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Rodrigo Oliveira<br />
Espaço Renato Russo<br />
Por Sérgio Moriconi<br />
De um modo geral, as pessoas<br />
costumam negligenciar a<br />
amplitude e o verdadeiro<br />
sentido das superquadras no plano<br />
original do urbanista Lucio Costa.<br />
Inspiradas no conceito dos superblocks<br />
ingleses do final da Segunda Grande<br />
Guerra, as superquadras deveriam ser<br />
centros de convivência completos, com<br />
escolas primárias, ginásios, parques<br />
infantis e comércio local. Um conjunto<br />
de quatro superquadras formaria uma<br />
“unidade de vizinhança”, quadrilátero<br />
ainda maior que incluiria um clube<br />
social para lazer e esporte, uma<br />
igreja e escolas-parques para o ensino<br />
complementar de práticas artísticas<br />
e esportivas.<br />
O golpe militar de 1964 iniciou um<br />
irreversível processo de mediocrização<br />
da cidade. A ideia das unidades<br />
de vizinhança apenas vingou no<br />
“quadrilátero histórico” das<br />
superquadras 108/308/109/309.<br />
Histórico por ter conseguido<br />
preservar e realizar na prática o<br />
plano original e por ter abrigado no<br />
início dos anos 60 – antes do golpe,<br />
portanto – a Novacap, e logo em<br />
seguida a Fundação Cultural do DF,<br />
dirigida no período 1960/62 pelo,<br />
imaginem só, poeta Ferreira Gullar.<br />
A localização da Fundação<br />
Cultural se revelaria estratégica. Nas<br />
suas imediações funcionavam os<br />
seminais colégios Caseb e Elefante<br />
Branco, a Escola Parque e, ao seu lado,<br />
na W-3, em frente à Praça 21 de Abril,<br />
o Cine Cultura. Mais adiante, entre a<br />
107 e a 108 Sul, o Cine Brasília. A<br />
cultura da nova cidade, em seus vários<br />
campos, nasceu ali. Os primeiros<br />
artistas brasilienses foram forjados nos<br />
cursos de arte do colégio CIEM e do<br />
Pré-Universitário (coordenado por Laís<br />
Aderne), em sessões de cinema nos<br />
cines Brasília, Cultura e no cineclube<br />
da Escola Parque, palco também de<br />
peças de teatro e espetáculos de música.<br />
O território em torno da 508 Sul se<br />
afirmou como um verdadeiro corredor<br />
cultural quando, em 1973, três galerias<br />
de arte foram abertas no prédio da<br />
Fundação e os vários galpões contíguos<br />
desocupados foram transformados, em<br />
1975, já com o embaixador Wladimir<br />
Murtinho à frente da Secretaria<br />
de Cultura, nos teatros Galpão<br />
e Galpãozinho. O prestígio de<br />
Murtinho serviu de para-raios à<br />
sanha repressora da ditadura militar.<br />
Sob a gestão de Murtinho, a cultura<br />
de Brasília cresceu e floresceu a partir<br />
de nichos fundamentais de formação:<br />
o Centro de Criatividade, aberto em<br />
1977, os teatros Galpão e Galpãozinho,<br />
espaços que viram nascer o Clube do<br />
Samba, de Carlos Elias, e a Feira de<br />
Música (incluindo o Jogo de Cena),<br />
de Néio Lúcio, que chegava a atrair<br />
multidões para a W-2 Sul. Marchas<br />
e contra-marchas do destino fizeram<br />
esses espaços desaparecerem<br />
e renascerem das cinzas.<br />
Rebatizado de Espaço Cultural<br />
Renato Russo em homenagem ao líder<br />
da Legião Urbana, que ali realizou<br />
alguns de seus primeiros shows, este<br />
Fênix aberto em 1993 sob a batuta<br />
guerrilheira de Tetê Catalão, hoje<br />
dirigido pelo fotógrafo Rui Faquini,<br />
remanescência do Centro de<br />
Criatividade, é uma indicação de<br />
que algo naquela região ainda pulsa.<br />
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