Guilhermina Jorge - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Guilhermina Jorge - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Guilhermina Jorge - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Três questões sobre língua e i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> 221<br />
um mistério para o falante <strong>de</strong> uma outra língua que tenta penetrar, enquanto<br />
‘Outro’, nessa língua. As línguas têm maneiras muito diferentes<br />
<strong>de</strong> se expressar, <strong>de</strong> traduzir os seus sentimentos, as suas emoções,<br />
as suas sensações, <strong>de</strong> <strong>de</strong>notar ou <strong>de</strong> conotar certos lexemas...<br />
Tal como Berman <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos que não existe uma teoria geral <strong>da</strong><br />
tradução, mas várias teorias que <strong>de</strong>veriam ser activa<strong>da</strong>s no acto <strong>da</strong><br />
tradução. O binómio experiência/reflexão substituiria o <strong>de</strong> prática/teoria.<br />
E como Derri<strong>da</strong> diremos que “rien n’est plus grave qu’une traduction”<br />
15 . Traduzir é correr riscos, traduzir é arriscar. E quando se trata<br />
<strong>de</strong> expressões idiomáticas, esses riscos aumentam, a experiência alia<strong>da</strong><br />
à reflexão estará presente e orientará o tradutor nas suas opções.<br />
E para <strong>de</strong>itar mais achas à fogueira abrasadora <strong>da</strong> política actual, e<br />
à fogueira incan<strong>de</strong>scente e inesgotável <strong>da</strong> fraseologia <strong>da</strong> língua portuguesa,<br />
<strong>de</strong>ixamos, para simples reflexão tradutológica e fraseológica,<br />
o seguinte receituário:<br />
Antes <strong>de</strong> mais, o político perfeito tem <strong>de</strong> saber o terreno que pisa, saber<br />
os cantos à casa, saber o que a casa gasta, conhecer os bois pelos nomes e<br />
saber on<strong>de</strong> está o gato. Não precisa <strong>de</strong> saber a potes, mas tem <strong>de</strong> saber <strong>de</strong><br />
que lado lhe chove, saber as linhas com que se cose, saber mexer os cor<strong>de</strong>linhos,<br />
saber mais a dormir do que muitos acor<strong>da</strong>dos, saber levar a<br />
água ao seu moinho e saber ven<strong>de</strong>r o seu peixe. Também <strong>de</strong>ve saber<br />
como elas lhe mor<strong>de</strong>m – e saber como elas lhe doem – sempre que lhe sai<br />
o tiro pela culatra. O político perfeito tem, em suma, <strong>de</strong> ser sabido – astuto,<br />
esperto, manhoso, matreiro e experiente – se não quiser ouvir um dia<br />
alguém dizer: ‘Afinal ele sabe tanto disto como eu <strong>de</strong> lagares <strong>de</strong><br />
azeite!’ 16 .<br />
Com estes breves apontamentos quisemos afirmar que as expressões<br />
idiomáticas, enquanto parte integrante <strong>de</strong> uma língua natural,<br />
constituem um óptimo veículo <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Bibliografia<br />
BERMAN, A. (1985): “La traduction et la lettre ou l’auberge du lointain”,<br />
Les tours <strong>de</strong> Babel, Mauvezin, Trans-Europ-Repress.<br />
DUNETON, CL. (1990): Le Bouquet <strong>de</strong>s expressions imagées, Paris, Seuil.<br />
GIBBS, R. (1980): “Spilling the Beans on Un<strong>de</strong>rstanding and Memory for<br />
Idioms in Conversation”, Memory and Cognition, 8.<br />
15 Citado in artigo <strong>de</strong> João Barrento, Jornal Público, 25 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 1993.<br />
16 Cf. artigo <strong>de</strong> Alfredo Barroso “A bem <strong>da</strong> nação”, Jornal In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte, 2 <strong>de</strong> Fevereiro<br />
<strong>de</strong> 1996, p. 68.<br />
– UNIL –