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O egoísmo lógico e a sua superação - Centro de Filosofia

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Paulo Tunhas<br />

da boa vonta<strong>de</strong> originária101. Victor Goldschmidt pô<strong>de</strong> sugerir que a i<strong>de</strong>ia kantiana<br />

da natureza como tipo da lei moral102 é susceptível <strong>de</strong> uma interpretação estóica103.<br />

Passemos agora à questão dos valores104. A posição dos valores no interior da<br />

ética kantiana é problemática, facto que alguém como Max Scheler não <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> sublinhar105.<br />

Tal situação <strong>de</strong>ve-se ao carácter efectivamente formal da região criada pelo<br />

imperativo categórico (a dissimulação ajudará a corrigir um pouco a situação106).<br />

Victor Goldschmidt mostrou que a situação não é diferente no que diz respeito ao<br />

estoicismo: “na teoria estóica dos valores, nenhuma dignida<strong>de</strong> normativa lhes é atribuída”107.<br />

É o conjunto da doutrina dos preferíveis que <strong>de</strong>termina esta posição. Os<br />

preferíveis são indiferentes108. Po<strong>de</strong>mos assim medir a distância que separa uma tal<br />

doutrina <strong>de</strong> uma doutrina como, por exemplo, a <strong>de</strong> Aristóteles (e também compreen<strong>de</strong>r<br />

a indignação constantemente expressa por Plutarco em De Communibus notitiis<br />

adversus Stoicos). É a diferença entre uma ética <strong>de</strong> apodicticida<strong>de</strong> – a dos Estóicos,<br />

a <strong>de</strong> Kant – e uma ética <strong>de</strong> a<strong>de</strong>quação – <strong>de</strong> Aristóteles (ou <strong>de</strong> Scheler)109.<br />

Para acabar com esta lista algo rapsódica, assinalo apenas que, no mesmo<br />

contexto, a relação entre legalida<strong>de</strong> e moralida<strong>de</strong> se encontra já tematizada pelos<br />

Estóicos, <strong>de</strong> uma maneira que, <strong>de</strong> certo modo, é já “kantiana”110.<br />

7. O sistema<br />

Mas é no que toca à própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sistema que o parentesco entre Kant e<br />

os Estóicos se revela mais profundo. O sistema kantiano constrói-se, po<strong>de</strong>r-se-ia<br />

63 IX, 33.<br />

64 X, 18. Cf., a propósito do olhar que permite a visão da metamorfose permanente das coisas, Hadot, op.<br />

cit., p. 212, e, sobre a atenção , p. 214. Sobre a mudança e a transformação, cf., p. ex., MA,<br />

IV, 3, 14, 36; VII, 47; VIII, 21; X, 11, 18; XI, 17. Trata-se, da parte <strong>de</strong> Marco Aurélio <strong>de</strong> uma prática<br />

(proto-wittgensteiniana) da dialéctica aspectual (ensaiar os diversos aspectos a partir da qual a coisa<br />

po<strong>de</strong> ser vista): “Viste isto? Vê igualmente aquilo!” (IV, 26; cf. tb. II,<br />

2, 11; e Epicteto, III, xxiv, 88: “Coloca face ao teu espírito representações contrárias”). A literatura das<br />

“questões” estóicas pertence também a esta configuração (cf. Cícero, Off., III, 89 ss., sobre as posições<br />

contrárias <strong>de</strong> Diógenes <strong>de</strong> Babilónia e <strong>de</strong> Antipater). Daí também o papel dos paradoxos (cf. Cícero,<br />

Acad., II, 136), que suscitou o justo comentário <strong>de</strong> Victor Goldschmidt: “A moral estóica fornece um<br />

terreno <strong>de</strong> eleição ao estudo da argumentação, já que vive <strong>de</strong> situações-limite, próprias a pôr severamente<br />

à prova o valor dos argumentos” (“Logique et rhétorique chez les Stoïciens”, in La théorie <strong>de</strong> l’argumentation.<br />

Perspectives et applications, Lovaina, Éditions Nauwelaerts, 1963, p. 456). (A resposta <strong>de</strong><br />

Kant a Benjamin Constant em Sobre um pretenso direito a mentir por humanida<strong>de</strong> lembra-nos que esse<br />

é também o estilo kantiano; reenvio <strong>de</strong> novo a “Intention, bonheur, dissimulation”, p. 211 ss.) É ainda<br />

do ponto <strong>de</strong> vista da dialéctica aspectual que vale a pena analisar a insistente doutrina estóica dos vários<br />

papéis que cada indivíduo <strong>de</strong>sempenha simultaneamente (como pai, como filho, como senador): cf.<br />

Cícero, Fin., III, 24; Off., I, 122-125; Epicteto, Diss., III, xxi, 18; IV, ii, 10; IV, iii, 3; II, x, 7-8; Epicteto,<br />

Ench., xxx; MA, VI, 43. Pascal, leitor experimentado <strong>de</strong> Epicteto, lembrará esta doutrina: “Souvenezvous,<br />

dit-il ailleurs, que vous êtes ici comme un acteur, et que vous jouez le personnage d’une comédie,<br />

tel qu’il plaît au maître <strong>de</strong> vous le donner. S’il vous le donne court, jouez-le court; s’il vous le donne<br />

long, jouez-le long, s’il veut que vous contrefassiez le gueux, vous le <strong>de</strong>vez faire avec toute la naïveté

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