Transformando corpos em pergaminhos - Nucleo de Humanidades ...
Transformando corpos em pergaminhos - Nucleo de Humanidades ...
Transformando corpos em pergaminhos - Nucleo de Humanidades ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Emilene Leite <strong>de</strong> Sousa<br />
<strong>de</strong>sejos (na psicanálise <strong>de</strong> Freud) até a idéia <strong>de</strong> que os movimentos do<br />
corpo contribu<strong>em</strong> para a transformação social <strong>de</strong> sentido (para Marcel<br />
Mauss).<br />
Muitas vezes <strong>de</strong>ixou-se mesmo <strong>de</strong> questioná-lo como tão b<strong>em</strong> o<br />
fez Le Breton:<br />
o próprio corpo não estaria envolvido no véu das representações? O corpo<br />
não é uma natureza. Ele n<strong>em</strong> se quer existe. Nunca se viu um corpo: o<br />
que se vê são homens e mulheres. Não se vê <strong>corpos</strong>. Nessa condição, o<br />
corpo corre o risco <strong>de</strong> n<strong>em</strong> ser um universal (Ld:E BRETON, 2006, p. 24).<br />
Mas as representações do corpo são representações da pessoa.<br />
E as representações das pessoas e do corpo estão s<strong>em</strong>pre inseridas<br />
nas visões <strong>de</strong> mundo das diferentes culturas.<br />
O corpo é socialmente construído, não é um dado inequívoco,<br />
mas o efeito <strong>de</strong> uma elaboração social e cultural. As concepções do<br />
corpo partiram da crença <strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> separado do cosmo, separado<br />
<strong>de</strong> outros e, finalmente, separado <strong>de</strong> si mesmo (LE BRETON, 2006).<br />
Todas compreendiam a corporeida<strong>de</strong> enquanto estrutura simbólica, com<br />
representações, imaginários variáveis conforme as socieda<strong>de</strong>s. O hom<strong>em</strong><br />
e o corpo são, na verda<strong>de</strong>, indissociáveis e este último integra o<br />
primeiro no seio <strong>de</strong> um grupo, na medida <strong>em</strong> que o diferencia dos<br />
d<strong>em</strong>ais indivíduos.<br />
O corpo não existe <strong>em</strong> estado natural, só se torna passível <strong>de</strong><br />
compreensão na trama social <strong>de</strong> sentidos, <strong>de</strong>vendo, por isso, ser analisado<br />
<strong>em</strong> seu contexto. Seria, pois, o lugar on<strong>de</strong> a socieda<strong>de</strong> se torna<br />
hom<strong>em</strong> ao passo que atua como o lugar on<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> se torna social.<br />
Dev<strong>em</strong>os, por isso, atentar para o risco <strong>de</strong> fragmentação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
humana entre o indivíduo e o corpo. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, tal qual a<br />
m<strong>em</strong>ória social, não está inscrita apenas pela literatura oral ou escrita,<br />
ela se inscreve também no corpo por meio <strong>de</strong> suas técnicas, gestos e<br />
escarificações.<br />
Para Mauss (2003) o corpo seria o primeiro e o mais natural<br />
instrumento do hom<strong>em</strong>. É objeto técnico e ao mesmo t<strong>em</strong>po, meio<br />
técnico do hom<strong>em</strong>. Segundo este autor, existiria um conjunto <strong>de</strong> técnicas<br />
do corpo, uma série <strong>de</strong> atos montados no indivíduo por ele próprio<br />
e por sua educação, na socieda<strong>de</strong> da qual faz parte, conforme o<br />
lugar que nela ocupa.<br />
A concepção <strong>de</strong> Mauss <strong>de</strong> que o corpo seria o primeiro e o mais<br />
natural instrumento do hom<strong>em</strong>, nos r<strong>em</strong>ete inevitavelmente a Lévi-<br />
Strauss, para qu<strong>em</strong> o corpo seria o lugar <strong>de</strong> encontro entre a natureza<br />
62 Ciências Humanas <strong>em</strong> Revista - São Luís, V.5, n.2, <strong>de</strong>z<strong>em</strong>bro 2007