de aspectos regulares passíveis de<br />

detectar, possibilita realizar prognósticos relativamente seguros.<br />

Já o saber, no entanto, sustenta-se nas experiências que já passaram,<br />

apesar de cumulativas, não necessariamente permitem a verificação,<br />

o que não provém certezas.<br />

Mesmo com correntes de pensamento fortemente fundamentadas<br />

e contrárias ao reconhecimento do turismo como ciência,<br />

autores como Jean-Michel-Hoerner (2003), que publicou suas<br />

ideias sobre a ciência do turismo ou, como ele intitulou, a turismologia,<br />

insistem nos argumentos que revelam o desenvolvimento<br />

do estudo do turismo para o grau de ciência, como: a<br />

turismologia poderá estudar o que estiver relacionado com o objeto<br />

de estudo “viagem”, desde a sua concepção, a abrangência<br />

do mercado de viagens, o seu desenvolvimento e suas consequências,<br />

os contextos sociais e culturais, as relações entre os turistas<br />

e as sociedades receptoras, ou seja, a turismologia, no entendimento<br />

de Hoerner, será uma ciência humana, orientada para o estudo<br />

da viagem e aplicada às profissões relacionadas com o<br />

turismo e a hotelaria. Hoerner finaliza sua argumentação expondo<br />

que o turismo abarcará um campo vasto de estudos, mas não diferente<br />

de outras ciências como a geografia, a sociologia, a economia,<br />

a história, entre outras.<br />

Com tantas contradições e parca compreensão da complexidade<br />

do fenômeno do turismo, a cientificidade no estudo do tu-<br />

COMUNIDADE QUILOMBOLA E O USO DOS RECURSOS VEGETAIS NO PIAUÍ<br />

O termo quilombola antigamente era utilizado para designar<br />

escravos fugitivos das senzalas e que se refugiavam na<br />

mata em áreas de difícil acesso. O Quilombo dos Palmares<br />

era o mais conhecido, tendo Zumbi como o líder maior. Atualmente,<br />

segundo a Associação Brasileira de Antropologia –<br />

ABA, o termo quilombo é definido como um conjunto de pessoas<br />

que desenvolveram práticas cotidianas de resistências na<br />

manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos<br />

e na consolidação de um território próprio.<br />

O Artigo 68 da Constituição Federal abriu um novo horizonte<br />

para as comunidades remanescentes de quilombo, ao estabelecer,<br />

posteriormente, por meio de Decreto, a necessidade<br />

de restituir os territórios tradicionalmente ocupados pelas comunidades<br />

e assegurar a sua titulação definitiva como território<br />

de uso comum. O Decreto Lei Federal Nº 4.887/2003 define<br />

que a caracterização dos remanescentes das comunidades dos<br />

quilombos será atestada mediante auto-definição da própria comunidade<br />

e denominação do seu território, sendo o INCRA o<br />

órgão responsável pela demarcação do território.<br />

No Piauí, existem mais de 100 comunidades remanescentes de<br />

quilombo, porém apenas 38 são reconhecidas pela Fundação Cultural<br />

Palmares, órgão responsável pela expedição da Certidão de<br />

Autorreconhecimento como comunidade quilombola.<br />

No mapeamento e caracterização sociocultural realizado em<br />

oito comunidades negras rurais do Piauí, conduzido pelos pesquisadores<br />

Francis M. Boakari e Ana Beatriz M. Sousa, em 2006, ligados<br />

ao IFARADÁ (Núcleo de Pesquisa sobre Africanidade e<br />

Afrodescendência da UFPI), foi constatado que o histórico das comunidades,<br />

suas atividades socioculturais e a vida cotidiana são<br />

muito parecidos, sendo que o ponto comum reside na dificuldade<br />

de acesso aos seus locais de residências, haja vista muitas se encontrarem<br />

escondidas em grotões, chapadas e vales, característica<br />

dos antigos quilombos. A atividade de destaque consistia da prática<br />

religiosa católica, além de danças, como o reisado, futebol nos fi-<br />

DIVULGAÇÃO<br />

nais de tarde e as conversas nas portas das casas.<br />

Quanto ao uso da vegetação por comunidades quilombolas no<br />

Piauí, temos estudos de caso em três comunidades; primeiro foi realizado<br />

em Amarante na Comunidade Mimbó, por Jeane Abreu, em<br />

2000, que verificou a utilização de 73 espécies, distribuídas em oito<br />

categorias de uso (medicinal, construção, tecnologia, alimento humano,<br />

