21.09.2013 Views

Guilhermina Jorge - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Guilhermina Jorge - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

Guilhermina Jorge - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Três questões sobre língua e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> 217<br />

uma interpenetração com a experiência humana, com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, propiciando<br />

ao saber uma certa humanização.<br />

Campo inesgotável <strong>de</strong> florilégios <strong>da</strong> linguagem, as EIs percorreram<br />

um longo caminho e an<strong>da</strong>ram <strong>de</strong> boca em boca, mantendo, assim, um<br />

elo com os nossos antepassados, próximos ou longínquos. Outras há<br />

que nascem no dia a dia, participando no dinamismo e na mu<strong>da</strong>nça <strong>da</strong><br />

língua. São também o resultado <strong>da</strong>s miscigenações culturais, dos contactos<br />

entre línguas e <strong>da</strong>s partilhas entre povos – <strong>de</strong>spedir-se à francesa<br />

6 , falar francês como uma vaca espanhola, ver-se grego, per<strong>de</strong>r o<br />

seu latim, ser para inglês ver, ser chinês. Outras ilustram traços intrínsecos<br />

<strong>de</strong> um povo, <strong>de</strong> uma cultura, preservando uma i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> geográfico-cultural<br />

– ver navios do alto <strong>de</strong> Santa Catarina, passar as passas<br />

do Algarve, ser mais antigo/velho que a Sé <strong>de</strong> Braga, meter o Rossio<br />

na rua <strong>da</strong> Betesga, man<strong>da</strong>r para a Casa Pia, ser do tempo dos<br />

Afonsinhos, ser amigo <strong>de</strong> Peniche 7 , ou traços <strong>de</strong> alguém – o que fala<br />

<strong>de</strong>mais é um fala barato, o que tem medo an<strong>da</strong> com o credo na boca,<br />

o que está triste fica com cara <strong>de</strong> enterro, o distraído é um cabeça <strong>de</strong><br />

vento, o maldizente tem a língua afia<strong>da</strong>...<br />

Mas a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma língua, <strong>de</strong> uma cultura, constrói-se<br />

também nas suas diferenças e na capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> que o homem <strong>de</strong>monstra<br />

em li<strong>da</strong>r com esta plurali<strong>da</strong><strong>de</strong> para a construção <strong>de</strong> um todo. As EIs<br />

ilustram diferenças (lexicais, morfológicas, idiolectais, regionais,<br />

sociais...) e a sua riqueza advém também <strong>da</strong>s suas múltiplas formas <strong>de</strong><br />

expressão, <strong>da</strong>s suas variantes (subvertendo parcialmente a sua própria<br />

lexicalização e permitindo algumas substituições num paradigma<br />

sempre finito).<br />

As variantes po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong> vários tipos:<br />

a) variantes verbais:<br />

atirar areia para os olhos / <strong>de</strong>itar areia para os olhos<br />

acertar as contas a alguém / ajustar as contas a alguém<br />

afogar-se num copo <strong>de</strong> água / ferver num copo <strong>de</strong> água<br />

<strong>de</strong>itar água na fervura / pôr água na fervura<br />

6 Veja-se o equivalente francês – ‘filer à l’anglaise’ (o equivalente inglês é idêntico<br />

ao português – ‘to take french leave’). Cf. <strong>Jorge</strong> (1997: 40) “(...) to<strong>da</strong>s as expressões,<br />

embora com referentes diferentes, acabaram por adquirir um mesmo sentido,<br />

o que pressupõe uma interpenetração cultural que ultrapassa as fronteiras nacionais,<br />

criando zonas <strong>de</strong> miscigenação cultural”.<br />

7 Cf. os seguintes exemplos <strong>de</strong> francês: ‘se porter comme le Pont-Neuf’, ‘faire une<br />

promesse <strong>de</strong> gascon’, ‘donner une réponse <strong>de</strong> normand’, ‘faire son cours à Asnières’,<br />

‘avoir l’air <strong>de</strong> revenir <strong>de</strong> Pontoise’, etc.<br />

– UNIL –

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!