alimento animal, combustível, místico/religiosa e venenosa).<br />

A autora conclui existir entre os Mimbós um apreciável nível de<br />

conhecimento sobre a utilidade das espécies vegetais do cerrado,<br />

os quais reconhecem dentro de seu território duas fitofisionomias<br />

distintas, a Chapada (cerradão) e o Baixão (cerradão/mata ciliar),<br />

de onde procede grande parte dos recursos por eles utilizados.<br />

Os outros dois estudos foram realizados dentro do programa<br />

de pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRO-<br />

DEMA/UFPI (Mestrado e Doutorado), orientados pela Profa.<br />

Dra. Roseli Barros, que trabalha na área de etnobiologia de comunidades<br />

rurais, pesqueiras e quilombolas.<br />

Em 2005, Eldelita Franco verificou a diversidade etnobotânica<br />

no Quilombo Olho D’água dos Pires, em Esperantina, reunindo<br />

informações sobre 177 etnoespécies, pertencentes a 57<br />

famílias botânicas, agrupadas em doze categorias de uso: medicinal,<br />

alimentação, madeira, forrageira, ornamental, artesanal,<br />

veterinária, mágico-religiosa, comercial, fibra, higiene e energética.<br />

As etnoespécies indicadas pelos quilombolas estão presentes<br />

em área de vegetação nativa de transição entre o cerrado<br />

e a floresta decidual mista e em outros locais, como quintais,<br />

roças e capoeiras. Segundo a autora, a comunidade utiliza a vegetação<br />

nativa como fonte principal de aquisição de matériaprima,<br />

e o número de espécies úteis encontradas indica a<br />

importância dos recursos vegetais para a sobrevivência do<br />

quilombo; ressalta o alto nível de conhecimento que os membros<br />

mais antigos da comunidade detêm sobre o ambiente em<br />

que vivem, e considera a necessidade urgente o repasse de<br />

conhecimento aos membros mais jovens, para que o saber<br />

19<br />

rismo encontra resistência de outras ciências ligadas ao tema,<br />

pois tentam, cada uma, aprofundar as bases de uma teoria transferindo<br />

os seus modos de abordagem.<br />

Assim, o termo turismologia, embora corresponda etimologicamente<br />

ao discurso sobre o turismo, veicula uma<br />

imagem científica, mas ainda pretensiosa, pois, transforma<br />

o turismo em um campo único do saber, omitindo a natureza<br />

multidisciplinar.<br />

Vicente de Paula Censi Borges - Prof. Msc. da UFPI<br />

vpborges@ufpi.edu.br<br />

José Pedro da Ros – Prof. Msc. da UFPI<br />

ros@ufpi.edu.br<br />

tradicional adquirido das gerações anteriores possa ser perpetuado<br />

e valorizado entre as gerações futuras.<br />

E por último, em 2008, Fábio Vieira realizou o levantamento<br />

de 225 espécies úteis em uma área de transição vegetacional entre<br />

a Caatinga e o Cerrado, na Comunidade Quilombola dos Macacos<br />

em São Miguel do Tapuio, identificando 13 categorias de uso, destacando-se<br />

principalmente os usos medicinais, forrageiro, alimentício,<br />

melífero e madeireiro. Destacam também uma preocupação<br />

por parte dos moradores em preservar determinadas espécies, por<br />

considerarem importantes na manutenção da tradição e, por conseguinte,<br />

entre elas estão duas que aparecem na lista do IBAMA,<br />

na categoria vulnerável: Myracroduon urundeuva Allemão<br />

(aroeira) e Astronium fraxinifolium Schott (gonçalo-alves); outra<br />

espécie que vem recebendo atenção por parte dos quilombolas é<br />

a Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm. (imburana-de-cheiro),<br />

por considerarem uma espécie com alto valor, principalmente madeireira<br />

e medicinal. Esta preocupação é também verificada na<br />

utilização das espécies que crescem nas áreas de pousio e de galhos<br />

caídos, para o uso como lenha e fabricação de carvão vegetal,<br />

conservando, assim, as áreas de vegetação nativa.<br />

Por fim, comparando os dados dos três estudos, observamos<br />

que as comunidades quilombolas estudadas<br />

no Piauí têm em comum a<br />

vegetação nativa como fonte importante<br />

de recursos, para a sobrevivência<br />

das mesmas.<br />

Fábio José Vieira<br />

Doutorando em Desenv.<br />

e Meio Ambiente – UFPI,<br />

fabao.bio@hotmail.com<br />

Roseli F. Melo de Barros<br />

Profa. Dra. da UFPI<br />

rbarros.ufpi@yahoo.com.br

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